quinta-feira, fevereiro 06, 2014

Não há heróis na Papuda - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 06/02

Ao contrário do que insistem os petistas, os mensaleiros não são mártires condenados por um tribunal de exceção; são criminosos que lesaram gravemente a democracia brasileira



A Penitenciária da Papuda, em Brasília, tem desde terça-feira mais um mensaleiro como hóspede: João Paulo Cunha, deputado federal e ex-presidente da Câmara. O petista, condenado em caráter definitivo a 6 anos e 4 meses de prisão por peculato e corrupção no contrato da Câmara Federal com a agência de publicidade de Marcos Valério, apresentou-se poucas horas após a assinatura de seu mandado de prisão expedido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa. Ele ainda espera a análise de um embargo infringente e poderá ter acrescidos à sua pena mais 3 anos de prisão por lavagem de dinheiro.

Como já se tornou praxe entre os mensaleiros petistas, Cunha fez questão de reafirmar a inocência e atacou a legitimidade do julgamento do STF que o condenou juntamente com outros 24 envolvidos no mensalão, esquema para compra de votos de parlamentares para a aprovação de projetos governistas. Em carta divulgada pouco antes de se entregar, o deputado afirmou categoricamente ter sido condenado em um “julgamento político” – em uma flagrante contradição com as declarações de dois dias atrás, em artigo publicado na Folha de S.Paulo, quando reconheceu que “formalmente vivemos em um Estado Democrático de Direito, que garante o diálogo entre o juiz e o réu”.

No ano passado, quando José Dirceu e José Genoino foram presos, também se autoproclamaram “presos políticos”, num flagrante desrespeito pelo STF. Desrespeito, aliás, também demonstrado pelo deputado paranaense André Vargas, vice-presidente da Câmara, na reabertura dos trabalhos do Congresso na segunda-feira. Durante a cerimônia, Vargas teve um comportamento no mínimo inadequado ao lado do ministro Joaquim Barbosa. Com o punho cerrado e erguido, mesmo gesto adotado por Dirceu e Genoino quando foram presos, o deputado paranaense parecia desafiar o presidente do Supremo. Em mensagens de texto, enviadas durante a cerimônia e registradas por fotógrafos, o petista teria sugerido querer “dar um cotovelada” em Joaquim Barbosa. Vindas de partidários apaixonados dos mensaleiros, as atitudes de Vargas poderiam ser taxadas de falta de educação, mas, tratando-se de um político em pleno exercício de mandato e vice-presidente da Câmara Federal, se esperava ao menos uma demonstração de respeito pelas instituições do país.

Embora seja compreensível que os condenados na Ação Penal 470 e seus partidários não tenham ficado satisfeitos com as penas recebidas, causa espanto a exaustiva tentativa de denegrir a legitimidade do julgamento do STF e defender a tese de que o mensalão não passa de uma fantasia roteirizada por supostos inimigos do projeto petista de governo. Nada mais falso. O Brasil não é uma ditadura – para desalento de alguns ex-guerrilheiros e hoje mensaleiros que queriam implantar o regime comunista no país décadas atrás – onde existem tribunais de exceção. Cunha, em sua carta de terça-feira, afirmou que “o Estado Democrático de Direito foi desrespeitado quando se limitou o direito à ampla defesa”, outro grande engano. A democracia brasileira, embora jovem, concede, sim, pleno direito à defesa, ainda mais efetiva quando o réu possui meios para contratar os mais conceituados advogados, como os que defenderam os petistas durante o julgamento do mensalão. Tanto é verdade que a defesa de Cunha pôde apresentar um embargo infringente ao STF. A corte aceitou o recurso, que deverá ser analisado em breve e pode reverter a condenação a 3 anos de prisão por lavagem de dinheiro. Não são características de um tribunal de exceção, nem de um julgamento político.

O mensalão não é um conto da carochinha – quem dera que o fosse! – inventado por ministros malvados do STF para martirizar os paladinos petistas da moralidade e da justiça social. Aliás, até o líder-mor do partido, o ex-presidente Lula, quando o escândalo atingiu o auge, chegou a dizer que o PT deveria desculpar-se com a nação. Pena que o momento de lucidez se esvaneceu rapidamente, dando lugar à encarniçada sanha por desmentir a existência do esquema de corrupção e forjar um papel heroico aos mensaleiros. Na Penitenciária da Papuda não há heróis vítimas de perseguição política. Há réus condenados por um dos maiores esquemas de corrupção da política brasileira e que lesou gravemente a democracia.

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