quinta-feira, agosto 08, 2013

A troca da Guarda Monetária - JOSEPH E. STIGLITZ

O GLOBO - 08/08

Com a transição no comando de muitos bancos centrais em andamento ou próxima, muitos daqueles parcialmente responsáveis por criar a crise econômica global que entrou em erupção em 2008 - antes de adotar ações determinantes para evitar o pior - partem sob alguma crítica. A questão principal é até que ponto essas análises vão influenciar o comportamento dos sucessores.

Muitos agentes do mercado financeiro são gratos pelo afrouxamento regulatório que lhes permitiu auferir enormes lucros antes da crise, e pelos generosos resgates que os ajudaram a se recapitalizar - e frequentemente a sair com megabônus - mesmo tendo levado a economia global quase à ruína. É fato que dinheiro fácil ajudou a restaurar o preço das ações, mas também poderiam ter criado novas bolhas.

Enquanto isso, o PIB em muitos países europeus permanece marcadamente abaixo dos níveis pré-crise. Nos EUA, a despeito do crescimento do PIB, a maioria dos cidadãos está pior hoje que antes da crise, porque os ganhos de renda desde então foram quase inteiramente para aqueles no topo da pirâmide.

Em resumo, muitos dirigentes de bancos centrais que serviram nos inebriantes anos pré-crise têm muito a responder. Dada sua crença excessiva em mercados sem restrições, fecharam os olhos a abusos palpáveis, incluindo empréstimos predatórios, e negaram a existência de uma bolha óbvia. Em vez disso, os dirigentes de bancos centrais focaram única e exclusivamente na estabilidade dos preços, embora os custos de uma inflação um pouco maior tenham sido minúsculos comparados ao caos provocado pelos excessos que permitiram, se não encorajaram. O mundo pagou caro por sua falta de compreensão dos riscos da securitização e, mais amplamente, por seu fracasso em focar na alavancagem e no sombrio sistema bancário.

Claro, nem todos os dirigentes de BCs são culpados. Não foi acidente que países como Austrália, Brasil, Canadá, China, Índia e Turquia evitaram crises financeiras; os responsáveis por seus bancos centrais aprenderam com a experiência - a sua própria e a de outros - que mercados sem restrições não são sempre eficientes ou autorregulamentáveis.

Por exemplo, quando o governador do Banco Central da Malásia apoiou a imposição de controles de capitais durante a crise asiática de 1997-1998, a política foi desprezada, mas depois se mostrou acertada. A Malásia teve uma crise menos duradoura e emergiu menos endividada. Até o FMI hoje reconhece que controles de capitais podem ser úteis, especialmente em tempos de crise.

Tais lições são obviamente relevantes diante da atual competição para suceder a Ben Bernanke no comando do Federal Reserve (o banco central americano), a mais poderosa autoridade monetária do mundo.

O Fed tem duas responsabilidades principais: regulação macro destinada a assegurar pleno emprego, crescimento da produção e estabilidade de preços e financeira; e regulação micro focada nos mercados financeiros. As duas estão intimamente conectadas: a micro afeta a oferta e a alocação de crédito - determinante crucial da atividade macroeconômica. O fracasso do Fed em preencher suas responsabilidades na regulação micro tem muito a ver com seu malogro no atingimento de metas macro.

Qualquer candidato sério à chefia do Fed deveria entender a importância da boa regulamentação e a necessidade de fazer o sistema bancário americano voltar a prover crédito, em especial aos americanos comuns e às médias e pequenas empresas (isto é, àqueles que não são capazes de levantar fundos nos mercados de capitais).

Julgamento econômico sólido e critério são exigidos também, dada a necessidade de sopesar os riscos das diferentes políticas e a facilidade com que os mercados financeiros se agitam. (Dito isto, os EUA não podem se dar ao luxo de ter um presidente do Fed que apoie excessivamente o setor financeiro e relute em regulá-lo.)

Dada a certeza de divisões entre os altos funcionários sobre a importância relativa da inflação e do desemprego, um presidente de Fed bem-sucedido precisa também ser capaz de trabalhar bem com pessoas com perspectivas diversas. Mas o próximo líder do Fed deveria se comprometer a assegurar que a taxa de desemprego caia abaixo de seu atual nível inaceitável; um desemprego de 7% - ou mesmo de 6% - não deveria ser considerado inevitável.

Algumas pessoas argumentam que o que os EUA precisam mais é de um presidente do Fed que tenha experiência em primeira mão em crises. Mas o que importa não é apenas estar lá durante a crise, mas mostrar bom julgamento ao gerenciá-la. No Departamento do Tesouro, os que foram responsáveis por gerenciar a crise asiática tiveram uma performance triste, convertendo desacelerações em recessões e recessões em depressões. Assim também os responsáveis pelo gerenciamento da crise de 2008 não podem ser creditados com a criação de uma recuperação robusta e inclusiva. Esforços malsucedidos para reestruturação de hipotecas, falhas no restabelecimento do crédito e inépcia no resgate dos bancos foram bem documentados, assim como as falhas na previsão tanto da produção quanto do desemprego enquanto a economia descia a ladeira.

Um dos principais candidatos a suceder a Bernanke é a vice do Fed, Janet Yellen, uma das minhas melhores alunas quando ensinei em Yale. É uma economista com forte intelecto, grande capacidade de forjar consensos e que provou sua energia como presidente do Conselho de Assessores Econômicos, presidente do Fed de São Francisco e em seu atual cargo.

Dada a frágil recuperação econômica e a necessidade de continuidade, a mão firme de Yellen é precisamente o que a formulação de políticas nos EUA precisa. O presidente Barack Obama deve indicar os altos funcionários com o conselho e consentimento do Senado. Cerca de um terço dos senadores democratas escreveu a Obama em apoio a Yellen. Ele deveria ouvir o conselho.

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