quinta-feira, novembro 21, 2013

Falta reduzir as incertezas na área fiscal - RIBAMAR OLIVEIRA

VALOR ECONÔMICO - 21/11

Ganha um prêmio quem souber a meta fiscal para 2014

Ganha um prêmio quem souber dizer qual é a meta fiscal do setor público brasileiro para 2014. O governo não só aumentou o abatimento do seu superávit primário por conta dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e das desonerações, como também acabou com a obrigatoriedade de compensar a frustração da meta dos Estados e municípios. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2014, que iria ser votada ontem à noite pelo Congresso, prevê um teto e um piso de superávit primário apenas para o governo federal, que são, respectivamente, de 2,15% do Produto Interno Bruto (PIB) e de 0,9% do PIB. Este último percentual é obtido com o abatimento da meta permitido pela LDO (de R$ 67 bilhões).

Mas a LDO não pode impor meta para os Estados e municípios. Essas unidades da federação não estão obrigadas a fazer resultado positivo ou impedidas de apresentar déficit primário (várias delas registram resultado negativo, embora o conjunto ainda seja positivo). Na verdade, o superávit primário dos Estados e municípios é, em grande medida, definido pelo governo federal, que controla o nível de endividamento de cada unidade da federação. Não existe, portanto, um piso para o superávit primário do setor público consolidado. Só o teto de 3,1% do PIB.

Até agora, o governo não se comprometeu com qualquer meta fiscal para 2014. Emite sinais de que está preocupado com a criação de novos gastos pelo Congresso, faz um Pacto pela Responsabilidade Fiscal com os líderes governistas, mas a proposta orçamentária do próximo ano prevê uma elevação das despesas da União em 0,4 ponto percentual do PIB, em comparação com 2013

Quem tiver a curiosidade de ler a proposta verificará que ela foi elaborada com uma meta de superávit primário de apenas 1,1% do PIB para o governo federal. Neste ano, a área econômica garante que entregará um superávit de R$ 73 bilhões para o governo federal, equivalente a 1,53% do PIB. Há, portanto, uma previsão de forte queda do esforço fiscal em 2014.

A situação é ainda mais preocupante porque, em 2014, realizam-se eleições gerais no país e a política fiscal não costuma ser contracionista em ano eleitoral. Ao contrário, ela tende a ser expansionista em qualquer parte do mundo democrático. Além disso, nos últimos dois anos, o governo só consegue cumprir a meta fiscal com a ajuda das receitas atípicas ou extraordinárias. No ano passado, a área econômica foi obrigada a sacar uma poupança de R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano do Brasil (FSB) para que o superávit primário do governo federal fechasse em 1,93% do PIB, quando sua meta inicial era de 2,15% do PIB.

Neste ano, o governo usará cerca de R$ 27 bilhões de receitas atípicas (R$ 15 bilhões do bônus de assinatura do campo de petróleo de Libra e, provavelmente, R$ 12 bilhões da reabertura do Refis da crise e de dois outros parcelamentos de débitos) - algo como 0,6% do PIB. Por coincidência, a previsão para as receitas extraordinárias na proposta orçamentária de 2014 é de R$ 27 bilhões. Mas não há garantia de que esses recursos ingressarão nos cofres do Tesouro, pois não está prevista licitação de novo campo do pré-sal e nem outro Refis.

O atenuante da situação é que não haverá perdas adicionais de receita por conta de novas desonerações tributárias, garante o secretário do Tesouro, Arno Augustin. Ao contrário, de acordo com ele, as atuais reduções das alíquotas dos tributos acabarão nos prazos estipulados. A proposta orçamentária de 2014 prevê que a recomposição das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidentes nos automóveis dará uma receita de R$ 2,8 bilhões a mais do que em 2013. No total, a recomposição de alíquotas e o aumento de outras sobre produtos específicos (sobre o fumo, por exemplo) elevará a arrecadação em R$ 4 bilhões.

Além disso, o governo espera que a reabertura do Refis da crise e os parcelamentos de débitos que favorecem os bancos, seguradoras, coligadas e controladas permitirão não apenas recuperar os créditos existentes, mas elevar os fluxos mensais dos pagamentos das empresas. Os efeitos favoráveis da recomposição das alíquotas e do Refis sobre a receita podem ajudar o governo a obter um maior superávit primário.

As incertezas sobre a política fiscal no próximo ano são, portanto, grandes e precisam ser reduzidas. Com baixo crescimento econômico e com juros em alta, os analistas do mercado começam a se perguntar se a trajetória da dívida brasileira é sustentável. Nesse cenário, cristaliza-se a percepção no mercado de que é necessário um superávit primário do setor público entre 2% e 2,5% do PIB, realizado sem descontos e sem truques. Para ancorar as expectativas, o governo teria que anunciar a meta e se comprometer com ela.

Uma alternativa é discutir uma banda para o superávit primário que seja compatível com o atual cenário de elevação do risco Brasil. O ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa chegou a propor uma banda de 1,5% e 2,5% do PIB. Houve certa desconfiança do mercado, pois ninguém garante que o resultado primário efetivo não ficará sempre no piso da banda .

O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, elaborou uma fórmula engenhosa. Ele propõe um sistema que esteja associado ao crescimento da economia, de modo a criar um mecanismo de ajuste automático da política fiscal em relação ao ciclo econômico - com política mais expansionista quando a economia cresce pouco e mais contracionista quando o crescimento é forte.

Assim, quando o crescimento da economia se situar entre 3% e 4%, o superávit primário, sem nenhum tipo de abatimento, teria que se situar entre 2,5% e 3% do PIB. Quando o crescimento fosse superior a 4%, o primário seria de 3% do PIB. Quando a economia crescesse entre 2% e 3%, o primário poderia situar-se entre 2% e 2,5% do PIB. E quando crescesse menos do que 2%, o primário poderia ficar no intervalo de 1,5% e 2% do PIB. Para Borges, essa regra teria que ser estabelecida formalmente, o que daria maior clareza aos agentes sobre a execução da política fiscal, asseguraria com probabilidade bastante elevada a sustentabilidade intertemporal da dívida brasileira e ajudaria a atenuar as oscilações de crescimento econômico.

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