quinta-feira, julho 04, 2013

Desacato - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 04/07

Talvez seja um resto colonial: o legislador protege o Estado contra o reles cidadão


Em 2010, quando quis marcar o dia da inspeção veicular do meu carro, já não havia mais horários. A primeira data disponível era depois do fim do prazo de minha placa.

A inspeção descobriu que meu escape estava furado. Naquele dia, a caminho do mecânico que trocaria o tubo, meu carro passou por um radar e foi multado por circular sem certificação ambiental. Isso, eu descobri quando a multa chegou.

Tudo bem, não riam de mim, é que morei muito tempo na Europa e nos EUA, mas eis o que eu fiz: escrevi uma bonita carta ao DSV, Departamento de Operação do Sistema Viário, incluindo cópia dos documentos que atestavam 1) minha passagem pela inspeção na manhã do dia da multa, 2) o resultado da inspeção, 3) minha passagem pelo mecânico no mesmo dia, 4) a inspeção final.

Expliquei que eu tinha sido multado no trajeto entre a inspeção e o mecânico que consertaria o defeito encontrado e pedi que o departamento reconsiderasse a multa.

Talvez eu merecesse a multa de qualquer forma (pelo atraso inicial), mas a questão é: você recebeu resposta? Eu, nem sequer um sinal de que alguém tinha recebido minha correspondência.

O tempo passou. Neste ano, 2013, uma vez o IPVA pago, o licenciamento demorava a chegar. Um despachante descobriu que a multa de 2010, com juros e correção monetária, tinha reaparecido e impedia que meu carro fosse licenciado.

O despachante "nunca riu tanto" quanto ao escutar a história de minha carta etc. --coisa de gringo mesmo, essa de acreditar que, naquele endereço indicado nas notificações, alguém se daria à pena de ler e responder a um cidadão.

Essa história me custou algum dinheiro, mas não fui pessoalmente nem à inspeção nem ao Detran. É minha desobediência civil de privilegiado: pago, mas não deixo o Estado abusar do que tenho de mais precioso, meu tempo.

Para o Estado, em geral, o tempo do brasileiro não vale nada, e essa desvalorização do tempo do cidadão talvez seja mais injuriosa do que as eventuais falhas nos serviços. Nos serviços, podem faltar recursos (somos pobres), mas o descaso com o tempo do cidadão é só desprezo.

O mesmo desprezo aparece no fato de que a administração brasileira carece de mecanismos para proteger o cidadão contra os abusos do poder. Nos Estados democráticos, proteger o indivíduo é uma das grandes preocupações dos legisladores.

Nos Estados totalitários (modernos e antigos) ou nos Estados de origem colonial acontece o contrário: o legislador protege a administração (o partido único, a "coletividade", o império, a corte de Lisboa, tanto faz) contra o reles súdito.

Um leitor, Bárbaro, comentando a coluna da semana passada, assinala que os brasileiros não são vítimas só de descaso, "mas de intimidação mesmo, como atestam aqueles famigerados cartazes em qualquer repartição pública alertando o pobre cidadão que o desacato a funcionário público no exercício de seu trabalho é crime" (pena de seis meses a dois anos de detenção ou multa).

Talvez a reforma em curso do Código Penal acabe com o crime de desacato, que é uma pura coação do Estado contra o cidadão. Enquanto isso não acontece, proponho que, nas repartições públicas, ao lado do cartaz do desacato, seja pendurado outro, que lembre as punições para o funcionário e para o próprio Estado quando eles desacatam o cidadão que eles deveriam servir.

É uma boa ocasião, aliás, para sugerir que o termo "funcionário público" seja substituído por "servidor público". O que importa não é preencher bem uma função num governo ou numa administração: os torturadores eram ótimos funcionários da ditadura; o que importa é cumprir honradamente a tarefa de servir os cidadãos.

A ausência de canais pelos quais seja realmente possível se queixar (junto com a ideia intimidante de que a queixa pode ser entendida como desacato) são provas da necessidade de uma reforma política profunda, que mude a relação do Estado com o cidadão.

Esta é uma coisa que qualquer psicanalista e psicoterapeuta constatam e que vale no consultório e fora dele: escutar não é apenas uma condição para saber o que curar e como, escutar é tão importante quanto curar. Um governo que não escuta não terá legitimidade, mesmo que consiga curar alguns ou todos os males.

Justamente, o silêncio do DSV fez com que eu gostasse de ver, alguns dias atrás, as vidraças do Detran quebradas pelas pedras dos manifestantes.

Calma, gente - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 04/07

Por volta das 19h de terça, Gabriel O Pensador e uma amiga estavam caprichando num grafite dentro de uma passagem subterrânea próxima ao Fashion Mall, em São Conrado.
Dizia: “Vamos aterrorizar os corruptos.”

‘Matei o presidente...’
Em 1993, como se sabe, Gabriel estourou com o rap “Tô feliz (Matei o presidente)”, meses antes de Collor ser afastado da Presidência.

Um rei no Senado
Após a aprovação na CCJ do projeto de lei que muda as regras para distribuição de direitos autorais, uns artistas — Fafá de Belém, Frejat, Thiaguinho, entre outros — foram à sala do senador Renan Calheiros pedir agilidade na tramitação.
Nisso, Roberto Carlos chegou, e a turma começou a cantar “Esse cara sou eu”.

Colecionador nordestino
O quadro Céu, de Beatriz Milhazes, uma das artistas brasileiras mais valorizadas do país, foi para o Nordeste.
Foi vendido por uns R$ 800 mil no leilão de Soraia Cals e Evandro Carneiro.

Segue...
Veja que curioso. Os cariocas compraram quase o dobro de quadros (ao todo foram 140) do que os paulistas neste leilão.
Em segundo lugar, ficaram os colecionadores da Bahia. São Paulo foi o terceiro e, logo atrás, Pernambuco.

Danadinho...
Desde que a foto postada domingo pelo jogador Hulk vazou na internet mostrando o goleiro Diego Cavalieri nu ao fundo, uma expressão até então usada para as manifestações virou hit nas redes sociais: “O gigante acordou.”

A vez de Cazuza
Após o sucesso de Tim Maia, outro ídolo nacional será tema de musical, novamente sob direção de João Fonseca.
O homenageado da vez é Cazuza. O ator será escolhido por testes. A ideia é revelar um novo talento. A estreia será em outubro, no Rio.

Banheiro de ouro
O parlamento britânico vai gastar 120 mil euros, uns R$ 350 mil, para renovar os banheiros dos membros da Câmara dos Lordes e seus convidados.
Deve ser terrível... você sabe.

Poesia em Medellín
Thiago de Mello, o poeta, vai ser homenageado no Festival Internacional de Poesia de Medellín, na Colômbia, que começa no sábado.
O tema principal será o seu poema “Os estatutos do homem”. O festival vai reunir 150 poetas.

Caiu mal
Um grupo de dentistas que participaram de um congresso no Hotel Iberostar, na Praia da Forte, na Bahia, teve o maior piriri.
No sábado, os dentistas deixaram o hotel com vômitos, febre e diarreia.

Cadeira do Papa
A cadeira que o Papa Francisco vai usar durante a cerimônia no Hospital São Francisco na Providência de Deus, na Tijuca, está sendo feita por Antônio Aparecido de Oliveira Vera. Ele aprendeu o ofício na Associação Lar São Francisco de Assis, em São Paulo, que cuida de ex-usuários de drogas.
Antônio largou o vício há seis anos. Amém.

Aliás...
Dom Orani Tempesta pediu que as paróquias se mobilizem neste fim de semana para arrecadar o dinheiro que falta para a Jornada da Juventude.

Diário de Justiça
O traficante Luiz Fernando Nascimento Ferreira, o Nando Bacalhau, ex-chefe do tráfico do Chapadão, no Rio, vai a júri popular.
É acusado de torturar e matar um homem suspeito de ser miliciano. A decisão é da 1ª Vara Criminal do Rio.

Hora com grife
A Hublot, grife suíça de relógios, vai abrir sua primeira loja na América Latina. Será dia 18 agora, no Fashion Mall, em São Conrado.

Quem opera a marca no Rio é a joalheria Sara, dona também da butique da Rolex por aqui.

Caso de polícia
Síndico de um prédio na Tijuca, no Rio, João Alves Bandarra, de 85 anos, sofreu um AVC hemorrágico depois de ter levado um soco, dado por um vizinho, na segunda passada.

O agressor, de 70 anos, ficou furioso por causa de uma nova ordem: motos só podem entrar na garagem desligadas. O caso foi registrado na 18ª DP.

Um servílio - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 04/07

O pouco físico e a cara de órfão abandonado do Dickens podem explicar a invisibilidade de Oscar para o público e a crítica



Há muito tempo existiu em São Paulo um centroavante chamado Servílio. Não me lembro em que times ele jogou, sei que chegou à seleção brasileira. E do Servílio se dizia que ele jogava sem a bola. Nunca ficou muito claro o que significava aquilo, jogar sem a bola. Talvez, com seu posicionamento ou sua movimentação, ou até mesmo com a ameaça do que faria se tivesse a bola, Servílio ajudasse a abrir ou assustar defesas. Não era um jogador espetacular como outros do seu tempo (ele foi contemporâneo de Pelé e de Rivelino) e tocou na bola um número suficiente de vezes para ser goleador. Mas, de acordo com a crônica esportiva da época, o grande mérito de Servílio era aquele poder meio misterioso de jogar bola longe da bola. E Servílio ficou como um protótipo do jogador que atua para o time e não para o público, que o público muitas vezes nem enxerga em campo. Sua função estava no seu nome: Servílio, para servir aos outros.

Pensei no Servílio ouvindo e lendo os repetidos elogios para Neymar, Fred e etc. depois da vitória brasileira na Copa das Confederações. Elogios merecidos, mas quase sempre incompletos. Não incluíam o Oscar. E Oscar é dos jogadores mais importantes da nascente seleção do Felipão. No jogo contra a Espanha, os três gols do Brasil tiveram a sua participação. Ele é um anti-Servílio na permanente disposição para receber a bola em qualquer lado do campo, mas é um autêntico Servílio na predisposição para servir ao time, muitas vezes se autoapagando, preferindo o passe preciso e a progressão consequente à jogada de efeito. Seu pouco físico e sua cara de órfão abandonado do Dickens podem explicar sua invisibilidade para o público e a crítica, mas pelo menos o Felipão já deve saber que o ataque para a Copa de verdade tem que ser organizado à sua volta.

Quanto ao resto, estamos bem. Luiz Gustavo — outro neosservílio — foi a melhor surpresa do esquema do Felipão. E aquela bola que o David Luiz tirou de cima da linha do gol num ângulo impossível mostrou que os deuses da física estão do nosso lado. Ajuda.

PAPO VOVÔ

A Lucinda sentou nas minhas costas e eu sugeri que ela usasse minha careca como um tambor. Resposta dela: “Essa é a coisa mais ridícula que eu já ouvi na minha vida.” Não sei quantas coisas ridículas ela já ouviu na sua vida curta, mas minha sugestão bateu todas.

Cura gay! Voltou pro armário! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 04/07

E a Marina? A Virgem Inca! Eu só vejo um único problema na candidatura Marina: E SE ELA GANHAR?


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! UFA! Como disse o tuiteiro Ricardo Gava: "A cura gay voltou pro armário".

E um gay gritou: "Não sou mais hétero, o remédio do ChupaFeliciano era placebo". Rarará!

E por que essa obsessão pelos gays? Freud explica: "Marco Feliciano queria ser Spice Girl, mas os pais não deixaram". Tá explicado!

E o Sensacionalista revela que o autor do projeto de cura gay vem com outro projeto: cura de canhoto. Rarará!

Os canhotos querem destruir a família brasileira! Rarará!

E o Plebiscito da Dilma? Continua minha enquete: "Qual pergunta você acha que não pode faltar no plebiscito?".

E os leitores respondem: "Pelé ou Maradona?". "Comum ou aditivada?" "Joelma ou Daniela Mercury?" Rarará! Essa é ótima.

E mais outras: "Número um ou número dois?". "Como estou dirigindo?" PESSIMAMENTE! Rarará!

"Com ou sem borda recheada?" Tanto faz, pizza é pizza!

E a Dilma de pé é o John Wayne. Sentada, é o Grande Chefe Touro Sentado. E quando abre a boca é a Rainha do Autoelogio!

E atenção! Eu também quero os mensaleiros presos. Os petistas e os tucanos de Minas. Todos! Xadrez apartidário!

E a Marina? A Virgem Inca! Eu só vejo um único problema na candidatura Marina: E SE ELA GANHAR? Rarará!

Conheço um monte de gente alternativa que diz: "Vou votar na Marina".

Aí eu pergunto: "E se ela ganhar?". Aí fazem caras de ponto de interrogação! Rarará!

E já que a Marina não gosta de partido, por que ela tá coletando 500 mil assinaturas? Pra fundar um bloco de Carnaval? Rarará!

É mole? É mole, mas sobe!

E sabe como a imprensa espanhola tá chamando o Neymar? Filete de mariposa. Filé de borboleta! Rarará!

E em Campo Formoso, na Bahia, tem um capitão da PM chamado Neymar Batatinha! Rarará! Adorei!

E a charge do Amorim com o torcedor brasileiro: "Agora que a Copa das Confederações acabou, vamos lutar pelos grandes objetivos da nação: VAI, CURÍNTIA!".

Isso! Vai, Curíntia. Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza! Hoje, só amanhã!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Não tem nada de mais - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 04/07

Dez anos atrás, em uma estrada na Inglaterra, o consultor Chris Huhne excedeu-se um pouco na direção de seu BMW. Nem foi tanto assim: estava a 111 km/h, quando o limite era de 95 km/h. Mas a câmera flagrou e a multa chegou à casa de Huhne.

Nem era tanto dinheiro, mas os pontos fariam com que ele perdesse sua carteira de motorista. Como sua mulher, a economista Vicky Pryce, estava com pontuação baixa, pediu a ela que assumisse a culpa. Não custava nada, não é mesmo? Quanta gente não faz isso?

Vicky topou e a vida seguiu. Seguiu bem. Huhne tornou-se ministro do Meio Ambiente e Vicky, economista-chefe do governo de David Cameron. No pessoal, porém, as coisas se complicaram. Huhne se encantou com uma assessora de campanha e separou-se da mulher com quem estava havia 26 anos.

Acontece, não é mesmo? Vicky, porém, parece não ter se conformado. Não se sabe se por vingança ou por descuido, em 2011 contou em uma entrevista ao jornal "Sunday Times" aquele episódio da troca da multa.

Para encurtar a história: Huhne teve de renunciar ao cargo de ministro, foi processado por obstrução à Justiça e condenado, no início deste ano, a oito meses de prisão.

Ministros não podem se comportar desse modo, mesmo antes de serem ministros, tal foi a conclusão política e ética. Parece meio sem sentido, mas, lembrem-se: pelas regras de nosso Congresso, se o parlamentar cometeu um crime antes de ser parlamentar, não tem nada de mais, não é caso de quebra do decoro parlamentar.

Por isso mesmo, contamos esta história. No último sábado, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, mandou chamar um jatinho da FAB para Natal e lá mandou embarcar, na sua companhia, a namorada, um cunhado, uma concunhada, um filho e dois enteados. Toca para o Rio de Janeiro, ordenou.

No Rio, a comitiva passeou e no domingo foi ao Maracanã ver o Brasil ser campeão. Todos embarcaram de volta à noite, incluindo-se na comitiva um amigo do cunhado.

Ontem, a "Folha de S.Paulo" contou a história. O deputado Henrique Eduardo Alves respondeu ainda de manhã. Disse que ele tinha serviço no Rio - um almoço com o prefeito Eduardo Paes e o senador Aécio Neves, no sábado -, por isso tinha direito ao jatinho. Mas disse que embarcar todo aquele pessoal foi um "equívoco" e que "por dever, imediatamente, o corrige". Como? Vai pagar as passagens. Do próprio bolso!

Quer dizer que ele não sabia que não podia levar a turma no jatinho? E que só ficou sabendo depois que a história saiu na imprensa?

Imaginemos a cena. O assessor leva o jornal ao deputado e ele, intrigado: "Mas por que essa publicidade toda? Não posso levar ninguém no jatinho da FAB?" E o assessor: "Infelizmente, não pode, senhor presidente." E ele: "Puxa, por que não me avisaram antes? Mas não tem problema, eu pago as passagens."

O deputado acrescentou que já mandara apurar o "valor médio" das passagens e que reembolsaria a FAB. E tudo resolvido. Qual é? Não tem nada de mais, pessoal, está pago.

Reparem: depois de todas as manifestações que colocaram os políticos na marca do pênalti, o presidente da Câmara acha que não tem nada de mais usar o jatinho da FAB, pago com o dinheiro dos manifestantes, numa viagem do seu pessoal no fim de semana.

Mostra como o patrimonialismo está na alma dos políticos. Se você não pode usar o dinheiro público, de que serve ser autoridade, não é mesmo?

Apanhado, o deputado classifica o uso do dinheiro público em benefício pessoal como um simples "equívoco", a ser resolvido ali no ato, "por dever".

Quer dizer que, se um homem público desviar o uso de dinheiro público - pois é disso que se trata -, admitir o erro e pagar, conforme a conta que ele mesmo faz, fica tudo bem?

O britânico Chris Huhne deveria ter consultado os políticos brasileiros. Diriam a ele: admita o erro, pague a multa de novo, devolva a carteira num ato solene e deixe a cena do crime, quer dizer, do caso, com ar altivo.

Também pelos padrões de Henrique Eduardo Alves, os dois ministros do governo alemão que se demitiram depois de terem sido acusados de plágio em teses acadêmicas, apresentadas muitos anos atrás, foram dois idiotas. Era só admitir o equívoco. E devolver os títulos universitários.

A sério: nesse ambiente de resposta às ruas, cabe uma boa moralização no uso de veículos pelas autoridades. As regras atuais são vagas o suficiente para permitir qualquer farra. Mas a ética política deve ou deveria valer mesmo sem regras escritas.

Vítima de um boato - GILLES LAPOUGE

O Estado de S.Paulo - 04/07

Na segunda-feira, a política mundial lembrava o romance de George Orwell em razão das revelações sobre as dimensões prodigiosas da espionagem controlada pelos EUA. Hoje, mudamos a referência literária, mas continuamos no caso do espião americano, com o imbróglio que abalou toda a Europa e a América Latina a respeito do avião no qual o presidente da Bolívia, Evo Morales, regressava de Moscou. O que aconteceu no aeroporto de Viena, na Áustria, parece um filme de James Bond.

Chegou a correr o boato de que Edward Snowden, o jovem especialista em informática que divulgou documentos sobre a espionagem praticada pelos EUA teria se refugiado no aeroporto de Moscou, teria viajado clandestinamente na aeronave de Morales. Snowden trabalhava para uma empresa que prestava serviços à Agência de Segurança Nacional americana.

Imediatamente, a máquina de boatos começou a se movimentar com rumores fundados ou infundados. Em todo caso, seria difícil separar o verdadeiro do falso. Vários países europeus teriam se recusado a autorizar o avião de Morales em seu território ou a sobrevoá-lo. Lisboa teria cancelado uma escala técnica prevista para o abastecimento de querosene da aeronave. Em seguida, a França e depois a Itália teriam negado a autorização concedida inicialmente ao avião de Evo para sobrevoar seu território. Então a Áustria divulgou a informação de que Snowden não se encontrava a bordo.

O caso, é claro, provocou grande estardalhaço, principalmente na América Latina e, nesse continente, nos países tradicionalmente mais hostis aos americanos. A Bolívia, nem é preciso dizer, mas também a Venezuela, etc.

Europa. Na França, entretanto, o que se percebe é um certo mal-estar. A porta-voz oficial do governo tentou desmentir as informações segundo as quais Paris teria se recusado a permitir que o avião do presidente boliviano sobrevoasse seu território, mas devemos reconhecer que ela o fez sem entusiasmo ou convicção.

Pode-se compreender a dificuldade de Paris. François Hollande foi um dos primeiros chefes de Estado a condenar e a pôr na berlinda as péssimas maneiras dos americanos, esquecendo que cada país espiona todos os outros países, com a única diferença de que os recursos americanos são monstruosamente mais poderosos do que os de uma nação secundária.

Seja como for, e levando em conta a atitude de Hollande, pela lógica, ele não se escandalizaria se o avião de Morales abrigasse o jovem que lançou o alerta, Snowden.

Entretanto, a falta de reação foi interpretada pelos EUA como um grave ato de inimizade. Ocorre que as relações entre Paris e Washington já estão bastante tensas, justamente em razão da indignação e do estardalhaço feito por Paris em razão das redes de espionagem americanas.

É preciso assinalar que, neste momento em que o presidente da república navega de algum modo entre a revolta e a submissão diante de Washington, uma parte da opinião pública toma partido por Snowden e ataca o Império da Espionagem que são os EUA.

Até aqui, nenhuma novidade! É principalmente nas franjas da extrema esquerda, por exemplo entre os seguidores de Jean-Luc Mélenchon, o presidente da Frente da Esquerda, que os justiceiros se encontram. A dirigente da Frente Nacional, de ultra direita, também acha que Snowden deveria encontrar logicamente asilo político em um país europeu. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

O voo de Evo e a burrice europeia - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 04/07

Cerco ao presidente da Bolívia viola convenção internacional e provoca uma crise cretina


Os países europeus, sob evidente pressão dos Estados Unidos, criaram uma crise extemporânea e burra com a América Latina, ao "sequestrarem" o avião do presidente Evo Morales, para usar expressão de seu vice, Álvaro García Linera, que é exageradamente colorida, mas não deixa de conter algo de verdade.

Retórica à parte, é incontestável que os países que negaram autorização para que o avião presidencial boliviano sobrevoasse seus territórios violaram a Convenção de Viena sobre Relações Internacionais, de 1961, que João Paulo Charleaux, da "Conectas", ONG de Direitos Humanos, resumiu em seu Facebook.

Diz a convenção: "Os locais da missão [diplomática], mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução".

O mesmo texto estabelece a ilegalidade de uma revista no avião presidencial, a menos que seja autorizada pelos ocupantes, o que não foi o caso de Evo. Consta que a Espanha, por exemplo, autorizaria o pouso, desde que pudesse verificar se Edward Snowden estava ou não a bordo. A convenção determina ainda que "(...) terceiros Estados não deverão dificultar a passagem através do seu território dos membros do pessoal administrativo e técnico ou de serviço da missão e dos membros de suas famílias".

Não adianta agora o chanceler francês Laurent Fabius telefonar para seu colega boliviano David Choquehuanca para pedir desculpas e insinuar que o presidente François Hollande não fora informado da decisão de negar a passagem do avião de Evo pelo espaço aéreo francês.

O incidente uniu os incendiários bolivarianos (Rafael Correa, o próprio Evo, Nicolás Maduro, Raúl Castro) aos moderados Ollanta Humala e José Mujica, passando pela oscilante Cristina Kirchner e terminando na brasileira Dilma Rousseff.

Esta demorou a se manifestar porque, pelo que a Folha apurou, está em uma fase em que não quer ver na mesa nenhum papel que não diga respeito diretamente às manifestações e às reações a elas. O Itamaraty chegou a ser criticado pela esquerda do PT por seu silêncio.

Mas, quando finalmente saiu a nota oficial do Planalto, seu tom foi até mais duro do que a reação inicial dos parceiros. A nota não só assume que o episódio "atinge toda a América Latina", tal como vinham dizendo os incendiários, como diz que pode prejudicar futuras negociações comerciais com os europeus.

Ou seja, pode provocar consequências mais que retóricas, ainda mais que os europeus não escondem o desejo de retomar as negociações para um acordo de livre comércio UE/Mercosul.

Ameaça, por fim, propor "novas iniciativas" em diferentes instâncias regionais, embora o Planalto não tenha delineado nenhuma concretamente, a não ser uma reunião de emergência da Unasul.

Pode ser que os países do Sul se contentem com um pedido de desculpas, exigido na nota de Dilma, e que tudo não passe de tempestade de verão (europeu). Ainda assim, foi uma burrice imperdoável.

Uma visão política e econômica dos protestos - ROBERTO MACEDO

O ESTADO DE S. PAULO - 04/07

Na política, há no Brasil excessiva concentração de poder no governo federal. É profundamente enraizada e remonta ao período imperial. Conforme Roberto Romano resumiu neste espaço no dia 23 de junho último "(...) a pessoa presidencial(...)domestica, pela propaganda e controle dos recursos públicos, a soberania popular, e distorce a representação do Parlamento".

Esse quadro não muda, mas o perfil dos eleitores mudou. E muito. Em 1950 o Brasil tinha52 milhões de habitantes, 64% nas áreas rurais. A miséria aí se concentrava, quase não votava, e a classe média tradicional, influente politicamente, era cortejada pelos políticos. Em particular, eles lhe garantiam boa educação pública nas cidades, nos primeiros quatro anos de escola. Nos quatro seguintes e no ensino médio, de forma bem mais limitada, os colégios públicos destacavam-se pela qualidade. O limitadíssimo ensino superior era essencialmente público. Pouco se falava dos problemas sociais. A segurança estava muitíssimo distante da gravidade atual e a mobilidade urbana não era, como hoje, prejudicada pelo crescimento populacional e pelo trânsito congestionado.

Já no censo de 1991 a população passou a 147 milhões, quase 100 milhões (!) a mais que em 1950, e 76% urbana. A pobreza, sempre descuidada, já marcava a paisagem das grandes cidades. Com direito de voto ampliado, os eleitores mais pobres passaram ater enorme força política. No processo, a classe média tradicional abandonou a educação básica pública, que caiu muito em qualidade ao ser ampliada para a clientela em expansão. A superior expandiu se mais na esfera privada, e aí também vieram as mensalidades. Vieram igualmente a alta criminalidade e a lenta mobilidade urbana, entre outros males endêmicos.

Foi nesse contexto que emergiram os governos federais petistas, obcecados pela manutenção do poder a qualquer custo. Portando a bandeira da inclusão social, mas focados nas urnas, passaram a um vale-tudo programático para agradar à nova e enorme massa de eleitores, sem atentar para o que se passava com a classe média tradicional. Com frágil representação política, ela também viu seus valores, como a ojeriza à corrupção, atropelados no processo. Não sem razão, são seus filhos que predominam nas ruas. Não reclamam do pão para os pobres, mas do circo da Copa, que para estes só está na TV, na qual se percebe que são raros nos estádios.


Passando à economia e aos números, a concentração de poder na esfera federal é evidente nos dados de receita tributária disponível por nível de governo, que configuram o chamado pacto federativo. Mas não houve pacto, foi imposição da União. Segundo números de 2011, ela ficou com 57,1% do to e o PT se revela incapaz de tratá-lo tal, 33% mais que a soma das partes dos Estados, com 24,6%, e dos municípios, com 18,3%. Isso impede que estes dois últimos entes, que estão na ponta do atendimento a carências de educação, saúde, segurança e mobilidade urbana, possam dar um atendimento não tão ruim como o atual. Eles também têm limites para endividamento. Seu maior credor é a própria União, que se endividas em limites, e lhes cobra encargos que não paga na sua própria dívida.

Nos gastos, o governo federal é pautado pelo populismo, numa implacável caça aos votos. Isso fica claro pela evolução dos gastos da União nas gestões petistas. Conforme meu último artigo, desde o fim do governo FHC, em 2002, e até 2012 o gasto não financeiro federal teve aumento de 2,5% do produto interno bruto (PIB). É um dinheirão. Com base no PIB de 2012, esse acréscimo foi de R$ 110 bilhões.

Sustentado com maior carga tributária, foi impulsionado principalmente por mais 1,2% do PIB nos gastos previdenciários do INSS e 1,1% do PIB noutros gastos sociais, como seguro-desemprego, abono salarial, Bolsa Família e benefícios devidos a idosos e inválidos. Com isso, 92% (!) do aumento dos gastos não financeiros de Lula e Dilma foi desse tipo, impulsionado principalmente pelas elevações do salário mínimo, que guardam relação com eles. Como resultado, os investimentos, que ampliariam a oferta e a qualidade de serviços públicos, foram prejudicados. No mesmo período, seu acréscimo foi de apenas 0,1% do PIB!

E j á existe de fato um 40.° ministério, que cuida do marketing político federal, sempre a anunciar benesses e lhes dando marcas como a produtos das prateleiras de um supermercado político. É bolsa disto e daquilo, casas que são vidas a melhorar com eletrodomésticos apreços subsidiados, e por aí afora.

Mas um governo que se disponha efetivamente a resolver problemas não se pode limitar às benesses. Há, por exemplo, a necessidade de redistribuir receita para Estados e municípios, de reduzir gastos de consumo, de investir mais, de apertar as regras de aposentadoria para acomodar o aumento do número de idosos e de mudar a regra de reajuste do salário mínimo para reduzir o desequilíbrio de gastos acima apontado. Ora, isso exigiria políticos estadistas e marqueteiros realmente talentosos, capazes também de cativar uma clientela para os sacrifícios necessários, tal como os médicos convencem doentes a tomar remédios amargos e a passar por cirurgias dolorosas e arriscadas.


O Brasil está doente política e economicamente. Parafraseando Castro Alves, e com vozes não d" Africa, mas daqui mesmo, deste país, é o caso de perguntar por essas personalidades que ainda não deram as caras: "Meus"! Ó "meus"! Onde estão, que não respondem? Em que mundo, em que estrela se escondem?


Hoje, no céu político, a estrela do PT é (de)cadente. Se tem líderes capazes de efetivamente resolver os graves problemas do País, que apareçam, pois ela e suas políticas populistas não servem mais como esconderijo. A classe realmente média descobriu isso, saiu pelas ruas e pôs aboca no trombone.

O Estado ainda não entendeu as ruas - EVERARDO MACIEL

O ESTADÃO - 04/07

A força das recentes manifestações de rua no Brasil causou surpresa geral, aqui e no exterior. Prevaleceu a máxima do poeta grego Ágaton (447 a.C. - 401 a.C.): "É muito provável que o improvável aconteça". Ainda é cedo para se aquilatar a real dimensão e consequências dessas manifestações. Arrisco-me a fazer alguns comentários.

O desdobramento, em âmbito nacional, do movimento a favor do passe livre nos transportes públicos de São Paulo revelou a existência de um grande mal-estar na sociedade brasileira em decorrência de inúmeras causas, como a volta da inflação, a ineficácia dos serviços públicos e o aumento significativo da corrupção.

A inflação e a má qualidade dos serviços públicos decorrem de clamorosos erros na condução da coisa pública. Já o aumento da corrupção tem suas raízes na completa degradação da atividade política e dos valores que informam a vida em sociedade.

Impressiona muito o recurso a conhecidas e ineficazes providências para enfrentar a inflação (desoneração pontual de tributos, manipulação de tarifas aduaneiras, administração de preços públicos, ameaças ridículas aos empresários, etc.). Esse filme, como se sabe, tem desfecho trágico. Inexiste qualquer preocupação com o equilíbrio fiscal, exceto as engenharias contábeis que desrespeitam a inteligência alheia. O estímulo ao consumo se faz de forma irresponsável. A política expansionista de gasto público não produziu nenhuma melhoria dos serviços públicos. Alguém está satisfeito com a infraestrutura rodoviária? Com os portos e aeroportos? Com o atendimento no SUS? Com a educação pública de péssima qualidade? Com os serviços de telefonia e de internet? É evidente que sobra Estado e falta governo.

Os eventos da Copa do Mundo justificaram o afastamento dos procedimentos licitatórios, o esbanjamento de dinheiro em um país carente, a completa submissão do interesse nacional à grosseira colonialista e mercantilista de uma Fifa, reconhecidamente pouco virtuosa. A intenção original era explorar politicamente esses eventos. Esqueceram, todavia, dos preços dos ingressos. O povo ficou do lado de fora das arenas. Assim, os que se jactavam de promover a inclusão social produziram a mais espetaculosa exclusão.

A atividade política converteu-se em mero meio de vida, salvo raras e honrosas exceções. A criação de partidos políticos constitui quase sempre uma forma de apropriação dos recursos públicos do Fundo Partidário. Da mesma forma, sindicatos, "movimentos sociais" e organizações estudantis são financiados, de forma direta ou indireta, com recursos do contribuinte. Estamos criando uma nova modalidade de patrimonialismo. A degradação dos valores pode ser sintetizada em uma frase emblemática: "É mero caixa 2". Tudo é justificável, desde que sirva à perpetuação dos donos do poder ou à satisfação de interesses pessoais.

Qual é a reação do Estado a esse quadro de mal-estar inespecífico? O Executivo acenou com um plebiscito sobre a reforma política e alguns "pactos" sobre algumas políticas públicas. O Legislativo apressou-se em aprovar medidas com alguma visibilidade, no intuito de responder ao clamor popular.

A proposta do plebiscito, desconsiderada a presumível manobra diversionista, vai se disputar, com favoritismo, o torneio de más ideias. É óbvio que existem sérios problemas no modelo político brasileiro. Mas a escolha do sistema eleitoral ou da forma de financiamento das campanhas não é tarefa trivial. Jamais poderia ser objeto de plebiscito. Antes de fazer uma reforma abrangente, caberia adotar medidas pontuais, como cláusula de barreira para os partidos, limitação dos gastos de campanha e eliminação de coligações em eleições proporcionais.

Pactos presumem conflitos. Que conflito existe em relação à saúde, à educação ou aos transportes públicos? Pactos de quem com quem? Pura embromação de quem não fez o dever de casa. Enfim, trabalhar é muito dificultoso, como diria Guimarães Rosa.


Videla & Kissinger - KENNETH MAXWELL

FOLHA DE SP - 04/07

O general Jorge Rafael Videla foi ditador da Argentina entre 1976 e 1981. Morreu em maio, na prisão de Marcos Paz, aos 87 anos, depois de uma queda no chuveiro. Ele cumpria pena de prisão de 50 anos pelo sequestro sistemático de bebês de vítimas torturadas e assassinadas na "guerra suja" argentina.

A psicóloga e ativista Laura Bonaparte foi uma das Mães da Praça de Maio originais. Sete membros de sua família estavam entre os "desaparecidos" por obra das Forças Armadas, entre os quais seu marido, o bioquímico Santiago Bruchstein. Ele foi preso em casa por soldados que gritavam: "Como um bastardo judeu pode julgar as Forças Armadas?".

A junta militar não permitia grupos de mais de três pessoas diante da Casa Rosada. Por isso, as manifestantes formavam duplas, usando lenços na cabeça como símbolos. Laura Bonaparte morreu na semana passada, aos 88 anos.

Henry Kissinger foi assessor de segurança nacional e secretário de Estado nos governos dos presidentes norte-americanos Nixon e Ford, entre 1969 e 1977. Em 1978, Kissinger, grande fã de futebol, compareceu à Copa do Mundo da Argentina como convidado da junta e disse que ela havia realizado "um trabalho notável ao eliminar as forças terroristas". Kissinger, 90, continua muito vivo.

"Assassinato de bebês" foi algo de que fui acusado, pelos amigos de Kissinger, de ter alegado em minha disputa com a revista "Foreign Affairs". Elliott Abrams era secretário de Estado assistente para os direitos humanos no governo Reagan e, agora, depois da descoberta de um memorando datado de 1982, testemunhou o seguinte: "Sabíamos que não eram só uma ou duas crianças envolvidas ou um ou dois oficiais. Acreditávamos que existisse um padrão ou plano".

"Sepp" Blatter declarou: "Fiquei feliz por a Argentina ter vencido. Foi a primeira [Copa do Mundo] com a qual me envolvi diretamente. O evento causou uma espécie de reconciliação entre o povo argentino e o sistema político, o sistema militar da época".

Uma investigação em curso pelo juiz argentino Norberto Oyarbide aparentemente prova que o Peru foi comprado nas semifinais de 1978, em que perdeu para a Argentina por 6 a 0, garantindo a presença da seleção argentina na final contra a Holanda, quando a Fifa permitiu que a Argentina vetasse Abraham Klein como juiz. O Peru recebeu cereais gratuitos e o desbloqueio de um crédito de US$ 50 milhões pelo Banco Nacional Argentino.

Jérôme Valcke, secretário-geral da Fifa, disse que "democracia demais pode ser um problema para a organização de uma Copa do Mundo". Henry Kissinger concordaria com isso. Da mesma forma que Laura Bonaparte, que foi sepultada com seu lenço branco.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Nada é o que parece - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 04/07

A vida é curta para entender tanta confusão que o governo tem feito nas contas públicas. Elas são reveladas diariamente. Em dois dias desta semana se ficou sabendo que o BNDES teve mudança de seu estatuto para transferir mais dividendos para o governo e receberá mais R$ 15 bilhões do Tesouro; a Caixa também receberá mais R$ 8 bilhões. E a Eletrobras terá capital de giro coberto pelo BNDES.

O banco, que é feito para financiar investimento e que nos últimos anos tem entrado em operações polêmicas, agora vai emprestar R$ 2,5 bilhões para a Eletrobras usar como capital de giro, o dinheiro do dia a dia. Isso porque a estatal teve um prejuízo de R$ 6,8 bilhões pela mudança feita às pressas pelo governo no setor elétrico.

O Tesouro tem montado operações financeiras para receber mais dividendos das suas estatais, e, por isso, as financia ou capitaliza com endividamento público. A dívida pública aumenta, mas isso não entra na contabilidade da dívida líquida. E com essas transferências o governo recebe dos bancos e estatais um volume expressivo de dividendos. Mais expressivos até do que os lucros auferidos pelas instituições. A Caixa pagou dividendos de R$ 7,7 bi e teve lucro de R$ 6,1 bilhões no ano passado. E agora recebe novo aporte de R$ 8 bilhões do Tesouro, a quem tinha pago os dividendos.

A lista das criaturas é enorme. Teve a maneira como foi feita a capitalização da Petrobras, em que o dinheiro passeou tanto que dívida virou receita. Há descontos no superávit primário de gastos feitos. Descontam-se até as desonerações, o que significa contar como tendo entrado no caixa dinheiro do qual se abriu mão.

Mas o mais nefasto é esse mecanismo de endividamento do Tesouro para transferir para os bancos públicos, que assim aumentam e antecipam dividendos. Segundo o "Valor" de ontem, o Tesouro Nacional recebeu R$ 3,6 bi de antecipação de dividendos do BNDES, Caixa e Banco do Brasil, em junho, para fechar as contas do semestre. É circular: o Tesouro se endivida, coloca nos bancos, que antecipam para o Tesouro dividendos.

Essa máquina de fazer dinheiro sem limite pode ser vista no gráfico abaixo, extraído do blog do economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria. Ele mostra o total de dinheiro emprestado pelo Tesouro ao BNDES, cerca de R$ 378 bilhões, e o que isso significa em termos de PIB: 8,3%. Para se ter uma ideia, em dezembro de 2007, havia apenas R$ 6,6 bi emprestados, o que correspondia a 0,2% do PIB. Em 2007, antes de tudo isso começar, o BNDES pagou R$ 924 milhões de dividendo ao Tesouro. Em 2012, foram quase R$ 13 bilhões.

O governo fala em "robustez fiscal" e ninguém mais acredita. Os números são gritantes, não há mais como esconder. O expansionismo do gasto público brasileiro se dá através desses mecanismos, e o governo afirma que tudo isso é "robusto". Hoje, todo mundo já sabe que os números da contabilidade oficial brasileira não são o que parecem ser. A cada dado divulgado, gasta-se um tempo enorme para entender onde está o truque. Ele sempre está em algum lugar.

É preciso exorcizar e comunicar - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Valor Econômico - 04/07

Dentre as novidades do último Relatório Trimestral de Inflação (RTI) destaca-se a adoção de uma nova forma de introduzir a política fiscal nos modelos do BC. Em vez do superávit primário consolidado do setor público, o BC passou a usar o superávit primário estrutural, o que, em tese ao menos, representa um avanço considerável para capturar a real postura da política fiscal. Antes, porém, de explorar possíveis consequências dessa medida é bom examinar com um pouco mais de detalhe o que significa esse conceito, assim como as vantagens e riscos que oferece na comparação com a metodologia anterior.

Estamos acostumados a pensar no resultado fiscal como uma variável de política, sob controle do governo, o que é parcialmente verdade, mas não captura integralmente o fenômeno. Na verdade, tanto a arrecadação quanto (em menor medida) os gastos públicos também reagem de forma automática ao ciclo econômico.

Não é preciso grande esforço de imaginação para notar que a arrecadação tende a ser procíclica, isto é, a aumentar nos momentos em que a economia cresce mais forte, assim como perde fôlego quando a atividade assim o faz. Alguns gastos também tendem a seguir o ciclo, embora no Brasil o efeito só pareça ter alguma relevância no caso do seguro-desemprego, equivalente a pouco menos de 1% do PIB.

Não cabem mais declarações vagas acerca da política fiscal atrás das quais o BC costuma se esconder

Dessa forma, na ausência de medidas compensatórias, o superávit aumenta quando a economia se aquece e, de forma inversa, encolhe em períodos recessivos, processo que na literatura econômica é descrito como "estabilizador automático".

O funcionamento dos estabilizadores automáticos traz, portanto, uma dificuldade para avaliação da verdadeira postura fiscal. Um superávit elevado, por exemplo, pode resultar tanto de uma política fiscal austera como de uma economia sobreaquecida. No caso, embora o estabilizador automático ajude, em alguma medida, a moderar o sobreaquecimento, é possível que a postura fiscal seja inadequada, isto é, pode ser necessário que ela estivesse ainda mais apertada.

Não faz sentido, portanto, à luz do que foi descrito acima, comparar diretamente resultados fiscais, seja entre países, seja num mesmo país ao longo do tempo, sem tentar, de alguma forma, isolar o efeito do ciclo econômico sobre as contas do governo. Isso é feito pela estimação do balanço fiscal "ciclicamente ajustado", às vezes denominado "superávit de pleno emprego".

A ideia é simples, muito embora sua execução não o seja: calcula-se qual seria o resultado fiscal caso a economia estivesse operando próxima ao seu potencial. Sob tais circunstâncias o resultado estimado reflete unicamente a postura fiscal, não o estado da economia. Em particular, se o superávit ciclicamente ajustado aumenta, a política é inequivocamente contracionista; caso contrário, expansionista.

Adicionalmente, por conta da tristemente célebre contabilidade criativa em alta nos últimos anos, é também necessário "exorcizar" o balanço fiscal de seres imaginários, como o Fundo Soberano, ou receitas de "Cessão Onerosa de Exploração de Petróleo".

A aplicação de ambos os ajustes (cíclico e o exorcismo da contabilidade criativa) sobre o resultado primário observado gera o chamado resultado primário estrutural, que, pelas razões acima, representa um guia mais fidedigno da política fiscal.

Há, é bom que se diga, dificuldades. Embora o conceito do resultado ciclicamente ajustado seja relativamente simples, sua estimativa depende de parâmetros a rigor desconhecidos como o PIB potencial, problema nada trivial para quem já tratou do assunto. Fora isso, são necessárias estimativas confiáveis da reação da arrecadação a mudanças do nível de atividade e outras questões empíricas, no mínimo trabalhosas.

Isto dito, não resta dúvida que, do ponto de vista analítico, todas essas dificuldades pouco representam em face da enorme vantagem de passarmos a trabalhar com uma medida de política fiscal que capture, ainda que imperfeitamente, a real postura do governo em vez de engolir as crescentemente desacreditadas estatísticas oficiais. Nesse aspecto, a adoção do superávit primário estrutural é uma inovação relevante e merece nossos aplausos, ao contrário de quase tudo originado do BC nos últimos anos.

Ao mesmo tempo, porém, há um requisito adicional de transparência. Não cabem mais declarações vagas acerca da política fiscal atrás das quais o BC costuma se esconder como, por exemplo: "considera-se como hipótese de trabalho a geração de superávit primário de R$ 155,9 bilhões em 2013, conforme os parâmetros da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)".

É necessário agora que o BC explicite suas premissas acerca do superávit estrutural ao longo do horizonte de previsão de política monetária para que possamos avaliar se suas decisões de política, a exemplo de seus modelos, também reagem às diferentes condições de política fiscal. Sem transparência, a mudança torna-se um mero exercício acadêmico, sem maior relevância para a avaliação da política monetária.

Economia é ciência? - MARCELO MITERHOF

FOLHA DE SP - 04/07

Se uma construção cai, o engenheiro errou; um péssimo ministro da Fazenda pode virar um rico consultor


Não há resposta certeira à pergunta do título. Contudo, sua discussão é proveitosa para entender a natureza da economia.

A constatação inicial é que os economistas tratam seu estudo de formas distintas. Pérsio Arida, em texto clássico, caracteriza a ortodoxia como uma tentativa de replicar a metodologia da física, o que faria o conhecimento econômico progredir por uma fronteira bem delimitada. A heterodoxia não aceita tal noção.

Questões teóricas perduram por séculos sem solução: a moeda é endógena ou exógena? A poupança precede o investimento ou não?

A equiparação à física é precária. Uma ciência dura ou natural se caracteriza por descrever com objetividade e distanciamento os fenômenos que analisa, obtendo leis (regularidades) e explicações que permitem fazer boas previsões.

O problema de caracterizar a economia como uma ciência dura é menos por sua conhecida capacidade de fazer previsões ruins. Isso poderia significar somente que seu estágio de desenvolvimento é inicial.

Mais relevante, a economia tem uma face prescritiva inexistente na física, indicando ao governo como agir. Comparação melhor é com a engenharia, que prescreve métodos de construção ou fabricação.

Porém é mais fácil julgar o trabalho de um engenheiro: se uma construção sua cai, sem dúvida ele errou. No caso dos economistas, um péssimo ministro da Fazenda pode virar um rico consultor. É que as prescrições econômicas têm uma dose de ideologia (crença) e interesse. É por isso que costumam ser avaliadas.

Por exemplo, uma grande preocupação com a inflação e o rigor fiscal atende à crença de que esses seriam requisitos da confiança dos investidores. No entanto, é também um jeito de fazer com que o principal interesse dos mais pobres (ganhar mais) seja deslocado para o longo prazo, enquanto é imediata a busca de inflação baixa, que preserva a riqueza de quem já tem renda alta.

Por outro lado, o foco na elevação dos salários reais revela a crença na demanda como motor da economia, mas também o interesse na distribuição de renda.

A ideologia também explica por que, ao contrário da física, a teoria econômica e suas recomendações pouco mudam. Ideologias são articulações de ideias que se caracterizam pela fixidez. Há quase 300 anos a maioria dos economistas sugere flexibilização do mercado de trabalho, austeridade fiscal etc.

É bom lembrar que, antes de ser um campo de estudo, a economia é um sistema: um conjunto de coisas que se relacionam obedecendo a certas regras.

O ser humano criou vários sistemas interessantes. O xadrez é complexo, mas fechado e dado. O carro é um sistema complexo e que muda. Só que as mudanças são planejadas e controladas por uma montadora.

A economia é o mais incrível: complexo, aberto e descentralizado, formado pela interação de um sistema produtivo e um monetário.

No capitalismo, a moeda sem lastro foi uma novidade decisiva para o sistema econômico, que fez a demanda -por produtos, inovações e investimentos- passar a ser o motor principal do desenvolvimento produtivo, livrando a humanidade de ter que previamente acumular excedentes (poupança).

O dinamismo também trouxe mais volatilidade, o que exigiu o sistema evoluir. Por exemplo, crises bancárias levaram ao monopólio da emissão de moeda pelo Estado, que também criou o banco central para tentar evitar que problemas de liquidez derrubem o sistema econômico. Esses processos continuam a ocorrer: a crise do euro sugere a unificação fiscal de seus países.

Quer dizer, se a economia evolui pouco como teoria, o mesmo não vale para o sistema econômico. O seu estudo é útil, pois permite entender suas possibilidades, seus limites e riscos e como ele pode ser manejado para atender aos interesses que defendemos. Para tanto, uma boa dose de pragmatismo é saudável.

Nesse sentido, não gosto da abordagem ortodoxa pois se refere a um sistema pré-capitalista, em que a presença da moeda não muda as características de uma economia de escambo, e se baseia em idealização do sistema econômico pouco afeita à contraposição com a realidade.

Porém, dado o viés ideológico, é difícil mudar o entendimento econômico de alguém. Convém ao menos ter claro que a economia não é uma ciência dura. Tal equiparação é frequentemente uma forma de tomar como necessárias prescrições que são apenas crenças e defesa de interesses.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 04/07

Goiás planeja começar em setembro obra de VLT orçado em R$ 1,3 bilhão
O governo de Goiás marcou para o dia 2 de agosto a abertura das propostas da PPP (parceria público-privada) para implantação e operação do veículo leve sobre trilhos de Goiânia. As obras estão previstas para setembro, com dois anos de duração.

O projeto é estimado em R$ 1,3 bilhão, dos quais R$ 800 milhões serão aplicados pelos governos estadual e federal e R$ 500 milhões pela empresa que vencer a PPP.

"Uma parte sairá do Tesouro do Estado e outra de financiamentos com o BNDES e o Banco do Brasil", diz Carlos Maranhão Gomes de Sá, presidente do Grupo VLT, que coordena a implantação.

A licitação internacional fixa a concessão do serviço para um período de 35 anos.

O VLT terá 14 km de extensão no eixo leste-oeste, seguindo o mesmo trajeto da avenida Anhanguera, e vai substituir o corredor de ônibus que hoje há no local.

"O sistema sobre trilhos vai ampliar a capacidade de transporte do corredor, que já está no limite, além de trazer ganhos ambientais, pois os ônibus serão substituídos por trens elétricos", afirma o secretário estadual de Desenvolvimento Metropolitano, Eduardo Zaratz.

Serão 12 estações e cinco terminais de integração, com estimativa de fluxo de aproximadamente 240 mil embarques por dia. A previsão é que, nos horários de pico, haverá três minutos de intervalo entre as composições --cada uma para até 600 pessoas.

"O VLT vai transportar quase 20% dos passageiros da região metropolitana de Goiânia", afirma Sá.

PORTAS FECHADAS
A Dufry, empresa de varejo de viagem que atua em 43 países, fechou na terça-feira uma de suas duas lojas do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. A empresa não comenta o assunto, mas o motivo seria a inviabilidade financeira do ponto.

No último mês, a companhia pagou R$ 110 mil de aluguel e taxas à Infraero pela unidade. Há quatro anos, porém, o contrato era de cerca de R$ 20 mil.

Uma rodada de licitações nas quais as vencedoras foram as empresas que ofereceram os maiores valores foi responsável por alavancar o preço da locação.

A Dufry registrou uma queda de 51% no lucro líquido global no primeiro trimestre deste ano, ante o mesmo período de 2012. A receita líquida, porém, permaneceu estável. No Brasil e na Bolívia, a receita líquida diminuiu 8%.

No próximo semestre, a empresa irá aumentar seu espaço no aeroporto de Guarulhos e, com isso, espera retomar o crescimento no país.

O Salgado Filho tem 95 pontos comerciais (86 ocupados).

15,4 milhões
de francos suíços foi o lucro líquido global da empresa entre janeiro e março deste ano

31,7 milhões
de francos suíços foi o lucro líquido global no mesmo período em 2012

1.200
é o número de lojas

Cresce volume de mercadorias estocadas em fábricas gaúchas
Os estoques nas fábricas do Rio Grande do Sul cresceram em maio e atingiram o maior patamar do ano, indicando um volume de vendas menor que o esperado.

O índice que mensura a quantidade de produtos acumulados nos galpões subiu de 52,6 em abril para 55,5 no mês passado, segundo pesquisa da Fiergs (federação das indústrias do Estado). Os valores variam de 0 a 100; números mais altos indicam estoques maiores.

Nas pequenas empresas, a retenção de mercadorias foi mais acentuada (57,5 pontos).

Acompanhando o resultados dos estoques, as companhias do Estado reduziram suas produções --o índice caiu de 57,3 pontos para 52,1.

DA GARAGEM PARA A COZINHA
A empresa brasileira NKS lançará no dia 15 uma linha de eletrodomésticos que levará a assinatura da Ford.

A Ford Home Solutions será composta por cerca de 20 produtos, como panelas, fornos elétricos, batedeiras, cafeteiras e aspiradores de pó.

Os modelos foram desenvolvidos em parceria com a montadora, após um acordo global fechado no ano passado, e serão vendidos no Brasil em grandes varejistas.

Planejada inicialmente para a América Latina, a linha será levada para Hong Kong em outubro e chegará a outros países, segundo a NKS.

"Os eletrodomésticos são inspirados na Ford, mas não são caricatos. Não teremos uma cafeteira que parece um carro, mas produtos baseados em características da marca, como tradição e qualidade", diz Felipe Nabuco, um dos donos da empresa.

"Levamos o projeto a Michigan [nos EUA] e os executivos da Ford se envolveram em todo o processo", afirma.

O contrato vale até 2020 e pode ser renovado, de acordo com Nabuco. A empresa e a montadora não divulgam os valores da parceria.

A NKS tem linhas associadas a outras marcas e conta com quatro escritórios no exterior. Fora do Brasil, a Ford já possui produtos de segmentos diferentes, como peças de roupas.

400 mil itens
são fabricados por mês pela NKS

20%
é a previsão de aumento da receita com a linha da Ford

BAIXA NA ENERGIA
O preço médio dos contratos de energia para o mercado livre (grandes consumidores) é estimado em R$ 140 por MWh (megawatt-hora) para 2014, segundo a Brix, plataforma eletrônica de negociação de energia elétrica.

O valor médio, calculado para entrega nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, reflete uma queda de 18,84% ante a previsão do mês anterior.

O preço também é inferior à média de 2013, de R$ 152,93.

O aumento no volume de chuvas no fim de junho é um dos fatores que colaboraram para a queda no curto prazo. Com a estiagem esperada de julho a novembro, a curva de preços sinaliza nova alta.

ENERGÉTICOS NO EXTERIOR
O Grupo Petrópolis finaliza negociações para levar a marca TNT para o Oriente Médio. Os energéticos devem chegar à Arábia Saudita e ao Iraque entre agosto e setembro.

O investimento faz parte de um plano da empresa para internacionalizar a marca, avaliado em US$ 10 milhões.

O primeiro passo para tornar o produto mais conhecido foi dado no ano passado, quando a TNT passou a patrocinar a escuderia Ferrari. Em maio, o energético começou a ser vendido na Alemanha.

Para o segundo semestre, o grupo planeja vender latas na Espanha, na Itália e na Suíça. O mercado americano é a meta para o início de 2014.

"Já fizemos exportações esporádicas de cerveja, mas a TNT é a marca que o grupo preparou para ser internacional", diz Douglas Costa, diretor da empresa.

FLÁVIA OLIVEIRA - NEGÓCIOS & CIA

O GLOBO - 04/07

DINHEIRO PESOU NA DECISÃO DE DESLIGAR 34 TÉRMICAS
Usinas representavam um terço da energia gerada e dois terços do custo. Se parar de chover, parque será religado

A economia de dinheiro foi o fator que mais pesou na decisão do governo de desligar 34 termelétricas a diesel e óleo combustível do sistema interligado. Os 3.900 MW que elas geravam equivalem a um terço da energia fornecida, mas respondem por dois terços (R$ 1,4 bilhão) do custo das térmicas. São recursos que pesariam nas contas públicas, via subsídio, ou no bolso dos consumidores (e na inflação), via aumento de tarifas. Como choveu fora de hora em reservatórios de hidrelétricas das regiões Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico decidiu desligar as térmicas em que o custo variável de energia é superior a R$ 500 por MWh. "As usinas serão desligadas, mas a hidrologia continuará sendo monitorada, de modo a garantir os níveis de segurança para 2014. Se a situação piorar, elas podem ser religadas. Se melhorar, outras térmicas serão desligadas", disse à coluna Hermes Chipp, diretor-geral do ONS. Sem as 34 usinas, o parque térmico passará a responder por cerca de 15% da demanda do país. Os reservatórios de SE/CO estão com 63,7% de armazenamento; os do NE, com 46,5%. Um ano atrás, tinham 72,5% e 66,3%, respectivamente.

47% DE MARGEM DE SEGURANÇA
É o nível-meta dos reservatórios de SE/CO em novembro, para suprir a demanda em 2014. Em 2012, chegou a 32%, o que exigiu geração de térmicas. No NE, meta é 35%. Ficou em 34% em 2012.

De volta
O Grupo MPE vai investir R$ 80 milhões para recuperar a Usina Sapucaia, em Campos (RJ). A unidade já foi a maior produtora de açúcar e álcool do estado, mas está desativada há quatro safras. A produção, agora, será em parceria com a cooperativa Coagro. Recomeça em 2015.

Em tempo
Hoje, o governo do Rio apresenta novo incentivo à produção local de etanol.

Deflação
A desoneração de PIS/Cofins no preço do botijão de 13kg, já aprovada no Congresso, poderia reduzir a inflação em até 0,1 ponto percentual no IPC-C 1. É o índice de inflação da FGV para famílias com renda mensal de até 2,5 salários mínimos. A Fundação fez as contas para o Sindigás.

Energia
A Rede Nacional de Combustão apresentou à Unasul o Programa sobre Energia em Combustão. A parceria com instituições de ensino de Chile, Colômbia, Peru e Uruguai pretende elevar a eficiência energética na América Latina. O Ministério de C&T investirá R$ 1 milhão até 2017.

Sem fio
Domingo, final da Copa das Confederações, o tráfego de dados na área de imprensa do Maracanã superou 80 Gb. É o equivalente a download de 29 mil fotos, informa a Oi.

Férias
Buenos Aires foi o destino mais procurado (9%) para as férias de julho, segundo o Mundi. A capital argentina liderou também no inverno de 2012. No ranking dos dez mais do site de buscas de viagens, é seguida por Miami (7%), Nova York (5%) e Lisboa (4,6%).

Módulos
NHJ do Brasil, de módulos e contêineres, cresceu 31% em locações no 1º semestre sobre igual período de 2012. A alta foi impulsionada pela Copa das Confederações e pela JMJ.

Lotado
A Flip faz a festa da hotelaria em Paraty. O público do evento garante reservas para os próximos dois anos, nos dias da festa literária. A Pousada Porto Imperial já está lotada para a Flip 2014, com fila de espera.

Vinho 1
A Suriana Trading exportou em junho, para a Inglaterra, 1.440 garrafas do Nubio Sauvignon Blanc Sanjo. A expectativa é dobrar o volume de exportações até o fim do ano. O vinho é vendido apenas em restaurantes de Londres, por € 20.

Vinho 2
A vinícola gaúcha Basso chega a 44 lojas dos supermercados Guanabara e Intercontinental, no Rio. Estima aumentar vendas na cidade em 35%. Já o Primeira Estrada Syrah 2010,

DIVA
A Duloren dá início amanhã à campanha do inverno 2013. Lança a coleção Divine Diva, com foco na “consumidora confiante”. Faz graça com problemas que as mulheres costumam enfrentar. A fabricante espera aumentaras vendas em 20%. Os anúncios vão circular em impressos e redes sociais. 

A X-Tudo Comunicação assina.

CALÇA JUSTA
Fernanda Lima vai estrelar, pela primeira vez, um comercial de Delícia Canola. No filme, que entra no ar na 2ª quinzena deste mês, a apresentadora pede uma calça maior no provador de uma loja de roupas, causando nas vendedoras um “momento delícia”. É o mote da campanha. A Lew’Lara\TBWAassina.

‘SUPERMAN’
A New Era fechou com a Warner. Lançará coleção de bonés inspirados no novo filme do Super-Homem. Os seis modelos estarão à venda em cinco mil lojas no Brasil, a partirdo dia 12, data de estreia de “Man of steel” nos cinemas.

DA HORA
Patrocinadora da Maratona do Rio, a Timex lança o relógio Ironman 30 Lap no evento, neste domingo. Cinquenta e
dois corredores receberão a peça de presente. No mesmo dia, a marca põe no ar a loja virtual.

Quem vem
A Romain Gauthier, fabricante suíça de relógios de alto luxo, desembarca no Brasil este ano. Em agosto, faz evento de apresentação da marca a colecionadores do Rio e de São Paulo.

A empresa produz apenas 40 relógios por ano. O preço médio é de R$ 120 mil.

É joia
O catálogo Rio Show de Bola, que o Sebrae lança hoje, traz 50 peças de 18 marcas de joias e bijuterias da cidade. Por causa da Copa, o futebol inspirou peças. A Ajorio prevê R$ 200 mil em vendas.

Frio
O Sam’s Club, do Walmart, espera alta de 18% nas vendas de queijos e de 15%, nas de vinho neste inverno.

Arroz de festa - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 04/07

O presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), a exemplo de seu colega da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), usou aeronave da FAB para fins particulares. Renan requisitou um avião modelo C-99 para ir de Maceió a Porto Seguro às 15h do dia 15 de junho, um sábado. Ele participou do casamento da filha mais velha do líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), em Trancoso. O voo de volta foi às 3h da manhã do domingo, para Brasília.

Outro lado As informações foram confirmadas pela FAB. A assessoria do Senado não se manifestou até o fechamento desta edição. A agenda de Renan não previa compromissos em 15 de junho.

Regra O decreto 4244 de 2002 diz que aviões da FAB podem ser requisitados por autoridades por "motivo de segurança e emergência médica, em viagens a serviço e deslocamentos para o local de residência permanente".

Badalação O casamento de Brenda Braga, filha do líder do governo, reuniu políticos e empresários. O cantor Latino foi contratado para fazer show privativo.

Fora 1 A Petrobras vai cancelar ao menos parte dos 39 contratos com a Coobrascam, presidida por Nelio Botelho, que comanda paralisações de rodovias no país. A BR Distribuidora comprovou descumprimento de compromissos pela cooperativa.

Fora 2 A AGU também vai cobrar hoje da Justiça Federal do Rio a reintegração de posse, já determinada, de terreno de 200 m² da União ocupado irregularmente pela cooperativa de Botelho na rodovia Presidente Dutra e sublocado pelo sindicalista.

Bolada Dilma Rousseff não gostou da demora do Itamaraty na reação ao incidente envolvendo o avião do presidente boliviano, Evo Morales. Ela esperava resposta mais dura de Antonio Patriota, que condenou "atitude arrogante'' de países europeus.

Aí, não Nomeado ontem assessor no gabinete presidencial, Alessandro Teixeira foi vetado por Fernando Pimentel (Desenvolvimento) para a secretaria-executiva da Casa Civil. Os dois romperam quando Teixeira era o número dois do mineiro.

Inflação Do líder do PTB, Jovair Arantes (GO), durante a aprovação de urgência para projeto de aposentadoria especial de garçom, como reação às manifestações: "Toda vez que tem aplausos é um prejuízo de R$ 2 bilhões. Quando cantam o hino nacional, é de R$ 4 bilhões".

E aí? Geraldo Alckmin (PSDB) pedirá hoje a Aguinaldo Ribeiro (Cidades), em evento em São Paulo, sua fatia nos R$ 50 bilhões do governo federal para mobilidade. O tucano quer verba para reformar estações da CPTM e expandir a linha 5 do metrô.

Sintonia O PT vai discutir hoje se defenderá, na reforma política, a validade de doações eleitorais por pessoas físicas, além do financiamento público. Pesquisa da Fundação Perseu Abramo feita antes dos protestos mostra que 44% aprovam doações feitas por eleitores.

Visita à Folha Wagner Furtado Veloso, presidente-executivo da Fundação Dom Cabral, visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Ricardo Siqueira Campos, diretor de relações institucionais, e Leonardo Coelho, assessor de imprensa.

O bispo Robson Rodovalho, presidente da igreja Sara Nossa Terra, e Ronaldo Batista, presidente da confederação dos conselhos de pastores do Brasil,visitaram ontem a Folha. Estavam com outros 14 pastores e com Andrea Michael, assessora de imprensa.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"Essa carona' confirma que os protestos não fizeram cair a ficha para os políticos. Eles acham que o Brasil continua o mesmo."
DO SENADOR CRISTOVAM BUARQUE (PDT-DF), sobre o uso de um avião da FAB para transportar parentes e amigos do deputado Henrique Alves (PMDB-RN).

contraponto


Política a la carte
A Executiva Nacional do PSB se reuniu na segunda-feira em Recife para deliberar sobre a proposta de plebiscito da reforma política. Depois da reunião, os líderes do partido na Câmara dos Deputados, Beto Albuquerque (RS), e no Senado, Rodrigo Rollemberg (DF) foram almoçar.

No restaurante, os parlamentares pediram um prato misto com frutos do mar.

--Quer lula, Beto? --ofereceu Rollemberg.

--Não, obrigado. Prefiro o Eduardo --retrucou o deputado, um dos principais defensores da candidatura presidencial do governador Eduardo Campos (PE).

Flores murchas no Egito - TEREZA CRUVINEL

CORREIO BRAZILIENSE - 04/07

Pelo andar da carruagem, não haverá plebiscito algum este ano. No melhor cenário, a consulta acontecerá em 2014. Os setores mais conservadores do Congresso não abdicam de controlar as normas que regem a política
O governo gerado pela Primavera Egípcia de 2011 foi derrubado por um golpe militar, depois de longamente acossado por manifestações populares. Acusado de autoritarismo e de indiferença para com os problemas do povo, o presidente Morsy foi deposto e substituído temporariamente, dizem os militares, pelo presidente da Corte Constitucional. Narrativas convenientes falarão em vitória da democracia ou do povo nas ruas, mas, o que está ocorrendo no Egito, é retrocesso. Tomara que não seja o retorno a uma longa ditadura. Aqui também, em 1964, o general Castelo Branco substituiu o presidente deposto João Goulart afirmando que entregaria o poder ao presidente civil que seria eleito no ano seguinte. A ditadura acabou durando 21 anos.

A derrubada de Morsy não é democrática, apesar das massas na praça, por várias razões. Primeiro, porque ele foi eleito num pleito que não foi contestado. Agora, foi afastado com a quebra da ordem constitucional, pela força das armas, e não dentro de um processo legal. Ademais, a corrente político-religiosa a qual é filiado, a Irmandade Muçulmana, representa 2/3 da população, que não se conformarão com a derrota e, possivelmente, reagirão, convulsionando ainda mais o Egito.


Convulsionar um país é fácil. Difícil é restabelecer a normalidade. Guardadas as devidas proporções e diferenças, estamos assistindo aqui ao alastramento do fogo. A interdição de rodovias vai além dos protestos de rua e mesmo dos vandalismos, pois afeta diretamente a circulação de mercadorias e a dinâmica da economia. As classes produtoras estão incomodadas. "A garantia do direito à manifestação não autoriza a quebra da ordem e dos direitos alheios. A presidente disse que não vai transigir com o bloqueio das estradas, que tem causado grandes perdas ao país, mas estamos esperando agora mais ação", diz o senador Armando Monteiro, ex-presidente da CNI e porta-voz do empresariado no Senado.

Plebiscito, se houver, só em 2014
Pelo andar da carruagem, não haverá plebiscito algum este ano. No melhor cenário, a consulta sugerida pela presidente Dilma para garantir uma reforma política legitimada pelo povo será realizada em 2014, com a eleição geral de outubro. O Congresso, agora flertando com os manifestantes que o apedrejam, já começou a votar matérias, como o fim do voto parlamentar secreto, buscando esvaziar a proposta. A oposição não quer e a base governista rachou, com o PT aparentemente favorável e o PMDB, contra. Ora, em abril, o PMDB sepultou o último esforço pela reforma política, impedindo a votação do substitutivo do deputado Henrique Fontana (PT-RS) ao texto de Francisco Dornelles (PP-RJ), enviado pelo Senado. Se o PMDB não quer, não passará. Se o PT ainda tivesse a garra de outros tempos, promoveria um ato na porta do Congresso a favor do plebiscito, intimidando seus pares como fazem hoje os sem-partido. A verdade é que os setores mais conservadores do Congresso não querem abdicar do direito de fazer as regras do jogo político. Por isso a antecipação, essa votação apressada do que nunca mereceu urgência.

Para completar, ao fixar o prazo de 70 dias para a realização da consulta, reservando dez para que o Congresso votasse as leis decorrentes do resultado, o TSE mais uma vez avançou sobre o regramento da política, afirmando que a consulta só será legítima se realizada a tempo de vigorar em 2014. O Congresso é soberano para fazer o oposto, embora o objetivo de Dilma tenha sido mesmo garantir mudanças já no ano que vem.

Esquerda, volver
A executiva do PT estará reunida hoje, debruçada sobre seu dilema: defender Dilma apesar dos erros que não consegue perdoar: o desprezo aos movimentos sociais, a surdez na relação com o partido e os equívocos na reação aos protestos. No pronunciamento do dia 19, os petistas não perdoaram a falta de defesa do que já foi feito pelos governos do partido. Cobram reação enérgica ao bloqueio das estradas, que pode alimentar a desaprovação do governo, e medidas para responder à agenda do cotidiano levantada pelas ruas, como melhorias no transportes e na saúde.

O líder José Guimarães confirma que o partido reapresentará a proposta de taxação das grandes fortunas, que integrou a agenda do partido num passado mais esquerdista. "Não queremos taxar os setores produtores, seja na indústria, nos serviços ou na agricultura. A taxação será dos rentistas, dos que vivem da especulação. Para atender os reclamos da sociedade, serão necessários mais recursos, sem comprometer as contas públicas. Proporemos a destinação dos recursos da taxação a projetos de saúde e de mobilidade urbana. Mas, para receber recursos, os governadores terão que apresentar projetos viáveis, previamente aprovados pelo governo federal", explica Guimarães.

Jorge, do Feitiço
No começo, a metonímia. O nome do lugar sobrepôs-se ao nome do dono. Jorge Ferreira, mineiro de Cruzília, da geração do Clube da Esquina, era apenas Jorge do Feitiço Mineiro, a primeira das muitas casas que criou em Brasília, unindo gastronomia, cultura e política. Jorge se foi tão cedo, entristecendo a cidade. Seu legado tem coisas bonitas, como o Mercado Municipal, e valores fortes, como a lealdade, a amizade e a coerência nas convicções. Que a corrente de pesar ajude a confortar sua família.