terça-feira, setembro 24, 2013

Contraste alemão - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 24/09

A chanceler alemã Angela Merkel está numa curiosa situação: teve uma forte vitória, mas ainda não tem um governo. Ela já é a liderança europeia dos tempos atuais mais bem sucedida eleitoralmente. Margaret Thatcher e Tony Blair e ela venceram três eleições, mas os britânicos tiveram votações decrescentes e Merkel teve o maior percentual de votos na terceira eleição.

O que a coloca na contradição de vitória incompleta é que seu aliado do partido liberal foi eliminado do parlamento pela cláusula de barreira — teve menos de 5% dos votos e, assim, não tem representantes — e por isso ela tem que negociar uma nova coalizão. Por um lado, pode se juntar aos Verdes e aos pequenos partidos de esquerda e terá uma coalizão mais fraca; por outro, negociar com o segundo maior partido, os social-democratas, que são mais fortes e a empurrarão para atenuar as políticas de austeridade.

Para entender a vitória do CDU, partido de Merkel, olhando para a economia, um indicador chama atenção: o desempenho do mercado de trabalho, que criou barreiras contra a maré de desemprego que assola a região. O índice chegou a 5,3% em julho, e 7,7%, entre jovens. Números mais baixos que os do Brasil.

A Europa continua convivendo com números dramáticos no mercado de trabalho. O desemprego chegou a 27% na Grécia, e na Espanha, a 26%. Portugal tem 16,5% de desempregados. Entre os jovens, os números são muito piores: 62%, na Grécia; 56%, na Espanha; e 39%, na Itália. Na média, a zona do euro mantém desemprego de dois dígitos, em 12,1%, em julho. Na Alemanha, a taxa de desemprego alemã hoje é menor do que quando Merkel foi reeleita pela primeira vez, em setembro de 2009, um ano após o início da crise americana.

Na campanha, Merkel ao mesmo tempo que defendeu mais Europa, sustentou que o contribuinte alemão não pagaria a conta sem que os vizinhos fizessem reformas econômicas e cortes de gastos. Mas o economista-chefe da Acrefi, Nicola Tingas, explica que a expectativa dos europeus, principalmente gregos, espanhóis, portugueses e irlandeses, é de que a vitória de Merkel abra espaço para uma mudança de estratégia na condução da crise. Na campanha, a chanceler tinha a necessidade de dialogar mais com o eleitorado alemão e isso se traduzia no discurso de proteger o contribuinte. Mas o resultado da eleição a obrigará a fazer uma coalizão mais à esquerda. Isso pode fazer com que o terceiro mandato signifique menos austeridade fiscal na região.

— Nas últimas semanas, houve sinalizações do governo alemão de que políticas pró-crescimento poderiam começar a ser adotadas. Seria como dizer que o principal do esforço fiscal já foi feito. Com a vitória, isso pode acontecer. A Europa não pode só cortar gastos, e a Alemanha precisa que todos os outros países voltem a ser fortes para ela também ficar mais forte — explicou.

O diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha, Ingo Plöger, concorda e avalia que uma coalizão com os social-democratas pode dar a Merkel o argumento necessário para uma guinada na condução da crise, apesar de estarem em campos políticos opostos.

— A política fiscal pode ser um pouco atenuada no terceiro mandato, com um discurso de que o fundo do poço já passou e que as principais reformas já foram feitas. Nesse sentido, uma coalizão com os social-democratas viria a calhar, porque ela teria um motivo para rever a sua posição — explicou.

Merkel vai demorar ainda a formar sua coalizão. Só depois disso se saberá a cara do novo governo alemão. Ontem, ela já telefonou para os líderes social-democratas, que pediram um tempo para pensar. Mas ela disse que quer formar uma coalizão forte e isso só poderá ser com eles.

Nenhum comentário: