domingo, agosto 04, 2013

A negação da justiça - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA 
A entrada do advogado Luís Roberto Barroso para o Supremo Tribunal Federal, na vaga mais recente aberta na corte máxima da Justiça brasileira, é uma decisão que dá medo.

Não há nada de errado quanto ao homem em si. Tanto quanto se saiba, trata-se de um bom cidadão, bom advogado e boa pessoa. Tem experiência e nunca foi reprovado, muito menos por duas vezes seguidas, num concurso público. O problema do ministro Barroso não está em quem ele é. Está no que ele pensa. Seu modo de olhar para a vida, para a Justiça e para a relação entre uma e outra é profundamente perturbador num Brasil onde o crime violento se torna a cada dia uma atividade mais segura para quem o pratica. A presença de Barroso no STF ajuda, e com o tempo talvez garanta, que o tribunal onde se molda o figurino usado todos os dias nas decisões tomadas pela Justiça se enterre ainda mais no esforço geral que vem sendo feito, há anos, para criar um país sem castigo.

Como assim? A corte de Justiça mais alta da República, onde onze doutores e seus 3 000 auxiliares se orgulham de fazer respeitar cada átomo das leis brasileiras, seria um polo do mal? Não foram condenados ali ainda há pouco, no mensalão, malfeitores poderosos? Acontece que as decisões do nosso tribunal supremo, dia após dia, depravam ! o direito essencial do cidadão de ser protegido contra o crime. Vamos aos fatos. Encontra-se em liberdade no Pará o indivíduo que se faz conhecer pelo apelido de "Taradão" - um certo Regivaldo Galva - condenado em júri popular como mandante do assassinato da missionária Dorothy Mae Stang, americana que se naturalizou brasileira, em fevereiro de 2005. A irmã Dorothy era uma senhora de 73 anos; seus matadores acharam necessário meter-lhe seis balas para resolver o problema. Oito anos já se passaram desde que o crime foi cometido; "Taradão" continua livre, porque a pureza jurídica do STF, por decisão do Ministro Marco Aurélio Mello, achou que durante esse tempo todo ele não teve seus direitos de defesa plenamente respeitados. Acusado de ser seu parceiro no crime, o fazendeiro Vitalmiro Moura, vulgo "Bida", já passou por três júris e foi condenado em dois; todos foram anulados, e o homem caminha agora para seu quarto julgamento. "Bida", segundo o STF, não teve "tempo adequado" para preparar a sua defesa - isso num crime praticado em 2005.

Não se trata de aberrações que só acontecem de vez em quando. É a regra. Mais exemplos? Perfeitamente. O médico paulista Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão pela Justiça criminal de São Paulo em novembro de 2010 sob acusação de ter praticado 52 estupros e atentados violentos ao pudor contra suas próprias clientes, foi solto por decisão do Ministro Gilmar Mendes. Sua excelência julgou que o estuprador serial deveria recorrer em liberdade da sentença, pois não representava mais perigo nenhum; como tivera seu registro cassado e não podia mais exercer a medicina, não teria oportunidade de continuar estuprando, já que não iria mais dispor de um consultório para estuprar clientes. Pouco depois, no começo de 2011, Abdelmassih fugiu e até hoje não foi encontrado. O cidadão italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua por quatro homicídios que cometeu na Itália, e apresentado no Brasil como "refugiado político de esquerda", foi outro dos grandes agraciados recentes do STF. Battisti fora condenado, em processo perfeitamente legal, pela Justiça italiana-que deve ser, por baixo, umas 500 vezes melhor que a brasileira. Teve todos os seus direitos estritamente respeitados, e a mais plena liberdade de defesa. Naturalmente, ao descobrir que estava preso no Brasil (por entrada ilegal no país), a Itália pediu sua extradição, e em 2009 o caso foi para o STF. Houve, é lógico, grande irritação do então presidente Lula e de seu ministro da Justiça, Tarso Genro - que considerou o pedido um "desaforo ao Brasil e à democracia". O STF, no fim, entregou a decisão final a Lula, sabendo perfeitamente o que ia acontecer, e de fato aconteceu: no seu último dia na Presidência. Lula decidiu que Battisti iria ficar por aqui. Seguiu-se a habitual simulação de altas considerações jurídicas por parte dos ministros (o seu acórdão era um insulto ao bom-senso: tinha quase 700 páginas) e finalmente, em junho de 2011. suas excelências colocaram Battisti na rua, onde permanece livre até hoje.

O prodígio mais recente da Suprema Corte brasileira aconteceu agora, no início deste último mês de junho, quando se deu como "extinto" qualquer tipo de processo penal pelo assassinato do estudante Edison Tsung Chi Hsueh, morto por afogamento durante um trote na Faculdade de Medicina da USP, a mais celebrada do Brasil. O crime foi cometido, acredite-se ou não, em 1999, e estava sem punição até agora, catorze anos depois; daqui para diante, ficará impune para sempre. Em 2006, após sete anos de enganação judicial, um outro excelso tribunal, o STJ, trancou a ação penal contra os réus denunciados pelo homicídio, impedindo que fossem a julgamento pelo júri - os hoje médicos Guilherme No vita Garcia, Frederico Carlos Jana Neto, Luís Eduardo Passarei li Tirico e Ari de Azevedo Marques Neto. O relator do processo, ministro Paulo Gallotti, concluiu que tudo foi "uma brincadeira de muito mau gosto". Agora, finalmente, o STF decidiu que a regra é clara: para que a lei seja respeitada em toda a sua majestade, o assassínio de Tsung jamais deverá ser julgado. Uma salva de palmas para os doutores Novita Garcia, Jana Neto, Tirico e Azevedo Marques, que hoje oferecem seus serviços nos Facebooks da vida, e estão completamente livres para clinicar. "Eu quero dizer que este tribunal está simplesmente impedindo o esclarecimento de um crime bárbaro", protestou o próprio presidente do STFJoaquim Barbosa. Está, sim - e daí? Vive salvando o couro de todo mundo, de "Taradão" aos ilustres médicos paulistas. Continuará a salvar: histórias como as contadas acima fazem parte de uma lista sem fim.

E o novo ministro, Roberto Barroso - por que ter medo do homem, se ele não participou de nenhuma dessas decisões? Porque o doutor Barroso acha que isso tudo ainda é pouco. Na sua opinião, o problema da Justiça brasileira é que as leis são rigorosas demais e as punições para os criminosos, nos raros casos em que alguém é punido, são realmente um exagero. As sentenças do mensalão, por exemplo, foram uma decisão "fora da curva" - segundo ele, o STF "endureceu sua jurisprudência", ou seja, deixou de lado, por um instante, sua tradição de amolecer diante do crime. As outras convicções do novo ministro, é claro, vão na mesma linha. Ao defender Cesare Battisti - sim. foi ele o advogado do quádruplo assassino no processo de extradição -, afirmou que suas condenações pela Justiça da Itália não poderiam ser levadas em consideração. Barroso chegou a dizer que a democracia italiana, nos anos 70, era "muito mais truculenta do que a ditadura brasileira" - ou que no combate ao terrorismo de esquerda na Itália "morreu mais gente" que no Brasil do AI-5. É uma falsificação grosseira dos fatos - na Itália, durante a época do terrorismo, morreram 2 000 pessoas, mas quase todas foram assassinadas pelos próprios terroristas, e não pela "repressão". As duras prisões preventivas na Itália, de até oito anos, eram rigorosamente previstas em lei, e não inventadas pelo governo. Enquanto isso, no Brasil, a Justiça estava proibida de apreciar qualquer ato cometido por autoridades militares. Será que agora, como ministro do STF, Barroso continua pensando que o AI-5 respeitava mais o direito de defesa do que a legislação da Itália?

O novo ministro também reclama contra o número alto demais de pessoas pobres nas prisões. Não teria ocorrido ao doutor Barroso que há muito mais pobres do que ricos nas prisões porque há muito mais pobres do que ricos no Brasil? O novo ministro acha que só deveriam ir para a cadeia autores de assassinatos ou estupros; todos os demais ficariam em "prisão domiciliar". É contra, naturalmente, a redução da maioridade penal, hoje de 18 anos. Nada disso, claro, está só na cabeça do doutor Barroso. Ao contrário, é o pensamento que predomina entre seus colegas do STF, a Ordem dos Advogados do Brasil e a maioria dos desembargadores, juízes e promotores brasileiros - somados ao Congresso, onde se fabricam todos os truques legais desenhados para proteger os criminosos, ao aumentar ao máximo seus direitos de defesa, as atenuantes para seus crimes e os benefícios para os que acabam condenados. A consequência prática desse modo de ver a vida é a seguinte: no Brasil é permitido matar à vontade, pois para que a lei penal seja perfeitamente cumprida, como exigem os magistrados, será indispensável deixar sem punição quem matou. Está na moda, hoje em dia, chamar essa aberração de "garantismo" - doutrina que se propõe a garantir à defesa virtualmente qualquer desculpa legal que invente para salvar o réu. Na verdade, é apenas outra palavra para dizer "impunidade".

Soma-se a isso o entendimento, cada vez mais aceito em nosso mundo jurídico e político, de que a ideia da responsabilidade individual, em pleno vigor em qualquer país civilizado, se tornou obsoleta no Brasil. Aqui, segundo nossos magistrados e legisladores, o indivíduo não deve ser considerado responsável por seus atos. Quando mata, rouba ou sequestra, a culpa não é realmente dele. É da pobreza em que nasceu, da família que não o apoiou, da publicidade que estimula o consumo de coisas que não pode comprar, dos traumas que sofreu, das boas escolas que não teve, dos empregos mal pagos, das vítimas que possuem dinheiro ou objetos desejados por ele, do alto preço dos jeans, tênis e iPhones - enfim, de tudo e de todos, menos dele. E os milhões de brasileiros que têm origens e condições de vida exatamente iguais, mas jamais cometem crime algum - seriam anormais? Não há resposta para observações como essa.

O resultado está à nossa volta, todos os dias. Vivemos num país que tem 50 000 homicídios por ano - o equivalente, no mesmo período, ao número de mortos na guerra civil na Síria, a mais selvagem em curso no mundo de hoje. Para cada 100 crimes cometidos em São Paulo e investigados pela polícia no primeiro quadrimestre deste ano, apenas três prisões foram feitas. No primeiro trimestre de 2013, houve 101 latrocínios só em São Paulo - mais de um por dia. Ainda em São Paulo, e só ali. 50 000 criminosos liberados para comemorar o Natal ou festejar o Dia das Mães não voltaram à prisão nos últimos dez anos. Em três dias, no Brasil de hoje, mata-se uma quantidade de pessoas igual à que os agentes do governo são acusados de ter matado nos 21 anos de regime militar. Temos uma "Comissão Nacional da Verdade" para investigar 300 mortes de "militantes de esquerda" ocorridas quarenta anos atrás (outros 120 cidadãos foram assassinados pelos grupos de "luta armada"), mas não se investigam, não para valer, os 100 homicídios cometidos nas últimas 24 horas. A selvageria dos assaltantes vai de recorde em recorde; deram, agora, para incendiar vítimas que têm pouco dinheiro no bolso ou para assassinar bebês de 2 anos de idade, como aconteceu em junho num assalto em Contagem, ao lado de Belo Horizonte. Todos os estudos internacionais demonstram uma espetacular redução do crime na maior parte do mundo; determinados delitos, como assalto à mão armada, furto de carros e roubo a bancos, estão simplesmente em via de extinção em muitos países. O Brasil vai na direção exatamente oposta.

Estimular essa barbaridade toda com leis que multiplicam ao infinito os direitos de assassinos e dificultam ao extremo sua punição, como fazem os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, é agredir a democracia e a Constituição brasileira, que garantem a todos, e acima de tudo, o direito à vida. É negar a liberdade, ao fazer com que o cidadão corra o risco de morrer todas as vezes que sai de casa, ou mesmo quando não sai. O doutor Barroso, seus colegas e quem mais pensa e age como eles imaginam que seu "garantismo" ajuda a evitar a condenação de inocentes. Só conseguem criar, na vida real, a garantia para os culpados. É ou não para ter medo?

A Educação roubada - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA 
Todo mundo hoje quer saber onde está Amarildo. Mas também quero saber onde foram parar 40% dos gastos municipais com Educação, desviados por corrupção e incompetência de prefeitos e assessores. Explicando melhor: um estudo de técnicos da Secretaria do Tesouro mostrou que quase metade dos recursos liberados para valorizar professores e equipar escolas não chegou a seu destino. Vamos entender o drama: dos R$ 55 bilhões destinados ao ensino nos municípios, R$ 22 bilhões foram desperdiçados.
Onde estão os bilhões da Educação? Enterrados na vala comum das fraudes e do roubo da verba pública? Onde está o cemitério clandestino da grana que, no fim das contas, sai de nosso bolso em forma de impostos e se destina a um fim nobre? Por que o governo da presidente Dilma Rousseff e os parlamentares não se indignam com esse escândalo que mina nosso desenvolvimento humano e prejudica o resultado do Fundeb - um fundo criado em 2006 para desenvolver a educação básica e valorizar os educadores? Dos 180 municípios fiscalizados entre 2011 e 2012 por técnicos e analistas, mais de 70% apresentaram irregularidades de todo tipo. Licitações simuladas. Falhas de execução de contratos. Despesas incompatíveis com os objetivos do programa.

Saques suspeitos na boca do caixa, logo antes de o prefeito tomar posse. Superfaturamento. Depósito do dinheiro em aplicações financeiras. Remuneração de professores abaixo do piso nacional do magistério. Essa auditoria tem o aval da Controladoria-Geral da União.

A sensação é que os ratos proliferam sem controle entre os políticos. Precisamos de uma multidão de fiscais - e que esses fiscais sejam honestos. Os impostos não param de subir, sob pretexto de melhorar serviços essenciais. Quando a presidente Dilma, aconselhada por Sua Eminência Lula, sugerir a reedição da CPMF para a Saúde e talvez para a Educação, primeiro os contribuintes brasileiros terão de se insurgir com faixas imensas: "Onde foram parar nossos impostos?", "Tapem os ralos de nosso dinheiro!" "Moralizem as contas públicas!" Nas duas últimas décadas, de 1991 a 2010, tivemos conquistas imensas no número de crianças na escola. Hoje, estão matriculados no ensino fundamental 98% das crianças e dos adolescentes entre 7 e 14 anos. É um avanço elogiável. Não foi de graça. A Educação se tornou oficialmente uma bandeira dos governos e passamos a pagar mais impostos. A arrecadação aumentou de 24% do PIB, no início da década de 1990, para 36%, em 2013. Já está claro, porém, que números, sozinhos, não ajudarão o Brasil a entrar no clube dos países desenvolvidos. Terminar o ensino fundamental sem saber ler direito nem fazer conta é uma enganação.

É muito difícil falar em desenvolvimento humano sem falar em qualidade da educação", disse ao jornal O Globo Priscila Cruz, diretora do Todos pela Educação, ONG que reúne empresários e educadores. "Não queremos voltar à situação em que só uma minoria estava na escola e aprendia. Agora a maioria está e não aprende." Nossa tentação é ser otimista. Melhoram os indicadores de renda, a quase universalização do ensino é um fato. Ótimo. Mas tudo vai devagar demais. Mais da metade dos brasileiros de 18 a 24 anos não tem o ensino médio. Vale repetir: estamos no ano 2013, e quase 60% de nossos 22,5 milhões de jovens adultos, no auge de sua capacidade, só terminaram o ensino fundamental. Isso significa que 13,2 milhões de jovens (um número bem superior à população inteira da Bélgica) têm apenas noções básicas de português, matemática, história, geografia e ciência, além de uma imensa dificuldade para entender o mundo e se integrar ao mercado de trabalho.

Com as ruas tomadas por protestos de jovens, nosso Congresso volta do "recesso branco" de julho com ideias incendiárias: criar mais tribunais, inchar a máquina do Estado e promover uma reforma eleitoral que diminua as punições a partidos e candidatos e derrube restrições às doações. Perderam definitivamente a noção de tudo. Deputados e senadores voltaram das férias já enforcando quinta e sexta, porque ninguém é de ferro. "A gente quer voltar já voltando", disse o vice-presidente da Câmara, André Vargas. "Um ou dois dias não fazem diferença." Então tá.

Por essas e outras, não entendo por que pesquisadores de vários países virão ao Rio de Janeiro no dia 6 de agosto para o Congresso de Múmias, no Museu Nacional. São esperados mais de 100 especialistas, envolvidos no estudo de corpos mumificados, no primeiro evento do tipo realizado no Brasil. Erraram de sede. O Congresso de Múmias fica em Brasília. 

A chance de virar o jogo - CLÁUDIA VASSALLO

REVISTA EXAME

A desconfiança mútua entre governo e investidores precisa acabar para o país atacar os problemas de infraestrutura e retomar o rumo do crescimento



NÃO É MAIS SEGREDO PARA NINGUÉM QUE A MAIORIA 
dos empresários e executivos brasileiros consegue ver, com algum grau de nitidez, uma alma estatizante por trás da figura sempre séria e vetusta da presidente Dilma Rousseff. Dois anos e meio se passaram - mais da metade do atual mandato -, a próxima campanha eleitoral já está na rua e a presidente não conseguiu convencer o empresariado e os investidores de que. no fundo, no fundo, confia no mercado. Pode ser uma tremenda injustiça. Mas é assim que as coisas são. E isso tem cobrado um preço alto da economia brasileira, para preocupação de ricos e pobres, de patrões e trabalhadores, gente de esquerda, de centro e de direita.

É um daqueles casos de desconfiança mútua. O governo desconfia ou dá a entender que desconfia - que todo e qualquer empresário só está interessado em arrancar do mercado o máximo possível de lucro, não importando os métodos, num exercício cruel de mais-valia. Quem faz negócios, ou tem capital para investir neles, desconfia que é mal-amado pelas autoridades de Brasília, que corre o risco de ser hostilizado e que. de uma hora para a outra, as regras do jogo vão mudar, transformando oportunidade em crise. E o tipo de relação que não traz bons frutos para nenhuma das partes.

Nesta altura dos acontecimentos, o governo tem poucas cartas disponíveis para mudar o jogo de realidades e percepções. Mas uma delas pode ser especialmente valiosa: a rodada de concessões de infraestrutura programada para acontecer até o fim deste ano. De acordo com os planos divulgados, o governo espera passar para a gestão da iniciativa privada blocos de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, além de campos de petróleo na área do pré-sal.

O pacote de concessões vem sendo discutido há um ano. sempre num clima de cabo de guerra, no qual os empresários tentam convencer as autoridades de que ninguém entra num negócio de risco sem que haja uma taxa de retorno minimamente atraente, e o governo insinua que os investidores estão tomados pela ganância. O problema - para todo mundo - é que não há mais tempo para isso. A realização dos leilões de concessão e o sucesso do processo será fundamental para mudar o clima de fim de festa que tomou conta da economia do pais. O processo de concessões pode ser também a senha para a trégua na guerra de nervos que vem sendo travada entre o governo e a iniciativa privada.

Esse é o lado, digamos, psicológico da questão. Há o lado prático, não menos importante. O Brasil precisa desesperadamente de uma infraestrutura que suporte a atual dimensão de nossa economia e que nos prepare para crescer. As filas de caminhões carregados de soja, à espera de um lugarzinho nos portos, não foram uma imagem forte o suficiente para sensibilizar parte das autoridades responsáveis. As notícias sobre confusões em vários de nossos aeroportos terceiro-mundistas apareceram e sumiram das páginas dos jornais sem que quase nada mudasse. A coisa começou a ficar realmente feia quando, sem mais nem menos, milhões de pessoas saíram às ruas para reclamar de quase tudo o que está por ai. inclusive das péssimas condições de infraestrutura das principais cidades brasileiras. í) problema saiu da mesa dos especialistas e explodiu no dia a dia do povão.

Nossos problemas, nessa área, são grandes e urgentes demais para que o Estado tenha a ilusão de que pode resolver tudo sozinho. A conta social, política, econômica - ficou alta demais. Mais e mais gente mostra que não está disposta a pagar. Trabalhar, com convicção e sem dogmas, para que o pacote de concessões aconteça e seja um sucesso pode se traduzir no voto de confiança de que o Brasil tanto precisa neste momento. Talvez seja nossa última grande chance, por ora, de virar um jogo que estamos perdendo.

Lições de jogo de cintura para Dilma - EDITORIAL REVISTA ÉPOCA

REVISTA ÉPOCA

De temperamento obstinado, a presidente Dilma Rousseff, por vezes, cede. Na semana passada, ela recuou da proposta de ampliar a duração do curso de medicina de seis para oito anos, para que o tempo adicional do estudante fosse dedicado a um estágio no Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta foi anunciada, depois das rebeliões de junho, como uma solução para a carência de médicos em determinadas áreas do país. O governo diz agora que proporá uma residência obrigatória de dois anos no SUS, após a graduação. Com esse recuo, pouco sobrou das iniciativas anunciadas pelo governo como reação às manifestações. A ideia de um "processo constituinte exclusivo" para uma reforma política logo foi abortada, por ser inconstitucional. A proposta de um plebiscito, colocada no lugar, empacou na Câmara dos Deputados. No caso do recuo da residência no SUS, foram necessários críticas das universidades e protestos da classe médica, que chegaram às ruas.


Seria bom que tal flexibilidade se manifestasse também em outras áreas do governo. A presidente tem dificuldade em admitir erros. Na entrevista à Folha de S.Paulo em que confessou candidamente que "Lula não vai voltar porque ele não saiu", Dilma deixou claro que não pretende mudar a política econômica de seu governo - apesar de seu curso desastroso. Reafirmou a autoridade do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e descartou outras mudanças na equipe ministerial, defendidas até pelos aliados. Dilma parece estar convencida de que as turbulências políticas e econômicas se dissiparão no segundo semestre - assim como o coro no PT pela volta de Lula, que a constrangeu à declaração em que aviltou a própria autoridade. No Palácio do Planalto, calcula-se que a inflação perdeu fôlego e os investimentos deslancharão com os próximos leilões de blocos para a exploração de petróleo e de concessões de rodovias, ferrovias, aeroportos.

É uma aposta arriscada. O fracasso na licitação de uma linha de metrô de São Paulo é um alerta de que os investidores estão ariscos. Os interessados nos leilões têm reclamado de que o modelo das concessões não garante bons rendimentos. As empresas investem quando têm confiança no futuro. Como lembrou o ex-ministro Delfim Netto, o voluntarismo do governo na administração das políticas monetária e fiscal e na fixação dos marcos regulatórios criaram incertezas que se avolumaram ainda mais com as intempéries políticas.

A queda nos índices de aprovação do governo aguçou as tensões entre os partidos aliados - em especial, o PMDB, que comanda a Câmara dos Deputados e o Senado e o Planalto. O ambiente no Congresso já foi descrito como "de tocaia". Com o fim do recesso, a previsão é que retaliações ao governo surjam na forma de derrubada de vetos presidenciais ou da aprovação do orçamento impositivo. Para tentar aplacar as insatisfações, o governo anunciou a liberação de R$ 6 bilhões para emendas parlamentares. Além de parecer uma tentativa de comprar votos no Congresso, o remédio é de eficácia duvidosa, porque Dilma continua a não mostrar nem gosto nem apetite para fazer política. Pelo prelúdio, agosto tende a confirmar a tradição de mês aziago para a política brasileira.

Orgulho negro - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 04/08
Um dado desta pesquisa do IPP, da prefeitura do Rio, sobre religiões no Rio chamou a atenção do professor Marcelo Paixão, da UFRJ.

No caso dos adeptos do candomblé e da umbanda, segundo o Censo de 2010 do IBGE, 56,04% são negros, e 43,96% são brancos.

Só que no Censo anterior, em 2000, a maioria, 50,4% dos adeptos das duas religiões afro-brasileiras, era de brancos.


Segue...
Paixão desconfia que este é mais um caso que reforça a tese de que negros e pardos, de uns anos para cá, não têm vergonha de assumir sua identidade e sua crença religiosa.
- Ou seja, para algumas pessoas, a identidade preta ou parda pode estar vindo acompanhada pelo reforço de outras formas de identidade, tal como, neste caso, a religião.


Para concluir...
Paixão lembra ainda que no período do Censo de 2010 várias entidades do movimento negro fizeram uma campanha chamada "Quem é do axé diz que é". E tal campanha pode também ter ajudado nesse sentido.
Maravilha.


De pai para filho
Moise Safra, ex-sócio do Banco Safra, está abrindo um banco para os filhos.
A sede será em Nova York, na Park Avenue. O nome será MY Safra.


Cartas para a Redação
A venda de bebidas alcoólicas em grandes eventos é polêmica. Há gente que defende que, onde tem álcool, tem confusão.
Frei Betto, por exemplo, acha que na missa do Papa, na Praia de Copacabana, não houve brigas, nem confusão, porque não houve consumo de bebida alcoólica.


O Domingo é de...
...Mariana Linda Maravilhosa Sensacional Ximenes. A atriz paulista, de 31 anos, musa do coleguinha Jorge Bastos Moreno e da turma da coluna, de coração carioca, posa aqui para a capa da revista "Bodytech" com uma bola de pilates. É que ela tem feito muito exercício para o seu novo papel na próxima novela das seis, "Joia rara", da TV Globo. Mariana viverá, ai, ai, ai, a estonteante vedete Aurora Lincoln. Mata a gente, Mariana, mata.

Espionagem em livro
Sairá pelo selo Primeira Pessoa, da Sextante, o livro do jornalista americano Glenn Greenwald, que trouxe à tona as denúncias de Edward Snowden, ex-técnico da CIA, sobre o esquema de espionagem internacional da Agência de Segurança Nacional dos EUA. Chega às livrarias em março de 2014.

Greenwald promete fazer novas revelações no livro sobre as espionagens do governo de Obama.


União das letras
A Academia Brasileira de Letras e o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, vão fazer uma parceria.
O secretário de Cultura de São Paulo, Marcelo Coelho, e a direção do museu vêm ao Rio esta semana para selar a união com a presidente da ABL, Ana Maria Machado. As duas casas vão tocar projetos juntas.


Um tapete para o jazz
A produção do "Mimo", maior festival de música instrumental gratuito do país, está em busca de um tapete persa 3m x 4m.
A peça é uma exigência da produção do pianista americano Herbie Hancock. Ele vai se apresentar na Praça da Matriz, em Paraty, no dia 23.


Meninos na pista
Com a chegada do Dia do Solteiro, dia 15, a grife La Collect lança uma camiseta que, digamos, dá aquela alfinetada na mulherada que anda doida para namorar, veja acima.
É. Pode ser.


Calma, gente
A filha de uma famosa cantora se excedeu na troca de carinhos com o namorado no café de uma livraria no Leblon, quarta passada.
Um casal não gostou, reclamou e ameaçou chamar a polícia exigindo compostura no lugar. A gerente acalmou os ânimos na base da conversa.


Alô, Luan
Patrícia Azevedo, fã de Luan Santana, foi atropelada quarta na porta do Hotel Sheraton, na Barra, correndo atrás do cantor.
A mãe havia proibido a menina, de 18 anos, de ir atrás do ídolo. Mas ela foi escondida. Patrícia está no Tijutrauma e será transferida para o Pasteur, no Méier.


Inflação do milho
Uma espiga de milho na Praia de Geribá, em Búzios, RJ, mesmo no inverno, está custando R$ 5.
Mas fica ainda mais caro se o cliente pedir um pratinho de plástico para apoiar o milho. Aí sobe para R$ 7.


Beicinho
Um dos maiores lutadores da história do UFC, Anderson Silva, o ex-campeão de MMA, que perdeu recentemente o cinturão em Las Vegas, tem dito a amigos que não fará mais fotos com os fãs.
Alega que, quando perdeu o cinturão, todo mundo usou as fotos contra ele. Poxa, Anderson!

Maria, Maria - SONIA RACY

ESTADÃO - 04/08

Os assassinatos de mulheres estão mais cruéis. É o que mostra pesquisa da Secretaria de Políticas para as Mulheres, a ser lançada amanhã. Maridos, namorados e ex são os responsáveis por agressões (88% dos casos) ou mortes (89%). Mais: 73% das mulheres, ante 57% dos homens, discordam de que “mulher apanha porque provoca”. Em compensação, 98% sabem ou ouviram falar da Lei Maria da Penha. A enquete ouviu 1.501 pessoas – com 18 anos ou mais – em cem municípios.

Memória
Será de Caco Ciocler o desafio de dirigir documentário sobre Aracy Guimarães Rosa, mulher do escritor mineiro.

PAPO CABEÇA
O empresário-cabeleireiro Wanderley Nunes terá linha de xampus para chamar de sua. A partir do dia 22, produtos desenvolvidos por ele, batizados com seu nome, serão distribuídos por todo o Brasil. “Trabalhei a vida inteira com várias marcas e quis dar às minhas clientes opções sob medida”, justifica. A primeira leva sai do forno com ... 1 milhão de frascos. Investimento? Não revela.

Comida, diversão 
Simone Mattar ocupa o Sesc Pompeia, a partir de sexta, com uma ideia inovadora. Une gastronomia, design, arte e cultura na mostra Como Penso Como. E apresenta instalações multimídias, mostrando como o homem se relaciona com a comida. De quebra, o público poderá fazer uma degustação com pratos criados exclusivamente para o evento.

Handicap
Antonio Castro participa de torneio de golfe que reúne amantes brasileiros de charuto. O filho de Fidel é campeão em Cuba. O evento, da Landscape, é este mês, em Varadero.

Paraty 1
Uma nave espacial pousará na Praça da Matriz de Paraty, em setembro. A instalação é inspirada no fotolivro The Afronauts, de Cristina de Middle–que confirmou presença no Paraty em Foco.

Paraty 2
Já Stephen Ferry conversará com Eduardo Muylaert a respeito de seu livro Violento logy, sobre conflitos na Colômbia.

TRÊS EM UM
Matthew Wood, Felipe Dmab e Pedro Mendes, sócios da galeria Mendes Wood DM, expandem horizontes. Abrem, sábado, um segundo espaço. O galpão, localizado na Vila Romana, unirá depósito e áreas para exposições e de estudos – esta última, destinada aos artistas. “O público poderá ver um pouco das três coisas em um mesmo lugar”, explica Felipe. O bairro foi escolhido pelo trio por ser um antigo point de estúdios e ateliês. Para inaugurar o novo canto, a mostra escolhida foi do artista britânico Michael Dean, que expõe pela primeira vez no Brasil.

Responsabilidade Social
O Instituto Center Norte, presidido por Glorinha Baumgart, começa a patrocinar programa anual de oficinas de balé, jazz, caratê e atividades para crianças, jovens e idosos que vivem no Projeto Cingapura da Av. Zaki Narchi.

É amanhã o aniversário de 63 anos da AACD. Os padrinhos da instituição, Eliana e Daniel, já confirmaram presença e cortarão o bolo na sede da entidade, no Ibirapuera.

A ArcelorMittal Tubarão anuncia: doou 1 milhão de toneladas de produtos para construção de 1.023 estradas em onze municípios rurais do Brasil.

O Open Day do Salão de Arte será em prol da ACTC – - Casa do Coração. Dia 12.

A Thelure está promovendo uma ação pró-Campanha do Agasalho. A cada roupa doada, os clientes ganham 15% de desconto na compra de qualquer peça da marca.

A farmacêutica Apsen informa: acaba de se tornar mantene dora da Turma do Bem.

A Bel Col doará ao Graacc R$ 0,50 de cada unidade do filtro solar Solectiv vendida durante a Feira Estétika - – que acontece entre os dias 8 e 11, no Palácio de Convenções do Anhembi.

Uma questão de bom senso - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 04/08

Todo mundo sabe que, dos que se viciam em drogas, poucos conseguem largar o vício


Falando francamente, o que você prefere, a segurança ou a insegurança, o previsível ou o imprevisível? Em suma, quer acordar de manhã certo de que as coisas vão caminhar normalmente ou prefere estremecer ao pensar no que fará, neste dia, o seu filho drogado?

Acho muito difícil que alguém prefira viver no desespero, temendo o que pode ocorrer nesse dia que começa. Estou certo de que todo mundo quer viver tranquilo, certo de que as coisas vão transcorrer dentro do previsível.

Mas quem se droga comporta-se, inevitavelmente, fora do previsível, ou não é? Já imaginou a apreensão em que vivem os pais de um filho drogado? Começa que ele já não vai à escola e, se vai, arma sempre alguma encrenca por lá. Se já trabalha, abandona o emprego e começa a roubar o dinheiro da família para comprar drogas.

Se isso se torna inviável, entra para o tráfico, passa a vender drogas ou torna-se assaltante, porque tem de conseguir dinheiro para comprá-las, seja de que modo for. Daí a pouco, não apenas assalta e rouba como também mata. Os pais já não reconhecem nele o filho que criaram com tanto carinho. Pelo contrário, o temem, porque, drogado, ele é capaz de tudo.

E mesmo assim há quem seja a favor da liberação das drogas. Conheço muito bem o argumento que usam para justificá-la: como a repressão não acabou com o tráfico e o consumo, a liberação pode ser a solução do problema. Um argumento simplista, que não se sustenta, pois é o mesmo que propor o fim da repressão à criminalidade em geral. O argumento seria o mesmo: por que insistir em combater o crime, se isso se faz há séculos e não se acabou com ele?

Fora isso, pergunto: se não é proibida a venda de cigarros e bebidas, por que há tráfico dessas mercadorias? E pedras preciosas, é proibido vendê-las? Não e, no entanto, existe tráfico de pedras preciosas. E ainda assim os defensores da liberação das drogas acham que com isso acabariam com o problema. Claro, Fernandinho Beira-Mar certamente passaria a pagar imposto de renda, ISS, ICMS e tudo o mais. Esse pessoal parece estar de gozação.

Todo mundo sabe que, dos que se viciam em drogas, poucos conseguem largar o vício. E, se largam, é por entender que estavam sendo destruídos por ele, uma vez que perdem toda e qualquer capacidade de refletir e escolher; são verdadeiros robôs que a droga monitora.

Qual a saída, então? No meu modo de ver, a saída é uma campanha educativa, em larga escala, em âmbito nacional e internacional, para mostrar às crianças e aos adolescentes que as drogas só destroem as pessoas.

E isso não é difícil de demonstrar porque os exemplos estão aí aos milhares e à vista de quem quiser ver. Os traficantes sabem muito bem disso, tanto que hoje têm agentes dentro das escolas para aliciar meninos de oito, dez anos de idade.

Confesso que tenho dificuldade de entender a tese da descriminalização das drogas. Todas as semanas, a polícia apreende, nas estradas, em casas de subúrbio, em armazéns clandestinos, toneladas de maconha e de cocaína. É preciso muitos drogados para consumir essa quantidade de drogas.

Junto às drogas, apreendem, muitas vezes, verdadeiros arsenais de armas modernas de grosso calibre. É preciso muito dinheiro e muita gente envolvida para que o tráfico tenha alcançado tal amplitude e tal nível de eficiência. Como acreditar que tudo isso desaparecerá, de repente, bastando tornar a venda de drogas comércio legal? Sem falar nos novos tipos sofisticados de cocaína e maconha, que estão diversificando o mercado.

A verdade é que o tráfico existe e cresce porque cresce o número de pessoas que consomem drogas. Como se sabe, não pode haver produção e venda de mercadoria que ninguém compra. Se se reduzir o número de consumidores, o tráfico se reduzirá inevitavelmente. E a maneira de fazer isso é esclarecer os jovens do desastre que elas significam.

O resultado maior não será junto aos viciados crônicos, que tampouco devem ser abandonados à sua má sorte. Virá certamente do esclarecimento dos mais jovens, dos que ainda não foram cooptados pelo vício. A eles devem ser mostrado que as drogas destroem inevitavelmente os que a elas se entregam.

Verde-galinhismo - SÉRGIO AUGUSTO

ESTADÃO - 04/08

Os galinhas-verdes estão de volta. E com eles, o cocorocó da falange: "Anauê!" E as mesmas ideias fixas de 80 anos atrás, tal como Plínio Salgado as concebeu e evangelizou: Estado forte e centralizado, de base religiosa e índole autoritária, anticomunista, antiliberal e visceralmente nacionalista.

Braço direito estendido, nem da saudação copiada do fascismo italiano os cruzados da Frente Integralista Brasileira, tardio avatar da Ação Integralista Brasileira, abriram mão. Alguns até ousam sair às ruas de camisa verde, empunhando bandeiras com a velha sigla de sua primeira encarnação, o sigma, a suástica (ou o fáscio) tupiniquim. Sempre em nome de Deus, da Pátria e da Família - como nos tempos da AIB, posta na ilegalidade nos primeiros dias do Estado Novo e na orfandade com a morte de seu líder, em 1975.

Vanguarda do retrocesso, a FIB não surgiu do nada. O ultraconservadorismo em alta em diversos quadrantes facilitou sua ressurreição. É um fenômeno que se enquadra no vigente quadro de insatisfação de certos grupos sociais com a democracia liberal, a paulatina reafirmação dos direitos civis das minorias e a crescente tolerância da sociedade com hábitos e costumes longamente reprimidos.

Seus templários são contra a união de pessoas do mesmo sexo, o aborto, a liberação das drogas, o sistema de cotas, os partidos políticos, suspiram pela monarquia e se aferram a um verde-amarelismo que já soava arcaico quando a tinta do Manifesto da Anta ainda não havia secado. Se não pudermos enfiá-los no mesmo saco da montante evangélica, do folclórico Enéas Carneiro e seu também finado Prona (Partido de Reedificação da Ordem Nacional), de Jair Bolsonaro, de Marco Feliciano e a corrente fundamentalista por ele representada, dos skinheads que agridem e matam homossexuais, do Movimento pela Valorização da Cultura, do Idioma e das Riquezas do Brasil, do MIL-B (Movimento Integralista e Linearista Brasileiro) e do recém-ressurrecto Partido da Aliança Renovadora Nacional (Arena), que outro saco nos resta?

De origem paulista, como a AIB, a FIB surgiu em 2004 e tenta expandir-se por todo o País, arrebanhando jovens, sobretudo na faixa dos 20 anos, preferencialmente através das redes sociais. Suas mensagens não dão um anauê sem invocar Cristo e esconjurar a "mentirosa escória vermelha". Consideram-se revolucionários e acreditam atuar "pelo bem do Brasil" e pela "cidadania patriótica", em cima de conceitos tão rígidos quanto nebulosos. Contrários ao "mal dos partidarismos egoístas", denunciado por Plínio Salgado, no Manifesto de Outubro de 1932, almejam um país (ou melhor, uma pátria) que não seja "retalhada" por agremiações políticas, "mas unida, forte e solidamente construída, de forma a se livrar da plutocracia apátrida internacional e do comunismo".

Entrevistado por O Globo, o vice-presidente estadual da frente no Rio, Caio Souto, estudante da Comunicação da PUC, 20 anos, defendeu o que poderíamos chamar de república sindicalista. "Para nós, os sindicatos é que devem representar a sociedade, não os partidos", disse ele, quem sabe alheio ao fato de que o governo João Goulart foi derrubado pelos militares, em 1964, justamente por pretender, segundo os golpistas, implantar uma república sindicalista no País. Como é sabido, o golpe foi ungido por grupos que proclamavam agir em nome de Deus, da Pátria e da Família.

Os neointegralistas não se escondem, têm homepage na internet, página no Facebook com mais de 2 mil seguidores e contam em seu rebanho com servidores públicos, estudantes e taxistas. Nada modestos, alardeiam que "a vitória já é nossa". Recusam a pecha de imitadores, saudosistas e anacrônicos. Mas, apesar de algumas pequenas divergências, grande parte dos militantes segue o mesmo conjunto de dogmas e princípios da década de 1930, assegura o professor Jefferson Barbosa, da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Unesp, em Marília, que defendeu uma tese de doutorado sobre os neointegralismo no ano passado.

Plínio Salgado considerava o Estado liberal democrático "opressor", tumultuoso, com o mais forte sempre esmagando o mais fraco, "a liberdade em desordem ou em suicídio", um regime "alicerçado nas formas arcaicas do sufrágio universal". Seus novos discípulos repetem a mesma cantilena. Basta ler os artigos do atual presidente nacional da FBI, Victor Emanuel Vilela Barbuy, na internet, cheios de hosanas e referências ao grão-mestre dos galinhas-verdes.

Advogado e historiador, declaradamente católico apostólico romano e monarquista, Barbuy, de 28 anos, sataniza o marxismo, mas não resistiu à tentação de parafrasear, ironicamente, o Manifesto Comunista, em seu mais recente panfleto digital: "Podemos dizer que um fantasma ronda o Brasil - o fantasma do integralismo". Esse espectro, segundo ele, estaria aterrorizando liberais, anarquistas e, principalmente, comunistas, "sobretudo aqueles que têm participado das últimas manifestações ocorridas em todo o País", no meio das quais "não passam de uma ínfima minoria", repelidos pela "esmagadora maioria dos manifestantes, composta de autênticos patriotas, nacionalistas e tradicionalistas, conscientes ou não".

Se tão ínfimos, por que preocupar-se tão obsessivamente com eles? E de onde Plínio.02 tirou a certeza de que o grosso dos manifestantes têm alma integralista, só faltando quem lhes diga: "Vocês são soldados de Deus, da Pátria e da Família Tradicional, bandeirantes do Brasil profundo, autêntico e verdadeiro e de sua tradição e, como tais, integralistas". Se o fizer em voz alta, no meio da multidão, corre o risco de ser vaiado.


O difícil problema da consciência - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 04/08

Como um apanhado de 80 a 100 bilhões de neurônios gera a experiência que temos de sermos nós?


Gostaria de retornar a um assunto que deixa muita gente perplexa, inclusive eu: a natureza da consciência e como ela "surge" no nosso cérebro. Se você acha que sabe a resposta, provavelmente não entende a questão. Nenhum cientista ou filósofo sabe como respondê-la.

Existem vários modos de formular a questão, mas eis um: como o cérebro, um apanhado de 80 a 100 bilhões de neurônios, gera a experiência que temos de sermos nós?

O filósofo australiano David Chalmers chama a questão de "o difícil problema da consciência". Faz isso para diferenciá-lo dos demais problemas que poderão ser resolvidos pela pesquisa nas ciências neurocognitivas e neurocomputacionais. Mesmo que isso possa demorar um século, o nível de dificuldade não se compara ao do problema que, alguns especulam, é insolúvel.

Eis alguns dos problemas que Chalmers considera fáceis: a habilidade de discriminar, categorizar e reagir a estímulos externos; a integração de informação sensorial; o controle intencional de comportamento; a diferença entre dormir e estar acordado.

Essas questões são localizadas, passíveis de uma descrição reducionista de como funcionam partes do cérebro, usando a conexão entre neurônios e grupos de neurônios.

Henry Markram, na Suíça, recebeu uma bolsa de 1 bilhão de euros para liderar o Projeto do Cérebro Humano, uma colaboração de centenas de cientistas que visa criar uma simulação do cérebro humano. Para tal, eles precisarão de computadores capazes de bilhões de bilhões de operações por segundo, um fator cerca de 50 vezes maior do que os supercomputadores mais rápidos do mundo são capazes hoje.

Markram e os "computacionalistas" acreditam que, se o nível de informação da simulação for suficientemente detalhado, incluindo desde o trânsito de neurotransmissores entre sinapses até as milhares de conexões interneuronais em partes diferentes do cérebro, a simulação funcionará como um cérebro humano dotado de uma consciência tão complexa quanto a nossa. Markram acredita que o problema "difícil" não existe: tudo pode ser obtido de neurônio a neurônio.

Apesar de concordar com a relevância científica do projeto de Markram, não vejo como uma simulação poderá criar uma entidade com consciência semelhante à humana. Talvez crie algum outro tipo de consciência, mas não a nossa.

Outro filósofo, Thomas Nagel, mostrou que somos incapazes de perceber a experiência consciente de outro cérebro. Como exemplo, usou os morcegos, que constroem sua realidade a partir da ecolocalização. Usando ideias do linguista Noam Chomsky, que defende a limitação cognitiva de cada cérebro (por exemplo, um rato jamais poderá falar), Nagel mostra que não podemos entender o que é "ser" um morcego.

Essa é outra versão do problema de Chalmers, que o filósofo Colin McGinn chama de "clausura cognitiva". Não existe um modo de capturar a essência do consciente, pois este não se presta a uma análise metódica das propriedades do cérebro: está em toda a parte e em nenhuma parte. Talvez, McGinn especula, uma inteligência mais avançada saiba responder à pergunta. Mas nós, simulações ou não, temos que viver com o mistério.

A renúncia da Cabral - TEREZA CRUVINEL

Correio Braziliense - 04/08


A ira das ruas já fez muitas vítimas na política, mas o primeiro a ser literalmente nocauteado é o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB). Embora negando, ou tratando o assunto como hipótese, ele está decidido a renunciar para favorecer a candidatura do vice, Luiz Fernando Pezão (PMDB), a governador, alegando a necessidade de se afastar para viabilizar legalmente a candidatura, a deputado federal, de seu filho Marco Antônio. Aquele que o pai, protestando contra a pré-candidatura do senador Lindbergh Farias (PT) e ameaçando romper a aliança com o PT, lembrou ter "Neves" no sobrenome.

De lá para cá, tudo mudou para Cabral, que, segundo fontes do PMDB nacional, ainda tem dúvidas sobre o momento certo para deixar o cargo. Se, no início de janeiro de 2014, o que daria mais tempo de governo para o vice, ou se em abril, quando termina o prazo legal para a desincompatiblização de governantes que serão candidatos ou tenham parentes de primeiro grau com essa pretensão.

No ano passado, Cabral chegou a cogitar a renúncia para que Pezão pudesse disputar a eleição para governador no cargo. Nesse caso, sendo eleito, ele não teria direito à reeleição, tal como acontece hoje, pela mesma razão, com o governador de Minas, Antonio Anastasia (PSDB), que concluiu o segundo mandato de Aécio Neves (PSDB). Depois, desistiu e anunciou que ficaria no cargo até o fim do mandato, trabalhando pela eleição do sucessor.

Com a eclosão dos protestos, entretanto, o mundo de Cabral caiu. As grandes manifestações de junho no Rio, duramente reprimidas, hoje estão praticamente restritas à ação violenta dos vândalos e de grupos radicais, aparentemente infiltrados por mercenários do narcotráfico e de outras organizações criminosas, talvez partidárias, especulam o governador e seus aliados. O prédio em que ele mora, no Leblon, continua sendo um ponto permanente de protestos e de confrontos com a polícia, para irritação dos moradores da rua. Cabral recusou todos os apelos de correligionários e auxiliares para que fosse morar na residência oficial do Palácio das Laranjeiras. No fim de julho, as pesquisas mostraram que ele se tornara o mais impopular, numa lista de governadores vitimados pelo mau humor da população. Em São Paulo, durante a visita do papa, foi alvo de protesto em que uma faixa dizia: "Vaza, Cabral". O sumiço do pedreiro Amarildo, depois de ter comparecido em 14 de julho ao posto policial da UPP da Rocinha, engrossou os últimos protestos com a participação de moradores da favela. O assunto esquentou na sexta-feira, com as suspeitas levantadas pela ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, de responsabilidade da PM no desaparecimento.

Nos últimos dias, Cabral ensaiou um discurso conciliador, fazendo autocrítica e declarando o desejo de dialogar. Na sexta-feira, anunciou o recuo na demolição do ginásio esportivo Célio de Barros, ao lado do Maracanã, dizendo que a própria concessão, muito criticada pelos cariocas, estava "em suspenso". Os acenos caíram no vazio, e a sexta-feira terminou com outro ato paulista, contra ele e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), alvejado pelas revelações da empresa Siemens, sobre a participação em um cartel que teria atuado em licitações dos governos estaduais tucanos. Por isso, é possível que agora ele também comece a ser malhado continuamente nos protestos. Os políticos vêm prevendo que as ruas não sossegarão antes da eleição.

A renúncia, que só uma virada favorável na situação de Cabral impediria, tornou-se para ele a melhor saída. Ainda que não tenha condições de disputar o Senado, como cogitado, dará a Pezão uma chance de se provar como gestor para ganhar competitividade, e abrirá caminho para o filho entrar na política. Ainda que Cabral quisesse, nenhum outro governante deseja que ele confirme esse plano agora. Se as ruas gostam e diversificam as apostas, ninguém sabe qual será a próxima pedra a cair no dominó.

Tabu que volta

O governo brasileiro voltou a negociar com os Estados Unidos o acordo iniciado na era FH, e rejeitado pelo governo Lula, para uso comercial da Base de Alcântara. Em 2003, uma forte reação nacionalista, traduzida pelo parecer do relator na Câmara, o ex-deputado Waldir Pires, sepultou o acordo. Um dos críticos, na época, foi o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que agora adverte. "Para vingar, o acordo não poderá vedar o acesso de autoridades brasileiras a qualquer área, como naquela versão, nem impedir contratos com outros países. E o Congresso deveria aprovar seus termos antes da assinatura, evitando problemas e surpresas. O Congresso, em transe desde junho, não tem prestado atenção ao assunto.

O jogo recomeça

z O Congresso volta com a faca na bota. O líder do PT, José Guimarães, tenta unificar a bancada para ajudar na pacificação da esgarçada base dilmista.
z A oposição retorna com novo ânimo. O presidenciável e presidente do PSDB Aécio Neves reunirá, na terça, todos os presidentes regionais do partido para acertar a estratégia de 2014.
z Dilma pisca para os jovens. Sancionará amanhã o Estatuto da Juventude, aprovado pelo Congresso após nove anos. O texto final do relator Reginaldo Lopes (PT-MG) fixa os direitos fundamentais dos que têm entre 15 e 29 anos. Dilma lançará também o programa Estação Juventude, destinando R$ 20 milhões a ações sociais para os jovens nos municípios.

Assim é se lhe parece - JOÃO BOSCO RABELLO

O Estado de S.Paulo - 04/08

A presidente Dilma Rousseff parece convencida da eficácia da tese segundo a qual os protestos de junho resultam do êxito de seu governo, por uma exótica interpretação de que os manifestantes, agraciados com as melhorias sociais promovidas, agora querem mais. E que a estagnação do crescimento abaixo de índices razoáveis se deve aos efeitos da crise global. Isto posto, a crise não é de seu governo, embora as pesquisas indiquem o contrário.

É o típico caso em que importa a versão e não os fatos. E, com tal premissa, prossegue transferindo a responsabilidade pela insatisfação do contribuinte às demais instituições igualmente mal avaliadas. Agora, em ritmo de campanha eleitoral, como mostram seus últimos movimentos, do "alto" dos 30% de aprovação que lhe restaram.

O anúncio, ao lado do prefeito Fernando Haddad, de R$ 8 bilhões para melhorias do transporte municipal, simultaneamente ao lançamento do ministro da Saúde para o governo estadual, é um ato eleitoral claríssimo. Ao acrescentar ao discurso a crítica ao sistema estadual de transportes tenta passar a mensagem de que veio resolver aquilo que o governador Geraldo Alckmin não consegue. Campanha explícita.

Vê-se, então, agora, a confirmação de que o programa Mais Médicos, lançado da noite para o dia no surto provocado pelos protestos populares, era matéria ainda incompleta, guardada para dar a largada na candidatura do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ao governo de São Paulo. No calor da batalha, decidiu-se antecipar seu lançamento, sendo impossível disfarçar o improviso da medida, que abriu uma polêmica nacional e impôs recuos ao governo.

Padilha, ao que se sabe, é o candidato preferido do ex-presidente Lula, na mesma linha de aposta em nome ainda não batizado nas urnas, que deu certo com Fernando Haddad, uma vez constatado o tédio do eleitor paulista com o revezamento dos mesmos candidatos de PT e PSDB. O problema é que Padilha não marcou sua gestão no ministério da Saúde por qualquer iniciativa que venha a ser lembrada , o que o liga à ineficiência do setor, líder de queixas na sociedade.

Era preciso, então, criar uma marca para o ministro da Saúde, e o programa tentou atender a essa emergência. A presidente prosseguirá em campanha com inaugurações previstas em sua agenda, em Minas, Paraná e Santa Catarina, além de São Paulo. E investirá na exposição em programas de rádio, televisão e entrevistas com pauta específica, ou seja, dizendo apenas o que lhe interessar.

Com essa estratégia, o governo corre o risco de continuar falando sozinho, num monólogo em que oferece explicações ao invés de resultados.

Quando um é igual a zero - DAVID UIP

FOLHA DE SP - 04/08

Qualquer médico brasileiro precisa comprovar o domínio do inglês para estagiar nos EUA, por exemplo. A conversa com o paciente é fundamental


Em 1973, aluno da Faculdade de Medicina do ABC, como voluntário e depois como subcoordenador de saúde do Projeto Rondon, no campus avançado de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha (MG), senti de perto a total falta de estrutura para a prestação de assistência médica de qualidade a um povo já sofrido.

Tivemos que fazer um parto em plena estrada de terra, pois o serviço de saúde era distante, as condições da rodovia eram terríveis e não havia mais tempo.

Éramos um grupo de entusiastas, mas sempre sob supervisão acadêmica. Ninguém estava ali se não pela sua própria vontade.

Em 1976, já residente da Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, continuei no Projeto Rondon, em Marabá (PA). O atendimento às populações ribeirinhas ocorria após uma linda travessia de barco seguida por uma esburacada e longa estrada.

Há 11 anos, convidado pelo governo de Angola, coordeno projetos de prevenção à transmissão vertical do HIV e de biossegurança nos hospitais nacionais. Chegamos lá logo após o fim de uma guerra civil. Ajudamos a qualificar os recursos humanos locais para prestar assistência aos doentes, por meio de treinamentos e intercâmbios.

Essa experiência de décadas me permite dizer, categoricamente, que não se resolve a carência de médicos no interior do Brasil contratando profissionais estrangeiros sem revalidação do diploma ou exame de proficiência em língua portuguesa.

Qualquer médico brasileiro precisa comprovar o domínio do inglês fluente se quiser estagiar nos Estados Unidos, por exemplo. Na atenção primária em saúde, a conversa com o paciente é fundamental.

Nos rincões brasileiros, a carência de estrutura dos serviços de saúde, sem contar a questão do acesso, ainda é, infelizmente, uma realidade. É preciso condições adequadas de trabalho e a possibilidade de crescimento em termos de carreira e qualificação. Nenhum médico hoje ficará satisfeito simplesmente em razão do salário.

Preocupa do mesmo modo a proposta do Ministério da Educação em relação à extensão dos cursos de medicina, com residência compulsória no Sistema Único de Saúde.

Não foi estabelecido de que forma esses alunos serão monitorados à distância ou qual faculdade tem corpo docente suficiente e capacitado para ensinar nas salas de aula e monitorar alunos à distância, simultaneamente.

Se não forem elevados os recursos destinados para a área da saúde, não se fará política pública neste país.

O Instituto de Infectologia Emílio Ribas forma residentes para o país inteiro. Vejo jovens dispostos, que mantêm o romantismo pela profissão e são bem qualificados, mas não encontram condições mínimas de trabalho em muitos lugares.

O Brasil já avançou bastante nas últimas décadas em saúde pública. A população hoje vive mais e com maior qualidade. Ainda temos muito para avançar na área de ensino, pesquisa e qualificação em medicina. Queremos médicos brasileiros, e até mesmo estrangeiros, com condições adequadas para proporcionar saúde à população.

Jeitiño argentino - HUMBERTO WERNECK

O Estado de S.Paulo - 04/08

Tento imaginar como teria ficado o bom humor do papa Francisco se ele tivesse esticado a semana que passou aqui, como em tom de brincadeira chegou a sugerir. Tranquilo não seria. Vamos reconhecer: à medida que se espicha a convivência, cresce a nossa falta de cerimônia. Reparou como tinha cada vez mais gente pelejando para se pendurar no pescoço do simpático Bergoglio? Dali para a frente, Sua Santidade correria o risco de virar Chico, Chiquinho, Chicão. Ou será que o frisson da novidade - um papa argentino e sem algarismos romanos - não daria lugar ao tédio?

Tédio, sim. Lembra da história da Brigitte Bardot? No auge de suas graças, a moça derrubou os queixos da nacionalidade na primeira vez que nos visitou, no verão de 1964. Na segunda, porém, pouco tempo depois, já não causou tanta sensação, e houve mesmo algum nariz torcido: "Pô, de novo a chata da Brigitte Bardot...". Imagina se voltasse hoje, fanada por décadas de muito trato nas baleias e bem pouco nela mesma.

Muito diferente do Francisco, que só recebeu paparicos. Talvez tenha sido isso, agrados, o que faltou a outro argentino, o escritor Roberto Arlt, nos dois meses que passou no Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 1930, ao longo dos quais transitou do mais ingênuo embasbacamento ao mais corrosivo fel, nas 39 crônicas (Aguafuertes Cariocas) que enviou para um jornal de Buenos Aires, recentemente reunidas em livro.

Arlt, que morreu jovem, aos 42 anos, deixando romances importantes como Os Sete Loucos e Os Lança-chamas, completava 30 no dia em que chegou ao Rio, 2 de abril. O plano era passar meses, mas 58 dias depois estava pegando o hidroavião de volta - não sem antes ter alimentado fartamente esse bate-boca que opõe brasileiros e argentinos sem mais o que fazer. Fla-Flu bocó que não é de hoje. Quando foi morar em Londres, em 1933, o compositor e poeta Jayme Ovalle desembarcou em companhia de um macaquinho. Chapéu coco, monóculo e macaco. O bicho pertencia a um tripulante do navio, e a bordo uns argentinos deram de chamá-lo "brasileño", provocação que açulou os brios nacionalistas de Ovalle ao ponto de levá-lo a adquirir o irrequieto compatriota.

Nas primeiras crônicas, Arlt está encantado com o Rio e os cariocas. A avenida Rio Branco lhe parece tão perfeita quanto a avenida de Mayo, de Buenos Aires, o que não é elogio pequeno. "Uma cidade de gente decente", escreve ele no segundo dia, deplorando "a grosseria" dos argentinos. "Um ritmo de amabilidade rege a vida nesta cidade." Anda "por bairros aparentemente facinorosos" e só vê "respeito pelo próximo". O único "mal educado", conclui, era ele, pois olhava as pernas de uma garota num café.

Interroga-se: "São os brasileiros diferentes de nós? Sim, têm a alma educada, são mais corteses". Entre mulheres e homens, acredita, reina a igualdade. "A paisagem é linda; as montanhas azuis, as árvores... - mas que importância pode ter a paisagem ante as belas qualidades do povo?"

Menos de uma semana depois, porém, o forasteiro começa a ver defeitos - e não para mais. Queixa-se do vazio das noites no centro, tão diferentes da animação de Buenos Aires. Às 11 horas, todos estão deitados. Ainda se os colchões não fossem tão ruins... O brasileiro só trabalha e faz filhos. "Estou seco de tanta virtude", desabafa mais adiante. O Rio, "cidade de província", lhe parece triste porque não tem flores: "Dois milhões de habitantes e nenhum jardim, nenhuma flor!" Foi a Copacabana e não se impressionou: "É inútil. A mulher, para interessar, tem que estar vestida".

A certa altura, passa a se recriminar: "Quem me mandou sair de Buenos Aires?" Que foi ele fazer "nesta cidade virtuosa" onde não há sequer ladrões e os cinemas são "pequenos como caixas de bombons"? Admite: "Estou me tornando argentinófilo" - e proclama: "Buenos Aires é única na América do Sul. Única". Estar no Brasil, conclui, é estar completamente só. A tal amabilidade das pessoas? Tudo da boca pra fora. Entre os negros, que no início o haviam encantado, eis que agora descobre uns tantos que são quase "babuínos".

Já pensou o que o Arlt teria escrito se tivesse ficado aqui mais um tempinho?

O cérebro farsante - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 04/08

SÃO PAULO - Deu no "New York Times" que, depois que a Austrália implementou uma nova legislação que tornou os maços de cigarros mais repulsivos, com fotos explícitas das moléstias provocadas pelo tabagismo, fumantes começaram a queixar-se de que o sabor de seus cilindros tóxicos mudara para pior.

Como nada foi alterado no processo de fabricação dos cigarros, a resposta para a sensação dos fumantes só pode estar na psicologia.

Nosso cérebro, apesar da aparência de seriedade, é um grande farsante. Sobretudo nas faixas que operam abaixo do radar da consciência, que correspondem a algo como 98% dos processos, ele preenche os espaços para os quais não há informação com invencionices. Isso vale para tudo. Um caso emblemático é a visão. As "imagens" que chegam da retina não passam de um borrão desfocado com um grande buraco no meio. As áreas corticais destinadas à visão, valendo-se principalmente de nossa experiência passada, é que vão pacientemente reconstruindo tudo de modo a criar uma interpretação coerente para o que vemos.

As coisas não são diferentes com o gosto. Ao contrário até, por ser um sentido relativamente pobre, está sujeito a todo tipo de interferência olfativa, tátil e se deixa facilmente levar pelo contexto. Uma boa apresentação e um serviço eficiente melhoram o gosto da comida servida no restaurante. Psicólogos já provaram que um vinho ordinário de R$ 20 fica bem mais saboroso quando etiquetado como uma garrafa de R$ 90.

Talvez pudéssemos explorar melhor essa faceta de nossas mentes. É possível que, associando desde cedo drogas a valores negativos, consigamos reduzir os casos de dependência sem necessidade de criar custosas e ineficazes máquinas repressivas. Minha impressão é a de que algo assim já está acontecendo com o fumo, que vem perdendo adeptos desde que o "Zeitgeist" lhe atribuiu uma carga moral negativa.

Ambição e talento - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 04/08

A grande dificuldade de Neymar será conciliar seu talento individual com o jogo coletivo do Barcelona


Na coluna anterior, escrevi que o futebol brasileiro, na maneira de jogar, começou a evoluir. Foi só elogiar, para o São Paulo e, especialmente, o Santos, darem vexame.

O Santos não jogou nem marcou contra o Barcelona. O São Paulo não jogou e só não levou uma goleada do Bayern porque fez uma retranca.

O consolo é que Santos e São Paulo, individualmente e coletivamente, não representam hoje as melhores equipes brasileiras. Além disso, as boas atuações da seleção, na Copa das Confederações, em casa, não têm nada a ver com o futebol que se joga no Brasil. Foi um fato isolado.

Existe enorme expectativa se Neymar, em tempo variável, vai brilhar intensamente no Barcelona e se tornar candidato habitual a melhor do mundo, se vai brilhar, mas nem tanto, ou se será apenas um bom jogador, comum, o que seria uma decepção. Aposto na primeira hipótese.

Messi e Neymar têm tudo para dar certo. Neymar gosta de jogar pelo lado, da esquerda para o centro, e Messi atua mais pelo meio e/ou da direita para o centro.

Alguns acham que Neymar não vai dar certo porque é muito individualista e o Barcelona é um time coletivo. Mas o que o Barcelona mais precisa é de um craque pelo lado, individualista, capaz de, quando receber a bola mais perto da área, driblar e definir a jogada. Além de não simular faltas, Neymar terá de aprender, quando voltar para receber a bola até o meio-campo, a tocá-la mais rapidamente.

Uma jogada frequente do Barcelona é a troca de passes até próximo da área. Quando não há espaços para alguém penetrar, o que tem sido frequente, tocam a bola para os atacantes pelos lados, que costumam recebê-la livres, já que os laterais fecham para o meio, para fazer a cobertura. Nesse momento, Neymar será decisivo.

Em muitos momentos, Neymar poderá atuar pelo centro, mais adiantado, como fez na seleção, com Mano Menezes, quando jogou ao lado de Kaká, Oscar e Hulk. Na seleção argentina, Messi tem um ou dois à sua frente (Agüero e Higuaín).

Os fofoqueiros e os desiludidos com o comportamento humano já disseram que Messi vai boicotar Neymar, que o argentino tem cara de santo mas é diabólico, e que não há lugar para duas grandes estrelas tão próximas.

A maior dificuldade de Neymar será conciliar o jogo coletivo do Barcelona com sua ambição de se tornar um dos maiores jogadores da história. Negar a ambição humana é hipocrisia. Neymar não precisa dar todas as bolas para Messi fazer gols, como tem dito, nem ser excessivamente individualista.

O ser humano é ambicioso e, algumas vezes, inteligente. Os grandes craques desejam ser sempre os melhores, mas possuem consciência de que só vão brilhar intensamente se o time for forte coletivamente e se houver espaços para outros também se destacarem.

Mandrake! - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

ESTADÃO - 04/08

Ele era um homem fino, mas não era aristocrata e muito menos homossexual

– Mandrake! – O quê? – Mandrake! – O que é isso?

– Você nunca brincou de Mandrake? – Não!

– A gente apontava para uma pessoa, dizia “Mandrake”, e a pessoa tinha que ficar paralisada. Como uma estátua.

– Nunca ouvi falar. – Mandrake era um mágico. Um personagem de gibi.

– De quê? – Gibi. Você também nunca ouviu falar de gibi?

– Nunca.

– Histórias em quadrinhos. Mandrake, o Mágico, combatia o mal com seus truques. Ele estava sempre de fraque e cartola. E tinha um ajudante fortão. Uma espécie de escravo. Como era o nome do ajudante do Mandrake, meu Deus?

– O Mandrake vivia de fraque e cartola e tinha um escravo?

– Não era bem um escravo. Era um companheiro. Chamado, chamado...

– Não sei se eu estou gostando desse personagem. Um aristocrata, com um escravo... Não eram amantes, não?

– Não, não. Naquele tempo não se pensava nisso. Muito mais tarde é que se começou a desconfiar do Batman e do Robin, por exemplo. Que ali tinha coisa. O Mandrake era um homem fino, mas não era um aristocrata e muito menos homosexual. Ele era cerebral, nunca usava a força bruta. O outro é que fazia o trabalho pesado.

– Mas o superpoder do Mandrake era só o de paralisar os outros? Transformá-los em estátuas? E depois mandar o “companheiro”, entre aspas, bater no paralisado?.

– Você pode fazer pouco, mas a verdade é que o Mandrake e o outro eram mais do que apenas heróis de gibi. Simbolizavam a divisão entre mente e corpo, intelecto e energia física, o saber e o fazer, que tem sido uma constante da experiência humana desde o tempo das cavernas. Tinham um significado maior, mesmo para os leitores de gibi. Não eram pura fantasia juvenil, como Namor, o Príncipe Submarino, por exemplo.

– Quem?

– Namor, o príncipe sub... Esquece. Já vi que esta conversa não vai a lugar nenhum. Não há diálogo possível entre uma geração que nunca ouviu falar no Mandrake e a minha.

– Querido, você ficou bravo só porque eu...

– Não fiquei bravo. Só me dei conta que esta nossa relação não tem futuro. Loucura minha, me meter com alguém da sua idade. E não, transformar os outros em estátua não era o único poder do Mandrake. Ele fazia mágicas de todo tipo. Transformava punhais em pássaros em pleno voo. Você sabe o que é isso? Punhais em pássaros!

– Está bem, está bem. Já sou admiradora do Mandrake. Vem até aqui que eu quero lhe dar um beijo. Ou então fique paralisado que eu vou até aí. Mandrake!

– Lothar! – Hein?

– Me lembrei. O nome do ajudante do Mandrake era Lothar.

– Ótimo. Agora vem cá, vem, seu bobo. E me conte tudo sobre esse Nomar, o Príncipe Submarino.

– Namor!


Tudo como sempre - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 04/08

O Papa voltou para Roma, parece que as grandes manifestações estão rareando e, ao olharmos em torno, acredito que muitos de nós concluiremos que, apesar de alguns artigos pretendendo avaliar eventos dos quais ainda não se tem boa perspectiva e diversos pronunciamentos altissonantes sobre a voz das ruas, nada mudou, pelo menos que dê para notar. No começo, não deixou de ter seu lado divertido, até cômico, o cagaço afobado que se instaurou entre os legisladores, depois de visões alarmantes, como a da multidão de manifestantes encarapitada na cúpula do prédio do Congresso Nacional. Trabalharam febrilmente, professaram com ardor sua dedicação à vontade dos governados e mal dava para reconhecer, em tal pugilo de denodados, os trezentos picaretas anteriormente apontados por um conhecedor da matéria.

O Executivo também apresentou um número caprichado, uma ópera movimentada, cuja inteira exegese talvez venha a escapar-nos para sempre. A presidenta, como se tivesse sido alertada pela primeira vez para os problemas levantados, elogiou enfaticamente a opinião das ruas, logo reagindo de bate-pronto, através de uma série fulminante de medidas destinadas a atender às demandas com a presteza exigida pela situação, tais como uma constituinte específica para a reforma política e, logo em seguida, um plebiscito. Tirou do ar verbas e recursos, passou uma para lá, outro para cá, trocou este daqui por essa de acolá e vice-versa, como naquele truque da bolinha embaixo de cascas de nozes, em que, depois que o mágico muda as cascas de lugar, a gente nunca sabe onde está a bolinha, e — abracadabra — não resolveu nem alterou nada.

Tivemos ainda, na performance do governo, uma manobra inovadora, executada pela presidenta. Ela não chegou a convidar o Papa a ingressar no PT, nem comunicou que ele fora aclamado membro honorário do partido, mas mostrou como aquilo que ele começa a pregar somente agora os governos petistas já de muito vêm fazendo no Brasil. Ficou, talvez, faltando o trecho que proclamaria que nunca antes na história da Cristandade um partido político deu tantos bons exemplos a um Papa. E merece registro ter-se tratado da primeira vez em que um presidente, ou presidenta, brasileiro, ou brasileira, fez um relatório de governo ao Vigário de Cristo, isto é, o representante do Cristo neste mundo. Se Deus também tem dificuldade com matemática e também se deixa engabelar por estatísticas fajutas, o apoio lá de cima está garantido.

Era convicção lá em Itaparica que, no decorrer do campeonato baiano de futebol, o Senhor do Bonfim pedia, a alguns santos menos solicitados e com tempo livre, para fazer uma triagem nas promessas e determinava o arquivamento dos pedidos de intervenção nos jogos, além de, em que pesem todas as inúmeras alegações em contrário, nunca ter tido nada a ver com o resultado de nenhum Ba-Vi. E, nas decisões, mandava até desligar o canal de rezas de futebol. Creio que o mesmo pode ser dito de preces de candidatos, mas é claro que isso não impede que, a esta altura, com a eleição do próximo ano na cabeça de todos, já se tenha iniciado um acender geral de ventas pressurosas, um palpitar ansioso de corações sôfregos, um frêmito nervoso de mãos irrequietas, um entreabrir e entrefechar de bocas antecipando morder e mamar.

São os que procuram garantir seu futuro e cumprir o ideal que norteia a maior parte de nossos homens públicos, ou seja, se fazer e permanecer no sacrifício da vida política o quanto se possa, aproveitando para encaminhar a família e favorecer os amigos. Se se derem bem, entrarão para uma casta superior, ou permanecerão nela. Os membros dessa casta, a depender de seu escalão, recebem muitas recompensas pelo esforçado empenho em chegar ao poder e nele permanecer, dele extraindo o máximo proveito possível. Não entram em filas, não se se expõem a nenhum dos desgastes que infernam o cotidiano dos súditos, do transporte à saúde, à aposentadoria, ao futuro dos filhos e a tudo mais que tira o sono e o sossego dos súditos. E, ao que parece, muitos não pagam rigorosamente nada, desde a conta do restaurante à passagem de avião, desde esmalte de unhas a papel higiênico.

Os partidos, como sabem os manifestantes, são agrupamentos intercambiáveis, sem compromisso a não ser com truísmos vagos e alianças interesseiras, sem programas, projetos, sequer slogans. Trocar de partido visa apenas a atender a conveniências pessoais, jamais a convicções. Ficam até falando em esquerda e direita, como se alguém nesse balaio todo não estivesse disputando a mesma coisa, pelas mesmas razões e com os mesmos objetivos, e algum deles soubesse distinguir abstratamente esquerda de direita. Ninguém está vendo nem esquerda nem direita, o que se vê é um governo que administra de solavanco em solavanco, indo e vindo e tocando de improviso, reduzindo um imposto aqui, atamancando uma obra ali, voltando atrás acolá, nada que integre um todo coerente, nada estrutural, tudo conjuntural, como se dizia.

Não há mais tempo para apresentar grandes realizações e vem aí a Copa, quase em cima da eleição. Não tem transposição do São Francisco, não tem ferrovia Norte-Sul, não tem obras de infraestrutura, o pré-sal por enquanto é só gogó, nada deu certo e receiam os mais aflitos que a canoa da presidenta esteja fazendo muita água e agora precisam, com perdão de uma metáfora em cima de outra, adivinhar onde amarrar seu burro, deve ser muito estressante. Quanto aos governados, o que sabemos com certeza mesmo é que a presidenta não deu sorte novamente e o trigo está subindo de preço, o leite também, as hortaliças também. Ou seja, vem aí nova tomatada da inflação, provavelmente bem mais forte que a precedente. Acho que só tacando um plebiscito em cima dessa inflação, para acabar com ela de uma vez por todas.

Ueba! O Partido dos Humildes! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 04/08

A Palmirinha tá certa: o plural de penne é pênis! E apareceu nova gíria pra pingolim mole: al dente!


Ueba! Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Semana animada: CabralFolia e Dia do Orgasmo!

E a Palmirinha: "Palmirinha se atrapalha e confunde penne com pênis no programa ao vivo". Safadinha, ela ainda se lembra!

E a Palmirinha tá certa: o plural de penne é pênis! E apareceu uma nova gíria pra pingolim mole: al dente! Rarará.

E o papa Francisco deixou uma legião de humildes. Agora todo mundo quer pagar de humilde! "Estava precisando de uma dose de humildade", Sérgio Cabral. "Reajo às pesquisas com humildade", Alckmin. Os neo humildes.

Vou lançar um novo partido: PHB, Partido dos Humildes do Brasil. O H de humilde pode ser H de hipócrita! E o Cabral humilde vai trabalhar de van e troca todos seus carros importados por um carro da Fiat. E os helicópteros por asa delta. Rarará.

E o KibeLoco revela uma manchete pra 2030: "Confira a programação do CabralFolia 2030, que promete quebrar tudo no Leblon. Se em 2030 ainda existir o Leblon. Rarará!

E CEDAE quer dizer Companhia Estadual de DESASTRES com Água e Esgoto!

E a Dilma tá tão gorduchinha que parece um PACderme! E aquele penteado PACdérmico tem tanto laquê que resiste até a tornado categoria 5. Aquele em que os carros voam!

E avisa pra Dilma que PAC é o barulho do saco do brasileiro estourando! Rarará!

E os médicos? Manchete do Sensacionalista: "Em protesto, médicos declaram que não darão mais atestados para trabalhador matar o trabalho".

E tem bons médicos, mais médicos e os maus médicos. Aqueles que no protesto ficam gritando: "Somos ricos, somos cultos". Somos ricos, somos cultos e o que você tem é virose. Rarará.

É mole? É mole mas sobe!

Os Predestinados! Direto do Rio: "Amoroso e Carrasco Advogados". Um defende e o outro cobra! Rarará!

E um amigo estava no aeroporto de Brasilia quando ouviu: "Eduardo Tchau, embarque imediato". Sendo em Brasília, devia ser "embargo imediato!"

E uma amiga minha tem um porteiro muito gato chamado Delício! Rarará.

E eu tenho orgulho de ser humilde! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Se eu fosse Deus - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 04/08

Eu gostaria de ser Deus não para consertar o mundo ou melhorar a humanidade, mas, confesso, para um fim menos nobre: conseguir mulher.

Posso imaginar como seria ter ao meu dispor todos os recursos de Deus para impressionar uma mulher. A começar pelo seu espanto ao saber da minha identidade. (Ela: “Você quer dizer Deus, Deus mesmo?! O Cara?!” Eu: “É”. Ela: “O Todo-Poderoso?!” Eu, para mostrar, além de tudo, simplicidade: “Sim, mas pode me chamar de Todo”.)

Eu não a convidaria para jantar, apenas. Mandaria um anjo fulgurante convidá-la para jantar comigo, no meu apartamento celestial ou no restaurante da sua predileção. Onde já começaria a mostrar os meus poderes, pedindo mineral sem gás e transformando-a não apenas em vinho, mas num Chateau Petrus 82.

Conversaríamos sobre banalidades:

Ela: “Deve dar trabalho, ser Deus.”

Eu, modestamente: “No começo, foi difícil. Tive que fazer tudo sozinho, do nada. Desde então, só dou retoques”.

Depois do jantar Eu a convidaria para ir ver o eclipse da Lua do meu terraço à beira-mar.

— Mas hoje não tem eclipse da Lua!

— Quer apostar?

Quando ficássemos mais íntimos, e ela mais crítica, Eu faria tudo que ela pedisse.

— Terremoto...Precisa ter?

— Está bem. Não vai mais ter terremoto.

— Dá para acabar com a má fase do São Paulo?

— Vamos ver o que se pode fazer.

Eu não lhe mandaria bilhetes amorosos, mandaria tábuas gravadas amorosas, entregues por profetas barbudos, junto com flores — todos os dias.

Presentes de pedras preciosas? Por que ser sovina e não lhe dar, logo, uma mina de diamantes?

E se, com tudo isso, Eu não a conquistasse, me restaria um último recurso: refazer-me completamente, do barro. Seguindo as suas instruções.

— Sem barba. Outro nariz. Mais alto...

Uruguai rompe o molde - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 04/08

Projeto uruguaio sobre a maconha quebra o padrão predominante na matéria, que é só repressivo


O mais relevante no projeto de lei aprovado pela Câmara de Deputados uruguaia, que torna legal o consumo e a comercialização da maconha, a ser vendida pelo Estado, nem são suas especificidades, mas o fato de que rompe o molde universal na matéria, centrado na repressão.

O projeto uruguaio pode ter incontáveis defeitos, alguns dos quais já analisados na sexta-feira por Hélio Schwartsman, que se aventura a decretar o seu fracasso. Pode até malograr, mas permanece o fato de que o enfoque repressivo já é um fracasso comprovado.

Mantê-lo só vai fazer piorar as coisas, como se lê em alentado estudo preparado pela Organização de Estados Americanos, divulgado em maio. O documento traça quatro cenários, o último dos quais examina potenciais consequências de manter o atual enfoque (exclusivamente repressivo). Nessa hipótese, quase todos os países da América Latina estarão em pior situação nos próximos 15 anos.

Portanto, se o projeto uruguaio (que ainda depende de aprovação do Senado) piorar alguma coisa, não fará nada diferente da inércia de se manter a pura força como resposta ao tremendo problema das drogas.

É óbvio que legalizar o consumo da maconha não é o ovo de Colombo, até porque ninguém conseguiu pôr uma solução mágica nessa matéria.

O relatório da OEA, o mais abrangente estudo até agora, havia sido encomendado pelos chefes de governo dos países americanos, no que já era o reconhecimento tácito de que as políticas atuais não estão funcionando.

Se não estão, por que, salvo o projeto uruguaio, não houve avanços desde a divulgação do relatório? Talvez porque os demais três cenários nele traçados são de fato de complexa execução.

O primeiro trata da reforma do sistema judicial. Desnecessário comentar o quão difícil é fazê-lo --e não apenas para lidar com a questão das drogas. O segundo expõe as escolhas estratégicas disponíveis para os diferentes governos, entre elas a legalização.

Por fim, o terceiro examina a instituições e arranjos necessários para atender vítimas das drogas, desde usuários que delas abusam até a situação de comunidades tomadas pelo crime, algo que, no Brasil, é um drama arquiconhecido, mas pouco ou mal enfrentado.

O Uruguai resolveu mudar o jogo, como explica o deputado Sebastián Sabini, da Frente Ampla, a coligação governante: "Estamos em um contexto de aumento tanto das apreensões de drogas como de presos por tráfico de drogas; não obstante, a insegurança pública e o consumo aumentaram".

É a constatação prática de que o enfoque repressivo não funciona nem mesmo em um país pequeno como o Uruguai, por isso mesmo mais fácil de controlar, e com menos problemas sociais, que tendem a empurrar mais gente para o consumo de drogas.

A iniciativa uruguaia, repito, pode fracassar, e não é necessariamente o único caminho disponível, mas é o rompimento da inércia.

O triste é constatar que o Brasil, que ajudou a financiar o estudo da OEA, não se mexe nem mesmo para discutir os cenários por ele consistentemente apresentados.

Suspense em torno do tango - DORRIT HARAZIM

O GLOBO - 04/08
Dias atrás, o secretário de Justiça dos Estados Unidos enviou uma carta formal ao ministro da Justiça da Rússia. Nela, o alto representante do governo americano achou necessário atestar que em seu país não há tortura. Há muita ironia da História embutida nesta história.

Ao longo de todo o século XX, nos países do Ocidente, gerações inteiras se habituaram a associar tortura e violação de direitos humanos com o regime comunista soviético fincado em Moscou. A democracia ficava hospedada em Washington. Mesmo depois do colapso comunista de 1991.

Com o ataque terrorista do 11 de Setembro de 2001 contra as Torres Gêmeas, os Estados Unidos se habituaram a viver subordinados à lógica e às demandas de um emaranhado de leis de segurança nacional. Foi através desses imperativos que se infiltraram a tortura, as prisões clandestinas, as práticas condenadas por convenções internacionais. Eram os efeitos colaterais da chamada Guerra ao Terror decretada pelo então presidente George W. Bush e seu vice, Dick Cheney.

Barack Obama herdou esse pacote ao chegar ao poder em 2009. Prometeu desinfetá-lo. No seu segundo dia na Casa Branca assinou três ordens executivas que revertiam os aspectos mais corrosivos da era Bush. Só que ordens executivas não são lei, podem ser anuladas a qualquer dia, basta uma nova. Sem falar que uma das três - o fechamento da prisão de Guantánamo, com seu escandaloso amontoado de detentos vitalícios - continua a desafiar o poder presidencial.

A tortura, sim, foi banida. Além de oficialmente vetada por Obama, a prática vem caindo em desuso até entre os mais recalcitrantes agentes terceirizados nos confins do Afeganistão. Mas é o tipo de mancha que leva tempo para ser apagada.

Por isso seria tão importante jogar um facho de luz no passado. Contudo, ainda permanece sob sigilo, por ordem do Executivo, o tão aguardado relatório de 6.000 páginas elaborado pela Comissão de Inteligência do Senado, baseado nas atividades da CIA no período.

Um outro levantamento sobre os programas de interrogatório e detenção da era Bush, apresentado três meses atrás pelo Constitution Project, um grupo de pesquisa independente, chegou a uma conclusão dura: embora em todas as guerras com tropas americanas tivessem ocorrido brutalidades, nunca antes houve discussões tão precisas e detalhadas envolvendo um presidente e seus assessores diretos sobre a propriedade e legalidade de se causar dor e tormento em detentos sob sua custódia .

O relatório também lista as acrobacias jurídicas criadas para justificar a brutalidade dos interrogatórios e sua supervisão médica. Conclui com uma severa crítica ao governo Obama por obstruir a divulgação plena desse passado recente, crucial para a história futura do país.

Foi com este pano de fundo que o secretário de Justiça, Eric Holder, enviou a tal carta a seu colega russo Alexander Konovalov. Ele garantia que o delator Edward Snowden não seria torturado se fosse extraditado para se apresentar à Justiça americana por ter escancarado os programas de espionagem global do governo. Tampouco seria condenado à morte.

Triste sina, a de Holder, ter de rebater as alegações de um fugitivo da Justiça americana sobre o que esperar se retornasse a seu país. Em outros tempos os temores de Snowden soariam a desculpas ocas.

Hoje, é legítimo comparar sua condição à de outro delator, o soldado Bradley Manning. Manning é o analista de sistemas que fez a famosa derrama de 700 mil vídeos e documentos de inteligência para o WikiLeaks enquanto servia no Iraque. Tinha 22 anos quando foi preso em 2010. Durante os primeiros nove meses de detenção ficou confinado numa solitária sem janela durante 23 horas por dia. Não podia se exercitar. Era obrigado a dormir nu, sem travesseiro nem lençol. Não fora julgado nem condenado.

Dos cerca de 2,3 milhões de pessoas encarceradas nos Estados Unidos, estima-se que 80 mil estejam confinadas em regime de isolamento semelhante - mas todas já cumprindo pena e por representarem algum tipo de ameaça à segurança do presídio.

No caso de Manning, que sempre teve comportamento exemplar e cujo julgamento agora se aproxima do fim, a própria juíza da corte marcial considerou excessivo e extremo o tratamento ao qual foi submetido. Por isso, dos 126 anos de pena máxima a que ele poderá ser condenado, serão deduzidos 112 dias. O confinamento solitário pode ser clinicamente tão perturbador quanto a tortura física , diz o Journal of the American Academy of Psychiatry and Law .

Desde quinta-feira passada a carceragem de Bradley Manning deve ter fugido um pouco das preocupações de Edward Snowden. Após cinco semanas de existência de limbo jurídico numa ala do aeroporto de Sheremetievo, ele recebeu das autoridades russas asilo temporário de um ano. Pode agora iniciar nova etapa de sua incerta odisseia.

Para o governo dos Estados Unidos, foi um choque de realidade. Sempre pairou no ar a ameaça velada de Barack Obama cancelar sua reunião de cúpula com o presidente Vladimir Putin, agendada para setembro, caso a Rússia desse abrigo a Snowden. Semanas atrás, Obama ainda telefonara pessoalmente a Putin para reiterar o peso que os Estados Unidos dão ao caso.

Mesmo assim Putin foi em frente. Deve ter calculado o risco. Esta pode ser a oportunidade talhada para lhe angariar alguma simpatia da juventude europeia e parte da que lhe é hostil em casa. Ademais, fazer frente ao colosso americano sempre reforça a imagem.

Por enquanto os preparativos para a cúpula com Obama prosseguem, pois, como disse o porta-voz do Kremlin, não se pode dançar tango sozinho .

Mas talvez Moscou seja pequena demais para Barack Obama e Edward Snowden circularem livremente e ao mesmo tempo. Plantão dobrado para a National Security Agency.