quinta-feira, maio 08, 2014

Uma caderneta de reclamações - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 08/05

Dinheiro para a caderneta de poupança escasseia; poupador percebe que as coisas não vão bem


NESTE INÍCIO de ano, o dinheiro que entrou na poupança equivale a um terço do que foi aplicado no começo de 2013. Em abril, houve mais saques do que depósitos. Não é possível saber, preto no branco, o que está acontecendo. Mas as pessoas que ainda tinham ou têm algum dinheiro poupado sabem o que se passa; o que sabem não diz algo de muito bom sobre a economia.

O baque na poupança pode ser devido à inflação. O rendimento da poupança foi nenhum em 2013. Tem sido nenhum em 2014. A inflação come o rendimento dos juros. Pode ser que os poupadores estejam migrando para outras aplicações em busca de rendimento. Não é possível saber com certeza.

Para aqueles poupadores que costumam deixar dinheiro nas cadernetas, a alternativa de aplicação costuma ser um fundo de investimento. Nos últimos 12 meses, mais saiu do que entrou dinheiro nos fundos em geral, descontados os rendimentos.

Mas a conta é difícil. O patrimônio dos fundos é muito maior, o quádruplo dos depósitos nas cadernetas. Podem ocorrer movimentos subterrâneos que talvez escondam uma migração da poupança para fundos (ou não). Por exemplo, pode ser que investidores maiores tenham fugido de fundos, dando lugar ao dinheiro de poupadores cansados do ganho nulo da caderneta.

O baque na poupança pode ser devido à alta de juros. Com juros maiores, mais e mais fundos passam a ter rendimento maior que o da poupança. Taxa de juros alta não é boa notícia para quase ninguém.

O baque na poupança pode ser devido ao pagamento de dívidas. No início do ano, os mais remediados enfrentam carga pesada de despesas extras, como se sabe: IPVA, IPTU, escola, rescaldo dos excessos de festas de final de ano e férias e, por vezes, até Imposto de Renda.

O baque na poupança pode ser devido ao crescimento mais lerdo da renda. Seja qual for o nível de endividamento ou padrão de gastos, o rendimento médio está crescendo mais devagar, assim como a massa salarial (a soma de todos os rendimentos do trabalho), pois há menos gente trabalhando, ao menos nas grandes metrópoles. Há menos renda disponível para poupar.

Em si mesmo, fique bem claro, que menos dinheiro entre na poupança tem bem pouca importância econômica. No entanto, que menos dinheiro vá para a caderneta significa obviamente uma mudança de comportamento que reflete em parte desmelhoras evidentes na economia.

Não, o Brasil "não vai explodir em 2015", como disse Dilma Rousseff. Quase ninguém com alguma coisa entre as orelhas além de vento diz tal coisa. A presidente outra vez discute com um espantalho fantástico, criado por ela mesma, a fim de ignorar críticas a seu governo, as quais chama de "guerra psicológica adversa", a explicação presidencial para o pessimismo da população.

No ritmo em que vai a política econômica, reafirmado na última semana pela presidente, o Brasil vai apenas se arrastar mediocremente. Mesmo pessoas que não dão à mínima para debates econômicos, quase todo mundo, percebem problemas pelo menos desde meados de 2012, mostram as pesquisas.

Não é uma explosão, mas um suspiro que varia do enfado à irritação, causado também pela desmelhora econômica, por preços altos e juros altos. Mas não apenas.

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