quarta-feira, outubro 23, 2013

A opção nuclear - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 23/10

Exclusão de preços mais voláteis revela que tensões são mais sérias do que mostra simples leitura do IPCA


O título é chamativo, reconheço, mas vida de colunista é uma disputa permanente pela atenção dos 18 leitores, que hão de me perdoar por um pouco de sensacionalismo na manchete, desde que consiga me redimir, como espero, no corpo da coluna.

A opção nuclear do título refere-se às chamadas medidas de "núcleo" da inflação, as quais quase ninguém, exceção feita aos analistas profissionais, costuma prestar muita atenção, talvez com bons motivos em condições normais, isto é, bastante distintas daquela que vivemos hoje.

Um problema comum em economia é achar contrapartidas nos dados para alguns conceitos, cuja definição é bastante precisa. Inflação, por exemplo, consiste no aumento persistente do nível geral de preços, acepção que dá ênfase a dois elementos: persistência e abrangência.

De fato, se todos os preços da economia aumentassem, digamos, 1% num determinado período e permanecessem estáveis daí em diante, não poderíamos, a rigor, falar em inflação. Da mesma forma, se uns poucos preços aumentassem de forma persistente, mas com os demais se mantendo constantes, também não se trataria de um fenômeno inflacionário.

No entanto, em ambos os exemplos (extremos, usados apenas para ilustrar o tema), os índices de preços capturariam os aumentos, sem fazer a distinção requerida pela teoria. Na prática, ao analisar o comportamento dos índices de preços, analistas precisam distinguir entre movimentos persistentes e temporários, assim como entre aumentos generalizados e localizados.

A utilização das medidas de núcleo de inflação é uma técnica que permite lidar com o problema. Trata-se de definir uma medida de inflação que seja menos afetada por fenômenos transitórios (ou localizados), possibilitando ao analista um entendimento menos "poluído" do que ocorre no front inflacionário.

Não há, é bom dizer, uma definição particular que consiga lidar com todas as dificuldades. Em alguns casos costuma-se excluir do cálculo um conjunto predeterminado de bens e serviços (nos Estados Unidos, alimentos e combustíveis; no Brasil, alimentos e preços administrados pelo governo), considerados a priori mais voláteis ou menos sujeitos à dinâmica de mercado.

Em outros casos não há um conjunto predeterminado de bens e serviços; apenas são excluídos da conta aqueles preços que mais caíram ou subiram num período particular, também sob a suposição de se tratarem de preços mais voláteis, que não configurariam um verdadeiro processo inflacionário.

Outra técnica ainda altera os pesos dos produtos no índice de preços, atribuindo ponderação maior para os menos voláteis e menor para os mais voláteis.

É necessário esclarecer que não se trata de "expurgar" a inflação para reduzir indevidamente a responsabilidade do Banco Central pela estabilidade de preços, mas sim de permitir --atento às limitações do instrumento-- uma distinção mais nítida entre fenômenos passageiros e localizados e os persistentes e generalizados, estes fonte de maior inquietação.

Em particular, se a inflação é alta, mas os núcleos são bem menores, é bem provável que a elevação de preços seja passageira, ou resultante de pressões localizadas; por outro lado, caso a inflação seja baixa, mas os núcleos não, a indicação é bem mais preocupante.

No caso do Brasil, não apenas a inflação é alta, mas os núcleos (temos cinco versões deles!) conseguem ser ainda maiores, sugerindo que as tensões são mais sérias do que as reveladas pela simples leitura do IPCA. Enquanto este apontava para uma inflação de 5,86% nos 12 meses até setembro, a média dos núcleos indicava um número na casa de 6,22%, provavelmente mais representativo da "verdadeira" inflação nestes tempos de interferência governamental sobre os preços.

O corolário da opção nuclear é, portanto, simples: apesar do governo insistir no contrário, seu controle da inflação é bem mais frágil do que aparenta.

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