domingo, junho 30, 2013

Lula versus Dilma - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA

Por que o criador evitou apoiar a criatura no auge da crise? Por que ficou mudo?

Há uma pedra barbuda no escarpim de Dilma Rousseff, furando a meia-calça. Lula é seu nome. O maior líder popular do Brasil sumiu, escafedeu-se, silenciou sua voz rouca, justamente nas semanas em que o povo acordou da letargia para protestar contra uma herança maldita. Por que se calou o grilo falante em todas as celebrações de conquistas no país e no exterior? Só aparece na boa? Por que Lula finge que nada é com ele? Por que o criador evitou apoiar a criatura no auge da crise? Por que ficou mudo e invisível, quando a turba se insurgiu, e brasileiros de todas as idades passaram a falar, gritar, discutir e analisar, mesmo aos tropeços e sob o risco de errar? O Lula que se metamorfoseou em oito anos de mandato e rasgou a bandeira da ética na política... O Lula que suspendeu suas férias para defender o ex-presidente do Senado sob o argumento de que "Sarney não pode ser julgado como homem comum"... O Lula que se locupletou com o corrupto-mor Maluf para eleger Haddad, "o novo"... O Lula que se uniu "aos picaretas do Congresso"... O Lula que quis reeditar a CPMF, uma taxa que antes chamava de extorsão... Esse Lula não põe seu bloco na rua numa hora dessas? Por lealdade, deveria ter dado o braço a Dilma. Afinal, ela chefiava sua Casa Civil e só concordou em disputar a Presidência porque, sem Dirceu nem Palocci, Lula impôs seu nome.

A técnica Dilma, a gerentona, a ex-guerrilheira, talvez um dia escreva um livro sobre sua relação com Lula. Por mais responsável que seja, como presidente, pela explosão da insatisfação no Brasil, Dilma sabe bem quem a colocou nessa roubada de "mãe do PAC". Sabe que recebeu uma herança de corrupção, impunidade, abuso de poder, desvio de verba pública, falta de re-presentatividade dos partidos, péssima qualidade de serviços essenciais, impostos absurdos, altos salários e mordomias dos burocratas dos Três Poderes, cinismo e oportunismo de governadores e prefeitos. O Brasil já era assim quando ela foi eleita.
O Lula presidente se lamentava da "herança maldita" de Fernando Henrique Cardoso. Dilma não pode dizer nada nem parecido. Lula teve oito anos para mudar o caráter do Brasil para melhor. Tinha tudo. Tinha uma história de defesa da liberdade e dos direitos humanos, tinha credibilidade e a legitimidade do voto, tinha nas mãos a esperança de tantos jovens aglutinados pela estrela do PT. E por tantas bandeiras no ar. A ética. A educação e a saúde de qualidade ao alcance de todos. As creches, o transporte de massa. Mas Lula achou que o Bolsa Família seria suficiente.
Os jovens que protestam agora, em paz ou com raiva, mal chegavam aos 10 anos de idade quando a eleição de Lula emocionou o Brasil. A geração YouTube deveria rever a bela cerimônia em que FHC passou o poder a Lula. Se, na última década, a oposição fracassou com a juventude, imagine a autocrítica do PT. Um partido que inchou com siglas infiltradas e perdeu companheiros de raiz. Uns saíram por racha ideológico, outros por convicção de que nada mudaria na essência, e outros ainda porque foram processados, cassados e condenados.
Os jovens brasileiros de 16 a 18 anos, para quem o voto é facultativo, se afastaram das urnas e, até umas semanas atrás, pareciam alienados. Eles não acreditam nos partidos. Quem de bom-senso ainda acredita, a não ser os que ganham o pão - e os dólares - com a política partidária? Por isso a ideia de candidatura avulsa, endossada pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa, ganha força. Joaquim defendeu um "recall" nacional dos políticos. Já pensou se os eleitores passam a ter o direito de revogar mandatos e de expulsar políticos de cargos? Renan continua com aquele sorrisinho pregado no rosto em todas as fotos. Até quando, Calheiros? Na semana passada, Dilma virou a Geni. Tudo que disse e desdisse levou pedra de aliados e oposicionistas. Uns vândalos. Constituinte, plebiscito, referendo, pactos, apelos, nada pegou bem, nem com a maquiagem e o penteado que custaram R$ 3.125. A presidente está isolada por seus pares e ímpares. Sua sorte é que, até agora, não há líderes oposicionistas com discurso consistente para o futuro do país. Aécio Neves converteu-se a uma pálida sombra do que poderia ser. Marina Silva virou uma analista em cima do muro, com o aposto de "evangélica". Eduardo Campos desistiu do combate às claras e age nos bastidores à espera de uma derrapagem fatal.
E Lula... Bem, Lula recebeu alguns jovens em seu instituto. A aliados, diz-se que acusou Dilma de cometer "barbeiragens" na articulação e na resposta à nação. Lula é hoje a pedra mais incômoda no sapato alto da presidente.

Anjos - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 30/06

Fala-se muito em Deus, mas pouco em anjos. Acredito neles, nos zelosos guardadores, não sentados em nuvens tocando trombeta, mas aqui, no plano terreno. Um pode ser o anjo do outro. Você pode ser meu anjo, e eu o seu.

Vou compartilhar uma história que aconteceu no final de fevereiro. Recebi um convite para integrar a equipe de uma instituição britânica liderada pelo filósofo e escritor Alain de Botton, a The School of Life, que está introduzindo atividades no Brasil. Topei. No entanto, meu inglês é precário.

Consigo viajar sem pagar micos, me comunico em hotéis e restaurantes, mas não tenho fluência para manter uma conversa digna com um estrangeiro. E isso será fundamental no novo desafio profissional que me surgiu. Preciso aprender inglês pra ontem. Como? De preferência, estudando fora, fazendo um curso de imersão. Até então, isso nunca tinha passado de um sonho da juventude.

Dias depois de a The School of Life me procurar, recebi outro convite: lançar meus livros em Torres. Passei quase três horas autografando para veranistas e moradores da cidade. Quando a livraria estava fechando a porta, um homem insistiu em entrar. Um turista. Ele pediu minha dedicatória, a última da noite, e me entregou seu cartão. Era, simplesmente, um renomado gestor de cursos de inglês no Exterior. O procurei na semana seguinte e, para encurtar a história, estou matriculada em uma das escolas mais sérias da Inglaterra, já tenho um flat alugado e estou com toda a burocracia resolvida. De quebra, fiz um novo amigo.

Esse tipo de história é recorrente na minha vida. Qualquer questão que se apresente, a solução cai do céu em dias, às vezes em horas, através de alguém que não conheço. O exemplo que dei é elitista, mas já aconteceram coisas bem mais prosaicas e milagrosas – nunca me apertei. Sempre um anjo apareceu do nada.

Pode-se chamar isso de ter sorte, ou uma boa estrela. Dá no mesmo. Estamos falando de receptividade e de doação. Você tem um anjo porque também já foi o anjo de alguém. E se tudo não passar de baboseira, que seja. Num mundo rude como o nosso, há que se flertar com o esotérico.

No momento em que você me lê, já estou em Londres. Amanhã começam minhas aulas e não vai ser moleza: serão seis horas por dia, afora os temas de casa e alguns compromissos com a The School of Life, a entidade que deu início a essa minha movimentação. Por isso, ficarei ausente do jornal durante todo o mês de julho. Prometo retornar em agosto mais inspirada e, se os anjos ajudarem, reencontrar vocês com saudades. Até breve.

A vez do povo desorganizado - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 30/06

Os políticos se tornaram uma casta que se apropriou da máquina do Estado em seu próprio benefício


As manifestações de protesto ocorridas nas últimas semanas em numerosas cidades brasileiras são, sem sombra de dúvida, um fenômeno novo na vida política do país, nos últimos 20 anos.

Causou surpresa a muita gente --inclusive a mim-- que o aumento de R$ 0,20 nas tarifas de transporte urbano tenha provocado tamanha revolta e mobilizado tanta gente.

É que essas manifestações traziam consigo outras motivações que não se revelaram no primeiro momento. Logo pôde-se ver que o aumento das tarifas foi apenas o detonador de um descontentamento maior que põe em questão o próprio sistema político que nos governa.

Ouvi e li opiniões segundo as quais trata-se de um fenômeno internacional, uma vez que, em vários países, protestos populares têm se repetido com frequência. Trata-se, creio eu, de uma opinião equivocada, já que as razões desses protestos são diferentes de país para país. O que há de comum neles é a influência das redes sociais, que possibilitam mobilizações em tal escala.

No caso do Brasil, por exemplo, está evidente que a revolta é contra os políticos em geral, sejam de que partidos forem, pertençam ao governo ou à oposição. Isso se tornou evidente em diversos momentos quando militantes deste ou daquele partido tentaram se manifestar: foram vaiados e até espancados. Foi o caso do PT que, oportunista como sempre, tentou tirar vantagem da situação e se deu mal.

Mas de onde vem esse horror aos políticos? A resposta é óbvia: eles se tornaram uma casta que se apropriou da máquina do Estado em seu próprio benefício.

Essa máquina, que é mantida com o dinheiro de impostos escorchantes, eles usam para empregar seus parentes e companheiros de partido, para enriquecer a si e a seus familiares, manipulando licitações e contratos de obras públicas --e usam isso, sobretudo, para se manter no poder.

Essa situação tornou-se particularmente insuportável depois que Lula assumiu o governo e pôs em prática uma política populista que veio agravar ainda mais aqueles fatores negativos da vida política brasileira. Quem nele acreditava viu, decepcionado, que ele ignorou os compromissos éticos assumidos e aliou-se a figuras como Maluf e o bispo Macedo --sem falar na compra, com dinheiro público, de partidos corruptos.

Essa aliança, com o submundo político, de um líder que surgiu como uma esperança de renovação, só poderia conduzir as pessoas em geral --e particularmente os que confiaram nele-- à desesperança total quanto ao futuro da nação.

O mais grave é que, somando-se isso à política assistencialista que adotou, tornou-se eleitoralmente imbatível. Assim, sem outra saída, os inconformados foram para as ruas. Nessa rejeição ao poder constituído e aos políticos em geral, o povo descontente pode não saber ainda por onde vai, mas sabe por onde não vai.

Não por acaso, a maioria desses manifestantes é de classe média. Não foram os pobres dos subúrbios que vieram para as ruas protestar, pois recebem Bolsa Família e melhoraram de vida. Quem está insatisfeita e revoltada é a parte da sociedade que só perdeu com o populismo lulista, uma vez que o dinheiro público, em lugar de ser investido em hospitais, escolas e serviços públicos, foi e é usado em programas assistencialistas e demagógicos.

Por outro lado, o lulismo cooptou as entidades representativas dos trabalhadores e dos estudantes (a CUT e a UNE), que, contrariamente a suas origens e à sua história, agora impedem manifestações contrárias ao governo. Desse modo, tanto os trabalhadores quanto os estudantes não têm quem os represente na luta por suas reivindicações.

Por isso, meses atrás, afirmei nesta coluna que a única solução possível seria o povo desorganizado ir para as ruas, já que não conta com as organizações que deveriam representá-lo. É o que acontece agora: o povo desorganizado está nas ruas. Desmascarada, a CUT tentou juntar-se aos manifestantes, mas foi repelida por eles.

Sem alternativa, a presidente Dilma promoveu uma reunião com governadores e prefeitos para aparecer como porta-voz dos inconformados, e propôs medidas que não se sabe quando nem se serão mesmo postas em prática.

A juventude não dormirá - DIANA LICHTENSTEIN CORSO

ZERO HORA - 30/06

Em 1964, num pequeno texto com esse título, escrito para a revista New Society, o psicanalista Winnicott tentava dialogar com aqueles que se horrorizavam diante de manifestações juvenis: "É dada publicidade a cada ato de baderna juvenil porque o público não quer ouvir ou ler a respeito dessas façanhas adolescentes que estão isentas de qualquer desvio antissocial. Além disso, quando acontece um milagre, como os Beatles, existem aqueles adultos que franzem o cenho quando podiam soltar um suspiro de alívio _ quer dizer, se estivessem livres da inveja que sentem do adolescente desta fase". Veja bem, ele retrata a obsessão do público por uma minoria de vândalos, cego à verdadeira relevância dos acontecimentos. O título refere a uma personagem de Shakespeare, que odiava a juventude e desejava que se dormisse dos 16 aos 23 anos.
É interessante a menção aos vovôs do rock, justamente para lembrar de que o tempo passa e crescemos como civilização assimilando e aprendendo com o que parecia dissonante e impossível de catalogar. O que mais alarma os intérpretes de plantão, nos quais me incluo, é a ignorância do rumo que as insatisfações expressadas vão tomar. Não se sabe do resultado das próximas eleições, nem como as cidades receberão a Copa e principalmente está para se descobrir como funcionam a política e a informação na era da internet. Como tampouco se sabia da comunicação após o telégrafo e o telefone, do rumo da música depois do rock, do destino da família após a revolução dos costumes, das mulheres após a pílula, do livro após o computador. Os adultos de diferentes épocas são reincidentes no medo do desconhecido, lembram seus tempos de interrogações e temem não ter feito as melhores escolhas. Os jovens representam esse processo, estão fadados a atravessá-lo e acabam suportando melhor o que não controlam.
Nesse e noutros textos, Winnicott lembra que a juventude passa nos indivíduos, que ficam velhos como os Beatles, mas nas sociedades a expressão juvenil chegou para ficar. Ele a chamou elogiosamente de "imaturidade adolescente", que seria a fonte das dúvidas que movem revoluções e permitem invenções. Tudo o que nos tornamos como civilização tem uma dívida com aqueles que enxergaram as coisas de modo diferente.
Mudam os atores, mas a peça da juventude segue em cartaz. A vantagem da visão de mundo adolescente, ou juvenil, é justamente sua relação com o tempo, a capacidade de reconhecer, com tristeza, mas sem pânico, que o futuro é incerto. Ser jovem é conviver com as próprias indefinições: duvidar sobre a quem e como amar, no que acreditar, como trabalhar, a quem admirar e o que se quer aprender. Ficar velho é satisfazer-se com o senso comum, é alardear o fim do mundo a cada vez que alguém faz um barulho que nosso cérebro não consegue decodificar. Encerro com Winnicott, pedindo que sejamos capazes de interpretar e conter nossa "indignação moral causada por ciúme da juventude". Corrompendo Quintana: a meninada passará, a juventude passarinho.


Não é final do Mundial - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 30/06

Se perder, a Espanha, pelo que joga e jogou durante os últimos anos, continuará superior ao Brasil. Não se mudam os conceitos por causa de um jogo. O Brasil, mesmo se for derrotado, já mostrou que, em casa, é forte candidato ao título mundial.

Em uma decisão, é impossível prever o comportamento emocional dos jogadores. A maioria fica mais tensa. A ansiedade, até certos limites, é benéfica. O corpo aumenta a produção de algumas substâncias químicas, e o jogador fica mais atento, esperto e com mais força física. É o doping fisiológico.

Se a ansiedade for muito intensa, o atleta fica mais agressivo, tem mais pressa de chegar ao gol, a bola bate na canela, além de perder a capacidade de antever o lance e de perceber, em uma fração de segundos, a movimentação dos companheiros e adversários. Quem joga em casa corre um pouco mais de risco de ficar mais tenso.

O Brasil tem boas chances de vencer porque possui ótimos zagueiros, especialmente Thiago Silva, e a Espanha não tem um grande atacante.

Os excepcionais armadores espanhóis não se destacam também pelas finalizações, além de entrarem pouco na área, com exceção de Fàbregas, que talvez não jogue. Dificilmente, o time espanhol fará mais de um gol.

O Brasil tem boas chances de vencer porque a Espanha marca mais à frente e, se o time brasileiro desarmar, com frequência, no meio-campo, os velozes Neymar, Oscar e Hulk terão mais espaços nos contra-ataques. A Itália fez isso bem, contra a Espanha, e criou várias chances de gols.

O Brasil tem boas chances de vencer porque a Espanha não tem meias, pelos lados, que protegem os laterais. Daniel Alves e Marcelo terão espaço para avançar e fazer duplas, pelas laterais, com Hulk, Oscar e Neymar.

O Brasil tem boas chances de vencer porque a Espanha está muito desgastada, pelo calor, pelo jogo na quinta-feira e pela prorrogação.

O Brasil tem usado bem a vantagem de atuar em casa, está com mais gana e se preparou para a competição, com muita seriedade, pela responsabilidade diante da torcida e porque quer recuperar o prestígio.

A Espanha possui também muitas chances de vencer porque é melhor, mais experiente, sofre poucos gols, tem ótimos zagueiros e goleiro, excepcionais armadores, um lateral, Jordi Alba, que avança muito bem.

A Espanha costuma comandar a partida, ficar com a bola, paralisar o adversário, até alguém penetrar para receber e fazer o gol. Felipão, para tentar equilibrar o meio-campo, tem a opção de escalar Hernanes, no lugar de Hulk ou de Oscar.

É um jogo muito esperado, uma decisão, mas não é final de Copa do Mundo nem motivo para comemorações nas ruas, no Brasil e na Espanha.

A voz das ruas e o passarinho - ADRIANA CALCANHOTTO

O GLOBO - 30/06

Os brasileiros estão nas ruas por motivos óbvios e acho bem estranho que o governo ache estranho


Embrenhada na mata amazônica, mais especificamente em Carajás, na turnê que homenageia Tom Jobim, com os queridos colegas Zélia Duncan, João Bosco, Roberta Sá e Zé Renato, estou quieta no meu quarto ouvindo o silêncio. Sabe-se que não há silêncio na mata, mesmo assim, prefiro mil vezes às campainhas de garagem de Ipanema, aos toques de celular metidos a engraçadinhos, às buzinas impacientes, à música no elevador, nas salas de espera, a tudo o que não deixa o silêncio em paz, por puro medo do silêncio, eu acho. Estamos hospedados em uma casa incrível e ouço à minha janela o jardineiro varrendo folhas secas sem pressa nenhuma. Daí a pouco ele passa a regar as plantas, batucando as gotas d'água nas folhas mais duras. Espio pela janela e vejo que ele usa fones de ouvido, alheio ao silêncio da mata e ao barulhinho bom que está produzindo. Parece acompanhar o que escuta com os movimentos da mangueira, empunhada com leveza e preguiça. Não muito ao longe o Sabiá Laranjeira, aquele que além de ter um canto belíssimo imita o canto de outros pássaros, e que os poetas adoram citar, gorjeia, entregando que é época de acasalamento. Ele atravessa o silêncio com suas melodias inventadas a partir do canto dos pássaros que repete, como qualquer compositor. Precisa perpetuar sua espécie e para isso canta, para atrair a metade que lhe falta para a empreitada. Canta, como os trovadores provençais, para aquela que no entanto pode não o querer. Canta como se não houvesse amanhã, transbordando de beleza meus pobres tímpanos, tão fatigados. Enquanto isso, na TV ligada, sem som, as cenas são impressionantemente lindas. O Brasil profundo, acordado, nas ruas, em manifestações pacíficas e apartidárias, coisa que não pensei que fosse viver para ver, muito menos o governo. Portanto não sei agora se participo, acompanhando ao vivo às manifestações, ou se ouço o sabiá, tipo um Antonio Brasileiro (urubu acho que não canta) traduzindo com seus trinados o mesmo Brasil profundo, no seio, no dentro da floresta amazônica. Posso gravar o sabiá para ouvir mais tarde, mas não seria a mesma coisa, o gravador registraria o canto mas não o agora do sabiá, que não sabe de mim ou da voz das ruas e seus tristes vândalos fim de festa. Ou mesmo de quantas árvores estão sendo dizimadas neste exato minuto a uns poucos quilômetros daqui, em gesto de autodestruição a que os humanos estão acostumados, e em que passarinho algum acreditaria. As imagens do povo encarapitado nos espaços curvilíneos do Niemeyer são muito comoventes, e fantasio que o arquiteto gostaria de assisti-las. Sei que vou rever à exaustão as imagens, em edições comportadinhas, com o mesmo texto lido por diversos locutores. Diferente de assistir ao vivo ao repórter cinematográfico ajustar o foco enquanto as pessoas clamam por um tratamento de cidadãos, que pagam impostos e não têm os serviços básicos, clamam por educação, por um sistema de saúde decente, por transparência nas contas públicas, por paz, por poesia, enojados da politiquinha que usa cargos como moeda, fisiológica, nepotista, cínica, corrupta, atrasada. Os brasileiros estão nas ruas por motivos óbvios e acho bem estranho que o governo ache estranho. Munidos de seus celulares os manifestantes são eles mesmos os repórteres de sua causa e deixam assim as coberturas tendenciosas comendo poeira, é tudo novo, vivo, ao vivo. O canto do sabiá prossegue em suas melodias de amor, harmonizado agora pelo canto de um sanhaço mais ao longe, um espetáculo. Penso no privilégio que é estar cantando nosso maestro soberano Brasil adentro justo no instante em que o Brasil acorda de sono pesado. O melhor compositor do mundo, como disse Frank Sinatra, sendo cantado a plenos pulmões por onde temos passado. Em teatros ou ao ar livre, o público canta todas as canções de cabo a rabo junto conosco. A galera que trabalha por trás do palco canta também o repertório do show, é lindo demais. Nunca fui muito boa em fazer escolhas, desde pequena achava chato ter de escolher, porque não posso ficar com todas as opções, é tão mais prático viver sem estar dividida. Então acontece isso, de eu estar com um olho na TV e os ouvidos no passarinho enquanto durar cada um dos eventos, que me aceleram o coração. Nas ruas não sei o que vai acontecer mas intuo que amanhã vai ser outro dia. Para a floresta amazônica posso sempre voltar, enquanto ela ainda existir, e assim prometo a mim mesma que vou voltar, sinto, sei que ainda vou voltar, para ouvir cantar minha sabiá, cantar minha sabiá.

Futebol, efeito estufa e o jogo global - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 30/06

Independentemente do resultado da partida, a Terra, nossa casa, continuará a se aquecer


HOJE É DIA da final da Copa das Confederações, imagino que a maioria absoluta dos brasileiros esteja grudada na TV. (Eu sou um deles, mesmo daqui dos EUA).

Interessante o contraste das culturas; por aqui, esse tipo de conexão nacional não existe em nenhum esporte. Não vejo os americanos unidos, torcendo pelo seu país em massa em um jogo, como ocorre no Brasil e em tantos outros países.

Isso é coisa do futebol e da Copa, um fenômeno único mesmo. Olimpíada é diferente, uma outra espécie de manifestação patriótica. Não é tanto um esporte, mas muitos juntos, e cada um vê o que gosta mais.

Isso faz do futebol uma coisa à parte, uma manifestação em massa quase que religiosa, algo que antropólogos culturais estudaram já em detalhe. Uma expressão de patriotismo, sem dúvida, mas muito mais do que isso. Aqui nos EUA, isso ocorre mais com as guerras do que com os esportes.

O que me faz pensar no próximo nível de adesão cultural em massa, quando não somos mais um país, mas uma espécie. Uma das assinaturas do novo milênio é a transcendência cultural por meio da globalização digital; todos têm, em princípio, uma voz, a informação que antes era difícil é acessível com alguns cliques; cursos dados por grandes professores, palestras sensacionais sobre ideias de vanguarda, vídeos políticos (como aqueles mostrando as manifestações no Brasil), filosóficos, esportivos...tudo ao alcance, basta só saber procurar conteúdo. E é esse o grande desafio da educação moderna: orientar as pessoas a buscar conteúdo de qualidade, coisas que nos ajudem a aprender, a crescer como indivíduos e mesmo como espécie.

Pois se uma coisa fica clara com essa globalização e com outra característica dos nossos tempos, o aquecimento global, é que qualquer ação local pode ter repercussão global. O moto "pense globalmente e haja localmente" diz tudo. Semana passada, o presidente Obama declarou a necessidade de os EUA mudarem sua política com relação à emissão de carbono: "Os cientistas estão convencidos na sua maioria absoluta de que o aquecimento global está sendo acelerado pelas atividades humanas; falo isso pelos meus filhos e as gerações futuras", declarou. Finalmente!

Não há mesmo dúvida de que estamos pondo uma espécie de cobertor em torno do planeta, que vai ficando cada vez mais sufocado. A conscientização conjunta de uma globalização pela internet e pelo clima deveria também despertar uma noção da necessidade de lutarmos como espécie para a preservação da nossa casa cósmica. Algo que a ciência moderna nos ensina é que a vida é rara e a vida complexa mais ainda; ademais, dadas as variações de planeta a planeta, e dado como a vida depende dessas variações, podemos afirmar que nós, humanos, somos únicos, futebol e tudo.

Se as variações culturais ainda são enormes, como no caso da devoção nacional ao futebol no Brasil e sua ausência nos EUA, estamos todos juntos neste mesmo planeta.

Independentemente do resultado do jogo, a Terra continuará sendo nossa casa e continuará a se aquecer. Torço para que o Brasil ganhe, claro, e para que nosso planeta vença também. Pois neste jogo ganhamos ou perdemos todos juntos.

Cuidado com Sebastião - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 30/06

Que dias temos vivido, hein? De monotonia é que não podemos fazer queixa. Continuo achando que ninguém sabe como surgiu e em que vai terminar a confusão das últimas semanas, mesmo depois que o Congresso foi tomado por uma operosidade nunca vista, apressando-se em aprovar medidas antes quase impossíveis. Apareceram palpites em grande variedade, mas nenhum me convenceu muito ainda. Recebo e-mails alarmistas e alarmados, leio artigos e reportagens, ouço comentaristas de televisão e assisto a vídeos na internet, e a profusão de diagnósticos e prognósticos chega a entontecer. Complica-se isto com a circunstância inquietante de que, se levarmos em conta todas as denúncias que não cessam de pipocar, seremos forçados a inferir que não se pode acreditar em nada, até naquilo que testemunhamos pessoalmente, pois o que vemos, ou até o de que participamos, pode não ser mais que a ação de inocentes úteis que não sabem o que fazem, ou uma farsa para ocultar interesses escusos de grupos e organizações daninhas, ou o que lá se queira pensar.

Na mídia, claro, não se pode confiar. Jornais, rádios e televisões são mantidos no cabresto do governo, que lhes fornece anúncios e comerciais bilionários, além de abrir facilidades fiscais e fechar os olhos a graves irregularidades. Paradoxalmente, a mídia, no ver do mesmo governo e seus correligionários, é golpista e a voz das elites conservadoras, que tudo fazem para derrubar um governo de raízes populares, devendo por isso mesmo ser submetida a “controle social”. Voltando ao outro lado, a mídia está toda aparelhada por militantes a serviço do governo, em todas as redações, são eles os que realmente mandam, só se publica ou vai ao ar o que o governo quer. Trocando de lado outra vez, os colunistas e comentaristas têm todos o rabo preso, um porque é funcionário fantasma do gabinete de um político, outro porque é um carreirista puxa-saco dos patrões e ganancioso, outro porque é um conhecido fascista — ou comunista, conforme — e por aí vai, parece uma gangorra.

É uma situação terrível, porque, por mais que não se queira, a mídia sempre nos alcança. Mesmo que não atentemos em qualquer noticiário ou comentário, o vizinho, o colega de trabalho e o pessoal do boteco não fazem o mesmo e terminamos vítimas indiretas da má informação. Claro, se não podemos acreditar na mídia, também não podemos acreditar no vizinho, porque ele, como os amigos do boteco, tiram da mídia suas informações e, não raro, até suas opiniões. Não podemos acreditar cegamente nem em nós mesmos, porque é muito difícil, ou impossível, fugir da influência do que circula na mídia e não há como avaliar o que, em nossa maneira de pensar sobre fatos como as manifestações de rua, não terá tido origem na mídia.

A tanta razão para desconfiança e dúvida some-se o atabalhoamento em que ficaram os governantes. Em algumas ocasiões, lembrava uma sátira ou uma comédia de pastelão. Também confrange os súditos serem informados de que, na hora do aperto, a presidenta amarelou e procurou o ex-presidente e atual presidento, para saber o que fazer, como umaadolescenta em busca do apoio paterno. Além de tudo o que essa dependência patética representa, o sujeito fica, pelo menos no meu caso, um pouco envergonhado com essas coisas, aquele tipo de vergonha que a gente sente pelos outros. Em seguida, ela apareceu para se pronunciar, virando a cabeça para lá e para cá enquanto falava, como quem lê o teleprompter com certa dificuldade. Ou será que ela não sabia bem o que significavam as palavras que repetiu em voz alta? Talvez não soubesse mesmo, naquelas horas nervosas, porque, no dia seguinte, como todos viram, ela disse que não disse o que todo mundo pensou que ela dissera — e eis aí mais um exemplo de como a verdade tem andado cada vez mais fugidia.

Mas, se as ilações, hipóteses e explicações agora circulando ainda não conseguem ser inteiramente convincentes e ainda paira no ar alguma iminência de monta, por enquanto não notada, o fato é que a ruidosa e universal rejeição a políticos e partidos que vem marcando as manifestações acendeu uma luzinha vermelha na mente dos governantes, tanto assim que eles vêm procurando atender às demandas com uma presteza que nos deixa de queixo caído. Também eles não sabem em que tudo isso vai terminar e, pelo sim, pelo não, tratam de corrigir como podem aquilo que não só o povo aponta, mas eles há muito sabem que está errado.

Aguilhoados pelos verdadeiros donos da soberania, os governantes mudaram sua postura habitualmente arrogante, indiferente ou cínica e baixaram a cabeça, diante da rebelião dos governados. As instituições também vêm funcionando e cumprindo seu papel. Ou seja, não é necessário nenhum radicalismo, basta que passemos a abandonar os costumes e práticas que têm caracterizado nossa vida política e contra os quais deveremos estar em permanente vigilância e possível mobilização. É primarismo advogar que sejamos governados “diretamente” pelo povo, através de decisões coletivas tomadas através de internet, porque isso só iria redundar nas decisões apressadas, emocionais e inconsequentes que as multidões, mesmo as eletrônicas, costumam tomar — e uma situação assim redunda em anarquia. Tampouco podemos ceder ao impulso, talvez atávico, de esperar a volta do rei Sebastião, que nos libertará, com virtude, carisma e amor ao povo, de todas as nossas aflições. Creio que já há aspirantes a esse posto, mas onde estava Sebastião, quando começaram as manifestações e as mudanças já obtidas? Estava malocado, esperando a hora de dar o bote e abocanhar o que não foi feito por nenhum Sebastião, mas pelo povo. Não se pode garantir que o povo não seja outra vez engabelado, mas venham com outra conversa, que o velho papo já não cola.

Alternativa - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 30/06

Ao contrário da morte, de uma ditadura se volta, preferencialmente com uma lição aprendida. Para mudar isso aí, prefira a vida — e o voto



Envelhecer é chato, mas consolemo-nos: a alternativa é pior. Ninguém que eu conheça morreu e voltou para contar como é estar morto, mas o consenso geral é que existir é muito melhor do que não existir. Há dúvidas, claro. Muitos acreditam que com a morte se vai desta vida para outra melhor, inclusive mais barata, além de eterna. Só descobriremos quando chegarmos lá. Enquanto isto vamos envelhecendo com a dignidade possível, sem nenhuma vontade de experimentar a alternativa.

Mas há casos em que a alternativa para as coisas como estão é conhecida. Já passamos pela alternativa e sabemos muito bem como ela é. Por exemplo: a alternativa de um país sem políticos, ou com políticos cerceados por um poder mais alto e armado. Tivemos vinte anos desta alternativa e quem tem saudade dela precisa ser constantemente lembrado de como foi. Não havia corrupção? Havia, sim, não havia era investigação para valer. Havia prepotência, havia censura à imprensa, havia a Presidência passando de general para general sem consulta popular, repressão criminosa à divergência, uma política econômica subserviente e um “milagre” econômico enganador. Quem viveu naquele tempo lembra que as ordens do dia nos quartéis eram lidas e divulgadas como éditos papais para orientar os fiéis sobre o “pensamento militar”, que decidia nossas vidas.,

Ao contrario da morte, de uma ditadura se volta, preferencialmente com uma lição aprendida. E, se para garantir que a alternativa não se repita, é preciso cuidar para não desmoralizar demais a política e os políticos, que seja. Melhor uma democracia imperfeita do que uma ordem falsa, mas incontestável. Da próxima vez que desesperar dos nossos políticos, portanto, e que alguma notícia de Brasília lhe enojar, ou você concluir que o país estaria melhor sem esses dirigentes e representantes que só representam seus interesses, e seus bolsos, respire fundo e pense na alternativa.

Sequer pensar que a alternativa seria preferível — como tem gente pensando — equivale a um suicídio cívico. Para mudar isso aí, prefira a vida — e o voto.

Congresso! Trabalhos Forçados! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 30/06

E o PGN, o meu Partido da Genitália Nacional, já lançou a sua PEC: PEC 69! PEC NA MINHA E BALANÇA!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E o PGN, o meu Partido da Genitália Nacional, já lançou a sua PEC: PEC 69! PEC NA MINHA E BALANÇA! Rarará!

E o Congresso trabalhando? Trabalhos Forçados! O Congresso tá parecendo viúva tirando atraso de dez anos!

E o Renan Escandalheiros quer passe livre para estudantes. E eu quero passe livre pra ele sumir! Passe Livre pro Renan Sumir! Ele já virou tanta casaca que o casaco dele deve ter 20 avessos! Rarará!

E esta piada pronta de Floripa: "Com dois atos simultâneos, manifestantes sem partidos erram de protesto". Tá virando pastelão!

E esta: "Líder do PSDB, Sérgio Guerra se engana e vota a favor da PEC 37". ANTAlógica. O Tiririca votou direitinho!

E sofremos duas baixas internacionais! "Brad Pitt cancela sua vinda ao Rio por causa dos protestos." Bundão! Chama o Chuck Norris e o Arnold Schwarzenegger que eles topam. Dorme com a Angelina Jolie e tem medo de protestos?

"Por causa dos protestos, Superman cancela vinda ao Brasil". Bundão! Chama o Chapolin Colorado! E o Superman vinha pra divulgar o filme "O Homem de Aço". O Homem de Aço tem medo de bala de borracha! Rarará!

E a Dilma, pro próximo discurso, vai fazer um botoshop: botox com photoshop! O Laquê Acordou!

E eu fui a três manifestações. E o melhor cartaz: "Se a bomba é de efeito moral, joga no Congresso".

E o plebiscito? Proponho fazer um plebiscito para saber se a gente quer um plebiscito. Um PRÉbliscito! O cúmulo da democracia. E claro que gostei da IDEIA do plebiscito. Quando os políticos entram em pânico, a ideia é boa!

E os cartazes "Fora Feliciano"! "Feliciano, não nos esquecemos de você! É que estamos limpando uma merda por vez." "Feliciano, isso é orgulho ferido de um fiofó não comido." "Feliciano, me dê um atestado, hoje acordei sapata." Rarará!

E um gay: "Tá bom, quero me curar; aí vou ao médico e ele me receita o quê? Comer duas pererecas por dia?".

"Não me curem, não tenho roupa pra ser hétero". Vai pra Colombo e pra Vila Romana!

E não se muda o Brasil com rancor, mas com humor!

Nóis sofre, mas nóis goza.

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Gattopardo brasileiro - BELMIRO VALVERDE JOBIM CASTOR

GAZETA DO POVO - PR

No clássico romance Il Gattopardo (O Leopardo), Lampedusa descreve a visita de Tancredi, um jovem aristocrata, a seu tio, Don Fabrizio, o Príncipe da Casa Salina durante o confronto que levou à unificação da Itália e que colocou frente a frente a velha nobreza e os que queriam substituí-la. Quando Tancredi lhe revela que ele próprio já estava integrado ao movimento revoltoso e que iria, em breve, encontrar-se com Garibaldi, Don Fabrizio fica alarmado com a insensatez do sobrinho, mas este pondera sabiamente: “Se quisermos que as coisas continuem como estão, tudo tem de mudar!”

A presidente Dilma Rousseff e os seus aliados petistas, peemedebistas, oportunistas e outros “istas” estão tentando rescrever a fala de Tancredi adaptando-a ao Brasil de hoje: “Se quisermos que as coisas permaneçam como estão, é necessário fingir que tudo está mudando!” Pois só isso explica a enorme desfaçatez que está sendo encenada sob nossas vistas para parecer que o rugido das ruas foi ouvido e entendido pelos governantes e seus aliados.

Às pressas, depois de um aturdimento completo nos primeiros dias das manifestações, as “mudanças” começam em ritmo frenético: reajustes contratuais são adiados para parecer que a população foi ouvida, quando se sabe que – pela própria natureza contratual desses aumentos – mais hora ou menos hora eles serão pagos até o último centavo; um Congresso desmoralizado e desfibrado, intimidado pelas manifestações, vota em horas o que não havia votado em anos para parecer que finalmente a mensagem dos representados chegou aos representantes políticos; alguns absurdos legalistas são abortados, como a situação insólita de condenado à prisão que durante quatro anos exercia tranquilamente o mandato de deputado federal sem ser importunado.

Mas o fundamental continua o mesmo. A presidente, que nunca foi dada a articulações políticas, transformou-se subitamente na grande negociadora, chamando para o diálogo os políticos, os outros governantes, os movimentos sociais... Mas trata-se de diálogo curioso em que ela alardeia pactos sem tê-los discutido antes com os outros envolvidos, especialmente os que se opõem a ela e às políticas de seu partido; escorrega e anuncia uma Assembleia Constituinte para, em seguida, voltar atrás quando seus conselheiros (aliás, quem são eles e onde se escondem neste momento?) alertaram para o risco que o PT e seus aliados estariam correndo se realmente a população fosse chamada a modernizar nosso quadro institucional livremente, e não apenas seguir o script longamente acalentado por eles e que já foi repudiado no passado, como essa ridícula reforma eleitoral, com a introdução do voto de lista e do financiamento público das campanhas.

Em suas “articulações”, preferiu esquecer tudo aquilo que realmente levou milhões de pessoas às ruas: a desmoralização da base aliada, composta pelo que há de mais anacrônico e vicioso na política brasileira; a esbórnia de gastos públicos; os 39 ministérios; a escalada dos cargos comissionados para abrigar os companheiros e aliados; e o desarranjo da política econômica, que não consegue promover o crescimento e ainda traz de volta o fantasma da inflação; a inacreditável transformação do BNDES em uma cornucópia de recursos públicos para apoiar empresários “amigos da casa” a ampliar seus negócios absorvendo os concorrentes; a solução para a crise da “mobilidade urbana” que pariu o rato habitual de mais um conselho federal, e de vários estaduais e municipais “com a participação dos cidadãos”; e a tragédia da educação e da saúde pública, transformada em mero pretexto para abrir a medicina brasileira a profissionais cuja qualificação não foi certificada e à destinação, no futuro remoto, de mais recursos para a educação.

E, assim, nossa Tancredi brasileira e seus aliados pretendem que a população se convença de que algo está mudando, quando está ficando exatamente no mesmo.


Escolhidos e excluídos - TEREZA CRUVINEL

CORREIO BRAZILIENSE - 30/06
Com o legado do lulismo em risco, petistas dizem que o maior erro de Dilma foi a desatenção para com sua própria base social e política

"Quem joga os amigos ao mar não contará com eles na tempestade." Essa frase foi dita à presidente Dilma Rousseff, no início de seu governo, em conversa sobre o tratamento que vinha sendo dado a aliados e remanescentes do governo Lula. Mais que os amigos, dizem os petistas no calor da crise, Dilma foi desatenciosa para com a base social e política do próprio lulismo, que garantiu sua eleição. E a tempestade chegou. Na semana passada, ela dedicou-se a uma maratona de encontros com movimentos sociais - Passe Livre, centrais sindicais e LGBT - e com políticos aliados: presidentes de partidos e líderes que integram o Conselho Político do governo, que ela jamais convocou antes. Agora, quer ouvir a oposição, com a qual nunca houve diálogo, ainda que formal. Pessoas do governo procuraram outros segmentos abandonados, mas, na avaliação de petistas, isso não bastará para quebrar o isolamento, criado pelos protestos mas também por erros políticos e de comunicação, antigos e novos.

Iniciada a tempestade das ruas, o mal-estar já era grande. A bancada do PT engolira suas mágoas enquanto as bancadas dos partidos aliados respondiam ao desprestígio com guerrilhas nas votações deste ano. Na segunda-feira, os governadores e prefeitos chamados ao Planalto sentiram figurantes na reunião sobre um pacto que não foi discutido nem negociado previamente. A proposta de constituinte exclusiva, ao ser apresentada sem consulta prévia, irritou o Congresso e vitaminou a oposição. Sequer o vice Michel Temer, constitucionalista, fora informado. Os meninos do Passe Livre saíram praguejando contra a falta de objetividade. As centrais sindicais ficaram amuadas porque não se tratou da agenda delas, que inclui o fim do fator previdenciário e a redução da jornada. Na era Dilma, o latifúndio foi favorecido em relação aos índios e ambientalistas, e segmentos conservadores, como os evangélicos fundamentalistas, fortalecidos diante dos movimentos libertários.

Cobrou-se o silêncio de Lula, mas ele não esteve calado. O que evitou foi declarações pela imprensa. Conversou com líderes de movimentos sociais, os de sua base, e os estimulou a irem às ruas. "Se querem luta de massas, vamos fazer luta de massas", teria dito antes de embarcar para a África. As centrais, todas elas, marcaram um ato conjunto para o dia 11, que pode ter o formato de protesto ou de greve geral. Isso ainda estão definindo mas será um ato unitário e diferenciado dos protestos "difusos", do qual se aproveitam tantos grupos obscuros, inclusive uma extrema-direita renascida. O ato das centrais terá articulação, líderes e propostas. A UNE e UBES já mostraram a cara.

Julho, tudo indica, continuará movimentado. O Congresso terminou a semana entregando, com a eficiência ditada pelas ruas, uma boa cesta de votações, como a derrubada da PEC 37 e a nova criminalização da corrupção. Mas, tendo no colo a proposta de um plebiscito sobre a reforma política, que terá de viabilizar, embora a preferência nítida seja pelo referendo. Quando, no futuro, os historiadores escreverem sobre o levante junino, qualquer que seja o nome que lhe deem, alinharão muito mais que estes elementos para explicar como ocorreu tão brusca e veloz alteração na conjuntura que ameaça o legado do lulismo e do PT, na economia e no social.

Na verdade, a dilapidação foi lenta e contínua, e teve como corrosivo o descaso com a política e com a base social, sem falar na classe média.

Aulas no plebiscito

Se o plebiscito vingar mesmo, terá uma campanha curta em agosto. Os partidos - por mais que os manifestantes não queiram, eles são os atores da representação democrática - formarão frentes parlamentares para defender diferentes preferências. O tempo de tevê será igual para todos. O senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) já defende, entretanto, que boa parte dele seja reservada ao TSE, para a veiculação de explicações didáticas sobre temas com o voto distrital e voto proporcional; lista aberta ou lista fechada; financiamento público ou privado de campanhas. A reforma política tem que ir além, mas outros pontos não devem entrar. Caberá ao Congresso entender o recado das ruas e aprovar as mudanças complementares.

Junto e misturado

Só não viu quem não quis que nestes protestos havia mais que indignação política. As forças de segurança já sabem que no Rio, por exemplo, atuaram mercenários do tráfico, em revanche contra as UPPs que minaram seus negócios. Os donos de vans, do transporte pirata suprimido pelo prefeito Eduardo Paes, mandaram seus vândalos quebrar os ônibus. Outras forças ocultas estão sendo identificadas.

Milagre das ruas

Os ventos fortes, soprando para a direita, conseguiram reunir a velha frente de esquerda - PT, PCdoB, PDT e PSB, que já se havia distanciado - num fórum de defesa do plebiscito. E fizeram sumir das falas do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, o sotaque de candidato. Para pensar em eleição, agora só depois que o tempo serenar. Em poucas semanas, o capital de Dilma caiu tanto quanto as ações da Bovespa. O Planalto já tem suas pesquisas, mas esconde os números. Lula, em 2005, no auge do mensalão, estava a esta mesma distancia temporal da reeleição. Sangrou no segundo semestre e começou a se recuperar em janeiro de 2006, reelegendo-se em outubro. Quem fez a diferença foi a economia.


O ministro e a cuca - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 30/06

Às vezes, os curtos-circuitos de comunicação são causados apenas por diferença de tom. Mas, no caso do ministro da Fazenda, Guido Mantega, é mais que isso. Ele parece enxergar diferente dos demais.

O tom é essencial na comunicação. Muitas vezes, é mais importante do que o conteúdo do que é dito. Tomemos as nossas tradicionais cantigas de ninar. Quem se apega apenas às letras fica horripilado. É a cuca que está logo ali, pronta pra pegar o nenê; é o pai que está na roça e a mãe, também longe, no cafezal, situação que aponta para uma solidão inexorável; é o assustador boi da cara preta, também predador de pequenos. Essas coisas foram, e ainda são, marteladas sobre almas desprotegidas... E, no entanto, a criança dorme. Por quê? Porque o tom aconchegante prevalece sobre os horrores da letra.

É por isso, também, que as análises de economia e política precisam sempre perseguir o tom correto, sob pena de pôr a perder o essencial.

Um dos problemas do ministro Mantega na comunicação com o público é o tom inadequado com que diz as coisas. Ele ignora os problemas que não poderia ignorar, especialmente quando o País e a economia, como agora, estão alvoroçados, esfolando renda e patrimônio financeiro.

Não é apenas o tom errado. As intervenções do ministro Mantega são frequentemente tomadas por exasperante irrealismo. Depois de ter afirmado que não vira nas manifestações nenhum cartaz contra a política econômica, no pronunciamento de quarta-feira na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, Mantega apontou coisas que só ele vê.

Ele garantiu, por exemplo, que a inflação está caindo e que vai convergir para a meta ainda neste ano. Vá lá, pode ser que, de um mês para outro, fique mais baixa. Mas é inevitável que pelo menos "no curto prazo", como aponta o Banco Central, a acumulada em 12 meses estoure o teto. A projeção do Banco Central para a inflação deste ano é 6,0%, enquanto a meta é 4,5%.

Depois de passar meses a fio prometendo entregar um crescimento do PIB em torno de 4,0% a 4,5%, Mantega limita-se agora a avisar que o País avançará neste ano "mais do que em 2012", como se fosse feito extraordinário crescer mais do que o mísero 0,9% obtido então. Hoje, sabemos, vai ser difícil o PIB evoluir em 2013 mais de 2%.

O ministro também deitou louvação no "novo mix de políticas econômicas" colocado em prática no governo Dilma. Esse mix é um fracasso. Não garante crescimento sustentável do PIB acima de 3%; produz inflação que, no momento, perfura o teto da meta; provoca séria deterioração das contas externas; não segura os juros baixos, perseguidos tão obsessivamente; e, finalmente, é responsável por avarias nas contas públicas. Esse é outro ponto do qual o ministro discorda. Para ele, o equilíbrio orçamentário é exemplar, embora a percepção dos que se debruçam sobre o assunto seja a de que a política fiscal é uma bagunça, como até mesmo o ex-ministro Delfim Netto tem advertido. O próprio Banco Central projeta um resultado fiscal mais baixo do que o ministro.

Fica difícil a criança dormir ao ouvir cantigas com esse tom e conteúdo.

E o real foi para as ruas... - GUSTAVO FRANCO

O Estado de S.Paulo - 30/06

O real se tornou a moeda nacional há 19 anos, quando a inflação beirava 50% mensais, mas não havia ninguém nas ruas. Durante os 15 anos anteriores, quando a inflação acumulou 20.759.903.275.651% (vinte trilhões e troco), o brasileiro produziu grandes manifestações em raras ocasiões: para pedir eleições diretas, e depois para derrubar o primeiro presidente que elegeu nesse formato. A hiperinflação, a maior desgraça econômica que o País já viveu (exceto pela escravidão), não chegou a produzir mais que episódios isolados, seu efeito mais marcante e paradoxal foi o torpor.

Como foi possível que uma monstruosidade econômica desta grandeza não pusesse o País submerso em protestos e passeatas?

Talvez nunca seja possível responder com precisão. A hiperinflação foi um fenômeno gigantesco e incompreensível, inclusive por que faltava clareza quanto ao autor. Não havia uma causa, pois se dizia que a inflação de hoje era a de ontem, portanto, de "natureza inercial", e não tínhamos responsável. Contra quem protestar?

Na verdade, a própria inflação era o protesto, pois a experiência de quem viveu aqueles dias sombrios era sempre a do repasse, ou de "correr atrás" para recuperar poder de compra que se derretia. O custo de vida se elevava 1% ou 2% ao dia, era preciso passar adiante os aumentos, pois era um Tsunami, uma reação em cadeia, um conflito distributivo que nos impunha um comportamento nefasto, pois buscava-se "correr à frente" do processo, e assim nos tornávamos cúmplices do vício, ainda que em legítima defesa.

Conforme observou Elias Canetti, numa passagem famosa do livro Massa e Poder, a hiperinflação pode ser tomada como "um sabá de desvalorização no qual homens e unidade monetária confundem-se da maneira mais estranha. Um representa o outro; o homem sente-se tão mal quanto o dinheiro, que segue cada vez pior; juntos, todos se encontram à mercê desse dinheiro ruim e, juntos, sentem-se igualmente desprovidos de valor".

A hiperinflação era, portanto, um fenômeno depressivo, um exercício cotidiano de queimar a própria bandeira, uma destruição de valores de forma ampla, o suicídio de um símbolo nacional, uma ferida ética. O sentimento de culpa talvez explique, em parte ao menos, o desinteresse na busca de responsáveis. A vilania jamais era associada aos líderes políticos que ordenaram a gastança, as pirâmides e estádios, as transposições, as emendas orçamentárias e a generosidade nos bancos oficiais. Nenhum desses farsantes jamais defendeu a inflação diretamente: apenas atacavam quem queria combater a inflação a sério, os miseráveis neoliberais ortodoxos a serviço do FMI e da globalização.

A imprensa jamais conseguiu produzir um rosto, um vilão, quando muito um ministro que naufragou com um plano de estabilização, e o Ministério Público nunca conseguiu processar ninguém por produzir inflação. Nenhuma CPI funcionou com esses termos de referência. Foi o crime perfeito.

Pois agora, passados 19 anos, ao invés de festejar a monotonia da estabilidade, a ocasião serve para o registro que muitos desses personagens estão de volta. Parece novamente recomposta a mesma coalizão inflacionária da "Nova República", movida pelo "tudo pelo social", ou pela promessa de inclusão social, ou de conquistas, a qualquer custo, e também por projetos megalomaníacos e pela descrença em limites fiscais, tudo isso resultando em um "hiperinflacionamento de desejos" no orçamento ou nos bancos oficiais, bem além das possibilidades dadas pela disposição da sociedade em pagar impostos.

Esta é a matriz da hiperinflação, cujo desenrolar invariavelmente compreende a descoberta da capacidade de administrar "politicamente" a realização de desejos incorporando seletivamente grupos beneficiados na coalizão governista numa espécie de clientelismo de massa. Em seguida, para que o processo ganhe escala, é preciso capturar o Banco Central, a fim de adquirir o controle sobre o crédito e sobre a fabricação de papel pintado, mágica que pode ser compartilhada com os Estados, cada qual com o seu banco emissor e sem limites quanto à capacidade de se endividar.

Agora, todavia, esses canais monetários e creditícios estão bloqueados, embora com alguns vazamentos. A inconsistência entre o inflacionismo da política fiscal e as barreiras institucionais à inflação, notadamente na forma das metas de inflação e dos impedimentos ao endividamento dos Estados (Lei de Responsabilidade Fiscal e outros acordos de reestruturação de dívidas), nunca foi tão aguda, parecendo configurar um quadro de inflação reprimida. O sistema político se vê pressionado a fazer escolhas, as tensões vão se multiplicando, e também o intervencionismo, pois o Estado tenciona ser maior que a Sociedade.

Diante dessas limitações, o governo precisa racionar a realização dos desejos que inflou, e para tanto parece ter criado uma espécie de feira de favorecimentos e seletividades, fiscais e regulatórias, guiadas por idiossincrasias, amizades, preferências e por clientelismo. A Casa prevalece sobre a Rua, como diria Roberto da Matta, não há impessoalidade nos atos da administração, tudo tem o seu destinatário, aos amigos tudo, aos outros a horizontalidade do mercado e a hostilidade dos reguladores. Instala-se o primado da malandragem, o investimento em lobby toma o lugar daqueles que se destinam à produção e à competitividade, o país do futebol se torna propriedade dos cartolas e a Rua se levanta.

Soa familiar? Não é parecido com as reclamações que se ouve nas ruas?

É surpreendente e alvissareiro que a sociedade exiba uma capacidade antes inexistente de perceber a vilania dos velhos mecanismos de socialização dos custos de estádios de futebol ou do apoio aos "campeões nacionais". A imprensa não tem dificuldade em identificar os enredos e beneficiários, bem como as fórmulas de ocultação e os truques contábeis e manipulações. A irritação se torna cotidiana e crescente. Ninguém quer pagar as contas que não lhe pertencem, as escolhas do governo são equivocadas e provocam indignação: se há dinheiro para o Itaquerão e para o trem-bala, como as escolas, hospitais e ônibus podem ser tão ruins?

O "sistema político" tem muitos defeitos, mas o problema aqui tem muito mais que ver com a liderança e há uma eleição logo à frente. No mundo plano da globalização e das redes sociais, seria normal que a aversão a esse pseudo-capitalismo de quadrilhas trouxesse para o centro da política o desejo de horizontalidade, transparência, responsabilidade fiscal, probidade, meritocracia e impessoalidade nas regras do jogo econômico. Era disso que se tratava o Plano Real, sobretudo no seu capítulo sobre reformas. Mas o que estamos vendo nos últimos anos é muito diferente. É compreensível a irritação dessa maioria silenciosa com a epidemia de "seletividade", privilégio e compadrio, que se sabe serem o berço da corrupção. Surpreendente mesmo não é o protesto e seus temas, mas o timing e a faísca que o determinou.

Poder para os eleitores - HENRIQUE MEIRELLES

FOLHA DE SP - 30/06

As manifestações populares trouxeram urgência à longamente debatida reforma política. Vários assuntos estão em foco, como financiamento de campanha, fortalecimento dos partidos, transparência etc.

Um ponto fundamental em qualquer sistema político é o de garantir que os eleitos, de fato, representem os interesses dos seus eleitores.

A experiência de muitos países mostra que, quanto mais próxima do eleitor e passível de cobrança, melhor é a re- presentação parlamentar em todos os níveis. E ela é fun- damental para a aprovação de leis de interesse da comunidade e a boa fiscalização do Executivo.

A prática política de países com democracias consolidadas aponta que um sistema bem-sucedido para assegurar a proximidade com o eleitor e a sua capacidade de fiscalizar seu representante é o distrital puro, em que cada parlamentar é eleito por um determinado distrito com um número limitado de eleitores.

Isso traz enormes benefícios como: 1) o candidato é mais conhecido e mais próximo da comunidade que o elege; 2) a campanha é mais barata, já que o número de eleitores cortejados é bem menor; 3) os eleitores têm capacidade muito maior de acompanhar a atuação do seu representante; 4) será mais fácil aos eleitos prestar contas aos eleitores, já que estarão concentrados geograficamente, e não espalhados pelo Estado de forma muitas vezes errática.

O sistema distrital também pode transformar todas as eleições em escolhas majoritárias, desde que, em cada distrito, seja eleito apenas o mais votado nos níveis federal, estadual ou municipal.

Isso tende a reduzir o número de partidos de forma natural, já que sobreviverão só aqueles com presença majoritária em cada distrito.

E, na medida em que os candidatos disputam eleições entre número menor de eleitores, suas propostas e compromissos pós-eleitorais serão muito mais claros e transparentes.

Nos países com sistema distrital consolidado, um parlamentar que contrarie a linha de conduta preferida de seus eleitores ou a plataforma de seu partido tem muito mais chance de ser punido nas eleições seguintes.

Esse sistema, portanto, aumenta de forma substancial a eficiência e os bons resulta- dos do sistema político, uma vez que a proximidade do eleito com o eleitor garante maior eficácia e transparência em todo o processo.

Isso tudo não é parte da nossa tradição política e cultural, e, portanto, a reforma deve seguir outras direções na tentativa de melhorar o sistema.

É necessário, no entanto, analisar alternativas bem-sucedidas para que possamos aprender não só com os nossos erros, mas com os erros e acertos dos outros.

Boa incerteza - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 30/06

As manifestações de rua vão afastar investidores do Brasil? Essa é a pergunta que pode estar rondando muitas cabeças. A resposta é não. Se o Brasil fosse uma ditadura, um movimento como esse elevaria o risco de ruptura institucional. Sendo uma democracia sólida, a consequência é tornar mais incerto o resultado da eleição de 2014. Nada contra a Dilma, mas essa é a boa incerteza.

Para a democracia, não é bom ter garantia, com dois anos de antecedência, do resultado de uma eleição. E tudo parecia que estava assim. Os índices de popularidade elevados, apresentados pelos institutos de pesquisa de opinião, deram ao governo confiança excessiva. A campanha para a reeleição teve uma estreia intempestiva com a presidente usando cadeia nacional de rádio e TV, a que tem direito como chefe de Estado, para discursos de candidata. Pior: acusou os que divergem dela de torcerem contra o país. O Estado sou eu, parecia querer dizer.

Os que duvidavam do cenário que ela descrevia nos pronunciamentos, comparou com o "velho do Restelo", de Camões, querendo dizer que os que não concordavam com ela eram pessimistas, conservadores e não viam o novo mundo.

O que os manifestantes brasileiros mostraram, em sua maioria, é que há uma série de motivos para insatisfação no cotidiano da vida brasileira: na educação, saúde, combate à corrupção, transporte, no desempenho do Legislativo e na ameaça que pesava sobre o Ministério Público.

A reação foi a que deve haver numa democracia sólida: os poderes começaram a se mexer diante dos sinais de descontentamento e apresentaram propostas de mudanças. Nem todas boas, mas louve-se a atitude de sair do marasmo em que o país se encontrava, ficando com a conjuntura econômica um pouco pior a cada dia, e a governante, com ouvidos abertos apenas ao seu publicitário. Quem poderia imaginar ver o plenário da Câmara cheio, em atividade, e a população protestando contra gastos excessivos em estádios, no meio do jogo Brasil x Uruguai, no país do futebol? Alguma coisa mudou para melhor no Brasil.

Ondas de manifestação na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra chamam a atenção, ocupam espaço no noticiário, mas ninguém acha que isso alterará a ordem institucional. No Parlamentarismo, mudanças de governo fazem parte das regras institucionais. Acaba de acontecer na Austrália. Não é crise. Nos países árabes, os manifestantes derrubaram governos, que precisavam mesmo cair, mas o momento seguinte foi caos político e até guerra civil, como na Líbia.

Por isso, mesmo com os excessos e episódios lamentáveis em algumas passeatas, o que houve até agora foi o normal nas democracias. Lembra aos senhores governantes que nada está garantido de véspera e que o eleitor não se torna um ser incorpóreo nos quatro anos entre uma eleição e outra. As respostas que estão sendo dadas pelos governantes não são necessariamente boas, nem têm efeito imediato. O recuo generalizado nas tarifas este ano não resolve a qualidade do transporte público, nem do preço. As tarifas são calculadas por fórmulas opacas, premissas duvidosas, e repasses de custos mal verificados. Se a redução da tarifa for coberta por mais subsídio, fica na mesma. O contribuinte paga.

Se o transporte público é gratuito, o dinheiro sai dos impostos. Imagina só transporte de trabalhador que deixaria de ser pago pelas empresas para ser quitado pelos cofres públicos? Um alívio para as empresas, mas um custo para o governo. Redução de imposto sobre diesel, que é poluente, faz menos sentido do que incentivo ao uso do biodiesel. Mais relevante seria buscar um sistema de transporte mais racional, com menos ônibus, e modais mais eficientes e menos poluentes.

Uma coisa é certa: neste debate ficou claríssimo o quanto o governo errou ao dar a montanha de dinheiro que deu para o carro particular e o subsídio à gasolina nos últimos anos. Dinheiro que, se aplicado em transporte público, estaria transformando a vida nas cidades.

Se as tarifas públicas forem congeladas é evidente que haverá menos investimento, ou porque novos empresários não entrarão no setor ou porque as empresas ficarão descapitalizadas.

Mas o grande ganho do movimento das ruas foi fortalecer a democracia e tirar o governo da certeza da vitória prévia.

É mais difícil do que parece - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 30/06

A análise da evolução das contas públicas sugere que o setor público brasileiro é relativamente eficiente


Para os diversos grupos que vêm se manifestando nas últimas semanas, o Estado brasileiro está repleto de grandes ineficiências.

A maioria dos participantes dos protestos julga que o combate à corrupção e a redução dos desperdícios, incluindo no custeio da máquina administrativa, seriam suficientes para que houvesse mais espaço no Orçamento para as atividades-fim do setor público, principalmente saúde, educação, Justiça, infraestrutura urbana e segurança.

Infelizmente, as ruas podem estar erradas nesse caso. A análise da evolução das contas públicas sugere que o setor público brasileiro é relativamente eficiente. Isso não significa que não seja possível elevar sua eficiência, mas sim que fazê-lo requer que a sociedade repense toda a forma de regulação do setor público.

Essa ação, por sua vez, vai exigir mudança constitucional, leis complementares e leis ordinárias. Ganhos de eficiência que demandam forte alteração legal podem ser chamados de agenda política. E essa agenda certamente não conterá apenas medidas para receber o aplauso fácil das ruas.

Neste mês, foi divulgado estudo dos economistas Marcos Mendes e Alexandre Guimarães o qual mostra que o custo por assento dos estádios brasileiros da Copa do Mundo não foi excessivamente superior ao das arenas das Copas da África do Sul¹ e da Coreia/Japão.

Nossos estádios foram em média 11% e 16% mais caros do que os estádios daquelas Copas. É possível que haja problemas, mas os números são desta ordem de grandeza: de 10% ou pouco mais, e não os propalados 200% ou 300%!

Já reportagem nesta Folha de setembro de 2012 aponta que o desperdício com a corrupção é de aproximadamente R$ 6 bilhões por ano, ou 0,15% do PIB de 2011. Deve haver muita imprecisão em estimativas desse tipo, mas a ordem de grandeza provavelmente está correta.

A tabela acima, construída pelo economista Mansueto Almeida Jr., apresenta a evolução do gasto não financeiro da União como proporção do PIB, excluindo transferências para Estados e municípios.

No período de 14 anos de 1999 até 2012, a maior parte da elevação do gasto da União, de 3,8 pontos percentuais do PIB, deveu-se a duas rubricas, INSS e gastos sociais.

Em menor medida, o investimento também contribuiu. Esses três itens de despesa pública explicam a totalidade da expansão do gasto do governo federal como percentagem do PIB. O custeio da máquina administrativa, por sua vez, reduziu-se de 1,6% do PIB para 1,3% no mesmo período.

A primeira conclusão é que o controle da elevação do gasto público com INSS demandará revisão da política de valorização do salário mínimo, o grande responsável pela elevação desse item do Orçamento.

A segunda conclusão é que a demanda das ruas por passe livre e por gastos de 10% do PIB para educação, entre outras, somente poderá ser satisfeita com a elevação da carga tributária.

Não há muito espaço para aumentar a carga tributária. Temos uma das maiores entre os emergentes.

Também não é verdade que no Brasil somente os pobres paguem impostos.

Vários estudos de Rozane Bezerra de Siqueira, economista da Universidade Federal de Pernambuco, e sua equipe mostram que a carga tributária brasileira não é regressiva como se imagina. Na verdade, ela é relativamente neutra.

Seria desejável que a tributação fosse progressiva. É possível elevar a tributação sobre os ricos, mas certamente não existe o enorme espaço para elevação de impostos no qual muitos acreditam.

Será necessário que a socieda- de entenda essas restrições e, a partir delas, procure as melhores maneiras de atender a seus próprios anseios.

Um possível caminho, abandonado desde o segundo mandato de FHC, é procurar formas de melhorar a gestão do setor público, sem aumentar o Orçamento.

É possível adotar mecanismos que permitam uma gestão mais baseada em resultados --como ocorre no setor privado--, e menos processual, como é a prática do direito administrativo. Mas esse já é um tema para outra coluna.


Reforma política capenga - SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo - 30/06

O que tem que ver o Relatório de Inflação do Banco Central (BC) com as manifestações de protesto nas ruas? Quer ver, leitor, como têm muito em comum?

No relatório, referente ao 2.º trimestre de 2013, o BC elevou a previsão de inflação de 5,7% para 6%, reduziu a do crescimento econômico de 3,1% para 2,7% e responsabilizou a "política fiscal expansionista" do governo pela piora dos dois mais importantes indicadores para a vida dos brasileiros. Ou seja, como o governo gasta mais do que pode, a inflação sobe e o crescimento declina. Sobretudo porque o governo canaliza seus gastos menos para investimentos (o que seria saudável) e mais para despesas cotidianas: as de custeio da obesa máquina pública, as que distribuem verbas para deputados, senadores, governadores e prefeitos amigos e, ainda, as que servem para sustentar um sistema político que só funciona com a viciada troca de favores, o toma lá dá cá de cargos e verbas, um sistema que inevitavelmente descamba para a corrupção. E é justamente contra isso que milhares de pessoas vão às ruas protestar, rejeitando o apoio dos partidos políticos, dos sindicatos e da chamada sociedade civil organizada.

A presidente Dilma Rousseff apressou-se em responder de imediato com propostas impactantes capazes de enfraquecer as forças dos protestos. Até agora, não conseguiu. Desistiu da fantasiosa e atrapalhada Constituinte exclusiva e optou pelo plebiscito, uma consulta popular com foco na reforma política. É bem-vinda a ideia de aproveitar a pressão das ruas para obrigar os políticos a aprovarem uma reforma há décadas rejeitada por eles. Mas o debate tem sido caolho, porque concentra o foco só nas eleições, esquecendo das deformidades do sistema político por onde transita a corrupção e abrindo portas para os partidos que estão no poder moldarem as perguntas do plebiscito de acordo com seus interesses eleitorais.

Se as lideranças políticas, inclusive a oposição, não aproveitarem este momento para pensar maior e agir sobre a estrutura de um sistema político deformado, apodrecido e condenado em cartazes e palavras de ordem dos manifestantes - um sistema que incentiva a corrupção, o desvio e o malfeito (como define a presidente Dilma) e que obriga a população a entregar todo mês ao governo 36% de sua renda em impostos para sustentar desperdícios, má gestão, incompetência e privilégios de quem é pago pelo dinheiro público -, então as ruas não vão calar.

Nenhum político governista veio a público para defender a redução de 39 ministérios (15 criados por Lula e Dilma para entregar a partidos aliados); nem mudar regras que impeçam o Legislativo de legislar em causa própria e elevar seus próprios salários; tampouco impor barreiras para as emendas de parlamentares ao Orçamento não virarem pó; ou pôr fim ao sistema de troca de cargos e verbas por votos no Congresso. Nenhum político apresentou um plano para tornar o Estado menos gastador e mais eficiente na gestão do dinheiro público. Na quarta-feira o ministro Guido Mantega mencionou que o governo quer chegar ao déficit nominal zero, mas não se comprometeu com nenhum prazo. Seria bom se fosse verdade, sinalizaria que o governo vai cortar gastos exagerados. Mas, em vez disso, as ações de desperdício prosperam e a presidente gasta R$ 324 mil para ela e quatro ministros passarem três dias em Roma e assistirem à missa inaugural do papa Francisco.

Uma reforma concentrada nas eleições e descolada de práticas políticas deformadoras, que tiram dinheiro da educação, da saúde, do saneamento, da segurança para gastar no toma lá dá cá entre Executivo e Legislativo, no troca-troca de cargos e verbas, não é reforma verdadeira, eficaz, voltada para construir uma democracia forte.

São por esses ralos que o dinheiro público se esvai e, se não forem eliminados, continuarão alimentando os gritos nas ruas. É a isso que o BC chama de "política fiscal expansionista", responsável pela queda no ritmo do crescimento e pela alta da inflação.

A passeata de 1968 foi o fim de um ciclo - ELIO GASPARI

O GLOBO - 30/06

Na semana passada, enquanto as multidões continuavam nas ruas, ecoou a memória da Passeata dos Cem Mil, de 26 de junho de 1968. A geração daqueles dias, com sua magnífica experiência, atribuiu-se uma capacidade de explicar o presente fazendo paralelos com o que viveu. Assim, além de não se explicar o presente, frequentemente muda-se o passado.

No dia 26 de junho de 1968, aconteceram duas coisas. Às 4h30m da madrugada, o soldado Mario Kozel Filho, de 18 anos, estava na guarita de sentinela do QG do II Exército, no Parque do Ibirapuera, e viu uma caminhonete C-14 vindo em direção ao portão do quartel. Desgovernada, ela parou num muro. O soldado foi ver o que era, e a C-14, com 50 quilos de dinamite, explodiu e matou-o. Horas depois, numa bela tarde do Rio, a passeata saiu pela avenida.

Contavam-se nos dedos as pessoas que gritavam “O povo unido jamais será vencido” dando importância à Vanguarda Popular Revolucionária, que explodira a bomba no Ibirapuera.

Seis meses depois, o governo baixou o AI-5, ninguém foi para a rua, e o Brasil entrou no seu pior período ditatorial. Não foi a passeata que levou a isso. Ela era o fim de um ciclo. A bomba e o interesse do governo em subverter a precária ordem constitucional da época foram o início de outro.

Festejando-se a memória da passeata, varreu-se para baixo do tapete a lembrança de um erro catastrófico. Passaram-se 45 anos, e centenas de pessoas que participaram de atos terroristas maquiaram-se como combatentes da causa democrática. Lutavam contra uma ditadura, em busca de outra, delas.

É o caso de se perguntar: o que é que isso tem a ver com o que está acontecendo no Brasil de hoje? Nada. O professor Pedro Malan já disse que no Brasil não só o futuro é imprevisível, mas também o passado. O sumiço da bomba do Ibirapuera na memória do 26 de junho de 1968 mostra que ele tem razão. Quem queria golpear a democracia? Cada um tem direito a responder como bem entender. O que não se pode é achar que há 45 anos tanto o marechal Costa e Silva como os tripulantes do comboio que levou a bomba ao QG do Ibirapuera quisessem defendê-la.

Tarso Genro deveria devolver os livros

Governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro da Justiça, Tarso Genro deveria pedir à sua polícia que devolva aos militantes da Federação Anarquista Gaúcha os livros que capturou durante uma diligência feita em sua sede.

Apreender livros não fica bem para um governador que se diz empenhado numa “revolução democrática”. A situação piora quando se vê que o chefe da Polícia Civil, delegado Ranolfo Vieira Jr., informou que “é importante dizer que foi apreendida vasta literatura, eu diria assim, a respeito de movimentos anarquistas”.

O comissário Genro sabe que a expressão "vasta literatura" vem de outro tempo, quando apreenderam até "O vermelho e o negro", romance de Stendhal. No caso, admita-se que em muitos países do mundo se pensa, como em Porto Alegre, em recolher obras de Noam Chomsky. Em 2002 o professor esteve em Porto Alegre para o Fórum Social Mundial, festejado pelo PT. O comissariado mudou, e Chomsky não acompanhou os novos tempos.

O problema torna-se significativo quando se sabe que na “vasta literatura” estava um volume de “Os anarquistas no Rio Grande do Sul” com histórias e fotos de velhos militantes (todos mortos) do anarquismo local. Ele foi publicado em 1995, informando que os “direitos desta edição” eram da Secretaria de Cultura de Porto Alegre, na gestão do prefeito Tarso Genro. O autor, João Batista Marçal, jamais recebeu um tostão pela obra.

Plebiscito

O senador Francisco Dornelles listou as variáveis que deveriam constar numa consulta plebiscitária séria sobre um novo sistema eleitoral.

Por exemplo:

O voto distrital deve ser puro ou misto? Se for misto, como serão divididas as cadeiras? Quem ordenará uma lista fechada, os mandarins ou os eleitores? Como serão demarcados os distritos?

O voto deve ser obrigatório? As empresas perdem a capacidade de investir em candidatos? E os cidadãos? Poderão doar só para os partidos? Haverá candidatos avulsos? Nesse caso, quem os financiará? E a reeleição?

Numa conta conservadora, a cédula precisaria apresentar pelo menos 20 perguntas.

Isso se o assunto fosse tratado seriamente.

É ou não é?

No início da semana, Jilmar Tatto, secretário de Transportes do prefeito Fernando Haddad, condenou a ideia de se instalar uma CPI na Câmara dos Vereadores para discutir tarifas e serviços de ônibus de São Paulo. Foi claro:

“Sou totalmente contra, porque CPI, geralmente, quando se instala, é para ficar achacando o setor, não é para resolver, tirar dúvidas.”

Para quem viu o que aconteceu com a CPI do Banestado na Câmara dos Deputados, ele tem um argumento forte.

Dois dias depois, a bancada petista apoiou a criação da CPI. Tatto desculpou-se por meio de uma nota lida por seu irmão Arselino, como outro (Jair), é vereador e petista.

Eremildo, o idiota, refraseou a condenação:

“Sou totalmente a favor, porque CPI, geralmente, quando se instala, é para ficar achacando o setor, não é para resolver, tirar dúvidas.”

Aula de economia

Os repórteres Fernanda Odilla e Filipe Coutinho cavucaram uma cifra que poderia ajudar a doutora Dilma e o ministro Guido Mantega a entender os fenômenos da inflação de serviços e da prodigalidade com que se torra o dinheiro da Viúva.

Em nove pronunciamentos em cadeia nacional feitos até dezembro passado, cada maquiagem da doutora custou R$ 400. Nos três ocorridos entre dezembro de 2012 e março deste ano, cada serviço custou R$ 3.125, uma alta de 681%. Nem quando Yara Iavelberg levou-a para um corte no famoso Jambert o realce custou tanto. Dinheiro público tem um zero a mais.

No seu salão paulista, Celso Kamura, que cuida do visual da companheira em Brasília, cobra R$ 680 por um trato no cabelo e na estampa.

Em 1993 o presidente Bill Clinton pagou US$ 200 por um corte em Los Angeles, enquanto o Congresso tesourava o Orçamento. Deu um bolo danado.

A força do ronco

Antes do ronco da rua, o projeto do governo que destinava dinheiro do pré-sal para a Educação limitava-se a 75% dos lucros que o Tesouro obtivesse com aplicações de recursos. Era coisa de R$ 25,8 bilhões.

Com o ronco, a Câmara dos Deputados fez com que a percentagem incidisse sobre todo o lucro do Tesouro, o que decuplicou o investimento em Educação, para R$ 285 bilhões.

Drª Juliana

Tudo o que está publicado neste espaço é de pouca valia se for comparado com o texto "O dia em que a presidenta Dilma em dez minutos cuspiu no rosto de 370.000 médicos brasileiros”, da cirurgiã carioca Juliana Mynssen. O título é um pouco forte, mas é dela e permite achá-lo na rede.

Apropriação indébita - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 30/06

Quando o presidente do Senado – alvo de processo no Supremo Tribunal Federal por peculato, falsidade ideológica e uso de documentos falsos – posa como um dos principais condutores do processo de ouvidoria das ruas que reclamam, entre outras coisas, por uma trava da corrupção, há uma patente dissonância entre as mensagens e a confiabilidade dos candidatos a mensageiros.

O senador Renan Calheiros, suas suspeitas circunstâncias e a insensibilidade do Senado ao reconduzi-lo à presidência, são componentes da bomba que explodiu em forma de exaustão. As excelências seguem tentando ignorar essa evidência; por cinismo ou impossibilidade de questionar institucionalmente um papel cuja legitimidade a Casa conferiu a ele, não importa.

Fato é que Calheiros no papel de arauto das ruas é o retrato resumido e invertido de todos os que agora reagem como se não tivessem nada a ver com a mensagem, tentando fazer bonito sem reconhecer tudo o que fizeram de feio nem se dispor a garantir que daqui para frente tudo vai ser diferente.

O senador é apenas parte do cenário de desfaçatez e apropriação indevida dos reclamos. Nele atua um elenco enorme no Legislativo com seus atos secretos e convivência cordial com processados, investigados e condenados; no Executivo, com catequese ufanista e exuberante ineficiência emoldurada por 39 ministérios.

Esses atores contaram com a passividade da sociedade que realmente parecia eterna, incurável e contagiosa. Quando a massa resolveu mudar o tom da conversa de maneira contagiante, transformaram-se todos subitamente em porta-bandeiras dos avanços como se não fossem eles mesmos os mestres-salas do atraso.

O Judiciário, a despeito de suas deformações sobre as quais dão notícia privilégios corporativos e maus serviços prestados no dia a dia, merece ressalva na figura do Supremo Tribunal Federal.

Foi o primeiro a perceber que era preciso abrir os ouvidos às demandas da sociedade e por isso foi acusado pelos mesmos engenheiros de obra feita de agora, de praticar ativismo indevido e usurpar poderes dos Poderes inativos. Demorou, é verdade, mas deu uma resposta efetiva ao não permitir mais protelações na execução da pena do deputado Natan Donadon.

As demais providências – pactos, cancelamentos de reajustes, anúncios de investimentos, endurecimento de leis e um plebiscito sem fio terra – por ora são terrenos vendidos em paraíso imaginário. Produtos de uma hiperatividade de ocasião.

E até que se corrijam falhas, se reconheçam erros cometidos e se firme um compromisso em torno de procedimentos totalmente diferentes, não merecem credibilidade. Tanto soam oportunistas esses valentes soldados de causas até então solenemente ignoradas, que não há disposição de trégua à vista.

O governador Eduardo Campos, de Pernambuco, fez esse alerta. Não atraiu muita atenção e ficou perdido em meio a declarações e reações desencontradas de autoridades que, conforme apontou, ainda atuam no modo analógico enquanto a sociedade já opera “no sistema digital”.

É um aviso importante para todas as forças políticas, de governo e de oposição: pegar carona nos movimentos não será suficiente para que nenhuma delas consiga capitalizar eleitoralmente o descontentamento.

Casa de Irene

A presidente Dilma Rousseff recebe amanhã oposição para discutir o momento. Como gesto, vale o simbolismo. Do ponto de vista objetivo, efeito nenhum, pois o problema do governo não está do lado de fora, mas dentro da própria casa de onde partem as críticas mais ácidas, vicejam aflições represadas e dilu­em-se os receios de contestação na proporção direta da perda do capital político, hoje dependente do imponderável.

Dilma dilapidou sua herança - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 30/06

Desprestígio das instituições públicas e privadas no Brasil deu um salto da eleição para os anos seguintes


Nos anos Dilma Rousseff, despencou a confiança dos brasileiros nas instituições (públicas e também privadas).

É o que mostra o "13º Barômetro Edelman de Confiança", elaborado pela Edelman, considerada a maior firma de relações públicas do mundo, presente em 66 países (Brasil inclusive) com 4.500 empregados.

Na pesquisa publicada em 2011, mas feita em 2010, o ano em que Dilma se elegeu e o Brasil cresceu espetaculares 7,5%, os brasileiros estavam no topo dos que confiavam nas suas instituições, entre os 26 países em que o levantamento é feita anualmente. A pontuação brasileira era de 80 em 100, quando a média geral não passava de 55.

No ano seguinte, o primeiro de Dilma, o Brasil passou a ser o 14º, abaixo da metade da tabela, portanto, com uma queda espetacular de quase 30 pontos (de 80 passou para 51). Em vez de bem acima da média, ficou exatamente nela, que foi de 51 pontos.

Na pesquisa deste ano, mas feita em outubro passado, a posição brasileira melhorou algo: passou a ser o 12º colocado com 55 pontos, abaixo da média, que subiu para 57.

É razoável suspeitar que esses números ajudam a entender os protestos deste junho. Como perderam rapidamente a confiança nas instituições, os brasileiros saíram às ruas. A desconfiança nas instituições, de resto, aparece com clareza em outra pesquisa, esta do Datafolha, feita logo após o início dos protestos e que mostra o desprestígio de todas as instituições públicas (Parlamento, Executivo, partidos políticos).

Pena que o Datafolha não tenha pesquisado o prestígio (ou falta dele) do setor privado.

Se serve de consolo para Dilma e os demais atores políticos e empresariais brasileiros, registre-se que o desencanto não é uma jabuticaba, que só existe no Brasil. É disseminado pelo mundo ou ao menos pelos 26 países que a Edelman analisou.

"Menos de um de cada cinco consultados acredita que um líder empresarial ou governamental responderia realmente a verdade quando confrontado com uma questão difícil", diz o relatório.

Dramático, não? Posto de outra forma, significa dizer que mais de 80% do público nos 26 principais países do planeta acha que seus líderes mentem quando a coisa aperta.

Era inescapável dar como título da pesquisa 2013 a expressão "Crise de Liderança". É exatamente o que o mundo está enfrentando já faz algum tempo.

Choca verificar que, mesmo nesta era de capitalismo descontrolado, é algo maior a confiança nos homens de negócio do que nas instituições oficiais. São 18% os que acreditam que líderes empresariais dirão a verdade mesmo diante de questões críticas. Mas apenas 13% acham que os líderes políticos fariam o mesmo.

Repete-se a situação quando a pergunta é sobre a capacidade de tomar decisões éticas e morais: os empresários são capazes para 19% dos consultados, ao passo que apenas 14% acham que os homens públicos têm idêntica predisposição.

Alguma surpresa com o fato de que movimentos maciços de protesto venham se espalhando pelo mundo?

A miséria do nacional-estatismo - SERGIO FAUSTO

O ESTADO DE S. PAULO - 30/06
É preciso aprender com a História, inclusive a recente.
Duas das experiências internacionais enaltecidas pelo nacional-estatismo brasileiro ao longo da última década enveredam por caminhos cada vez mais sombrios. Falo da Rússia e da Argentina.

O elogio partia de uma premissa verdadeira - sim, os governos de Boris Yeltsine Carlos Menem terminaram em desastre, num misto de "fundamentalismo de mercado" com "capitalismo de compadrio"- para chegar à conclusão falsa de que nos governos de Vladimir Putin e do casal Kirchner, respectivamente, se estavam erguendo boas alternativas ao capitalismo liberal.

Os descaminhos a que esses países estão sendo conduzidos eram relativamente previsíveis. Não, porém, para aqueles que encontram refúgio na idealização do nacionalismo e do "Estado forte". Na sua versão mais autoritária, o nacional-estatismo produz uma dupla distorção. A nação, no lugar de ser entendida como expressão plural e soberana de seus cidadãos, é reduzida à vontade do Estado, instrumentalizada por grupos que controlam o governo. Assim, o nacionalismo converte se em ideologia para excluir os opositores como antipatriotas, ao passo que o Estado deixa de zelar pela esfera pública para se transformar em ferramenta de poder dos ocupantes circunstanciais do governo.

Em seu afã de crítica ao capitalismo liberal,o"desenvolvimentismo "brasileiro não raro se deixa cegar pela fascinação nacional-estatista. Dessa maneira, confunde-se a justa crítica ao "fundamentalismo de mercado" com o rechaço em bloco ao liberalismo político e econômico clássico, base necessária,embora não suficiente, do pensamento e da experiência democrática contemporânea.

Na Rússia, onde Putin se elegeu pela segunda vez para a Presidência, depois de um intervalo de quatro anos como primeiro-ministro, o nacionalismo laico juntou-se ao tradicionalismo religioso para sufocar os espaços de autonomia e contestação da sociedade civil russa. A santa aliança entre o Kremlin e a Igreja Ortodoxa promove ataque sistemático às liberdades civis no país. O mais recente é o Projeto de Lei - indisfarçavelmente homofóbico - que define como crime a promoção de "relações amorosas não tradicionais" entre crianças e jovens. Sua aprovação é tida como líquida e certa, pois o Partido Rússia Unida, de Putin, conta com maioria parlamentar,resultante de eleições consideradas fraudulentas. A iniciativa surge na sequência do processo que levou à prisão as integrantes da banda Pussy Riot, acusadas de desrespeito a símbolos patrióticos e eclesiais.

A liberdade de imprensa é outra das maiores vítimas. As seis principais cadeias de televisão estão em mãos do governo ou de seus prepostos. Avolumasse os processos contra jornalistas e veículos da mídia independente, que não encontram num Poder Judiciário garroteado proteção contra as arbitrariedades oficiais. Para a criminalização recorrente de indivíduos e organizações da sociedade civil o governo acusa-os de "agentes de potências externas e interesses estrangeiros".

O núcleo de poder no governo de Putin é formado pelo serviço de inteligência e por uma nova geração de oligarcas que substitui a que emergiu com as privatizações "selvagens" de Boris Yeltsin. Putin livrou-se daquela oligarquia encarcerando ou forçando ao exílio os seus membros mais recalcitrantes.

Não o fez para sanear o país, mas para se apropriar de suas empresas e abrir espaço para uma nova burguesia, desta vez umbilicalmente ligada ao Estado e ao seu poder pessoal.

A recuperação da economia, favorecida pelos preços altos do petróleo e do gás natural nos mercados internacionais, e a retomada do orgulho nacional ferido pelo colapso da União Soviética e pelos anos caóticos de Boris Yeltsin asseguraram a Putin, até recentemente, elevada popularidade.

O quadro, porém, está mudando. Com a desaceleração do crescimento, a explosão das desigualdades sociais, a inconformidade social cada vez maior com os privilégios e a corrupção que campeiam na nova burguesia estatal, a conservação do status quo passa a depender de doses crescentes de repressão política e fraude eleitoral, preço que Putin parece disposto a pagar para se manter no poder.

Mutatis mutandis, também na Argentina a manipulação do nacionalismo vem sendo utilizada intensamente pelos governos Kirchner para permitir que um grupo político se apodere do Estado e para justificar um ataque sistemático e deliberado não apenas às oposições, mas a quaisquer instituições que ousem pôr freio nos desígnios e propósitos oficiais. Claro, na Argentina a manipulação nacionalista tem marcas diferentes das características que assume na Rússia. Na primeira, apela à raiz popular do peronismo. Na segunda, à nostalgia de um passado imperial e ao sentimento presente de uma potência militar acossada. Mas há um traço comum: tanto lá como cá, a ideologia nacional-estatista é empregada para justificar a apropriação do Estado por grupos políticos determinados, o manejo discricionário das políticas e das instituições públicas e a asfixia da sociedade civil e das oposições.

A não compreensão das afinidades eletivas entre dirigismo estatal, manipulação nacionalista e autoritarismo - comprovadas pela frequência histórica com que esses três fenômenos surgem associados, reforçando se mutuamente - explica por que certa corrente crítica ao capitalismo liberal namora o pensamento antidemocrático, quando não se a casala integralmente com ele. Num nível mais concreto, ajuda a entender também por que expoentes do "desenvolvimentismo" brasileiro -como Luiz Carlos Bresser-Pereira, a quem sobram credenciais democráticas - se tenham deixado seduzir pelos governos de Vladimir Putin e Cristina Kirchner, ensaiando só agora crítica tardia e insuficiente.


O favorito - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 30/06

Dilma Rousseff teve uma queda expressiva na pesquisa Datafolha até entre os eleitores petistas, mas os números mostram que Lula pode ser capaz de segurar a sangria de votos em 2014. A presidente caiu de 71% para 53% no grupo que apontou o PT como partido preferido, mas Lula se manteve estável, com 75%. Quando o ex-presidente está no cenário, Marina Silva e Joaquim Barbosa quase não crescem, mas ganham votos entre eleitores petistas quando a candidata é Dilma.

Salvação Os eleitores que classificam o atual governo como ruim ou péssimo também admitem a volta de Lula. Nesse recorte, o ex-presidente lidera a sondagem com 26%, quase estável em relação à pesquisa anterior.

Na base Lula também impede o crescimento de adversários na faixa de renda mais baixa, de até 2 salários mínimos. Ele cai 7 pontos no cenário mais provável, enquanto Dilma perde 20 pontos.

Em frente Dilma só tem desempenho semelhante ao de Lula no grupo de entrevistados que dizem que ela faz um bom governo. Ambos atingem 69% das intenções de voto nesse recorte.

Meu bolso Eleitores mais ricos dizem que Aécio Neves (PSDB) está preparado para administrar a economia. Na faixa de renda superior a 10 salários, ele é citado por 21% dos entrevistados nesse quesito, empatado com Lula.

Minha rua Esse grupo mais abonado, porém, escolhe Joaquim Barbosa para lidar com os protestos. O presidente do STF é mencionado por 27% dos eleitores, contra 24% de Lula e 12% de Aécio.

Muita calma Chamado ao Palácio do Alvorada pela manhã, o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) diz que a Dilma vai insistir no plebiscito da reforma política, "que ficou mais importante agora". Para 68% dos eleitores, a presidente agiu bem ao apresentar a proposta.

Fôlego Já os adversários em potencial de Dilma avaliam que o derretimento de sua avaliação se deve ao fato de que ela não tem "entregas" a fazer na reta final de governo. Comparam sua queda com a de FHC, mas lembram que ele foi abatido no fim do segundo mandato.

Rumo próprio O governador pernambucano Eduardo Campos fará amanhã, em Recife, uma reunião do PSB para debater a reforma política. Pretende, assim, debelar divisão interna e deixar claro que a sigla não será linha auxiliar do PT nessa discussão.

Sem clima Após a explosão dos protestos em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad decidiu adiar uma campanha publicitária que seria lançada pela SPTuris, batizada de "Alma Paulistana'', para mostrar os lugares que são a cara da capital.

Catraca Em consonância com as ruas, Haddad encomendou à agência Nova SB uma propaganda de utilidade pública sobre transporte, mostrando números de corredores e faixas exclusivas de ônibus, entre outros dados.

Puxadinho Recém-nomeado secretário-adjunto da extinta pasta de Desenvolvimento Metropolitano em São Paulo, Gilberto Nascimento Júnior discutirá amanhã com Geraldo Alckmin novo espaço para o PSC.

Dízimo Reservadamente, dirigentes da sigla cristã dizem que só manterão o apoio à reeleição do tucano se receberem posto equivalente.

Desmanche Soninha (PPS), ex-superintendente da Sutaco, desdenhou da economia que Alckmin fará com o fechamento da autarquia: "Não tem o que vender! Só tinha uma Kombi velha e um Palio caindo aos pedaços."

Tiroteio
O PT apoiou a PEC 01, depois ficou contra e agora não quer a votação. Meu diagnóstico é de transtorno de ideologia bipolar.
DO DEPUTADO ESTADUAL CARLOS BEZERRA (PSDB), ao explicar que seu partido sempre rejeitou o projeto que tira poderes de promotores em São Paulo.

Contraponto


Barulho por nada
Antes da reunião das centrais sindicais com Dilma Rousseff, na semana passada, o deputado e sindicalista Paulinho da Força (PDT-SP) pediu para usar o banheiro que fica ao lado do gabinete presidencial. O segurança do Palácio do Planalto disse que não seria possível.

-A presidenta não gosta que usem este banheiro. A descarga faz muito barulho e ela fica irritada. É melhor você ir até outro andar - explicou.

Paulinho, crítico contumaz de Dilma, rebateu:

-É bom você começar a se acostumar. Com tantos protestos nas ruas, ela vai ficar irritada por um bom tempo!