terça-feira, junho 18, 2013

Retrato argentino - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 18/06

ÁLVARO GRIBEL E VALÉRIA MANIEIRO - INTERINOS

Quem olha para os números da Argentina se pergunta como o país pôde crescer tanto na última década. Foi a uma média de 8,5%, entre 2002 e 2008, e de 9%, entre 2010 e 2011. Só foi mal em 2009. Há várias respostas: o crescimento do Brasil beneficiou os argentinos; o calote dado por eles reduziu a dívida pública e permitiu novos gastos; houve reposição de capacidade ociosa. Tudo tinha prazo para acabar. E acabou.

Gustavo Loyola, sócioda Tendências Consultoria e ex-presidente do Banco Central, e o economista uruguaio Arturo Porzecanski, professor da American University, participaram de mesa-redonda para discutir as relações comerciais entre o Brasil e o país vizinho. Fizeram um raio -x da economia argentina e a piora macroeconômica de nosso terceiro principal parceiro comercial saltou aos olhos.

Depois de crescer 1,9% em 2012, as projeções são de um PIB de 1,5% na Argentina este ano e de 2% em 2014. A inflação oficial está em torno de 10%, mas a que é calculada por economistas privados passa de 20%. O governo tem déficit fiscal primário, ou seja, fecha no vermelho mesmo excluindo gastos com juros. A conta corrente, depois de ter superávit de mais de 5% do PIB em 2010, foi para o negativo no ano passado. Voltou para o positivo, mas continua abaixo de 1%.

Os desajustes não param por aí. A indústria argentina chegou a crescer 10% em um ritmo de 12 meses, em 2010. Agora, está em recessão, na mesma base de comparação. As reservas internacionais superaram US$ 50 bilhões, em 2010, mas caíram para US$ 38 bi este ano. Cerca de US$ 8 bi poderão ser usados pelo governo para financiar as contas públicas este ano. A diferença entre o dólar oficial e o paralelo chegou a 80% e o medo de ficar sem moeda impôs restrição às importações.

Loyola e Porzecanski avaliam que todo esse desajuste macro afeta diretamente o Brasil.

— A Argentina é um dos poucos países do mundo que compram manufaturados do Brasil, principalmente automóveis. A crise cambial tem restringido importações e afetado a nossa indústria — disse Loyola.
Porzecanski enxerga uma piora institucional: restrição à imprensa e pressão sobre o Judiciário. Acha que é hora de o Brasil buscar outros parceiros:
— O Brasil está com a reputação prejudicada internacionalmente por causa das companhias, especialmente, Argentina e Venezuela. Chegou a hora de se distanciar desses dois.

Mercosul sem estratégia externa
O economista Mauricio Claverí, coordenador de Comércio Exterior da consultoria argentina Abeceb, avalia que o Mercosul precisa definir uma estratégia de relacionamento externo, para fazer frente aos novos acordos feitos pelo mundo. A dificuldade, segundo ele, é que Brasil e Argentina são países industrializados, mais sensíveis a uma abertura comercial. É o contrário do que acontece, segundo Claverí, com os países da Aliança do Pacífico, formada por Peru, Colômbia, Chile e México, que são, em sua maioria, exportadores de matéria-prima.

Vários índices para uma inflação
Na avaliação do economista Mariano Lamothe, gerente de análise econômica da consultoria argentina Abeceb, a inflação do país fechará o ano na faixa de 25%, muito acima da taxa oficial do governo, que está em torno de 10%. Ele explica que além do índice criado recentemente em Buenos Aires, várias outras províncias, como Santa Fé e San Luís, também fazem seus cálculos. A dificuldade de comparar os indicadores é que o Indec — o IBGE de lá — não divulga a abertura dos números. Há 500 produtos com preços congelados no país.

Novo calote agravaria o quadro
O governo argentino pode dar um novo calote em sua dívida, caso a Justiça americana decida a favor de credores que não aceitaram a reestruturação feita em 2001. “A presidente Cristina Kirchner já avisou que não vai aceitar a decisão, se for desfavorável. Isso significaria menos entrada de capitais na Argentina, maior restrição a importações. Afetaria indiretamente o Brasil", disse Porzecanski.

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