sábado, junho 01, 2013

Crônicas de hospital - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 01/06

Já constitui uma espécie de subgênero de autoajuda o relato de experiências com doenças e hospitais - quando, bem entendido, se sobrevive para contar. Rubem Braga falou do pulmão que perdeu para o câncer: "Quem quiser que se fume." Verissimo contou como foi parar numa emergência com uma infecção generalizada. João Ubaldo descreveu como escapou por milagre de uma pancreatite. Eu mesmo publiquei aqui há tempos a crônica "Com o autor na UTI", onde lembrava como em menos de uma semana fora parar duas vezes na Unidade de Tratamento Intensivo da Casa de Saúde São José, com direito ao susto de uma septicemia, por causa de uma pedrinha no rim.

A lição era: "para qualquer sinal de alteração no organismo, o melhor remédio é procurar um médico correndo. Nada de automedicação ou de protelação, de deixar para amanhã." Agora, foi a vez do colega Denis Cavalcante, de Belém do Pará, com o texto "Sírio & Libanês 1211", relatando suas peripécias durante o mês em que esteve hospitalizado. Sua pressão chegou a 6 x 3, ficou doze dias em jejum, as "dores atrozes" só passavam com morfina e emagreceu doze quilos, mas tudo bem: "Quanto mais excesso de bagagem, mais curta a viagem." Ele seguiu à risca o princípio de que um cronista pode perder até parte do estômago, parte do intestino, mas não pode perder o humor. A exemplo de um companheiro de corredor, com quem travou o seguinte diálogo: - Você sabia que esse andar é o dos pacientes desenganados? Qual foi a sua cirurgia? - Operei o intestino - respondeu Denis.

- Fala sério! Isso é fichinha. O intestino eu fiz no Natal. Agora retirei o baço, um pedaço do pâncreas e outro do fígado.

"Tudo num hospital de grande porte", ele escreveu, "se resume a uma abominável palavra: protocolo.

Um simples cotonete pode demorar horas para chegar. Um picolé de abacaxi nem se fala! Em contrapartida, recebia regularmente um catatau de antibióticos e medicamentos de última geração, a fim de evitar uma infecção que, naquele momento, poderia ser fatal." Denis termina sua crônica pra cima. "Uma coisa é certa: em momento algum ousei desistir. Grande parte da cura é o desejo de ser curado." Quem já passou por experiência parecida sabe o quanto isso é verdadeiro. A vontade pode não resolver tudo, mas ajuda muito.

A Justiça tarda, mas não falha. Demorou, mas mandou soltar quatro réus do incêndio da boate Kiss, em Santa Maria. O advogado deles comemorou, debochando dos que reclamaram da decisão: "Isso é choro de perdedor." De fato, é o choro indignado dos que perderam 242 inocentes, vítimas da irresponsabilidade dos acusados.

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