sexta-feira, novembro 01, 2013

Quem avacalha a política? - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 01/11


Lula volta a atacar a imprensa no Congresso, ignorando que os episódios que levam ao descrédito da política foram obra dos próprios políticos, inclusive do grupo lulista


De tantas vezes repetidas, já viraram lugar comum as patéticas acusações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a imprensa. É ela, sempre, a responsável por todos os males; é ela que faz de mártir da incompreensão o petismo que aparelhou o Estado desde os primeiros momentos da inauguração de seus dois mandatos presidenciais. Afastado já há três anos do comando formal do país – que delegou à sucessora, Dilma Rousseff –, Lula não consegue se recolher à discreta dignidade apropriada a quem já se concedeu a honra de ser o representante máximo do país.

Outra vez deixou patente sua ansiedade ao participar, na última terça-feira, das solenidades comemorativas aos 25 anos da promulgação da Constituição promovidas no Congresso. Recebeu ali homenagens, muito embora, como deputado constituinte de 1988, tenham ele e a bancada de seu partido, o PT, se recusado a subscrever a Carta Magna. Lula, o mesmo que um dia afirmou que o Congresso era habitado por “300 picaretas”, se desmanchou em elogios a José Sarney e aproveitou a oportunidade – cuja solenidade não deveria ser conspurcada pelo gênero de manifestações de que fez – para criticar a imprensa, acusando-a de “avacalhar a política”.

Seria de todo dispensável, até pela desfaçatez de suas afirmações, tecer quaisquer comentários. Em se tratando, porém, de um ex-presidente da República que, sem sombra de dúvida, ainda exerce poder e influência sobre os destinos da Pátria, é necessário fazê-lo. Até mesmo para lembrá-lo de que a “avacalhação” a que se refere não provém da imprensa, mas dos próprios políticos. À imprensa compete tão-somente exercer o seu animus narrandi dos acontecimentos e de, nos limites que lhe garantem a Constituição e o Estado Democrático de Direito, opinar e criticar.

Assim, não é da imprensa a autoria da “avacalhação” de tantos casos tornados públicos pelos veículos de comunicação, que de outra forma não poderiam agir senão em prejuízo do papel social que lhe é intrínseco. Não foi a imprensa que montou o escandaloso esquema do mensalão; não foi ela quem criou os sanguessugas, abasteceu de dinheiro ilícito os “cuequeiros” ou montou o grupo dos aloprados. Também não partiu da imprensa a ideia esdrúxula de criar cotas raciais no Legislativo, nem a de importar médicos estrangeiros para, supostamente, resolver o caos em que a saúde pública foi deixada – com a agravante de que a importação serve, subsidiariamente, para triangular o financiamento de ditaduras.

Teria sido a imprensa também a responsável por abrir as cornucópias do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar projetos megalomaníacos e inconsistentes, como os da cadeia X, do falido empresário Eike Batista? Foi a imprensa que inventou o sofisma de que o X da questão é que teria provocado a desconfiança internacional em relação aos rumos do país? E o uso da “criatividade contábil” para fechar as contas públicas, seria também criação da imprensa?

São intermináveis aquelas “avacalhações” da política que Lula atribui à imprensa. Mas citemos apenas mais uma: foram os jornais que absolveram da cassação um deputado condenado em instância final e já cumprindo pena de prisão por atos de corrupção? Certamente o presidente – que se confessa homem de poucas leituras – não se deu ao trabalho de registro que jornais e revistas, inclusive do exterior, dedicaram a vergonhoso tema.

Por tudo isso, chega a suscitar pena e desalento que um homem que tanta importância teve no cenário da redemocratização do país chegue ao ponto de manchar sua biografia com lorotas tão evidentes, falsas e descabidas. Mas é preciso reconhecer: Lula é um homem de convicções firmes – dentre as quais está a ideia de impor indireta censura à imprensa sob o cerimonioso nome de “controle social da mídia” (ainda defendido por seus herdeiros). No entanto, não é a firmeza com que alguém defende suas convicções que as torna legítimas ou justas. Um falsário convicto da história do país não deixa de ser um falsário.

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