quarta-feira, junho 19, 2013

A passeata - ANTONIO PRATA

FOLHA DE SP - 19/06

Sejamos francos: ninguém tá entendendo nada. Nem a imprensa nem os políticos nem os manifestantes


Tinha punk de moicano e playboy de mocassim. Patricinha de olho azul e rasta de olho vermelho. Tinha uns barbudos do PCO exigindo que se reestatize o que foi privatizado e engomados a la Tea Party sonhando com a privatização de todo o resto. Tinha quem realmente se estrepa com esses 20 centavos e neguinho que não rela a barriga numa catraca de ônibus desde os tempos da CMTC. (Neguinho, no caso, era eu). Tinha a esperança de que este seja um momento importante na história do país e a suspeita de que talvez o gás da indignação, nas próximas semanas, vá para o vinagre.

Sejamos francos, companheiros: ninguém tá entendendo nada. Nem a imprensa nem os políticos nem os manifestantes, muito menos este que vos escreve e vem, humilde ou pretensiosamente, expor sua perplexidade e ignorância.

Anteontem, depois da passeata, assisti ao "Roda Viva" com Nina Capello e Lucas Monteiro de Oliveira, integrantes do Movimento Passe Livre. Ficou claro que, embora inteligentes e bem articulados, eles tampouco compreendem onde é que foram amarrar seus burros. "Vocês começaram com uma canoa e tão aí com uma arca de Noé", observou o coronel José Vicente. Os dois insistiram que não, o que há é um canoão, e as mais de 200 mil pessoas que saíram às ruas no Brasil, segunda-feira, lutavam por transporte público mais barato e eficiente. A posição dos ativistas de não se colocarem como os catalisadores de todas as angústias nacionais e seguirem batendo na tecla do transporte só os enobrece --mas estarão certos na percepção? Duzentas mil pessoas de esquerda, de direita, de Nike e de coturno por causa da tarifa?

"Por que você tá aqui no protesto?", perguntou a repórter do "TV Folha" a uma garota na manifestação do dia 11: "Olha, eu não consigo imaginar uma razão para não estar aqui, na verdade", foi sua resposta. Corrupção, impunidade, a PEC 37, o aumento dos homicídios, os gastos com os estádios para a Copa, nosso IDH, a qualidade das escolas e hospitais públicos são todos excelentes motivos para que se saia às ruas e se tente melhorar o país --mas já o eram duas semanas atrás: por que não havia passeatas? Será porque a chegada do PT ao poder anestesiou os movimentos sociais, dificultando a percepção de que o Brasil vem melhorando, melhorando, melhorando e... continua péssimo? Ou será porque agora o Facebook e o Twitter facilitam a comunicação?

Se as dúvidas sobre as motivações --que brotam do solo minimamente sondável do presente-- já são grandes, o que dizer sobre o futuro do movimento? Marchará ou murchará? Caso cresça: conseguirá abaixar a tarifa? E, no longo prazo, terá alguma relevância? Mais ainda: adianta ir às ruas, fazer barulho? Ou a própria passeata extingue o impulso de revolta que a criou e voltamos todos para o mundinho idêntico de todos os dias, com a sensação apaziguadora de que "fiz a minha parte"?

Não tenho a menor ideia, estou mais confuso que o Datena diante da enquete (migre.me/f4UCh), mas num país injusto como o nosso, em que a única certeza parecia ser a de que, aconteça o que acontecer, o Sarney estará sempre no poder, as dúvidas dos últimos dias são muitíssimo bem-vindas.

2 comentários:

JOÃO DE DEUS disse...

Exatamente o que pressinto. Pena que muitos comentaristas aproveitam dessa não explicação plausível para os fatos para criticarem aqueles que eles querem criticar com respaldo nas passeatas das quais os mesmos (comentaristas) não entendem nada. A passeata se deu por conta do aumento de passagem em São Paulo, após o anúncio de desoneração de impostos e de cidades da grande São Paulo diminuírem suas passagens; e explodiu depois da ação da polícia.. depois disso - ninguém entende mais nada...só chutam!

Anônimo disse...

Pouco importa que os jovens disparem suas exigências em todas as direções sem priorizar nenhuma, que careçam de líderes amadurecidos, e que acolham em seu meio uma minoria de baderneiros e de vândalos.

Desde quando foi diferente no passado?

Somente a experiência ensina. E não há porque imaginar que os jovens de hoje não aprenderão.

Por mais legítimo que seja, o poder existe para ser contestado. Se não for pode virar tirania.

A natureza do poder é conservadora.

A natureza da rebeldia é destrutiva.

O progresso social e humanístico é filho legítimo do eterno confronto entre a rebeldia e o poder.

Que assim seja!


- RICARDO NOBLAT, O GLOBO

http://blogdonikel.wordpress.com/2013/06/17/e-eles-sairam-do-facebook-por-ricardo-noblat/