sábado, março 15, 2014

Os desafios do varejo - RÔMULO DE MELLO DIAS

O ESTADÃO - 15/03

Nos dois anos que se seguiram à eclosão da crise global de 2008, o Brasil tornou-se o mercado preferido de analistas e investidores do mundo todo. Um dos efeitos desse movimento foi a expressiva valorização do real em relação a outras moedas. No início de março de 2010, o dólar americano, por exemplo, valia R$ 1,76, ante os cerca de R$ 2,40 de hoje. A quase euforia foi perdendo fôlego até se transformar numa enorme onda de pessimismo nos últimos meses.

A realidade da economia brasileira provavelmente está em algum ponto entre essas duas visões. Se, lá atrás, não havia justificativas para que fôssemos o "queridinho" dos mercados, tampouco existem hoje elementos para tamanho descrédito no potencial da sétima maior economia do planeta.

Tomemos como exemplo o comércio varejista, que segue como principal motor do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Segundo o IBGE, as vendas do setor cresceram, em média, 5,3% ao ano de 2001 a 2013. O desempenho é bem superior ao de outros países emergentes. O México, hoje um dos preferidos dos investidores internacionais, viu seu varejo crescer num ritmo anual de apenas 2,2% no mesmo período. Nos EUA, que sempre são parâmetro respeitável quando se trata de consumo, o varejo se expandiu 4,6% ao ano no mesmo intervalo de tempo.

Especificamente em 2013, o comércio varejista brasileiro teve alta real de 5,7% em receita de vendas, de acordo com o Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA), criado pela Cielo e obtido por meio das transações efetuadas nas plataformas de pagamento da companhia. Para os próximos anos, o foco desse crescimento deverá estar em regiões fora do eixo das grandes capitais, conforme indica tendência apurada também pelo ICVA. No ano passado, Estados das Regiões Norte e Nordeste, como Amapá e Piauí, foram os que apresentaram maior crescimento nominal do varejo, ambos com 21,2% em termos nominais.

O bom desempenho dos últimos anos não significa, evidentemente, que o céu será sempre livre de nuvens. O varejo, como de resto toda a economia brasileira, precisa superar uma série de desafios para se manter em alta. Em termos conjunturais, os recentes ajustes para cima na política monetária encarecem o custo do crédito, impondo um obstáculo para a manutenção dos bons níveis de demanda por empréstimos e financiamentos e, por tabela, para a expansão do mercado doméstico.

Também não se pode desprezar a alta do dólar, cuja valorização diante do real impacta diretamente os preços de muitos produtos que compõem a cesta de consumo de todas as classes sociais. Nos últimos anos, a participação dos importados no consumo dos brasileiros cresceu fortemente, alcançando o recorde de 21,8% em 2013, segundo estudo conduzido pela Funcex em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Saindo da esfera do varejo, o panorama é semelhante. Reduzir a inflação para o centro da meta de 4,5% ao ano é um desafio que já mobiliza o Banco Central. Mas os recentes aumentos da taxa básica de juros (Selic) ainda levarão tempo para surtir o efeito desejado. Na política fiscal, a despeito do compromisso assumido pelo governo federal com um superávit primário de 1,9% do PIB em 2014, ainda restam dúvidas entre investidores e analistas se esse nível de poupança pública será atingido num ano eleitoral. Por fim, não se pode esquecer do ambiente global ainda instável, com importantes incertezas em relação à performance das duas maiores economias do planeta, EUA e China.

Nesse cenário, o empresário e o lojista têm de apurar o faro para superar os desafios e aproveitar as boas chances que ainda estão no horizonte. O comércio varejista brasileiro permanece forte a ponto de muitos especialistas classificarem esta década como "a década do varejo". Na pior hipótese, deveremos assistir a uma desaceleração do crescimento do setor. Prova de que, apesar dos obstáculos, não há um desvio de rota.

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