quarta-feira, outubro 30, 2013

A noite dos mascarados - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 30/10

A mesma rotina: quebra-quebra, incêndios, saques, bombas. O resultado é que a população da capital de São Paulo parece cansada de tanta violência urbana


Primeiro foi um coronel da Polícia Militar sendo covardemente espancado por mascarados. Depois foi um jovem sendo morto estupidamente por um soldado da mesma PM. Com poucas noites de diferença, a mesma rotina: quebra-quebra, incêndios, saques, bombas. O resultado é que a população da capital de São Paulo parece cansada de tanta violência urbana. Pesquisa do Datafolha publicada esta semana revela significativa queda no índice de aprovação das manifestações de rua. Em junho, quando começaram, 89% dos entrevistados eram favoráveis a elas. Agora, são 66%. Quanto aos black blocs, 95% dos paulistanos desaprovam seus métodos, por usarem como forma de protesto a destruição de lojas, agências bancárias e prédios e equipamentos públicos. Participam dessa rejeição até mesmo os jovens. Os que têm entre 16 e 24 anos são 87%; os de 25 a 34 anos, 92%.

Comandante da região central da cidade, o militar Reynaldo Simões Lopes foi agredido na noite de sexta-feira com socos, pontapés e golpes com uma chapa de ferro. Foi salvo por seu motorista, que sacou uma arma e ameaçou os agressores. Quando era levado para o hospital com fratura das omoplatas, cortes na cabeça e escoriações no corpo, demonstrou uma admirável presença de espírito pacifista, dando uma surpreendente ordem: “Segura a tropa, não deixa a tropa perder a cabeça.” Depois de medicado, ele reiterou sua pregação de sensatez.

Na véspera de mais esse tumulto, haviam me contado o que acontecera numa sessão da Mostra Internacional de Cinema, da qual sou membro do júri de documentários. Grupos dos mesmos black blocs se postaram diante do vão livre do Museu de Arte de São Paulo prontos para invadi-lo, quando a diretora do evento, Renata de Almeida, ultrapassou a barreira de policiais e, sozinha, se dirigiu aos manifestantes com um desconcertante discurso. Explicou o que era o festival e fez-lhes um convite: “Vocês podem entrar, são meus convidados, é de graça. Vale a pena!”

Uns receberam a proposta com desconfiança, outros hesitaram, mas alguns se mostraram interessados, querendo saber detalhes do documentário que ia ser exibido, “São Silvestre”, de Lina Chamie. É possível que estes mais curiosos tenham retirado as máscaras e entrado. O fato é que, preparados para o confronto, os iracundos jovens não sabiam como reagir à gentileza.

Esperava-se que o tolerante gesto do coronel surtisse algum efeito apaziguador entre os vândalos. Também o segundo episódio era animador, porque encerrava a moral de que naquela noite de celebração da cultura, a tentação do escurinho do cinema e o convencimento pela persuasão venceriam a compulsão pela agressividade. As duas reações, a do coronel e a da Renata, eram uma exemplar contribuição para a tão desejada paz urbana.

A esperança durou pouco, e anteontem a rotina foi retomada. Na Zona Norte da cidade, manifestantes protestaram contra a morte do jovem, incendiando seis ônibus e três caminhões, saqueando uma loja e ferirndo à bala um pedestre.

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