quinta-feira, julho 11, 2013

A vez da Voz - HÉLIO SABOYA FILHO

O GLOBO - 11/07

"Em Brasília, dezenove horas." Segue-se uma tosca versão da abertura de "O guarani", de Carlos Gomes, interrompida por um coral que exclama em tom varonil "Voz do Brasil!" Assim começam os sessenta minutos durante os quais, de segunda a sexta feira, nos é cerceado o direito de escolhermos livremente o que ouvir no rádio, estejamos em casa, no trabalho, presos em quilométricos engarrafamentos das grandes cidades ou sacolejando em um pau de arara no sertão.

Batizado por Getúlio Vargas de "Hora do Brasil" e logo rebatizado pelo povo de "Fala sozinho", em referência aos insignificantes níveis de audiência, o programa só não foi extinto por Gaspar Dutra devido a um arranjo político no qual 10% do tempo foram cedidos ao Poder Legislativo. Café Filho cogitou encerrá-lo. JK, que dizia "não ter o hábito de ouvir a Hora do Brasil", fez do seu plano "cinquenta anos em cinco" a estrela principal do programa que não escutava, e que seguiu firme com Jânio, Jango, e nos 24 anos de regime militar.

Nem os ares da abertura foram capazes de livrar as ondas do rádio desse entulho autoritário. A "Voz do Brasil" atravessou os governos Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma.

Há 15 anos, o então deputado federal pelo PFL de Santa Catarina Paulo Bauer encaminhou à Câmara um Projeto de Lei propondo o fim da obrigatoriedade de retransmissão do programa em cadeia nacional.

Na exposição de motivos citou uma pesquisa do Ibope comprovando que o público ou não ouvia o programa (63%), ou desligava o rádio às dezenove horas de Brasília (37%), restando 5% que tinham por hábito ouvi-lo - habitualidade a ser relativizada por se cuidar de transmissão compulsória.

Ponderou que, com a multiplicação de canais de TV e rádios e com o surgimento da internet, o governo poderia dar ampla veiculação à "Voz do Brasil", frisando que o projeto não visava a extinguir o programa (uma pena), mas apenas tornar facultativa a retransmissão pelas emissoras privadas.

O projeto foi arquivado, não por nossos políticos acreditarem que suas bases colem o ouvido no radinho diariamente às sete da noite para saber das últimas novidades dos três poderes, mas apenas para manterem, ainda que em estado vegetativo, esse anacrônico mecanismo provedor de cargos públicos e sorvedor de recursos idem, baralhados em uma contabilidade nebulosa.

Estão em curso dois projetos de lei sobre o tema: um propõe o tombamento da "Voz do Brasil" como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil (!) e a ratificação de seu horário atual, e outro admitindo que a transmissão ocorra entre 19h e 22h.

A questão essencial não é sintonizada: a obrigatoriedade deve ou não ser mantida. Em recente entrevista, o presidente da EBC, Nelson Breve, argumentou o seguinte: "Eu até hoje não vi nenhuma pesquisa de âmbito nacional perguntando para as pessoas se elas querem ou não a continuidade da Voz do Brasil como obrigatória." Como bom administrador, já deve têla encomendado.

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