quarta-feira, setembro 25, 2013

Merkel, a grande - ROGER COHEN

O GLOBO - 25/09

Henry Kissinger fez a famosa pergunta: qual é o telefone da Europa? Agora ele sabe: é o de Angela Merkel.

Depois de oito anos no cargo durante uma crise que sacudiu países dos EUA à Grécia, Merkel levou o Partido Democrata-Cristão (CDU) à maior votação em duas décadas. Numa eleição pobre de temas, ela era o assunto. Seu slogan era a chanceler . Foi uma vitória pessoal, esta quase maioria absoluta, e foi só isso.

Grande Angela Merkel, maior que a vida , definiu Thomas Schmid num comentário de primeira página do jornal alemão Diel Welt .

Ainda assim, ela é a face na multidão, mais do que a face que se destaca. Amarrotada, desajeitada, com sua calça comprida e blazer quase sempre um pouco apertado, Merkel pode parecer um estudo orquestrado sobre a normalidade, uma criação brilhante de estrategistas políticos antenados com a psiquê pós-traumática alemã. Talvez custe muito dinheiro parecer assim tão simples. Mas com o tempo torna-se claro que ela é apenas o que é, que o poder não a alterou; uma mulher, como Margaret Thatcher, que não dá para mudar.

Merkel é um fenômeno. Ela capturou algo do espírito da época. Nesta era olhe para mim de traficantes de imagem e mercadores de rodopios, ela é o sóbrio antídoto. Ela trabalha muito e é humilde. Poder à imaginação , dizia o slogan dos revolucionários de 1968 na Europa. A chanceler alemã é diametralmente o oposto disso. Ela é um estudo sobre a previsibilidade. Nas palavras de Rainer Stinner, do defenestrado (do Parlamento) partido FDP, ela é a derradeira gradualista. Numa era pós-ideológica, funciona.

Esta Alemanha não tolera experiências. É estável e rica, com seus 5,3% de desemprego, orçamento equilibrado e crescimento firme. Maior nação europeia, com queda para fazer uma coisa de cada vez, está em fase de consolidação. Aqui de novo Merkel se ajusta ao espírito do momento. Uma líder proveniente da antiga Alemanha Oriental, ela está costurando com prudência a união do país. Ela representa uma geração alemã pragmática cujo mote parece ser: depois dos grandes debates, depois da agonia, vamos continuar sendo prósperos.

É fácil esquecer essa agonia. Mais impressionante é o tempo de espera intelectual que a Alemanha adotou. Cada geração do pós-guerra se engajava num debate diferente: o silêncio dos anos de Adenauer deu lugar a raivosas demandas por responsabilidade por parte da geração dos 1960s; e então Willy Brandt de joelhos no gueto de Varsóvia; e a polêmica sobre a colocação no país dos mísseis americanos Pershing-2; e o milagre da reunificação; e o imenso custo desse longo processo; e finalmente a penosa indagação se, depois de Auschwitz, a Alemanha poderia voltar a ser normal e os alemães, orgulhosos - questões que acharam resposta na euforia da conquista da Copa do Mundo de 2006.

Merkel fechou o livro. Ela é a grande consolidadora. Este é o motivo pelo qual ela é amada numa nação cansada de autoquestionamento. Venda carros, equilibre o orçamento, mantenha-se competitivo, evite surpresas e viva feliz para todo o sempre.

É o bastante para o Estado mais poderoso da Europa? Schmid pôs em seu comentário o seguinte título: A chanceler finalmente emergirá de debaixo de suas cobertas? Suspeito que já emergiu: isto é o que Merkel é. Legados não são para ela se envolverem algum esforço artificial para registro histórico.

Ela caminhou numa tênue linha entre a exigência de prudência fiscal por parte dos alemães e a salvação do euro. O mesmo se pode dizer das demandas alemãs por liderança e percepções de sinistra dominância. Talvez, numa provável grande coalizão com os social-democratas, e sem os neoliberais do FDP, ela deverá mostrar um pouco mais de indulgência com a Grécia e outros países em dificuldades. Ela deveria, mas qualquer mudança será mínima.

O que mais? Merkel, mais atraída pelo mundo anglo-saxão que pelo gaulês, fará tudo o que puder para manter o Reino Unido na União Europeia, provavelmente trocando alguma devolução de poderes para os Estados nacionais por maior integração fiscal. Ela trabalhará duro para aumentar a competitividade da Europa. Ela exercerá o poder da discreta maneira germânica: contra o militarismo e o intervencionismo, por uma ordem mundial mais equilibrada, em que os EUA lideram, mas aceitam limites. O legado que ela deseja deixar é o de uma Alemanha forte numa Europa unida num mundo mais livre.

Ela já mudou a Alemanha mais do que as pessoas reconhecem. Há uma geração, alguém que sugerisse que uma mulher sem filhos do Leste pudesse liderar os democratas-cristãos e a Alemanha, com um ministro das Relações Exteriores gay e uma vice-chanceler descendente de vietnamitas seria considerado louco. Ela deu à Alemanha espaço para evoluir.

Giovanni di Lorenzo, editor do semanário Die Zeit , contou-me outro dia que ele estava com sua filha de cinco anos que, ao ver toda a propaganda eleitoral de Merkel, virou-se para ele e perguntou: Esta mulher é a líder do mundo?

Boa pergunta.

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