domingo, agosto 18, 2013

O vovô espião - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

O ESTADÃO - 18/08

O que ele tinha no ouvido não era aparelho para surdez coisa nenhuma

A culpa foi da combinação de duas novidades que deixaram as crianças alvoroçadas: a notícia de que os americanos estavam espionando o Brasil e o novo aparelho para surdez do vovô. Foi o Henriquinho, chamado de Riquinho na família e que, sendo o mais velho, era uma espécie de chefe dos netos quem ligou os dois fatos e concluiu: o que o vovô tinha no ouvido não era aparelho para surdez coisa nenhuma. Era um transmissor e receptor em miniatura. Para irmãos e primos reunidos, o Riquinho anunciou que o vovô estava em contato permanente com os americanos através do aparelhinho. O vovô era um espião.

O Riquinho, que estava aprendendo inglês, passou a só falar em inglês perto do ouvido do avô.

– Hello. How are you? O avô ria e respondia:

– I am very well, thank you. – Eu não estava falando com você, vovô.

– Estava falando com quem?

– Com o Obama. O avô não entendia mas ria assim mesmo.

Os netos receberam instruções detalhadas do Riquinho sobre como se comportar perto do avô. Não deveriam dizer nada ao alcance do seu aparelhinho no ouvido que pudesse comprometer a segurança nacional. Principalmente, não deveriam tocar em assuntos estratégicos, sob pena de serem considerados traidores da pátria. Ninguém sabia o que era “estratégico” mas todos concordaram, solenemente. E quando o avô tentou segurar Luana, a menorzinha, no colo e perguntou “quem é a belezinha do vovô?” ela esperneou, se libertou e saiu correndo, gritando.

– Não posso dizer!

Como ia saber que aquele não era um assunto estratégico?

Os adultos estranharam a mudança no comportamento dos netos com o avô. Nem lhe pediam mais as coisas que costumavam pedir, e o vovô sempre dava. O que estava acontecendo? Finalmente Riquinho, como porta-voz dos outros, explicou que não aceitavam mais as brincadeiras do avô, nem seus presentes, porque seria como confraternizar com o inimigo.

– Com o inimigo?! Mas por que o vovô é inimigo?

E Riquinho contou sua teoria sobre a função do aparelhinho que o avô tinha no ouvido. Vovô era um espião dos americanos. Se os americanos resolvessem atacar o Brasil, seriam guiados por agentes infiltrados como o vovô. Já dava para desconfiar, com a paixão que o vovô tinha por tudo que era americano. Ele até assinava o Reader´s Digest.

– Mas o vovô é surdo. Por isso usa aquele aparelhinho.– Pode ser um disfarce.

No primeiro almoço de domingo depois da revelação do Riquinho, o vovô pediu a palavra. Precisava fazer uma comunicação importante. Consultara o presidente Obama e ouvira dele a promessa de que, caso os drones americanos bombardeassem o Brasil, as casas dos seus familiares seriam poupadas. Ninguém da família precisava se preocupar. Os netos todos festejaram, e o Riquinho agradeceu ao vovô, que disse:

– Não agradeça a mim, agradeça ao presidente Obama.

E ofereceu o ouvido com o aparelhinho para o Riquinho gritar: – Thank you, Mr. Obama!

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