domingo, fevereiro 09, 2014

Arnaldices - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 09/02

Arnaldo Antunes critica as manifestações e diz que não usa mais drogas, à exceção de cigarro e álcool, e que não se vende para a publicidade



O carro estacionado no quintal com jardim duas vezes maior que a vaga. Latidos. E Arnaldo Antunes, 53, aparece na janela. "Pode entrar, o portão tá aberto e os cachorros, presos." Assim o músico convida a repórter Ana Krepp para entrar na casa onde vive há mais de dez anos, no Alto de Pinheiros, em SP.

Arnaldo termina de dar uma entrevista para a divulgação de "Disco", lançado em outubro. No corredor que leva aos quartos, murais de fotos com filhos, irmãos, pais, avós, colegas de trabalhos. E muitas, muitas poses com a famosa cara de desconfiado.

Ele evita aprofundar respostas sobre a vida pessoal e explicar as letras de suas músicas. "Tá tudo dito. Ficar explicando muito estraga. Qualquer explicação vai reduzir o potencial que aquilo vai ter de despertar interpretações em cabeças diferentes."

Na casa térrea, o banheiro principal tem azulejos antigos, azuis e amarelos. Mesmo com uma banheira, é espaçoso. Na sala, objetos de decoração estão colocados sem a menor preocupação com estilo ou algum tipo de combinação. Cortinas mexicanas, um telefone analógico azul, um violão ao lado do sofá, uma porta vermelha que dá para o quintal e algumas obras de arte da namorada, a artista plástica Marcia Xavier.

Depois de dois casamentos, o cantor combinou com Marcia de morarem em casas separadas. Ele vive sozinho, mas sempre recebe visitas dos filhos: Rosa, 25, Celeste, 22, Brás, 16, e Tomé, 12.

É com eles e os músicos que o acompanham em shows e gravações que se mantém a par dos lançamentos e de artistas fora do circuito comercial. "Tem uma geração aí da pesada: Criolo, Emicida, Romulo Fróes. Se eu começar a citar os nomes, não vou parar mais. E eu tô conectado com a galera."

Diz que só não conseguiu entender as manifestações de junho do ano passado. "A censura, o gás lacrimogêneo, é tudo igual ao que tinha quando eu era jovem. Mas antigamente tinha um foco, hoje em dia não tem. Você não sabe o que estão querendo. Cada um quer uma coisa, é meio múltiplo demais."

O ex-Titãs faz questão de chegar ao camarim pelo menos uma hora antes de cada show. Mistura metade de uma latinha de cerveja gelada com outra metade de outra mantida fora da geladeira. E saboreia a bebida "na temperatura ideal, nada de estupidamente gelada".

Incenso, objetos esotéricos e purificador de ar com aroma de calêndula assentam boas vibrações. Arnaldo inicia o ritual pré-show. Joga incontáveis anéis no sofá e escolhe oito para pôr nos dedos. Veste pijama azul escuro.

O responsável pelo estilo do músico entra no camarim. "Justo hoje que você veio, saí de casa com o sapato errado, trocado. Olha que ridículo", diz, sobre os calçados diferentes em cada pé. Aponta a troca ao estilista Marcelo Sommer, que cuidou do seu figurino em seis turnês.

O filho do meio de sete irmãos descobriu relativamente cedo, aos 20 e poucos anos, o gosto da fama. Integrou os Titãs de 1982 a 1992. Desde que saiu do grupo, dedica-se à sua carreira solo na música, poesia e artes plásticas. Há anos, evita multidões. "Não vou nessas coisas porque tem que ficar parando, fazendo foto com as pessoas. Onde tem muita gente pra mim é aluguel." Quando integrou Os Tribalistas, ao lado de Marisa Monte e Carlinhos Brown, ganhou ainda mais exposição. O trio fez um sucesso estrondoso com o primeiro e único disco, e não planeja nenhum novo trabalho.

"Sempre que nos encontramos saem muitas músicas novas. A gente faz três numa noite. Uma fagulha que sempre é muito fértil. Mas agora a produção conjunta entra no disco solo de cada um", diz.

Não conseguiu assistir a nem um episódio sequer do reality show musical "The Voice Brasil" (Globo), em que o amigo Carlinhos Brown é um dos jurados. "Acho que faz totalmente sentido o Brown fazer, tem tudo a ver com aquela personalidade." Ele próprio, no entanto, diz não se vê num programa "como aquele".

"Essa sede por novidade e a rotatividade de informação são tão malucas que acabo de lançar um disco e já me perguntam qual é o próximo. É esse!" Ele, enfim, cede e fala sobre o que vem por aí.

Em março, vai lançar "Outros 40", uma compilação de ensaios sobre música, poesia e artes visuais que foram publicados em jornais, livros, revistas, catálogos e outros meios. A obra sairá pela editora Iluminuras.

Em agosto, vai expor na galeria Laura Marsiaj, no Rio de Janeiro. "A exposição será composta de peças feitas com monitores, mostrando simultaneamente animações feitas com fotos de placas e letreiros de rua que faço há muitos anos. Elas formam poemas visuais criados a partir de dizeres tirados do mundo, que se alternam em objetos dinâmicos."

Vai excursionar com o espetáculo "Disco", cujo processo de produção começou independente e foi adotado pelo programa Natura Musical aos 45 do segundo tempo.

Caso não recebesse o patrocínio, tiraria recursos do próprio bolso para viabilizar o projeto. "Investir no meu trabalho é o melhor que posso fazer. De alguma forma, isso um dia volta. Se tiver uma exposição ou então um livro sem editora e que eu precise bancar, faço de olhos fechados", afirma.

Os convites para campanhas publicitárias são sempre estudados criteriosamente. Diz não topar, por exemplo, vender sua imagem numa propaganda. "Nunca fiz comercial em que a minha cara aparecesse. Para usar a minha imagem, eu tenho um grilo." Mudar a letra de suas músicas, então, nem pensar.

"Agora mesmo chegou um convite para usar a música Leitinho', que gravei com o Pequeno Cidadão [banda com repertório infantil da qual fez parte entre 2008 e 2012]. Queriam mudar a letra e eu falei: Não, mudando a letra eu não aprovo'. Também não quero fazer versão de uma canção minha."

A história de Arnaldo com o público infantil começou com as composições de ninar que fazia para sua primogênita, Rosa, dormir quando ainda era um bebê. Compôs para o grupo Palavra Cantada e logo em seguida foi convidado pela TV Cultura para criar uma canção do "Castelo Rá-Tim-Bum". Surgiu "Lavar as Mãos", das mais conhecidas dos anos 1990.

"Já me inspirei muito neles [os filhos], até para coisas que não são para o público infantil. [A canção] Beija Eu', por exemplo, tem esse jeito de dizer que era o deles quando eram pequenos. Pega eu', leva eu', claro que transmitido para uma relação adulta amorosa, só que pegando um pouco a afetividade que vinha da sintaxe que eles usavam comumente."

Arnaldo diz que os quatro filhos são seus melhores amigos e até confidentes. "Numa certa idade, conto a cada um que fui preso, que foi a maior violência que sofri." Ele, que passou quase um mês detido, em 1985, por porte de heroína, aproveita o momento para engatar uma conversa franca sobre drogas.

"Falo que qualquer pessoa tem que ser livre e responsável para lidar com o que quiser. Não deveria ser assunto para legislar. Você pode experimentar qualquer coisa que vá mexer com a sua consciência, com seu corpo, com seu espírito, mas envolve perigo e responsabilidades. É um território perigoso. Mas eu acho que a decisão tem que partir de nós. Então falo dos perigos que existem, dos amigos, das minhas experiências pessoais."

"Hoje em dia, já não tomo mais droga nenhuma. Minha droga é o cigarro e o álcool", afirma o cantor.

Do cigarro, aliás, não desgruda. Durante a entrevista na sala de casa foram incontáveis as vezes em que fumou. "São dois meses fumando e outros dois abstêmio." Arnaldo diz se preocupar mais com a saúde desde que chegou aos 50. "Não consigo me assumir nem como ex-fumante nem como fumante. Eu tô num limbo", admite. "Algumas coisas da minha vida acabam sendo assim."

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