segunda-feira, julho 29, 2013

O Jeito Brasileiro - LYA LUFT

REVISTA VEJA


Não acho graça quando dizem que alguma falha, bizarrice, relaxamento ou incompetência é o jeito brasileiro. Não concordo quando autoridades dizem que atrasos em ocasiões oficiais fazem parte da cultura brasileira... Não acho que errar o trajeto ou combinar mal ou nem combinar nada sobre o trajeto de um papa, sabido séculos antes, nas tantas vezes convulsionadas ruas do Rio atual, seja apenas jeito brasileiro. E, se for, a gente tem de corrigir.

"No Brasil é assim..." Será? Será bom? A gente deve achar graça e se orgulhar? Houve um momento em que uma autoridade afirmou que caixa dois no Brasil é normal. Será? E então como falar de ética, honradez, transparência, palavras que se vão gastando de tão mal usadas?

Tenho muito receio desse folclore de que aqui é assim, e pronto. Não é normal que multidões se revoltem e protestem pelo país, e que isso seja considerado bonito. Não aguento mais, não o uso, mas o abuso de termos sérios como "pacífico" e "democrático". Uma manifestação que termina com criminosos (por que o termo "Vândalos"?) destruindo propriedade pública e privada, agindo com violência e portanto recebendo violência, não me parece pacífica. Movimento pacífico é pacífico. Não admite essa reiterada violência. Se meu pé está gangrenado, meu corpo está doente, e nenhum eufemismo há de negar isso.

Os próprios manifestantes deveriam, poderiam, evitar os criminosos? As autoridades deveriam ser mais eficientes, mais severas? Ou liberamos geral a bagunça, os estragos, os crimes — pois destruir é crime? Se eu pegar uma pedra e quebrar uma vitrine ou a vidraça de um edifício público ou residencial, certamente não sairei impune. Se eu acampar no meio de uma Câmara Municipal ou Assembleia ou seja o que for, certamente não ficarei ali tranquila. Então o que está havendo?

Sou a favor de manifestar indignação e fazer protestos. Temos mais do que motivo para isso, mas algo está muito errado por aqui. Ninguém parece se dar conta disso, olhamos para os lados assobiando como menino no escuro, fingindo que está tudo ótimo. Fingindo que está tudo bem. O Brasil é assim. Pior, quem sabe dizendo que protestar, manifestar-se, sair às ruas, estradas e atacar pessoas e edifícios é sinal de satisfação. O povo ganhou muito, agora quer mais.

Não entendo esse raciocínio e suspeito que não seja para entender mesmo. Então vai ver que é mais um jeito brasileiro de tentar esconder problemas sérios e urgentes, pois a situação só piora. A economia piora. Saúde, educação, dignidade, segurança não podiam estar piores. Mas a gente fica satisfeito, tudo democrático e pacífico, que bonito, afinal quebrar lojas, saquear, atacar, carregar bombas de fabricação doméstica, andar mascarado para cometer loucuras faz parte do jeito brasileiro. Será?

Aí vem Francisco, o Papa, com seu jeito de vovozinho alegre, mas não se enganem: é experiente, é sábio, é corajoso, chega dizendo que não traz ouro nem prata, mas Cristo. Chega aberto ao povo. Se teve medo, não sabemos, mas parecia tranquilo enquanto a multidão o queria ver, fotografar, tocar, e os seguranças, perplexos, atônitos, corriam de um lado para outro sem entender direito o que tinha acontecido, quem tinha errado para de repente Francisco estar entalado no trânsito como qualquer comum mortal, ainda por cima exposto daquele jeito.

Tudo saiu bem, nem mortos nem feridos, tudo simpático, do jeito brasileiro. Mas podia ter sido um desastre sem tamanho — e quando escrevo esta coluna a visita ainda não chegou ao fim. Acho que tudo vai dar certo. Acho que ninguém vai fazer manifestações e violências na cara de Francisco, mas longe dele. Acho que ele, sendo argentino, sabe onde se meteu, que continente é este, que país é este, e deve amar o que temos de bom, de belo, de honrado, de afetivo, de alegre, de bravo, de resistente e firme.

E pelo menos, graças a Deus, o Papa Francisco em seus discursos iniciais não falou em política: falou em gente, em amor, em juventude, em fé; falou, enfim, como um sacerdote — que é o que o papa é antes de tudo o mais. Viva Francisco!

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