segunda-feira, agosto 05, 2013

Câncer, novos dilemas - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 05/08

Especialistas ligados ao Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos publicaram no "Journal of the American Medical Association" uma série de recomendações que, se adotadas, mudariam significativamente a forma de detectar e tratar tumores.

A ideia central é deixar de chamar de câncer vários tipos de lesão que tendem a ser indolentes ou que têm baixo potencial de provocar metástases. Espera-se, com isso, que os pacientes fiquem menos amedrontados e que reduzam a procura por tratamentos agressivos e provavelmente desnecessários, como a remoção de mamas.

Ao longo das últimas décadas, houve avanços notáveis nas tecnologias de detecção, e as pessoas incorporaram exames preventivos a suas rotinas médicas. Dessa forma, mais tumores passaram a ser diagnosticados e tratados.

Essa é uma boa notícia, que seguramente salvou vidas. Mas há também um preço a pagar: os sobrediagnósticos e terapias ociosas.

Um dos primeiros especialistas a demonstrar a existência desse problema, inicialmente recebido com um certo ceticismo pela comunidade médica, foi H. Gilbert Welch.

O pesquisador mostrou que, embora os índices de detecção e tratamento exitoso tenham aumentado bastante para vários tipos de câncer, as curvas de mortalidade não mudaram tanto --forte indício de que os tumores descobertos não eram tão ameaçadores. Isso é especialmente verdade para lesões na mama, no pulmão, na próstata, na tireoide e na pele.

O cálculo revela a magnitude do problema. Welch estima que, para cada vida salva submetendo-se mulheres de mais de 50 anos a mamografias, há uma série de efeitos adversos: de duas a dez mulheres recebem tratamento sem necessidade; de 200 a 500 experimentam um episódio de "alarme falso", que envolve altos custos psíquicos e materiais.

A fim de salvar vidas, transforma-se muita gente saudável em paciente. Se não há dúvida de que, em termos de saúde pública, é preciso encontrar um ótimo no nível de diagnóstico que permita evitar o máximo de óbitos com o mínimo de efeitos adversos, esse raciocínio se esfacela quando levado para o nível individual.

Como não há muita certeza sobre qual tumor poderá um dia provocar metástase, pacientes e médicos preferem não arriscar, frequentemente optando por terapias mais agressivas. É esse problema, que evoca a quadratura do círculo, que os especialistas tentam resolver.

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