sábado, dezembro 14, 2013

Bali não era Doha - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 14/12

Estamos longe do final, mas a rodada do desenvolvimento e da agricultura ganhou alento


Três meses atrás, quando eram retomados os trabalhos da OMC (Organização Mundial do Comércio) após a chegada do novo diretor-geral, Roberto Azevêdo, prevalecia o sentimento de que se caminhava para um fracasso em Bali.

A situação da economia mundial seguia preocupante, e os sinais eram de recuperação lenta e incerta nas economias desenvolvidas em 2014 e de queda nas taxas de crescimento dos emergentes.

O comércio mundial acusava o impacto da crise, e a economia chinesa desacelerava e indicava o fim do superciclo das matérias-primas. Nas salas da OMC, a desmobilização era geral.

Foi nesse ambiente que Azevêdo desencadeou uma operação para salvar Bali. O objetivo era fechar um pacote e recuperar a credibilidade da OMC como foro de negocia- ção e guardiã de normas gerais importantes.

Nesse cenário, a única forma de fechar um acordo era trabalhar sobre temas maduros e com alcance limitado. Temas centrais da Rodada Doha, como liberalização do comércio agrícola, com redução de barreiras e cortes de subsídios domésticos e à exportação, que requeriam maior esforço dos países desenvolvidos, ficaram fora da pauta.

A redução das barreiras na área de produtos industriais, em que países em desenvolvimento teriam de contribuir mais, também foram deixados para depois. Tudo em nome do acordo possível, que abrisse caminho para discutir a agenda central de Doha.

Bali não era Doha. Não se pode avaliar Bali sem ter presente essas condicionantes. À luz delas, o pacote acordado foi positivo e equilibrado. Olhemos rapidamente os temas mais relevantes para o Brasil e o agronegócio.

A facilitação de comércio reduzirá os custos das transações, simplificando procedimentos burocráticos e tornando-os mais transparentes. Como os procedimentos na fronteira são em geral menos eficientes nos países em desenvolvimento, o acordo poderá facilitar essas exportações inclusive para os países vizinhos.

E também ajudará as exporta- ções do agronegócio, pois se aplica a todos os produtos e tem dispositivos especiais para os agrícolas e perecíveis.

Na área agrícola, o acordo sobre administração de cotas tarifárias cria melhores condições para o aproveitamento integral das quotas pelos exportadores. Exemplo importante de nossas dificuldades nessa área é a cota Hilton de carne bovi- na na UE, frequentemente não preenchida.

Nos subsídios destinados à formação de estoques públicos para fazer frente a problemas de segurança alimentar em países em desenvolvimento, que quase romperam o acordo de Bali, há uma legítima preocupação dos exportadores com o possível desvio de tais estoques para exportações e seu impacto nos preços.

Mas o acordo provisório fechado em Bali contém uma cláusula que dispõe que tais estoques não deverão distorcer o comércio. Além disso, as detalhadas informações a serem prestadas pelos países que usarem esse acordo permitirão acompanhar o volume e utilização dos recursos e o destino dos estoques.

O governo brasileiro e o setor exportador devem acompanhar esse tema com atenção para evitar que o acordo seja desvirtuado e garantir que um texto definitivo cubra plenamente nossas preocupações.

Outro grande resultado de Bali foi recuperar a credibilidade da OMC e voltar a colocar a agenda de Doha na mesa de negociação. Para um país como o Brasil, que representa apenas 1,5% do comércio mundial, a OMC é fundamental.

Em 2014 será preparado um programa de trabalho sobre os temas remanescentes da Rodada e novas questões, como proteção dos investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual, poderão ser incluídas.

Igualmente significativo foi o fato de que todos os países, inclusive os que estão engajados na negociação de grandes acordos plurilaterais, esforçaram-se para que um acordo fosse construído, incluindo um renovado compromisso com a Rodada Doha.

Estamos longe do final, mas a rodada do desenvolvimento e da agricultura ganhou novo alento. Foi uma demonstração de que os membros da OMC valorizam o sistema multilateral de comércio, não como o único foro negociador, mas como um foro relevante.

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