sexta-feira, setembro 13, 2013

Ânsia de destruição - JOSÉ LUIZ ALQUÉRES

O GLOBO - 13/09

O saque de Roma pelos vândalos, em 455 DC, dá nome a depredações e pilhagens desde então. Para muitos historiadores, no entanto, ele foi "relativamente brando", protegendo as igrejas, ensejando o casamento da filha do invasor Genserico com a filha do antigo imperador romano etc.

Vendo a generalização do emprego do termo vândalo hoje em dia, em função das manifestações que se sucedem, trago abaixo, na sucessão em que foram escritas, frases de Elias Canetti no seu monumental estudo "Massa e Poder". Estudioso e crítico feroz do nazismo, cuja ascensão estudou e procurou entender, Canetti é Prêmio Nobel de 1981.

"A ânsia de destruição da massa é a primeira coisa nela que nos salta aos olhos, e é inegável que é algo encontrável em toda parte, nos mais diferentes países e culturas. Embora se constate e desaprove tal ânsia, ela jamais é realmente explicada. (...) A massa destrói preferencialmente edifícios e objetos. Como frequentemente se trata de coisas quebradiças - como vidraças, espelhos, vasos, quadros, louça - inclinamo-nos a acreditar que é justamente este caráter quebradiço dos objetos que estimula a massa à destruição ( ...) São os vigorosos sons vitais de uma nova criatura, os gritos de um recém-nascido (...) O barulho promove o fortalecimento."

"A destruição (...) nada mais é do que um ataque a todas as fronteiras. Vidraças e portas são partes dos edifícios; elas constituem a porção mais frágil da sua separação com o exterior. Uma vez arrombadas, o edifício perde a sua individualidade. (...) Nestes edifícios encontram-se geralmente aqueles que buscam excluir-se da massa: são os inimigos dela. Destrua-se pois aquilo que os aparta.(...)"

"O mais importante de todos os meios de destruição é o fogo.(...) Como se verá o fogo é o símbolo mais vigoroso que existe para a massa. E, terminada a destruição, o fogo, assim como a massa, tem de extinguir-se. ( ...)"

Canetti então se volta a estudar a malta , um grupamento menor que insufla as massas. "Os cristais de massa e a própria massa, no sentido moderno da palavra derivam, ambos, de uma unidade mais antiga ( .. ) que é a malta." Na malta, de reduzido número de membros, que se conhecem, convivem e após serem dispersados sempre voltam a se reunir, eles compensam com intensidade o que falta de densidade real. Após um tratamento mais sistemático e classificatório das maltas, Canetti volta-se a analisar o seu papel nos movimentos de massa."É essa constância, o fato de estarem sempre prontas e à disposição, que possibilita o emprego das maltas em civilizações mais complexas. Na qualidade de cristais de massa, são empregadas repetidamente, onde quer que se trate de produzir massas com rapidez. Mas muito do que é de arcaico em nossas culturas modernas expressa-se também sob a forma de malta. É o temor do anseio por uma vida simples e natural, por um desliga-mento das pressões e exigências crescentes do nosso tempo: trata-se do desejo de viver em maltas isoladas..."

Um dos primeiros historiadores brasileiros, Armitage aponta corretamente o papel vital destas maltas desembestadas nos episódios ligados à abdicação de D. Pedro I. Esperemos agora, dois séculos depois, que haja mais resiliência das nossas instituições democráticas e mais capacidade de compreensão e de reação ao efêmero destrutivo que tem crescido, ao tempo em que a política acorde para a urgência da renovação das práticas políticas e administrativas e a sociedade civil para sua participação construtiva, como se vê no movimento em defesa de Júnior e do Afro-Reggae.

Nenhum comentário: