quinta-feira, fevereiro 20, 2014

Palavra banida - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 20/02

Pelo modelo do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a ordem para despachar as termelétricas vai, claro, da mais barata até a mais cara. Há uma escala que vai até além da que vende energia ao preço maior. Quando chega nesse pico, e ainda há necessidade de energia, o modelo determina que se corte 5% da carga. Já se chegou a esse ponto, segundo fontes do setor.

Para quem ainda tenta se acostumar com os termos do setor - um dialeto muito peculiar - "despachar" é mandar a térmica fornecer a sua energia ao sistema integrado. E "cortar carga" é reduzir a oferta para as distribuidoras. Bom, mas se há demanda e a oferta pode ser reduzida, isso vai dar em racionamento?

Pergunta inconveniente. A palavra está banida do dicionário porque não cabe no calendário político da presidente Dilma. Nessa situação difícil, pelo menos uma empresa estadual já recebeu ordens não explícitas de que reduzisse a oferta aos seus maiores clientes. O nome disso é aquela palavra banida do dicionário.

A crise da energia está produzindo vários efeitos em cascata. Um deles é prejuízo nas empresas. Só uma delas, a Elektro, que serve à região de Campinas, está com 18% de energia descontratada. Explicando: 18% de tudo o que ela tem que fornecer ela não comprou, não tem, portanto, para entregar. Quando isso acontece, a empresa compra no mercado livre e nele o preço disparou para R$ 822 o MWh, um custo no mínimo quatro vezes maior do que ela pode cobrar.

É uma empresa grande que distribui 4% da energia do país, ou, 13 mil gigawatt/hora/ano. O problema é que esse descasamento é um custo financeiro que pesa cada vez mais sobre a empresa e que, pela regulação, ela só pode passar para o consumidor no reajuste do ano seguinte. Em agosto de 2015 é que essa empresa poderá cobrir o custo enorme que está tendo agora com essa necessidade de compra no mercado livre.

Não é a única que está exposta a esse problema. Várias outras estão. O que o setor diz é que a Empresa de Planejamento Energético (EPE), em alguns dos leilões para acertar as geradoras e as distribuidoras, fixou o preço máximo muito baixo. Em pelo menos um leilão não apareceu quem quisesse vender energia. Houve novo leilão tempos depois, a um preço maior, que cobriu alguns desses buracos. Mas não todos. Esse é um dos vários curtos-circuitos do setor atualmente.

Há outros, como o custo das termelétricas que também onera as distribuidoras. No ano passado, o Tesouro socorreu as empresas com R$ 9,5 bilhões. Este ano, o orçamento prevê outros R$ 9 bilhões, mas já se sabe que será mais porque está se usando mais termelétrica do que se imaginava.

O ministro Guido Mantega não quer incluir os custos extras nas contas fiscais que está preparando. O problema é que se não o fizer estará omitindo uma despesa que todo mundo já sabe que ocorrerá.

Ele conta com a hipótese de chover bastante e elevar os reservatórios. Aí, menos térmicas seriam usadas. Tomara, mas os números oficiais do ONS são de que o nível dos reservatórios do Sudeste caiu de novo para 35,3%. Eles também estimam que fevereiro terminará com chuva no mês de 41% da média histórica. No começo do mês, achavam que poderia ser 55%. Para março, preveem 69% da média histórica. Se acontecer isso, o calculo é de que os reservatórios terminem fevereiro em 38% e março em 41%. Num ano bom, como foi 2012, esse número oscilou entre 75% e 80% entre janeiro e fevereiro.

Muito calor, pouca chuva; muita confusão, pouco juízo; muito prejuízo, pouca transparência sobre como tudo isso será resolvido. Assim caminha o setor energético brasileiro. O que o governo faz é negar que o problema exista. E ele só faz crescer.

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