quinta-feira, junho 06, 2013

Enrolados na bandeira - VINICIUS CARRASCO E JOÃO MANOEL P. DE MELLO

O GLOBO - 06/06

Uma matéria do "Financial Times" mostra como as restrições à produção e à exportação de minério causaram o colapso da exportação indiana, antes a terceira maior do mundo. Para nós brasileiros, não é surpreendente o motivo para coibir as exportações: ajudar a siderurgia local. Recentemente, representantes da siderurgia brasileira, devidamente enrolados na bandeira nacional (como diz Marcelo de Paiva Abreu), defendiam restrições à exportação de sucata para a China. "O mundo está de cabeça para baixo e não há espaço para ingenuidade", escreveu neste jornal um representante do Instituto Aço Brasil, contando com a ingenuidade alheia.

O que ocorreu quando a Índia reduziu suas exportações? Primeiro, o preço aumentou. Depois os concorrentes aumentaram suas capacidades de produção, reduzindo o preço para um nível parecido com o que prevalecia antes da redução indiana. No jargão de Teoria dos Jogos, as escolhas de capacidade são substitutos estratégicos: em reação à retração indiana, os concorrentes aumentam suas capacidades. No frigir dos ovos, o preço ficou parecido, o produtor indiano vende menos, e os concorrentes vendem mais. Como as decisões de capacidade são permanentes, no longo prazo a política conseguiu o feito de diminuir a fatia de mercado das empresas indianas. As políticas indianas, que muitos aqui adotariam com entusiasmo - cínico ou ingênuo -, foram um maná permanente para as empresas estrangeiras. No curto prazo, talvez a siderurgia local tenha se beneficiado de preços baixos. No longo, é preciso combinar com as mineradoras para que elas continuem investindo em capacidade. A Índia está a importar minério, algo inusitado.

O Brasil, no entanto, não é Índia. Ainda. Por aqui, é a lentidão do licenciamento ambiental quem cumpre o papel de prejudicar a mineração doméstica em prol de empresas estrangeiras.

A previsão inicial era que Serra Sul - o maior projeto de expansão de capacidade da Vale - produziria no começo de 2012, mas a licença ambiental da mina só saiu agora. Faltam as licenças de logística. Se tudo der certo, começará no final de 2016. A MMX ainda não tem a licença de rejeito de seu projeto de Serra Azul. Não discutimos o valor da proteção ambiental, que é muito alto. Apontamos somente os custos da morosidade do licenciamento. Nem precisa dizer que a incerteza sobre o marco regulatório contribui para o pessimismo dos produtores.

Quanto serão os royalties? Haverá participação especial? E impostos de exportação? A Austrália, nosso principal concorrente, agradece. Segundo US Geological Survey, até 2007 ela produzia 20% a menos do que o Brasil.

Em 2011 produziu 31% a mais. Dados preliminares mostram que a diferença aumentou de lá para cá. Os analistas atribuem essa reversão à lentidão do licenciamento ambiental no Brasil.

Pela razão descrita acima, será difícil recuperar o terreno perdido. É a política industrial às avessas: atrapalha nossas empresas. Só não foi pior porque a irracionalidade indiana superou nossa incompetência. Essa é mais uma manifestação do mesmo fenômeno que ocorreu nos últimos anos: o Brasil foi bem, mas poderia ter ido muito melhor. Nosso sucesso se deve, em parte, ao fracasso alheio. Edmar Bacha cunhou a expressão Belíndia para descrever o Brasil: uma Bélgica dentro de uma Índia. Parafraseando, somos a Austríndia do mercado de minério.

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