quinta-feira, abril 03, 2014

Até quando inflação acima de 4,5%? - SOLANGE SROUR CHACHAMOVITZ

VALOR ECONÔMICO - 03/04

Quem acredita que podemos desrepresar os preços controlados aos poucos deveria olhar a composição do IPCA

A pergunta do título deste artigo não poderia ser diferente. O contínuo represamento de preços, como de combustíveis, energia elétrica e ônibus urbano, já nos condenou a uma taxa de inflação superior ao centro da meta nos próximos anos. A questão é até quando. A resposta não depende apenas da estratégia do próximo governo em promover os reajustes desses preços, escalonados ou não, depende essencialmente da vontade política de se fazer cumprir o centro da meta de inflação estabelecida pelo CMN.

Desde 2008 o Brasil convive com uma inflação média de 5,73%. Nessa conta está incluído o ano de 2009, ano da crise, quando a inflação no mundo despencou e no Brasil ficou um pouco abaixo do centro da meta, em 4,3%. Se considerarmos o período 2010-2013, a inflação média é de 6,04%. A média não é uma estatística distorciva, pois nesses quatros anos o IPCA ficou bem próximo de 6% em cada ano. Para 2014, o mercado projeta um valor bem próximo ao topo da meta, 6,5%. Pode-se então conjecturar que esta seja a nossa inflação basal ?

O conceito de inflação basal, ou qualquer outra denominação que se utilize para a existência de um nível mínimo de inflação com a qual o Brasil está condenado a viver, envolve o pressuposto de que, mesmo após mais de uma década adotando o regime de metas de inflação, não fomos capazes de diminuir a inércia e a indexação inflacionária. Soa estranho acreditar que o Brasil tenha sérios problemas estruturais de oferta que não nos permitem conviver com uma inflação parecida com a dos demais emergentes. A tese da inflação estrutural é uma tese da década de 50/60 e pode ser confrontada com a nossa própria experiência de estabilização após a adoção do câmbio flutuante. Trouxemos a inflação de 12,5% em 2002 para 3,14% em 2006. Em 2007 ficamos um pouco abaixo do centro da meta, mesmo com alimentos subindo mais de 10%.

Quando a política monetária tem como objetivo a estabilidade de preços, o centro da meta pode não ser alcançado com exatidão devido a choques adversos ao longo do tempo, mas a inflação não se estabiliza em um patamar bem mais alto do que o centro por tantos anos. Hoje muitos duvidam da eficácia da política monetária, pois o Banco Central já elevou a Selic em mais de 375 pontos e a inflação não só continua resiliente como as expectativas para os próximos anos são mais altas do que no início do ciclo. Há muitos fatores que atrapalham a convergência da inflação: choque de alimentos, política fiscal mais frouxa, choque cambial, mas não podemos subestimar o fato de que o atual ciclo não foi iniciado com o objetivo de trazer a demanda agregada para um nível mais próximo da oferta.

O discurso das autoridades monetárias era de que o Banco Central ao subir os juros estaria trazendo uma melhora na confiança dos agentes econômicos e consequentemente um aumento da oferta agregada. De fato o baixo crescimento é um problema sério, mas a política monetária pouco pode fazer para resolver essa questão a não ser baixar a inflação. A política monetária deveria ser guiada apenas pelo objetivo de minimizar o desvio da inflação em relação ao centro da meta e o desvio do desemprego em relação ao seu nível não inflacionário. Já faz algum tempo que temos como objetivo colocar o desemprego no seu mais baixo patamar possível com a restrição do IPCA não estourar o teto da meta.

Se continuarmos tentando estabilizar a inflação em um patamar próximo a 6%, corremos o risco de acabarmos em um processo inflacionário grave. Isso porque desde 2010 a inflação só não tem ficado acima de 6% por conta de desonerações e preços represados. Enquanto a média do IPCA desde 2010 está em 6 %, três grupos estão com uma inflação bem acima da média: alimentação em 9%, despesas pessoais em 8,6% e educação em 7,5%. Dois grupos estão com inflação perto de 6%: vestuário e saúde. Quatro grupos estão com inflação abaixo da média: artigos de residência, com 2,9%; transportes, com 3%; comunicação, com 1,2% e habitação, com 5,45%. Tais grupos foram favorecidos com reduções tributárias até hoje vigentes e com represamento de preços administrados. Isso significa que quando formos instados a fazermos um superávit primário maior e restaurar o caixa da Petrobras, tais grupos pressionarão bem o IPCA e dificilmente conseguiremos manter a inflação perto de 6%.

Os que acreditam que podemos desrepresar os preços controlados aos poucos, mantendo o objetivo de deixar a inflação mais próxima o possível do seu nível basal, deveriam olhar com cuidado a composição do IPCA. A inflação não está estabilizada em 6%. A inflação subjacente é cerca de 150 pontos acima desse valor. Como só uma parte dos agentes econômicos está ciente da herança inflacionária que iremos receber é bem provável que no início do processo de desrepresamento assistiremos a uma verdadeira desancoragem das expectativas de inflação.

Será nesse momento que o Banco Central terá que agir resgatando não só o centro da meta como referência, mas também o prazo para o seu alcance. Seu trabalho será tão melhor sucedido quanto maior apoio tiver do governo. Assim como a taxa de juros precisa ser ajustada para trazer a inflação para patamares mais baixos, os demais preços precisam refletir as condições de oferta e demanda dos mais diversos setores. Sem esses dois pressupostos, vamos conviver com uma inflação bem acima de 4,5% nos próximos anos e colocamos em risco o próprio processo de estabilização conquistado com muita luta, após vários planos econômicos mal sucedidos.

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