terça-feira, janeiro 21, 2014

Onde estamos? - ANTÔNIO DELFIM NETO

VALOR ECONÔMICO -21/01

Para entender por que precisamos de uma política econômica e social que redirecione a sua ênfase distributiva para uma ampliação do investimento e da produtividade total dos fatores de produção, é importante voltar ao básico. Os problemas que vivemos são, em larga medida, consequências de uma bem-sucedida política de inclusão social, que deve ter um prosseguimento adequado, porque é parte do processo civilizatório que desejamos construir.

Cometemos alguns exageros usando instrumento pouco eficiente para superar a pobreza (principalmente a absoluta), como o salário mínimo, que tem efeitos colaterais dramáticos sobre as finanças públicas. Mas não é possível negar que tivemos um inegável sucesso na superação da Grande Recessão de 2008/09. Exorbitamos, em seguida, na ênfase ao consumo.

Mas isso não pode obscurecer o fato que, no septênio 2007-2013, o PIB cresceu à média anual de 3,5%; a taxa de inflação anual ficou desagradavelmente em torno de 5,8% (30% acima da meta); o balanço em conta corrente foi, na média, de 2% do PIB; a dívida bruta/PIB andou por volta de 60% e acumulamos US$ 290 bilhões de reservas externas, além de testemunhar uma extraordinária inclusão social, acompanhada por significativa redução das desigualdades. Nesse período festejamos a escalada de quatro ratings da Standard & Poor s (de BB+ a BBB).

Desde 2011, entretanto, uma conjunção de fatos internos e externos foi expondo a fadiga crescente da nossa economia. No triênio 2011-2013, o PIB cresceu menos de 2% ao ano; a inflação superou os 6% (com mais de 1% escondido) e o déficit em conta corrente pulou para 2,7% do PIB. Essa é a razão pela qual agora xingamos a Standard & Poor s, que ameaça nos rebaixar.

O que houve? Uma explicação plausível é que o desenvolvimento econômico consistente exige uma certa harmonia no uso do produzido (o PIB) entre o consumo de hoje e o investimento que aumenta a capacidade produtiva que vai satisfazer o consumo de amanhã. Ela pode ser acomodada mais facilmente durante algum tempo com a ajuda da conjuntura externa (como existiu entre 2003-2010), mas não durante todo o tempo.

O desenvolvimento econômico é apenas o codinome de produtividade do trabalho e essa produtividade é função da quantidade e tecnologia do capital alocados a cada trabalhador com seu nível de educação e saúde. Há, em geral, uma covariação entre o nível de tecnologia incorporado ao capital e o nível de educação do seu operador.

A produtividade do trabalho é uma função crescente da relação capital (K)/trabalho (L). Multiplicada pelo número de trabalhadores ela é o PIB. Para que haja desenvolvimento , é preciso que a quantidade de capital por trabalhador, ou seja, que a quantidade de capital do país (K) (infraestrutura, equipamentos, usinas de energia etc.) cresça mais depressa do que a população economicamente ativa (L).

No gráfico abaixo, a população total do país (N) é separada entre dois grandes conjuntos: os que estão trabalhando (L) e recebem salários e os (N-L) que não trabalham e por qualquer motivo (aposentadoria, Bolsa Família, auxílio-desemprego, Loas, RMV etc.) recebem benefícios do Orçamento.

Uma vez produzido, o PIB pode ser usado: 1) no consumo, (C) pelos trabalhadores (L) que recebem salários, e pelos (N-L), que recebem benefícios; 2) pelo governo, que através da tributação se apropria de parte do PIB (G) e o usa, basicamente, para a distribuição aos (N-L). O que sobra (Ig) vai para investimentos em infraestrutura, que se somam aos investimentos do setor privado. Como os recursos são finitos, a distribuição costuma brigar com os investimentos e esses têm, sistematicamente, levado a pior, o que significa menor K/L e, logo, menor produtividade; e 3) no investimento (I) (do governo e privado), que se divide em investimento físico (KF), que vai somar-se ao estoque de capital, e o investimento humano (KH), que vai elevar a educação, a saúde e as habilidades da população, que determinam o crescimento futuro.

O problema é que o nível de investimento privado não depende apenas da existência de demanda, mas do sentimento geral dos investidores, do seu espírito animal . Se eles acreditam (como acreditaram até há pouco), que o governo lhes é pouco amigável, não há incentivo que os mova. O governo fica, então, refém do capitalismo de compadres : os mais ousados e oportunistas que, com dinheiro público lutam por oligopólios protegidos, mas não têm a menor condição de induzir os outros a segui-los.

A única saída para continuar com a política civilizatória é harmonizar as relações entre distributivismo (com porta de saída) e a volta ao crescimento, que é a condição necessária para sustentá-lo, o que exige mais investimento. A fórmula é: maior liberdade de iniciativa e ênfase nos estímulos à competição.

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