quinta-feira, junho 12, 2014

Congresso defende a democracia representativa - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 12/06

É fácil prever o que acontecerá se este golpe de gabinete não for derrotado: imagine-se uma comissão controlada por militantes do MTST instalada no Ministério das Cidades


A maneira como o Decreto-Lei 8.243 foi baixado, na surdina, denunciou o cuidado do governo em não chamar a atenção. O Planalto, portanto, sabia que o lançamento da Política Nacional de Participação Social (PNPS) e a instituição de uma miríade de comissões, conselhos, fóruns, “mesas” e similares na administração direta e estatais não transitariam sem críticas da sociedade. Mesmo assim tentou, e ainda tenta, tornar o fato consumado.

O Congresso, o Planalto driblou por meio do decreto-lei. Mas, felizmente, não está sendo fácil o governo Dilma contrabandear para dentro do Estado brasileiro um esquema de vários tentáculos pelos quais a máquina pública será ainda mais aparelhada por grupos de aliados políticos e ideológicos, disfarçados de representantes da “sociedade civil". Tudo isso enquanto parte do poder do Congresso é desidratado e transferido para o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), criado pelo mesmo decreto — e a ser tripulado por companheiros indicados por comissários.

Pela importância da medida, capaz de alterar o regime de democracia representativa estabelecido na Constituição, este não é assunto para decreto-lei. Seria, mas numa ditadura.

A oposição apresentou projeto de decreto legislativo para revogar o ato da presidente, e obteve apoio também de parlamentares da base do governo. O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), não o colocou em pauta, mas propôs a Dilma revogar o 8.243 e enviar as mudanças em projeto de lei. É a melhor alternativa, também apoiada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Diante da obstrução dos trabalhos que a oposição passou a fazer, em protesto contra o conjunto desta obra prima do autoritarismo, Alves e Renan suspenderam na terça as sessões nas duas Casas até depois do final da Copa. Dilma terá este tempo para uma reflexão.

Esta espécie de Cavalo de Troia da democracia direta, de pedigree chavista, é empurrado para dentro do Estado por frações radicais do PT, aproveitando-se do mau momento político-eleitoral da candidata Dilma.

O principal arauto do decreto, ministro Gilberto Carvalho, a quem esta enorme sanguessuga ideológica ficará subordinada, segundo o decreto, tenta amenizar, mencionando as comissões e entes semelhantes que já existem. Acontece que alguns deles como Anvisa, uma agência, e Conanda — comissão ligada a assuntos do menor de idade — são maus exemplos, pois costumam tentar assumir poderes do Legislativo.

A própria constitucionalidade do PNPS, trombeteada por petistas, é discutível. Em artigo na “Folha de S.Paulo”, o jurista Ives Gandra garantiu que o decreto-lei fere a cláusula pétrea constitucional da autonomia e independência dos Poderes. É fácil prever o que acontecerá se este golpe de gabinete não for derrotado. Basta imaginar uma comissão controlada por representantes do MTST instalada no Ministério das Cidades.

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