quarta-feira, junho 05, 2013

O direito de tirar sarro - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 05/06

As pessoas sonham em ser famosas, sem perceber o tamanho da encrenca. O Neymar, por exemplo. Por ser um fazedor de gols, ganhou muito dinheiro, o que é ótimo, e também ganhou fama, que nem tanto. A fama não permite que você seja apenas aquilo que sonhava: no caso dele, um craque. Você passa a ser considerado um exemplo de magnanimidade e a ter todas as suas ações julgadas.

Pois o Neymar, coitado, que drible esta: mal colocou os pés em Barcelona, o Observatório contra a Homofobia da Espanha pediu que o jogador se desculpasse por causa de um comercial gravado para uma empresa de roupa íntima, em que ele aparece de cueca ao fundo de uma loja, se exibe para as garotas, mas foge quando aparece um cliente grandão. Foi considerada uma atitude homofóbica. Tudo agora é homofóbico. O Neymar gosta de mulher, não de homem, quem não sabe? Se amanhã aparecer um comercial mostrando um gay fazendo cara de nojo para a Gisele Bündchen, será que não acharemos graça? Será o caso de nos sentirmos ofendidos também?

Compreendo que está em curso uma luta ainda nova, difícil e que precisa se fortalecer com o combate a todas as reações culturais impregnadas na sociedade e que limitam os direitos dos cidadãos homossexuais. O movimento tem em mim uma aliada: não faço nenhuma restrição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e inclusive apoio a adoção – como alguém pode acreditar que uma criança viverá melhor num orfanato do que dentro de um lar, sendo amada por duas pessoas que a escolheram?

No entanto, há que se deixar um espaço para vazar o que não é violento, o que não é repressor, e sim uma manifestação saudável de preferência, senão viveremos uma caça às bruxas às avessas. Os héteros não podem agora se sentir constrangidos por valorizarem o sexo oposto em detrimento do seu, ainda mais quando se trata de uma situação claramente bem-humorada, sem depreciar ninguém. Me vem à lembrança aquele episódio da Porta dos Fundos, programa cômico veiculado na internet, em que um atendente de uma loja de conveniências desestimula uma freguesa a procurar seu nome na lata de refrigerante, já que os disponíveis são Patricia, Renata, Mariana...

O dela, Kellen, tsk, tsk,sem chance. Quem não assistiu talvez fique horrorizado. Que preconceito! Pois assista no YouTube, divirta-se com a sinceridade atrevida do personagem e entenda que não ganhamos nada com o paternalismo que confunde galhofa com ofensa, ou pegação de pé com bullying. Se engessarmos as possibilidades de riso que as diferenças ofertam, viraremos uma sociedade extremista na defesa do igualitário e asfixiada pelo politicamente correto, essa chatice que caiu nas graças de quem não a tem.

Cuidado, Neymar - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 05/06

Não foi acaso nem cortesia o discurso de Neymar, na chegada ao Barcelona, assumindo o posto de coadjuvante do craque Messi. Nos bastidores do clube, comenta-se que o argentino, mimado, “queima” todos que tentam brilhar como ele no time.

Teria sido assim com Ibrahimovic, hoje no Paris Saint-Germain, e com David Villa, que está de saída do Barça.

Segue...
Um radialista catalão garantiu ao coleguinha Marcelo Barreto, do Sportv, ter ouvido do ex-técnico do clube Pep Guardiola: no primeiro drible de Neymar que ganhar aplausos da torcida, o Messi vai começar a torcer o nariz para ele.

A conferir.

Foi bom enquanto durou
Danuza Leão, depois de 12 anos como colunista, deixou a “Folha de S.Paulo” ontem. Segundo ela, a saída tem a ver com cortes no jornal.

A querida escritora reagiu bem.

— Já estava na hora de dar um tempo neste casamento. Eu não tinha coragem. O jornal acabou resolvendo um problema meu.

Alô, alô...
No monólogo “Sexo, drogas & rock’n’roll”, Bruno Mazzeo faz um roqueiro que, lá pelas tantas, agradece a TIM pelo envio de celulares para os índios da Amazônia:

— Não que a TIM vá pegar na Amazônia, mas tudo bem, não pega em lugar nenhum mesmo.

A plateia delira.

Deve ser terrível...
Uma carioca de férias foi ao parque Magic Kingdom, na Disney, no último fim de semana. Tentou entrar nas atrações “Splash mountain”,

“Haunted mansion” e “Pirates of the Caribbean”, mas elas... deram pane. Imagina na Copa.

O homem do BMG
O banqueiro Flávio Pentagna Guimarães terá R$ 382.193.670,42 bloqueados por ordem da juíza Márcia Cunha, da 2ª Vara Empresarial do Rio.

O dinheiro será usado para ressarcir dívidas de uma ação movida pela indústria têxtil Ferreira Guimarães.

Segue...
Flávio vem a ser um dos mais conhecidos empresários mineiros.

O seu BMG, que patrocina muitos clubes brasileiros, andou enrolado no caso do mensalão.

De volta para casa
Sexta passada, a Polícia Federal mandou de volta ao seu país quatro passageiros ingleses, do voo Londres-Rio, BA 249, da British Airways, que desembarcaram no Tom Jobim.

É que a PF recebeu queixa de um casal, comprovada por várias pessoas do voo, de que os quatro ficaram embriagados e passaram a gritar, cantar e xingar os outros passageiros. Os bobões também passaram a viagem empurrando a poltrona de um brasileiro. Tudo com o consentimento da tripulação.

Teló de saias
Sabe Anitta, a nova funkeira do Rio?

Sua música “Show das poderosas” está tocando em várias casas em Paris. Ontem, a canção tocava no Aeroporto Charles de Gaulle.

Um trechinho...
Diz assim: “Prepara que agora/É a hora do show das poderosas/Que descem, rebolam/E afrontam as fogosas/Só as que incomodam/Expulsam as invejosas/Que ficam de cara quando toca: Prepara!”

Morro do Bumba
O juiz Luiz Fernando Pinto condenou a prefeitura de Niterói a pagar R$ 600 mil e pensão de um salário mínimo a uma ex-moradora do Morro do Bumba, Luanda Ferreira Gama, e aos filhos dela.

Ela era companheira de Reginaldo Vicente, 36 anos, cujo corpo desapareceu, segundo o advogado João Tancredo, na tragédia do Morro do Bumba, em 2010.

Fecha a porta
O bar Toca do Siri, inaugurado há um ano no Leblon, na Zona Sul do Rio, vai fechar as portas.

Não aguentou o reajuste do aluguel.

Pérola na Câmara
Do vereador do Rio S. Ferraz, ontem, no plenário da Câmara, ao falar da polêmica sobre os coletivos que o Rio Ônibus empresta aos vereadores.

— Motorista de ônibus é um homem comum... ele fuma, bebe, cheira, bate na mulher, tem três mulheres...

Há controvérsias.

O futebol como filosofia - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 05/06

O jogo é um modelo da vida. Ele exige temporadas, palcos, equipamentos (mesas, baralhos, dados, roletas, bolas, uniformes, redes, tacos) e regras de modo a garantir uma atenção apaixonada. E, como tem inicio, meio e fim, o jogo reduz contra a indiferença da vida. Com isso fazem com que meros passantes possam posar de campeões. O domingo pode não ter mesa farta, mas tem o jogo de Brasil com sua pompa e resplendores de esperança. Os jogos são uma das passagens secretas que permitem escapar de nós mesmos.

Dentre os esportes modernos, o futebol praticado no Brasil é certamente o mais denso. Simoni Lahud Guedes, uma estudiosa pioneira do futebol, sugere que ele seria uma tela sobre a qual projetamos nossas indagações. Nascido na Inglaterra industrial dos 1860, o futebol ganhou regras fixas e, desde então, ele tem sido o sujeito predileto de intensas projeções simbólicas em todo o planeta.

No Brasil, ele acordou reações. Embora tivesse a chancela colonial de tudo o que vinha de fora e da poderosa Inglaterra, era uma atividade desconhecida. Um “esporte” (uma disputa governada por normas e pela necessidade imperiosa de saber vencer e perder), algo inusitado num Brasil que conhecia duelos e brigas que sempre acabavam mal.

Ademais, exercícios físicos e banhos frios não faziam parte da prática nacional. Entre nós, a barriguinha sempre foi prova de riqueza e da imobilidade física — expressiva do ideal de imobilidade social. Como receber essa inovação marcada pela disputa física veloz e igualitária, na qual perder e ganhar são — como na democracia — parte de sua estrutura? Onde encontrar um lugar para um jogo livre das restrições aristocráticas do nome de família, da cor da pele, e da “aparência”. Esse marco com o qual convivemos até hoje no Brasil?

O futebol sofreu muitos ataques em nome de um nacionalismo que se pensava frágil como porcelana. E, no entanto, como estamos vendo nessas vésperas de Copas, canibalizamos e digerimos o foot-ball, roubando-o dos ingleses. Hoje, há um estilo brasileiro de jogar e produzir esse esporte.

De quinta coluna capaz de desvirtuar, ao lado da música e do cinema americanos, o estilo de vida e a língua pátria, o futebol acabou servindo como um instrumento básico de reflexão sobre o Brasil, conforme eu mesmo assinalei no livro “Universo do futebol”, no qual, em 1982, agrupei um conjunto de ensaios socioantropológicos de colegas sobre esse esporte. Em 2006, no livro “A bola corre mais que os homens”, reuni trabalhos nos quais apresentava uma saída para o dilema do esporte como alienação ou consciência do mundo insistindo como, no Brasil, o sucesso futebolístico foi o nosso primeiro instrumento de autoestima diante dos países “adiantados” e inatingíveis. O futebol foi o alento de um Brasil que se concebia como doente pela mistura de raças e que, até hoje, tem problemas em conviver consigo mesmo. Ele é a garantia do recomeço honrado na derrota e do gozo sem arrogância e corrupção na vitória.

Como prova do imprevisível destino das coisa sociais, o futebol não veio confirmar a dominação colonial. Pelo contrário, ele nos fez colonizadores e, mais que isso, filósofos por meio de toda uma literatura que a partir de Nelson Rodrigues, Jacinto de Thormes (Maneco Muller), José Lins do Rego e Armando Nogueira, entre outros, nos permitiu articular uma leitura positiva do mundo.

Literatura? Não seria um exagero? Digo que não e vou mais longe para acrescentar: o futebol criou entre nós uma filosofia, uma antropologia e uma teologia. O seu maior papel foi, como eu disse algumas vezes, o de ensinar democracia. Foi revelar com todas as letras que não se ganha sempre e que o mundo é instável como uma bola.. Perder e vencer, ensina o futebol, fazem parte de uma mesma moeda.

Nelson Rodrigues fala de jogos bíblicos, do mesmo modo que nos abre a uma metafísica quando associa jogos e craques a destinos fechados ou ao afirmar que já no começo do mundo aquele gol seria perdido. Sua condenação da “objetividade burra” é uma a critica aguda de um senso-comum hierarquizado e aristocrático que tenta tornar a própria vida algo oficial, possuída pelo Estado.

Por outro lado, sua antropologia inaugura uma neoaristocracia nativa insonhável de negros e mestiços que deixam de ser híbridos enfermiços e passam — tal como ocorreu no jazz de uns Estados Unidos segregados — a príncipes, duques, condes e reis, apesar de nossos desejos inconfessáveis de fracasso. A sub-raça envenenada dos que queriam curar o Brasil tornou-se a meta-raça que, driblando os nossos sub-sociólogos — esses cartolas acadêmicos —, nos brindou com cinco Copas do Mundo. “A pátria de chuteiras” abria um novo espaço para esse futebol não branco, permitindo a países como o Brasil uma redefinição, inclusive a muito mais abrangente e sem preconceitos, de suas identidades nacionais.

Neymar! Agora é "tóis" no Barça! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 05/06

E adoro quando os colunistas políticos falam "articulação política". Ou seja, solta a grana! Rarará!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Adorei o Neymar se apresentando no Barcelona: todo arrumadinho, com o topete lambido pela vaca e o brinquinho da Marquezine. Bonitinho! Parecia o primeiro da classe!

E sabe o que ele falou em catalão? "É tóiss, mano. Agora é tóis no Barça." E 50 mil pessoas no estádio numa segunda-feira à tarde são a prova do desemprego na Espanha!

Aliás, com essa crise, acho que vão pedir dinheiro emprestado pro Neymar. Dá-me euros!

E o site Futirinhas disse que o Neymar foi vendido pelo mesmo valor de um Boeing 737, R$ 74 milhões. "E olha que o Futirinhas só caiu 15 vezes." Rarará!

E agora o Santos vai ter que procurar 11 atacantes pra substituir o Neymar e um técnico. O Esmoreci foi demitido. Sorte dele. Rarará!

E avisa pro Neymar que a Catalunha não fica na Espanha. Um dia, em Barcelona, estava comendo uma paella, quando falei pra mulher ao lado: "A melhor paella da Espanha". E ela: "Da Espanha, no, no! Da Catalunha!".

E esta manchete de todo ano desde 1500, quando Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil: "O PMDB se rebela". E bota fogo no colchão? E bate a caneca na grade: queremos dinheiro! Sabe o que quer dizer PMDB? Pegamos Ministério de Baciada.

O PMDB exige 300 toalhas brancas, frigobar lotado, dez caixas de Moët & Chandon, uma cesta de frutas exóticas, o cargo de pipoqueiro da praça dos Três Poderes e indicação para três filhos para o "BBB 14"!

E vendo tudo isso agora eu entendo, não aprovo mas entendo, por que teve o mensalão! Rarará!

E adoro quando os colunistas políticos falam "articulação política". Ou seja, solta a grana! "Dilma não tem articulação política". Tradução: Dilma não quer soltar a grana.

"Congresso exige R$ 1 bilhão em emendas." Tradução: mensalão. Rarará!

Agora eu entendo, não aprovo mas entendo, por que teve o mensalão! É mole? É mole, mas sobe!

Os Predestinados! Uma leitora me mandou a foto de Chapecó, Santa Catarina: Centro Cirúrgico Rafael de Almeida Tirapelle!

E uma outra leitora me mandou a foto do livro "A Arte de Viver Feliz", por Frei Ancelmo Fracasso. Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Discussões ideológicas - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 05/06

A seleção dominou a partida e trocou mais passes porque a Inglaterra deu o domínio do jogo


O novo Maracanã acirrou antigas disputas ideológicas, entre os que estão revoltados com a total descaracterização do estádio, chamados, de uma maneira pejorativa, de saudosistas, e os modernistas, apaixonados pelo novo.

Os saudosistas, chamados, pelos modernistas, de viúvas do antigo Maracanã, são contra também a elitização do futebol em todo o Brasil, os preços excessivos dos ingressos, o superfaturamento dos estádios, a ausência dos "geraldinos" e dos mais pobres e a mudança no hábito da torcida, mais comportada.

Do outro lado, os modernistas acham que é essencial a elitização --não usam essa palavra para não soarem arrogantes-- para diminuir a violência e melhorar o futebol, como foi na Inglaterra. Os saudosistas falam que os modernistas são mandados por seus patrões, parceiros dos novos donos do futebol.

Não tenho nada contra a modernidade, contra a transformação do Maracanã nem contra ingressos mais caros para quem quer mordomia. Minha indignação, a mesma dos chamados de saudosistas, é com a ausência de preços acessíveis para os mais pobres, com conforto e segurança, com a destruição de várias coisas importantes em volta do Maracanã, para atender à Fifa, com o absurdo custo da reforma do estádio (R$ 1,2 bilhão) e com a falta de transparência e gastos excessivos e nebulosos para a realização da Copa do Mundo.

Passo para o campo. Como minha expectativa era pequena, a seleção foi melhor do que eu esperava, facilitada pela atitude inglesa, de marcar muito atrás, com uma linha de quatro defensores e outra de cinco, sem pressionar os armadores brasileiros. A Inglaterra, para tentar contra-atacar, deu o domínio do jogo para o Brasil.

No segundo tempo, logo após sofrer o gol, os ingleses mudaram de atitude e fizeram dois. O gol de Rooney foi uma repetição dos de Balotelli, pela Itália, e de Messi, pela Argentina, ambos contra o Brasil. Os defensores assistiram aos atacantes conduzirem a bola, até próximo à área, para finalizar.

A seleção piorou também por causa da saída de Luiz Gustavo. Ele marca melhor que Hernanes e tem o passe mais rápido e mais para a frente. Isso é importante para a posição. Hernanes se destaca por lances individuais. Ele demora demais com a bola. Dá tempo para a defesa se posicionar.

Neymar foi novamente discreto, pela grandeza de seu talento. Muitos acham que ele não vai se dar bem no Barcelona, porque dribla muito, e o time troca muitos passes. Penso diferente. O Barcelona precisa de quem dribla, no momento certo, quando estiver mais adiantado, pela esquerda e contra apenas um marcador. Quando voltar para receber a bola, terá de trocar passes mais rapidamente. Isso é fácil de aprender. Até Pedro, Villa, Sanchez e Tello fazem bem.

A questão indígena - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 05/06


O conflito provocado pelos índios terena com a invasão da Fazenda Buriti, no município sul-mato-grossense de Sidrolândia - que no dia 31 provocou a morte de um dos invasores em circunstâncias ainda não devidamente esclarecidas -, começa a alastrar-se por todo o País e tende a agravar-se de maneira imprevisível. Já são mais de 60 as propriedades rurais ocupadas. Estimulado pela repercussão do episódio, um grupo de 20 índios caingangue ocupou na segunda-feira a sede do Partido dos Trabalhadores (PT) em Curitiba, exigindo serem recebidos em Brasília para tratar da demarcação de terras no Paraná. Houve manifestações de protestos de indígenas também em Seara (SC) e em Paranaguá (PR).

Nada disso é novidade. Os indígenas repetem a radicalização, na forma da criação de fatos consumados, invariavelmente ao arrepio da lei, que o Movimento dos Sem-Terra praticou durante todo o governo Lula, sob o olhar complacente e, frequentemente, o estímulo do então chefe do governo. Os lamentáveis episódios de agora, portanto, são fruto do populismo irresponsável que há mais de 12 anos desmoraliza as instituições democráticas, disseminando a crença de que a lei - ora, a lei - só deve ser respeitada quando convém a um difuso "interesse social" habilmente manipulado pelos poderosos de turno.

A triste realidade ilustrada pela disputa por uma terra que uma hesitante Justiça não consegue decidir a quem pertence é o resultado da incapacidade ou falta de coragem do Executivo de conduzir politicamente o conflito, de modo a criar as bases técnicas e legais de um entendimento que possibilite a acomodação dos interesses em choque - de um lado, os da população indígena, e de outro, o dos produtores rurais.

No centro do conflito, a Fundação Nacional do Índio (Funai), perdida entre a antropologia e a ideologia, tem seu trabalho contestado pelos produtores rurais e as associações que os representam, e defendido pelos "progressistas", pela CNBB e pela Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Percebendo a vulnerabilidade do órgão responsável pela coordenação da política indigenista, o governo defende agora a ampliação do elenco dos responsáveis pela formulação dessa política - e recebe críticas de quem não quer que as coisas mudem.

"As soluções existem, falta decisão política", é a opinião insuspeita do senador petista Delcídio Amaral, que tem participado de reuniões sobre o assunto no Palácio do Planalto e garante que "não foi por falta de aviso" que se criou o atual impasse a partir da ocupação da Fazenda Buriti.

A opinião do senador petista é compartilhada pelo presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, para quem a ausência de vontade política do governo federal "é determinante" para a falta de uma solução para o conflito. Por sua vez, a Confederação Nacional da Agricultura e Agropecuária (CNA) entende que "é mais do que hora de o governo federal suspender o processo de demarcação de terras indígenas, conduzido de modo arbitrário, e frequentemente ilegal, pela Funai, e aguardar que o STF estabeleça em definitivo o regime jurídico de demarcações de terras indígenas no País".

A evidenciar a incapacidade do governo de tratar competentemente a questão indigenista está o fato de que o conflito de Sidrolândia se arrasta há 13 anos, ao longo dos quais, pela ausência de referências sólidas do ponto de vista histórico, antropológico e legal, se alternaram decisões judiciais contraditórias. E é nesse vácuo que a radicalização prospera, de lado a lado, deixando atônita, no meio do tiroteio, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que parece hesitar entre duas prioridades: o cumprimento de seu dever como articuladora política e a viabilização de sua candidatura ao governo do Paraná.

Menos mal que, desde a posse, a presidente Dilma tem evitado escrupulosamente repetir o exemplo de seu antecessor em manifestações públicas de apoio às tropelias de movimentos ditos sociais.

PASSANDO A LIMPO - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 05/06

A Prefeitura de São Paulo vai criar a sua Comissão da Verdade. O projeto de lei que forma um grupo para esclarecer casos ocorridos durante a ditadura militar (1964-1985) na cidade segue para a Câmara Municipal em agosto, após o recesso dos vereadores. O prazo de investigação será, a princípio, de dois anos.

A LIMPO 2
O texto está sendo elaborado na Secretaria de Direitos Humanos. Nas próximas semanas, o titular da pasta, Rogério Sottili, se reunirá com representantes das outras comissões já existentes na cidade para definir as áreas prioritárias de atuação do grupo municipal. O objetivo é evitar coincidências nas apurações. "Estamos atendendo a um pedido recorrente das famílias" de torturados e desaparecidos na ditadura, diz ele.

LUPA
Além da Comissão Nacional da Verdade, criada pelo governo federal, instituições como Câmara Municipal de SP, Assembleia Legislativa, OAB-SP, USP e PUC-SP formaram equipes para pesquisar fatos do período.

FUNIL
Será amanhã a eleição que escolherá, a partir de uma lista sêxtupla da OAB-RJ, os três candidatos a uma vaga de desembargador no TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região). Letícia Mello, filha do ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), foi a segunda mais votada pelos advogados. A escolha final, a partir da lista tríplice indicada pelos magistrados da corte, será de Dilma Rousseff.

ANDANÇA
Beth Carvalho resolveu emprestar sua imagem para a campanha Vozes em Defesa do Direito Autoral, do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição).

"Todo mundo tem que pagar direito autoral para o Ecad, que foi um escritório que nós fundamos há mais de 30 anos para que o compositor recebesse seu direito", pede a cantora.

COZINHA EQUIPADA
Não é só de um fogão para cozinhar nas madrugadas, quando tem fome, que Dilma Rousseff precisava "urgentemente". Está no ar, no site de licitações da Secretaria-Geral da Presidência, um edital que previa a "aquisição de utensílios diversos para cozinha" do Palácio da Alvorada e da Granja do Torto, as residências oficiais da presidente. Total estimado das compras: R$ 139,5 mil.

COZINHA EQUIPADA 2
Entre os itens estão 500 copos "meio cristal" para água, de "acabamento perfeito e bordas totalmente lisas", mil copos "long drink para sucos", pratos de porcelana de "alta qualidade", xícaras, talheres, bandejas de prata, manteigueiras, petisqueiras e até porta-caviar com "base de cristal" e "colher de prata". Há também na lista panelas de pressão, frigideiras e assadeiras.

FÃ DA GLOBO
Dilma revelou há algumas semanas, em uma entrevista ao jornal "O Globo", a falta que ela sentia de um fogão. Na mesma conversa informou que vê e revê novelas da Globo e que também é fã de programas de humor da emissora.

ESCALAÇÃO
A atriz Adriana Lessa estará no elenco da nova temporada da série "Sessão de Terapia", dirigida por Selton Mello, em outubro, no GNT. Será uma advogada que decide engravidar e entra em conflito com o marido.

ESTRADA
A cantora Paula Fernandes gravou música para campanha de prevenção de acidentes, dirigida a caminhoneiros, que o Ministério das Cidades lança amanhã.

COROINHA
O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) posou para a revista "Trip". Em texto inédito, diz que seu comportamento no Congresso carrega marcas do cristianismo. "Com Ele [Jesus Cristo], aprendi a ser um doce bárbaro: oferecer a outra face diante da violência física do oponente e atacá-lo com a violência das palavras."

HAJA PELE
A empresária italiana Silvia Fendi, da Fendi, foi o centro das atenções de jantar, anteontem, no MAM. A grife inaugura a primeira loja no Brasil no shopping Cidade Jardim, de Zeca Auriemo, marido de Mariana Auriemo. A estudante Johanna Stein Birman, a empresária Maythe Birman e a editora de estilo Donata Meirelles compareceram.

CURTO-CIRCUITO
A carnavalesca Rosa Magalhães assina cenários e figurinos do espetáculo de dança "Sagração da Primavera". Estreia em julho, no Theatro Municipal.

Reinaldo Kherlakian faz show beneficente hoje no Palácio dos Bandeirantes.

A Galeria Raquel Arnaud abre hoje exposições de Carlos Nunes e Maria-Carmen Perlingeiro. Às 19h, na Vila Madalena.

A modelo Flavia Lucini, da agência Joy Model, é capa da revista "Modo".

O desconforto - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 05/06

Os líderes do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), e na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), reagiram ao serem excluídos da reunião com a presidente Dilma. Eunício reclamou por telefone. Cunha esteve com Temer antes do encontro. Para amenizar, após a conversa com Dilma, o vice Michel Temer, Henrique Alves e Renan Calheiros combinaram a versão do caráter "institucional".

Desarmar a bomba
A ministra Miriam Belchior (Planejamento) e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, resistem, mas os operadores políticos do governo querem que o Executivo defina um cronograma de liberação de emendas parlamentares. Avaliam que essa é a única forma de impedir que o Congresso aprove o Orçamento Impositivo, que torna obrigatória a execução de todas elas. Alertam que não dá para repetir as recentes votações, quando o governo fez circular a informação de que iria pagar e depois não cumpriu. Até porque o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), elegeu-se dizendo que essa mudança é "inegociável".


"O Orçamento impositivo vai ajudar o Executivo. Vai acabar com esse estresse, essa pressão, essa demanda, que desgasta a relação com o Congresso"
Henrique Alves Presidente da Câmara dos Deputados (PMDB-RN)


Silêncio eloquente
A ministra Eleonora Menicucci de Oliveira (Mulheres) se negou a comentar, ontem, o slogan de campanha do Ministério da Saúde: "Sou feliz sendo prostituta". No Congresso, parlamentares da base protestaram. E não eram feministas.

Esperneou, levou
Para agradar aos aliados, o ministro Guido Mantega (Fazenda) vai antecipar, hoje, as medidas adicionais de apoio às vítimas da seca no Nordeste. O fará para os os presidentes da Câmara, Henrique Alves; do Senado, Renan Calheiros; e para o líder do PMDB, senador Eunício de Oliveira (CE), na foto, que ficou de fora da reunião com a presidente Dilma anteontem.

Plataforma de lançamentos
Depois de três meses, a presidente Dilma vai usar o Planalto para anunciar um elenco de medidas. Ontem, foi o Plano Safra do agronegócio; hoje, Meio Ambiente; amanhã, o Plano Safra da agricultura familiar, e semana que vem tem mais.

A culpa é dos líderes da base
O governo está culpando os líderes da base aliada pelos problemas na votação de medidas provisórias, como a dos Portos. Argumenta que a composição da Comissão Especial, que avalia o conteúdo das MPs, não é representativa da correlação de forças do plenário. Reclama que os líderes só nomeiam para a Comissão aqueles que têm interesses a defender nas propostas.

TCU passa por cima do Congresso
Os ministros do órgão auxiliar do Legislativo se autoconcederam um auxílio-refeição. A regalia, por quem deveria controlar o gasto do dinheiro público, é considerada estranha no Congresso. Os eleitos pelo povo não recebem nem merenda.

Alarme falso
Sobre sua nomeação para cargo na assessoria do vice Michel Temer, o presidente da Fundação Ulysses Guimarães (PMDB), o ex-deputado Eliseu Padilha (RS), diz: "Não estou à procura de emprego. E este seria a minha desmoralização".

O governo Dilma está prometendo, depois da confusão das MPs dos Portos e da Energia, que vai liberar emendas parlamentares neste mês.

FHC no mercado - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 05/06

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, 81 anos, constituiu uma empresa de investimento imobiliário com seus ex-ministros Pedro Parente e Celso Lafer, o historiador Boris Fausto e mais seis sócios. A Sarlat Empreendimentos e Participações Ltda. foi criada em maio, com capital de R$ 1,9 milhão. FHC disse à coluna que aplicou R$ 222,3 mil na empresa porque o rendimento no mercado financeiro é baixo. "É difícil encontrar investimento em renda fixa que dê alguma coisa."

Foco O objetivo da sociedade, segundo FHC, é investir o dinheiro do grupo na construção de um único empreendimento imobiliário, que ainda será escolhido.

Feira... O programa de TV do DEM que será exibido amanhã bate na tecla da alta da inflação, assim como o do PSDB. A propaganda mostra pessoas numa feira livre reclamando dos preços de produtos, entre eles o tomate.

... liberal O DEM também foi a vários canteiros de obras do governo Dilma Rousseff, como a transposição do rio São Francisco, para mostrar que estão inacabadas. Em cada uma delas, carimba: "Prometeu; não entregou''.

Escassez Vieram da Bahia tanto o marqueteiro, José Fernandes, quanto a principal estrela do programa, o prefeito de Salvador, ACM Neto. A governadora Rosalba Ciarlini (RN), com baixa avaliação, não aparece.

Tribuna O ministro Gilmar Mendes admitiu pedido para que o senador Pedro Taques (PDT-MT), a ex-senadora Marina Silva e o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) façam sustentação oral contra o projeto que dificulta a criação de novos partidos. O plenário do STF analisa hoje a liminar que paralisou a tramitação da proposta no Senado.

Recuo tático O diretório paulista do PSDB decidiu ficar afastado da polêmica do acúmulo dos cargos de ministro e vice-governador por Guilherme Afif (PSD).

Banho-maria O deputado estadual Pedro Tobias pediu que a sigla se manifestasse contra a permanência de Afif na vice, mas o presidente da seção paulista, Duarte Nogueira, disse que o partido só vai se pronunciar depois de consultar as bancadas.

Sem-tribo Uma das alternativas estudadas pelo governo federal para a demarcação de terras indígenas é a compra de áreas pela União para os índios ou para pequenos produtores que tiverem de deixar os locais de reservas, nos moldes do que ocorre com a reforma agrária.

Escambo Segundo interlocutores do Planalto, como o governo não pode indenizar índios, porque as terras demarcadas pertencem à União, a ideia seria realizar uma compensação. "A ideia é distensionar a relação. É uma disputa entre pobre e pobre, pequeno contra pequeno'', afirma um auxiliar que acompanha as discussões.

Energético Na visita de Dilma ao Rio Grande do Norte, o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB), pediu um minuto de palmas ininterruptas. "Quero chegar ainda mais forte ao gabinete dela amanhã'', disparou.

De fora Peemedebistas relataram que Ideli Salvatti (Relações Institucionais) telefonou para líderes do partido minutos antes da reunião de Dilma com a cúpula da sigla, anteontem, para saber se ela ocorreria ou não. Ela e Gleisi Hoffmann (Casa Civil) não participaram.

Visita à Folha Fernando Grella Vieira, secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, visitou ontem a Folha, onde foi recebido em almoço. Estava acompanhado de Fábio Santos, assessor de imprensa.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"A contundência de Aloysio Nunes em defesa de Afif não consegue mascarar a realidade: o acúmulo de cargos é uma imoralidade."
DO SECRETÁRIO DE ENERGIA DE SÃO PAULO, JOSÉ ANÍBAL, sobre a posição do senador tucano contra a perda do mandato do vice-governador do Estado.

contraponto


O favorito
Sérgio Cabral telefonou para Dilma Rousseff logo após a nomeação de Guilherme Afif para a Secretaria da Micro e Pequena Empresa. Ao lado do vice-governador Luiz Fernando Pezão, o governador do Rio disse:

--Dilma, o Pezão está aqui arrasado!

Surpresa, a presidente quis saber o motivo. Cabral, ainda tentando manter o tom sério, respondeu:

--Você escolheu um vice-governador e preferiu Afif, que nem fez campanha para você, enquanto o Pezão pediu voto no Estado todo!

A petista percebeu a brincadeira e caiu na risada.

Dez anos de lulopetismo - RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ

O ESTADÃO - 05/06


Passada uma década de exercício do governo pelo Partido dos Trabalhadores (PT), é possível fazer uma avaliação das suas realizações e fracassos, à luz do que os anglo-americanos chamam de "a prova da história".

O Partido dos Trabalhadores chegou ao poder com duas cartas de navegação. Uma, inspirada num modelo social-democrático e elaborada rapidamente por recomendação dos marqueteiros políticos de Lula, tendo sido publicada com o título de Carta ao Povo Brasileiro, ou simplesmente Carta do Recife, em junho de 2002. Outra, datada de dezembro de 2001, é denominada de Carta de Olinda, escrita nos laboratórios da direção do Partido dos Trabalhadores, sob a influência de José Dirceu e com a aprovação de Lula. Nela, a militância do partido deixava claro o modelo de governo que pretendia pôr em prática: um socialismo estatizante inspirado no regime cubano e próximo do ideal bolivariano que Hugo Chávez buscava implantar na Venezuela.

Na Carta ao Povo Brasileiro, elaborada pelos assessores de marketing eleitoral de Lula, sob a coordenação de Antonio Palocci (que logo depois seria ministro da Fazenda do primeiro governo Lula), ficava claro que o candidato petista, caso fosse eleito presidente da República, honraria os contratos internacionais assinados pelo Brasil, manteria o regime democrático de liberdades e de tripartição de poderes, respeitando a Constituição vigente, a rotatividade do poder entre os partidos, bem como a economia de mercado e os marcos da política macroeconômica fixados no Plano Real e implementados nos dois governos social-democráticos de Fernando Henrique Cardoso. Seriam respeitados os tratados internacionais, bem como a gestão democrática da política externa administrada pelo Itamaraty, seguindo a tradição de não intervenção na política interna dos outros países e o convívio pacífico do Brasil com as demais nações. A classe média foi conquistada pela Carta ao Povo Brasileiro.

Contrariamente ao que tinha ocorrido nas eleições presidenciais anteriores (de 1990, 1994 e 1998), a opinião pública deu decisivo apoio ao candidato Lula. Nos seus programas eleitorais anteriores, ele tinha apresentado plataformas inspiradas num modelo de socialismo à maneira cubana, polarizadas pelo marxismo-leninismo. A Carta de Olinda repetia esse modelo. A duplicidade de "cartas de navegação" somente se revelaria à opinião pública após a posse de Lula em 2003, mais concretamente depois da divulgação do affaire do "mensalão", em 2005, e serviria sempre como uma espécie de chantagem do partido sobre a opinião pública, com o governo ameaçando colocar na rua os "movimentos sociais" para efetivar reformas radicais.

O que os petistas procuravam, segundo a Carta de Olinda, era, em primeiro lugar, no terreno econômico, instaurar um sistema produtivo de tipo socialista centrado na intervenção direta do Estado como empresário. Isso implicava a escolha, por cooptação, daqueles empresários que deveriam ser os "campeões de bilheteria" e a aproximação direta do governo com o povão, mediante políticas sociais distribuidoras de renda, mantendo numa espécie de limbo a classe burguesa identificada como inimiga dos pobres. Ponto-chave das políticas sociais petistas foi o programa Bolsa Família. Era a reedição do velho modelo elaborado pelo Marquês de Pombal, na segunda metade do século 18, e que o primeiro-ministro português recomendava pôr em prática no Brasil ao seu sobrinho governador do Maranhão.

Nestes dez anos de governo petista, observa-se que o partido sob o comando do Lula foi se afastando aos poucos do programa social-democrático original expresso na Carta ao Povo Brasileiro para se alinhar com a Carta de Olinda, num crescente fortalecimento do Executivo sobre os demais poderes públicos e com um claro estatismo na área econômica.

O principal programa da área social, o Bolsa Família, se bem beneficiou 50 milhões de brasileiros pobres, tornou-os reféns da dádiva oficial, ao ter ficado em segundo plano a geração de empregos que garantissem a continuidade da saída da pobreza. A angústia vivida pelos beneficiários desse programa nas últimas semanas, diante do boato de que o benefício seria cortado, revela a sua precariedade. O mecanismo institucional que tornou possível financiar os empresários cooptados foi o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com operações de financiamento pouco transparentes, que abrem a porta ao desperdício do dinheiro público e à corrupção. O "mensalão" revelou a face perversa do estatismo na área política, com o Executivo comprando o apoio da base aliada num esquema de corrupção jamais visto. Foi conferido um caráter mais político do que técnico a uma próspera estatal como a Petrobrás, descapitalizando-a e afastando o País da autossuficiência energética.

O que, no fundo, inspirou os petistas não foi o reforço ao capitalismo, mas a construção do que eufemisticamente se chama de "capitalismo de Estado", que, em realidade, não é mais do que o reforço ao patrimonialismo, com a volta da inflação. O PT busca tornar-se um partido hegemônico, constituindo-se, sob a inspiração da filosofia gramsciana, como o "novo príncipe" da política brasileira.

Em conclusão: o Brasil passou a viver, na última década, uma espécie de esquizofrenia política proveniente da duplicidade de programas em conflito, adotados pelas duas cartas de navegação referidas. Um programa que conduziria ao reforço do modelo social-democrático está sendo socavado por outro, de índole declaradamente patrimonialista. Esse é o mal que, a meu ver, atrapalha hoje em dia a administração petista.

Má diplomacia, mau comércio - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 05/06

Pressionados pela concorrência e perdendo espaço até na América do Sul e no protegido mercado nacional, industriais brasileiros passaram a cobrar do governo mais acordos de comércio para evitar um isolamento cada vez maior e mais danoso. A decisão dos empresários de mudar o jogo e os números da balança comercial de janeiro a maio, os piores da série histórica, foram divulgados pelo Estado na edição de ontem. No mesmo dia a Confederação Nacional da Indústria (CNI) reforçou a campanha, divulgando nota a favor da negociação de novas e mais ambiciosas parcerias. Segundo a nota, os empresários veem com preocupação os acordos postos à mesa, enquanto "o governo brasileiro assiste às discussões distanciado da realidade".

A acusação ao governo é bem fundada, mas parte da responsabilidade cabe aos industriais, com sua pouca disposição para se aventurar na troca de concessões dos acordos comerciais mais relevantes. Baixo poder de competição, horizontes comerciais limitados e perda de relevância nas transações externas caracterizam há algum tempo a indústria brasileira. O superávit comercial de US$ 760 milhões em maio foi 74,3% inferior ao de um ano antes.

O resultado teria sido bem pior, se só dependesse das vendas de manufaturados e semimanufaturados, 0,9% e 13,5% inferiores às de um ano antes. Só as exportações de produtos básicos superaram - pela margem de 1,7% - as de maio de 2012.

De janeiro a maio o País acumulou um déficit comercial de US$ 5,4 bilhões, com exportações de US$ 93,3 bilhões, 2,8% menores que as de igual período do ano passado, e importações 9,8% maiores. As vendas de manufaturados (US$ 36,2 bilhões) representaram apenas 36,9% do total embarcado. A receita dos básicos correspondeu a 47,6% do total e a dos semimanufaturados, a 31,2%. Em 2007, os manufaturados ainda proporcionaram 52,2% do valor vendido. A partir do ano seguinte, sua participação ficou sempre bem abaixo de 50%. O País acomodou-se na condição de exportador de commodities, beneficiado pela alta das cotações internacionais e, de modo especial, pela expansão chinesa.

A conversão do Brasil em fornecedor de insumos para a China e para o mundo desenvolvido resultou da combinação de vários erros de política. O primeiro foi o torpedeamento da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), por iniciativa dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner.

O terceiro-mundismo do governo petista deu prioridade às relações com países emergentes e até em estágios iniciais de desenvolvimento. A negociação de um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia logo empacou, em boa parte por causa da resistência argentina a concessões comerciais. Assim, o Brasil fugiu de relações mais amplas com o mundo rico. A indústria pode ter achado confortável a opção, mas só até os estrangeiros começarem a tomar espaço até no mercado interno.

A maior parte dos erros é atribuível à política petista. O mercado interno cresceu com a transferência de renda e os aumentos reais do salário mínimo. Mas faltaram investimentos em infraestrutura, os tributos continuaram onerando a produção e a exportação, a política educacional negligenciou a formação básica e o governo esbanjou dinheiro e tolerou inflação alta. Os empresários deram sua contribuição, criticando principalmente o câmbio e os juros e dando menos atenção, durante anos, aos problemas estruturais de competitividade.

Como complemento do desastre, a Rodada Doha fracassou, outros países continuaram negociando acordos bilaterais, regionais e intrarregionais e o Brasil ficou cada vez mais isolado. Tem hoje 22 acordos de acesso preferencial, "a maioria pouco relevante", segundo a CNI. Enquanto isso, vizinhos já beneficiados por um número maior de acordos montam novas associações, como a Aliança do Pacífico, e os EUA acertam com potências grandes e médias uma Parceria Transatlântica e uma Transpacífica. Pelo menos a indústria acordou, mas com enorme atraso.

O arraiá de Dilma - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 05/06

Com as medidas que aliviam as dívidas dos agricultores nordestinos em pleno mês de São João, Dilma acende uma fogueira para incinerar o discurso do governador de Pernambuco, Eduardo Campos


Os petistas do Nordeste nunca estiveram tão eufóricos com a pré-candidatura de Eduardo Campos à Presidência da República. O mesmo ocorre com a bancada nordestina dos partidos aliados. Muitos acreditam que, graças ao movimento no PSB, os nordestinos conseguiram neste mês de São João e de Santo Antônio tudo aquilo que pediam há tempos e o governo não lhes dava ouvidos. O principal foi a prévia do Plano Safra do Semiárido, que a presidente Dilma Rousseff lança na semana que vem. Ontem, no Planalto, ao anunciar o Plano Safra 2013-2014, ela antecipou algumas medidas que fizeram brilhar os olhos de deputados e senadores da região.

Obviamente, o governo diz que as medidas estavam em estudo e viriam mais dia menos dia. Mas, ninguém deixa de, nas entrelinhas, analisar a conjuntura e o momento em que o plano é anunciado. Junho é o mês em que o Nordeste ferve e suas tradições percorrem o Brasil. Enquanto isso, na seara política, o que promete ganhar o interior dos estados nordestinos é a decisão do governo de dar uma aliviada na situação dos agricultores. Vem aí a suspensão da cobrança das dívidas e, de quebra, um desconto de 85% para liquidação de créditos rurais contratados até 2006 e renegociação das operações contratadas a partir de 2007.

A decisão faz com que Dilma retome a posição de grande mãe entre os nordestinos. “O impacto será grande. Vai atingir toda a classe média rural nordestina, que é a maioria”, comemorava o líder do PT na Câmara, deputado José Guimarães. Ele é do Ceará. Há meses, ele e outros políticos da região escutam e leem reclamações de que os agricultores estão endividados, que o governo não ajuda e que, para completar, as grandes obras públicas de infraestrutura caminham devagar quase parando, embora a região seja a que mais cresce no Brasil.

Tudo isso servia de embalo para o discurso do “é possível fazer mais”, proposto pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Dilma, entretanto, inicia uma tentativa de esfarelar essa cantilena no campo político. Obviamente, não dá para dizer que a presidente tomará as medidas específicas para o semiárido por causa da candidatura de Campos. Mas esse discurso serviu para colocar o assunto na pauta de temas urgentes a serem tratados, sob pena de virar escoadouro de votos, seja para oposição, seja para aliados que planejam carreira-solo.

A presidente não tem passado 10 dia sem pisar no Nordeste. Só com Eduardo Campos esteve lá duas vezes. Esta semana mesmo, foi ao Rio Grande do Norte inaugurar a Barragem de Oiticica. Daqui a alguns dias, estará novamente no Nordeste lançando essas medidas que facilitam a vida do agricultor da região, que serão incluídas em uma medida provisória que já tramita no Congresso, a 610, de forma a economizar tempo para aprovação definitiva. Pelo visto, o arraiá de Dilma está montado e fará a alegria dos produtores.

Enquanto isso, no Congresso Nacional…
Os peemedebistas ficaram meio frustrados quando descobriram que a conversa de Dilma com os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Henrique Eduardo Alves, tratou dos problemas institucionais sem “fulanizar”, bem ao estilo do que pregava o ex-vice-presidente Marco Maciel. Maciel sempre gostava de discutir os problemas em tese e buscar a solução mais racional. Era contumaz repetidor da frase “não vamos fulanizar”. Foi isso que o atual vice-presidente da República, Michel Temer, e o os comandantes do Congresso Nacional fizeram. Nenhum deles reclamou das ministras palacianas ou do excesso de medidas provisórias. Nem se citou o distanciamento da presidente da classe política como um todo.

Da parte de Dilma, ela deu razão a Renan quanto à não aceitação das MPs fora do prazo de sete dias. De concreto, só mesmo o envio do marco regulatório da mineração por projeto de lei com urgência constitucional, o que requer celeridade de tramitação. Ou seja, aplainou-se um terreno, mas não se resolveram os problemas.

… e não muito longe dali…
Enquanto Dilma conversava com os comandantes, a turma do PMDB se reuniu com vários ministros. Gastão Vieira, do Turismo, contou à bancada que não teve a menor influência no PAC do Turismo. Nem mesmo para incluir recursos destinados ao Maranhão, um estado com grande potencial turístico. Os deputados foram informados de que, dos R$ 670 milhões, R$ 300 milhões vão para a cidade de São Paulo, administrada pelo petista Fernando Haddad; R$ 30 milhões para o Rio Grande do Norte, onde o secretário é ligado ao presidente da Câmara; R$ 20 milhões para Alagoas, terra de Renan Calheiros; sem contar os recursos para Santa Catarina de Ideli Salvatti, e Curitiba, capital do estado que elegeu a senadora Gleisi Hoffmann, hoje ministra da Casa Civil.

PROSTITUTAS NO GOVERNO


Isolamento - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 05/06

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) acaba de fazer séria advertência de que o governo brasileiro pouco ou quase nada está promovendo para abrir mercados para o setor produtivo do País.

No mundo inteiro, os acordos vão se multiplicando, os concorrentes do Brasil não param de acertar preferências comerciais e, assim, estão cada vez mais dentro do jogo.

Enquanto isso, o Brasil vai ficando de fora, cada vez mais isolado. Aceitou a lengalenga dos hermanos argentinos de que não aguentam nenhum passo em direção à liberação comercial, porque mataria a sua indústria. Fica esperando que os argentinos saiam da situação encalacrada em que estão.

Bateu o desespero nos dirigentes da indústria depois que México, Chile, Peru, Colômbia e, provavelmente, também o Paraguai, o equivalente a 35% do PIB da América Latina, anunciaram que estão construindo a Aliança do Pacífico, com proposta de liberar imediatamente nada menos que 90% do comércio entre eles.

A CNI lembra ainda que vem aí o Acordo Trans-Pacífico, "que unirá sob um mesmo chapéu as economias da Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Cingapura, Estados Unidos, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru e Vietnã". É um conjunto poderoso, que perfaz quase um quarto do comércio mundial.

Os dirigentes da indústria estão se dando conta de que a paralisia nas negociações comerciais do Brasil vai fechando o mercado externo para eles e isso significa ainda menos oxigênio para a combalida produção do setor.

Antes de avançar, convém pontuar que os dirigentes da indústria - não só da CNI, mas, com algumas exceções, também da Fiesp - aceitaram bovinamente até aqui o jogo do governo. Sentiram grande alívio quando o Itamaraty desistiu da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), defendida pelos Estados Unidos, e pouco fizeram para remover as travas do comércio com a Argentina, hoje reconhecidamente um caso perdido. Mesmo o professor Luiz Carlos Bresser-Pereira, da Fundação Getúlio Vargas, até anteontem entusiasta do arranjo de política econômica da Argentina, considerada por ele "modelo para o Brasil", já reconhece ("com tristeza") que "a estratégia de desenvolvimento da Argentina caminha para o fracasso".

Bresser-Pereira não estava sozinho. Dentro do governo brasileiro ainda há especial admiração pelo conjunto de políticas - não somente as econômicas - adotadas pelo casal Kirchner, que acaba de completar dez anos de reinado dinástico.

Se é mesmo um fracasso, não dá para seguir com o rabo preso com eles, porque essa espera enorme pressupunha dificuldade apenas passageira.

(Apenas para passar um aspirador na memória, o Mercosul, que engloba Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela, é um tratado de união aduaneira. Por suas cláusulas, os países sócios não podem fazer nenhuma aliança comercial sem arrastar todos os outros juntos.)

Enfim, se é para avançar pelo caminho das novas parcerias comerciais sob a égide do Mercosul, não há muita escolha. Ou o governo brasileiro trata de rebaixar o status do Mercosul a área de livre comércio e, nesse caso, as negociações comerciais podem seguir sem a Argentina; ou espera, sabe-se lá quanto, até que a Argentina mude tudo e se recupere.

O alívio na indústria - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 05/06

A economia brasileira está produzindo uma surpresa a cada número. Desta vez, felizmente, foi a boa surpresa: a produção industrial cresceu mais do que o teto das previsões para abril. O máximo estava em 1,7% e a mediana estava em 1%: o que quer dizer que metade dos economistas ouvidos achava que seria menor que isso. Foi puxada por investimentos.

A categoria que mais cresceu, a de bens de capital, está fortemente impactada pela compra de caminhões com o novo motor menos poluente, o Euro 5. No ano passado, houve uma postergação de compra de caminhões, pelos problemas da transição de motores e a demora na montagem da rede de distribuição do novo combustível.

Este ano, no entanto, houve um forte aumento de compras de veículos automotores. Isso afetou tanto investimento, como bens de consumo duráveis. Mas houve também muita compra de máquinas agrícolas, pelo crescimento da agricultura. E isso tudo está no item bens de capital, que subiu 3,2% em relação a março e 24,4% em relação a abril do ano passado.

Ilan Goldfajn, economista-chefe do banco Itaú Unibanco, destacou que aumentou muito o índice de difusão, para 63%. O índice de difusão mostra quanto dos setores ouvidos registraram crescimento: 17 dos 27 setores ouvidos registraram crescimento; em nove, houve queda; e um ficou estagnado:

- A produção industrial está muito errática, na verdade é um índice que oscila bastante, mas, com o resultado divulgado agora, de 1,8% em abril, aumenta a confiança de que o segundo trimestre pode registrar um crescimento melhor. É apenas um indicador e é o começo do trimestre (estamos em junho, mas o dado é de abril). Mesmo assim, aumentou a possibilidade de um PIB maior, de uns 0,8% no segundo trimestre. Quando há muita notícia negativa, como agora, nem sempre se nota a notícia positiva, como a que está nesse índice.

Isso não muda o quadro de baixo crescimento este ano, menor do que o projetado pelos economistas no primeiro trimestre. Mesmo o índice de difusão sendo alto, o economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, explica que é preciso notar um fato.

- Há um número maior de setores reportando crescimento, mas há poucos setores registrando uma alta mais expressiva, então está sim havendo uma concentração em algumas áreas, como a venda de caminhões e a de máquinas agrícolas. É bom lembrar que no ano passado a indústria caiu 2,6%, o investimento encolheu 4%. E se olharmos a média trimestral, foi de apenas 0,1% - pondera Luiz Roberto.

Ainda há muita incerteza, e esse número bom não apaga a decepção com o PIB, a inflação persistentemente alta e a estagnação do ano passado. Mas, de qualquer maneira, é bom ressaltar que na maioria dos setores o mês de abril foi melhor do que o de março na indústria.

O número é um alento, mas não é a reversão de tendência, por enquanto, e a indústria continua produzindo 1,8% a menos que o recorde atingido em maio de 2011, segundo o IBGE. Por isso, a melhor atitude é a de continuar prestando atenção nos alertas de problemas: a perda de competitividade brasileira, a excessiva dependência de alguns setores em relação ao que acontece na China, a balança comercial negativa e os sucessivos problemas na Argentina.

Para a indústria, não basta vender bem no mercado interno, ela tem que estar integrada às cadeias mundiais. Os próprios empresários que antes defendiam barreiras ao comércio querem mais acordos bilaterais, segundo mostrou ontem o "Estado de S.Paulo". Se a Argentina, além de barrar alguns dos nossos produtos, ameaçar os investimentos brasileiros lá, está mais do que na hora de rever a estratégia do comércio exterior.

Imaginação - ANTONIO DELFIM NETTO

FOLHA DE SP - 05/06

Os economistas são animais imaginosos. Criam, sem nenhum constrangimento ou remorso, entidades nebulosas como o produto "potencial", a taxa de juro "neutra" ou a taxa de desemprego de "equilíbrio", cuja determinação concreta é mais elusiva do que foi o neutrino.

Postulado pelo grande físico Wolfgang Pauli, acabou sendo depois detectado. Só que Pauli, mais modesto do que os economistas, mostrou grave arrependimento quando confessou: "Fiz uma coisa terrível. Postulei a existência de uma partícula que não pode ser detectada".

Felizmente, ele estava ligeiramente errado como se mostrou. Terão os economistas, mais arrogantes do que Pauli, a mesma sorte? Meus botões têm sérias dúvidas.

É preciso o máximo de cuidado com as consequências inevitáveis do uso de noções nebulosas na política econômica. Agora mesmo sugere-se, como aperfeiçoamento da política fiscal, a utilização de um Orçamento "ciclicamente ajustado", que permitiria avaliar melhor se os gastos do governo expandem ou contraem a demanda global.

Como o exercício exige o conhecimento do produto "potencial", cuja determinação é altamente duvidosa e manipulável, em lugar de um avanço "científico" da política fiscal talvez estejamos criando espaço para uma política fiscal ainda mais discricionária do que a atual.

Essa pequena consideração é reforçada pelo movimento crescente de alguns membros do Congresso Nacional que desejam instituir um Orçamento "impositivo", por meio do qual o Executivo não poderia deixar de liberar as suas emendas. É preciso reconhecer que as "vinculações", que são a forma mais ineficiente de administrar uma sociedade dinâmica e cujas necessidades mudam permanentemente, já são quase 90% das dotações orçamentárias. É inegável que isso contribuiria para a autonomia do Poder Legislativo.

Quem sabe como se manipula a proposta orçamentária do Executivo na Comissão Mista do Orçamento do Congresso Nacional não pode deixar de preocupar-se, porque esse pode ser mais um passo importante na direção do desarranjo fiscal.

No fundo, a receita estimada pelo Executivo vai sendo ajustada para incorporar as emendas. E a aprovação final do Orçamento depende das chantagens feitas na 25ª hora do último dia do expediente legislativo. O resultado é, em geral, uma peça inservível para a administração pública.

As duas ideias não parecem, portanto, merecer o apoio da sociedade brasileira. Aliás, elas têm sinais contrários: a primeira pretende dar maior discricionariedade ao Poder Executivo; a segunda, retirar a que lhe resta...

Cru e quente - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 05/06

Ditados simplificam pensamentos, desconsideram as nuances de cada situação, mas convém não desprezá-los como porta-vozes da experiência.

Sobre os malefícios da afobação, por exemplo, há vários. Citemos apenas dois: um diz que a pressa é inimiga da perfeição; outro alerta o apressado para o risco de comer cru e quente o seu repasto.

O ex-presidente Luiz Inácio da Silva ignorou tais conselhos quando, no início do ano, aproveitou um encontro do PT para reiterar a candidatura da presidente Dilma Rousseff à reeleição.

Segundo alguns autores, a ideia era estancar o falatório sobre a possibilidade de ele mesmo ser o candidato à Presidência em 2014. Outra versão reza que Lula pôs a eleição na roda para mudar a pauta naquele momento voltada para as peripécias de Rosemary Noronha no governo enquanto desfrutou de sua bênção e proteção.

A motivação pouco importa. A questão agora é o efeito colateral que Lula, com sua celebrada intuição política, não pesou nem mediu. Abriu o debate da sucessão como fez em 2008 ao lançar a "mãe do PAC" à cena no mês de fevereiro, com a mesma antecedência.

E acaba aí a semelhança. A situação da economia era outra, o humor dos aliados era bem melhor, o comandante tinha ascendência sobre a tropa, não havia oponentes no campo governista e aos políticos em geral interessava sentar no banco do carona de Lula.

Não é raro ouvir nos partidos ditos situacionistas que devem muito ao ex-presidente, mas que Dilma deve à ajuda deles em grande parte a sua eleição.

Nesse cenário inteiramente diverso é que a antecipação da campanha mostra suas consequências nefastas. Animou a oposição a sair da toca, abriu espaço e deu justificativa à dissidência de Eduardo Campos e semeou inquietação antes do tempo entre os que deveriam estar concentrados na tarefa de renovar o contrato com o eleitorado.

Houve um erro de cálculo: antecipada a sucessão presidencial, anteciparam-se as demais campanhas e com elas a crise de aflição que assola deputados, senadores e governadores na busca de boas posições no jogo.

Abafa o caso. A fim de não criar confusão com o PSD que pode lhes render boas alianças estaduais no ano que vem, os tucanos pararam de criticar Guilherme Afif Domingos pelo acúmulo das funções de ministro em governo do PT e vice-governador em administração do PSDB.

De onde farão cara de paisagem durante os dois dias em que Afif assumir o Palácio dos Bandeirantes na próxima semana, quando Geraldo Alckmin irá a Paris.

Para fins de conveniência eleitoral, a tucanagem compara a situação àquela em que o vice ocupa também uma secretaria no governo. Fazer de conta que é igual não isenta a realidade de dizer que uma coisa é uma coisa. Outra coisa é a expressão do cinismo em estado sólido.

Redemoinho. A inflação cresce, o poder de compra decresce, o endividamento aumenta, o crédito farto desaparece, a confiança no governo estremece e as pesquisas começam a registrar curva de popularidade descendente.

São os sinais objetivos que os apostadores do mercado eleitoral levam em conta para avaliar as chances de Dilma Rousseff na reeleição e fixar a cotação das ações de seus oponentes.

A especulação gera fatos, alimenta profecias que se autorrealizam e leva as forças políticas à dispersão. O governo tem agora um olho na economia outro nos próximos quatro meses, até início de outubro, quando se encerra o prazo para mudanças e/ou filiações partidárias para os candidatos às eleições.

Aproximações - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 05/06

A sensação no Congresso é a de que a presidente Dilma está compreendendo melhor a dinâmica de relacionamento com os parlamentares depois de o governo ter tido que suar a camisa para aprovar a MP dos Portos e visto caducar outras com medidas importantes para seu projeto, como a redução das tarifas de energia elétrica e diversas isenções fiscais.

A reunião que teve com os presidentes da Câmara e do Senado demonstraria uma disposição de dialogar que até o momento não fora detectada pelos políticos. Mais da metade do mandato passada, a presidente Dilma ainda não encontrou um ponto de equilíbrio entre sua maneira autoritária de comandar e a maneira de fazer política, que exige uma flexibilidade que ela não tem.

Premida pelos problemas econômicos e pela campanha de reeleição - antecipada por sua vontade de cortar pela raiz um movimento "queremista" que ainda persiste no PT e nos partidos aliados, que preferem Lula a ela em 2014 -, a presidente está tendo que rever conceitos para conseguir consolidar seus apoios políticos.

A síntese dessa relação conturbada pode ser feita na simplificação: Dilma não gosta de políticos, e estes não confiam na presidente. Mas ambos dependem uns dos outros para continuarem no poder. Dilma não tem alternativa, precisa manter sua base aliada unida, mas os partidos têm opções mais palatáveis, como o senador Aécio Neves, do PSDB, ou o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Os dois são políticos longamente conhecidos por seus pares e que já deram mostras de conhecer bem os desvãos das negociações políticas.

O que as pesquisas de opinião mostram, no momento, é que a popularidade da presidente continua alta, mas é vulnerável aos efeitos da inflação, por exemplo. Por isso, com um ano antes do previsto, nenhum dos partidos pretende se comprometer em definitivo com a reeleição, mas também não abre mão da aliança que é vencedora.

A atitude do governador do Rio, Sérgio Cabral, é um exemplo desse comportamento. Em privado, ele deixou claro que, se o governo não apoiar seu vice Pezão para o governo do Rio, ele não terá dificuldades em apoiar Aécio Neves, de quem é amigo, além de ter laços de parentesco, pois sua primeira mulher era uma Neves: "Meu filho tem Neves no nome", lembrou como que por acaso durante a discussão. Mas de casual esse comentário não teve nada, foi o governador quem levou seu filho ao encontro.

Em público, porém, Cabral nega qualquer desavença e afirma que está 100% ao lado da reeleição de Dilma. Outro bom exemplo de como o palanque e as negociações de bastidores diferem entre si foi a posição do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves. Em sua terra natal, ele comandou uma série de elogios a Dilma, presente no palanque. À noite, na reunião com Renan Calheiros e o vice Michel Temer, foi outra pessoa, sob o pretexto de representar a Câmara, e não setores políticos.

Quem conhece os bastidores das negociações políticas no Congresso e, sobretudo, as manobras do PMDB garante que a medida provisória que desonera produtos da cesta básica será aprovada ainda esta semana no plenário da Câmara sem maiores problemas. O relator da medida, o deputado Edinho Araújo (PMDB-SP), incluiu em seu parecer o texto da MP 605/2013, que reduzia a tarifa de energia elétrica em até 20%, e que caducou por não ter sido votada a tempo pelo Congresso.

Esse penduricalho foi colocado na MP como maneira de não impedir o desconto na energia, e foi o próprio Congresso quem se encarregou de fazê-lo, desmoralizando-se um pouquinho mais nessa questão, mas fazendo um agrado ao Planalto. A legislação proíbe que assuntos diferentes sejam tratados na mesma medida provisória, e já houve tempo em que o Congresso se insurgia contra esse hábito do Planalto.

Depois, passou ele mesmo a incluir penduricalhos por conta própria. Essa é uma demonstração clara de que a base aliada, sobretudo o PMDB, está disposta a manter o apoio a Dilma, mas quer contrapartidas que serão cobradas cada vez mais até que a situação econômica fique clara.

Um governo "estratégico" - ELIO GASPARI

O GLOBO - 05/06

Ganha uma viagem a Havana quem souber o que essa palavra significa e outra a Paris quem mostrar um resultado



Madame Natasha tem horror ao uso de expressões que não querem dizer nada e, com um significado vago, destinam-se a empulhar a plateia, complicando a conversa. Dor de cabeça vira cefaleia.

A doutora Dilma louvou duas operações militares e policiais que fazem parte do "Plano Estratégico de Fronteiras". Outro dia, ao justificar o perdão de uma dívida de US$ 900 milhões de cleptocratas africanos disse que "o engajamento com a África tem um sentido estratégico.". A Presidência da República, assim como diversos governos estaduais, tem uma Secretaria de Assuntos Estratégicos. Quase todos os ministérios têm programas de "gestão estratégica" e o do Planejamento oferece o software Geplanes, destinado a "monitorar o desempenho dos objetivos estratégicos."

Trata-se de puro blábláblá, destinado a confeitar promessas ou, na melhor das hipóteses, desejos. Dizer que a economia brasileira crescerá 4% num determinado ano nada tem de enunciado estratégico. É apenas um objetivo, quando não, pura mentira. A empolação destina-se apenas a envernizar o comissário que anuncia o rio de mel.

Em 1812, o marechal russo Kutusov enfureceu seus generais porque a certa altura deixou Napoleão Bonaparte escapulir com suas tropas. Por mais que detestasse o Corso, achava que a destruição de seu exército e sua eventual captura favoreceriam os interesses da Inglaterra. Preferiu fritá-lo, deixando que chegasse a Paris, onde os franceses forçaram-no a abdicar e um príncipe russo ocupou a cidade. Kutusov tomou uma decisão estratégica.

Não se pode confundir esse tipo de conduta com coisas mais imediatistas. Por exemplo: quando ocupava uma diretoria da Caixa Econômica, o doutor Moreira Franco queria ser ministro e aceitou a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. Pensava em coisa melhor. Em março passado tornou-se Secretário de Aviação Civil. Foi apenas astucioso.

Juscelino Kubitschek jamais anunciou estratégias. O que ele apresentou ao país foi um "Plano de Metas". Eram trinta. Duplicou a produção de energia, aumentou em 70% o número de leitos em hospitais e, onde foi mal, incrementou em apenas 40% a produção agrícola. JK nunca disse que o apoio de seu governo ao colonialismo português na África era uma estratégia, pois era só oportunismo.

A diferença entre uma meta e um estratégia está no fato de que uma pode ser cobrada e a outra pode ser transferida para o próximo governo, a quem se acusará de ter abandonado um plano que tinha tudo para dar certo. O Trem-Bala Rio-São Paulo da doutora Dilma é considerado um projeto estratégico. Deveria ficar pronto para a Copa do Mundo, talvez um pouco depois. Seria inteiramente financiado pela iniciativa privada e custaria US$ 9 bilhões. Já custou à Viúva R$ 63,5 milhões, ainda não saiu do papel, mas já pariu uma estatal e terá os Correios como "sócio estratégico". Indo até Campinas, há transportecas que estimam seu custo em US$ 17,5 bilhões. Não há empreiteiro que fale em menos de US$ 25 bilhões. A conta? Irá quase toda para a Viúva. "Estratégia"? Apenas uma falsa promessa.

Madame Natasha não espera que se cumpram as promessas. Pede apenas que deixem o idioma em paz.

É terrorismo eleitoral, sim! - JOSÉ NÊUMANNE

ESTADÃO - 05/06

O tumulto nas agências da Caixa Econômica Federal (CEF) no fim de semana de 18 e 19 de maio, provocado por um boato do fim do Bolsa Família, carro-chefe dos programas sociais do governo federal, ainda não foi devidamente esclarecido. Mas já produziu efeitos indeléveis em seus protagonistas e na turma de Pilatos. O cônsul romano, como se sabe, entrou no Credo de gaiato e, 21 séculos depois da paixão e morte do Cristo, paga o pato por Sua dor suprema e, em consequência, pela remissão dos pecados do mundo. Os primeiros são a cúpula do Executivo. Os demais, a oposição, que, com ou sem culpa no cartório, é que terminará sendo prejudicada.

Assim que se tornou de conhecimento público a corrida dos beneficiários da esmola do governo, a ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário Nunes, sacou do saldo dos "suspeitos de costume", aos quais se referiu o capitão francês Louis Renault na cena final do filme Casablanca. A existência de "bodes expiatórios" remonta à Bíblia e tem sido repetida e estimulada ao longo de séculos de guerra e luta política. Em 1897, a Okhrana, polícia secreta do czar Nicolau II, forjou o Protocolo dos Sábios de Sião, falso plano de tomada do poder mundial pelos judeus e documento que inspirou a perseguição aos hebreus no Império russo e na União Soviética e se alastrou pelo mundo inteiro. O lastro histórico da atribuição de um delito ao adversário inocente, tornando-o culpado sem necessidade de julgamento, tem antecedentes clássicos como o incêndio do Reichstag (Congresso alemão na República de Weimar), em 1933. A atribuição do atentado aos comunistas foi crucial para Hitler fundar a ditadura nazista.

Nossa História registra o Plano Cohen, atribuído pelo governo Vargas aos comunistas para tomarem o poder e usado para justificar o Estado Novo; e a Carta Brandi, prova falsa de articulação golpista de João Goulart, ministro do Trabalho no governo democrático de Vargas, com Juan Domingo Perón.

Os comunistas na clandestinidade no Estado Novo ou na ditadura militar de 1964 esperavam a polícia bater à porta de suas casas com uma maletinha arrumada com objetos de uso cotidiano, como barbeador, escova de dentes, pasta e pijama, conforme Graciliano Ramos registrou no clássico da literatura brasileira Memórias do Cárcere. Hoje, os "suspeitos de costume" sob a regência da poderosa aliança governista PT-PMDB e outros respondem pelo nome genérico de oposição. E foi a eles que a ministra acusou no Twitter, sem prova alguma e nem sequer ter conhecimento do que, de fato, poderia ter provocado o tumulto, de autoria de uma atitude "conspiratória" de natureza eleitoral.

Em vez de repreender a subordinada apressadinha, que entrara no Credo como o fizera antes Pilatos, a presidente Dilma Rousseff subiu ao palco para assumir, se não a autoria, pelo menos a natureza delituosa da causa da invasão das agências da CEF para o saque do benefício. De olho na reeleição ano que vem, a chefe do governo partiu do pressuposto que aprendeu com o padrinho Lula de que o que é bom para sua vitória no primeiro turno é necessariamente bom para o Brasil. E avalizou sem medo de ser feliz atitude similar a alguns delitos impunes e bem-sucedidos de seu Partido dos Trabalhadores (PT) no passado.

Em 2010, uma máquina bem azeitada de "blogueiros progressistas" e discursos afiados em reuniões partidárias, comícios e na propaganda no rádio e na televisão espalharam o boato de que o adversário de Dilma Rousseff na eleição presidencial, o tucano José Serra, acabaria com o Bolsa Família. É impossível aquilatar que efeito o boato possa ter tido na vitória da candidata petista. Mas sabe-se que algo semelhante fora feito quatro anos antes: a mentira de que Geraldo Alckmin privatizaria a Petrobrás levou o tucano a vestir uma camiseta em homenagem à estatal.

O falso dossiê dos "aloprados" (assim batizados por Lula em pessoa) contra Serra não evitou sua vitória na eleição estadual paulista de 2006, mas seus autores continuam impávidos e impunes sete anos depois. E o insucesso não altera o fato histórico de que a prática contumaz reafirma a fé dos praticantes no velho dogma stalinista de que os fins sempre justificam os meios e de que, como diziam os mineiros do velho PSD, não importa o fato, mas a versão. E dependendo de como a versão é repetida, ela pode até se impor de vez.

Assim se comportaram os protagonistas do lamentável episódio do boato do fim do Bolsa Família. Como bom militante petista, o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, mandou a Polícia Federal (PF), sob suas ordens, não investigar a verdade, apurar os fatos, identificar e processar os culpados. Mas favorecer a versão oficial. Ele chegou a tratar a repartição pública sob suas ordens como se fosse não um órgão do Estado a serviço do cidadão, mas uma espécie de agência de risco, lidando com hipóteses. Vide a versão da central de telemarketing suspeita, mas nunca devidamente identificada com provas de sua eventual ação deletéria.

Oito dias depois dos fatos, o presidente da CEF, Jorge Hereda, contou uma história confusa, segundo a qual técnicos subalternos da instituição mandaram pagar o auxílio de uma vez, e não de forma escalonada, como é rotineiro, para sanar uma duplicação de cartões de recebimento de 900 mil mutuários. Isso não tem pé nem cabeça, mas o Planalto emitiu nota oficial garantindo-o no posto, apesar da série de lambanças de sua gestão: a duplicação dos cartões, a decisão estapafúrdia de pagar tudo de uma vez e a insistência em atribuir a outrem as próprias falhas.

Embora tenha tido o cuidado de não delatar culpados na oposição, Dilma se tornou cúmplice do "terrorismo eleitoral" definido com conhecimento de causa pelo presidente do PT, Rui Falcão. E a oposição purgará nas urnas a pecha de "inimiga do Bolsa Família".

Promessas eleitorais - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 05/06
O célebre aforista inglês Samuel Johnson (1709-1784) disse certa vez que nada concentra a mente tanto quanto a iminência da morte. O risco de perder uma eleição não há de ficar muito atrás. Desde que essa possibilidade, embora ainda remota, começou a se acercar do Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff passou a focalizar os obstáculos à conquista do segundo mandato - a esqualidez da economia, o inchaço dos preços e os atritos que ameaçam degenerar em fraturas expostas na relação do governo petista com o seu principal aliado político, o PMDB, maior partido brasileiro.

Em movimentos destinados a dissipar a imagem cada vez mais negativa de sua aptidão para conduzir o Executivo - e os prognósticos pessimistas sobre os efeitos disso para o cenário eleitoral de 2014 -, Dilma resolveu, com quase um ano de atraso, dar prioridade ao programa de concessões na área de infraestrutura; deixar de lado as suas objeções à alta de juros para combater a inflação, apoiando a decisão do Banco Central de elevar a taxa básica a 8%; e mudar a sua interação com o Congresso, cujas duas Casas estão em mãos peemedebistas. Nas últimas semanas, esse relacionamento degringolou.

Desde o boicote insuflado pela liderança da legenda na Câmara dos Deputados ao texto original da Medida Provisória (MP) dos Portos, a que se seguiu a decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros, de não colocar em votação a MP da redução das contas de luz - porque a recebera menos de sete dias antes de sua perda de validade -, o respeito pelo Planalto entre os políticos da própria base governista entrou em queda livre. Até mesmo a presidente sem jogo de cintura, que se julga todo poderosa e dona da verdade, acabou entendendo o imperativo de reverter o seu desprestígio, agravado pelos números diminutivos da economia, junto à tigrada que só tem compromissos com os seus apetites. Ainda mais em tempos de campanha sucessória antecipada.

Na segunda-feira, finalmente, Dilma se dispôs a ouvir o presidente da Câmara, Henrique Alves, e o seu colega Calheiros. O encontro foi intermediado pelo vice peemedebista Michel Temer, de quem os correligionários andam dizendo que precisa ser menos vice e mais peemedebista. Alves saiu da reunião com duas promessas para contar. Em primeiro lugar, nenhum projeto importante seguirá para o Congresso antes de ser discutido com os líderes da base. O procedimento será inaugurado pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Dilma o incumbiu de explicar aos aliados o projeto de reforma do Código de Mineração, a ser encaminhado em regime de urgência constitucional. Nesses casos, a Câmara e o Senado têm, cada qual, 45 dias para votar a matéria, sob pena de trancamento das respectivas pautas.

O outro compromisso que teria sido assumido por Dilma foi de economizar nas medidas provisórias. De início, a intenção do Planalto era baixar uma MP para a mineração. Trata-se de um instrumento que de há muito deixou de ser usado apenas em casos de "relevância e urgência", para os quais foi concebido. Serve, a rigor, para tornar o Congresso caudatário do Executivo em matéria da produção de leis. Para ter ideia do uso abusivo da modalidade, só nesses cinco primeiros meses do ano a presidente assinou 15 MPs. Desde a sua posse, em janeiro de 2011, foram 96. Lula, o seu antecessor e patrono, editou 414 (o equivalente a 52 em cada ano de seus dois mandatos, em números arredondados). No caso de Fernando Henrique, em igual período, tinham sido 334, ou 42 por ano, em média.

O presidente da Câmara que tinha prometido aos companheiros de bancada expor a Dilma "a verdade" sobre as dificuldades do governo no Congresso o fez pelo menos à saída do Planalto. Ao dizer que a presidente está "muito disposta" a melhorar a interlocução com o Legislativo, emendou: "Todos sabem que os culpados pelo tensionamento não são as ministras Gleisi (da Casa Civil) e Ideli (das Relações Institucionais)". Resta saber se a culpada conseguirá domar o seu estilo centralizador, temperamento autoritário e inaptidão política para fazer as vontades do PMDB. Eleições concentram as mentes, mas talvez não mudem as almas.