quinta-feira, fevereiro 06, 2014

Indústria cambaleia - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 06/02
A indústria brasileira chega ao ponto de questionamento a que nos leva Carlos Drummond de Andrade no poema José: "E agora, José? A festa acabou, a luz apagou.". De fato, o setor encontra-se numa espécie de encruzilhada, com o pior desempenho desde o governo Collor, uma retração média anual de 0,3% ao longo do mandato da presidente Dilma Rousseff. A produção das fábricas recuou ao nível do fim de 2009, primeiro ano depois da eclosão da crise internacional deflagrada pelos títulos podres do mercado imobiliário norte-americano. E o futuro apresenta-se turbulento.
Num paralelo com os versos do poeta mineiro, a festa dos benefícios fiscais chegou ao fim e o blecaute que anteontem deixou sem luz 6 milhões de moradores de 11 estados trouxe de volta o velho fantasma do apagão (seja o da energia, seja o da infraestrutura), risco que investidor nenhum quer correr. Mas não é só. Os juros estão em franca escalada, o mercado interno já não apresenta a força de antes, aproximando-se do ponto de saturação, e o externo tampouco ajuda. Exemplo é a Argentina. Importador de quase meio milhão de veículos brasileiros em 2013 - o equivalente a 87,5% do volume exportado -, o país vizinho anunciou corte de 27,5% nessas compras nos três primeiros meses deste ano.

Os números não negam: a indústria nacional patina, tendo crescido 0,4% em 2011, encolhido 2,6% em 2012 e fechado 2013 com expansão de 1,2%, numa sequência anual de desempenhos ruins sobre resultados medíocres. Se precisava de sinal vermelho mais forte, ele veio no apagar do último ano, com queda de 3,5% em dezembro (em relação a novembro), no pior desfecho desde 2008.

O mês foi mesmo surpreendente, com nada menos que 1,3 mil empresas concedendo férias coletivas, 20% mais do que em dezembro de 2012; e 22 de 27 ramos industriais pesquisados pelo IBGE registrando queda de produção. Não é à toa que a participação do setor na composição do Produto Interno Bruto (PIB) encolhe: de quase 39% nos anos 1990, está em torno de 14%, mesmo nível da agricultura, enquanto os serviços respondem por 72%.

A competividade da indústria vai para o buraco com a elevada carga tributária do país, a deficiência de infraestrutura, a mão de obra pouco qualificada (cuja produtividade, no chão da fábrica, é equiparável a um quinto da de um trabalhador norte-americano), os juros em alta, o consumo enfraquecido pelo endividamento das famílias, as incertezas internacionais.

O desafio é resolver esses gargalos e investir em inovação, para maior inserção no mercado globalizado, em que a política de substituição de importações caducou. Tanto que, no mercado formal brasileiro, 20% dos produtos manufaturados são provenientes do exterior; e os outros 80%, em regra, dependem de componentes importados.

Em suma, as perspectivas para 2013 frustraram-se, 2014 começa com pessimismo generalizado e analistas reveem para baixo (já se fala em 1,5%) a expansão da economia. A hora de corrigir rumos é, pois, o quanto antes. Ainda que o tempo perdido não volte e a concretização das mudanças necessárias demande prazo longo, urge sinalizar acertos, com medidas imediatas capazes de ventilar o ambiente, não só da indústria, mas do setor produtivo como um todo. Menos impostos e menos burocracia já seria bom começo.

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