sexta-feira, novembro 15, 2013

Vendedores e seus truques - WALCYR CARRASCO

REVISTA ÉPOCA

Calço 38, mas vendedores já me convenceram a levar até sapato 40. Fica uma lancha no meu pé!



Entro numa livraria. Uma jovem se aproxima, desfilando os dentes, tal o tamanho do sorriso.

– Parabéns. Hoje quem vier de preto, como o senhor, ganha um prêmio. É a cor da elegância.

Estou de preto porque emagrece. Mas, se vou ganhar um prêmio, ótimo! Sorrio e mostro meus dentes, também quase pretos, porque estou com provisórios, até ficarem prontos os definitivos. A jovem continua, insinuante:

– Diga, que revista o senhor prefere?

Minha vaidade sofre um golpe. A abordagem não tinha a ver com meu charme. Era para vender assinatura! Mas não faço assinaturas de revistas. Até gosto de recebê-las em casa. Só que vivo entre Rio e São Paulo. Prefiro usar meu iPad. Respondi com a sinceridade rude que me caracteriza:

– Sinto muito, não vou comprar assinatura.
– Mas não estou vendendo, vou oferecer todos os benefícios sem o senhor ter de pagar.

Continuo com o mantra: “Não vou comprar. Não vou comprar”. É malho de vendas, eu sei. Ela insiste. Corro para fora da loja. É o único jeito de me livrar de vendedores insistentes. Em loja de grife, é um susto. Boto um paletó. Não fecha. Peço um número maior. Não tem. O vendedor começa:

– Você faz questão de fechar o paletó?
– Para que comprar um paletó que não consigo fechar?
– Muita gente hoje em dia usa assim, aberto. É fashion.

Observo minha barriga se projetando para fora. Fashion?

– E você fica muito bem de paletó aberto – diz o vendedor.

Minha vontade é atirar o paletó na sua cara. Respondo:

– É muito ruim comprar com vendedor que não é sincero.

Ele age como se não fosse com ele. No momento, está interessado em me mostrar a loja toda, queira eu ou não.

– Tenho também umas camisetas.

Experimento. Ele diz:

– Está ótima! Salienta os ombros.
– De tão justa, parece que engoli uma melancia.

Vou fugindo, mas ele me acompanha.

– Precisa de carteira? Relógio? Chapéu?

Em restaurantes, a gente é muito enganado. Sempre desconfio quando o maître aconselha:

– A sugestão do chef hoje é linguado.

Se é um domingo, isso significa que o linguado chegou na sexta-feira. É um peixe delicado, que estraga depressa. Obviamente, as geladeiras e os freezers estão abarrotados de linguados. O maître tem de empurrar o peixe. Experimente observar sua expressão quando você diz que prefere um espaguete à bolonhesa. O maître tem vontade de atirar o linguado na sua cara. Mas se vira para sua acompanhante e pergunta, gentilmente:

– E a senhora, já escolheu? O linguado está ótimo!

Da mesma forma, os vinhos. Enólogos em restaurantes são, na prática, vendedores especializados. Claro, sabem o que combina com quê. Mas também há estoques a desovar, como aquele vinho que ninguém pede e mofa na adega. Ele sugere: “Tem um tinto que combina muito bem com carne e peixe ao mesmo tempo”. Até com jiló, se eu perguntar!

Vendedores de feirinhas de antiguidades mostram um prato rachado e pedem uma fortuna:

– É Companhia das Índias, raríssimo.
– Mas está rachado.
– São as marcas do tempo que acentuam a beleza do objeto!

Com essa conversa de “marcas do tempo”, no passado forrei minha casa com quinquilharias inúteis. Hoje, pratos, taças e toda uma parafernália estão escondidos numa prateleira do alto. Motivo: a empregada pode quebrar. Então, para não quebrar, não uso. Se não uso, para que preciso deles? – eu me pergunto. Tente vender um prato rachado a sua vizinha. Você vai ouvir!

Se entro numa joalheria, sempre há uma bela dama para me atender, oferece café e champanhe. Mostra brincos delicados, se pretendo presentear uma jovem. Quando me interesso, elogia minha sofisticação: “Você tem muito bom gosto, é nosso último lançamento internacional”. Eu me sinto gratificado. Sem lembrar que a regra de quem vende é elogiar o cliente. E se você precisa vender uma joia? Um amigo ganhou várias da mãe para comprar um carro. O comprador só pagava pelas pedras e pelo peso em ouro. Design, grife não tinham valor nenhum.

Um truque nunca falha comigo: sapatos. Calço 38. Quase nunca encontro a numeração do modelo que quero. O vendedor me convence: “Nossa fôrma é diferente, experimente o 39”. Papo! Fica uma lancha nos meus pés, mas ele me convence de que tudo bem. Já comprei até o 40. E depois, para usar? Se eu estiver andando torto, você já sabe. Mais uma vez, caí em conversa de vendedor. Como todos nós, algum dia.


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