terça-feira, maio 07, 2013

O câmbio ressuscitado, afinal - ANTONIO DELFIM NETTO

Valor Econômico - 07/05

No seu 13º aniversário, o Valor publicou um magnífico caderno, "Rumos da Economia". Nele recolheu as opiniões do "crème de la crème" da profissão com competentes contribuições que abrangem quase todo espectro ideológico da economia. É importante conhecer as múltiplas respostas à questão fundamental colocada pelos editores: "Por que o Brasil não cresce?" Tratando-se da economia é natural obter respostas muito diferentes. O importante é que cada uma delas, no seu próprio contexto, parece fazer sentido.

O acepipe adicional é a inteligente e civilizada "entrevista cruzada" entre dois profissionais brilhantes que não habitam a mesma frequência: os professores Luiz Gonzaga Belluzzo e Edmar Bacha. Ambos chegaram à conclusão que é indispensável recuperar nosso sofisticado setor industrial.

Sua destruição e a substituição da produção nacional por importações não foi um acidente. Foi fruto de um cuidadoso descaso ideológico da política cambial dos últimos 30 anos. Na média do período 1981-1984 (no momento da grave crise do petróleo) a participação das exportações brasileiras com relação ao mundo era de 1,2%, igual à da Coreia e da China. Durante o primeiro mandato de FHC, uma política cambial alienante levou o país em 1998 à beira do "default", o que representou séria ameaça à sua reeleição. Esta foi salva graças a um "socorro" do FMI feito às pressas sob a intervenção política intempestiva do governo americano. Chegamos, assim, à dramática queda do valor das exportações para apenas 0,9% do comércio mundial. Para quê? Para esconder "artificialmente" a taxa de inflação!

Em 2012 o Brasil exportou US$ 242,6 bilhões; a Coreia, US$ 548,2 bilhões, e a China, US$ 2,05 trilhões, respectivamente, 10, 20 e 80 vezes mais do que em 1984! A natureza de nossas exportações sugere que com a composição atual elas serão menos elásticas no futuro em resposta ao aumento da renda mundial do que a dos países que exportam produtos industrializados.

O gráfico 1 dá uma ideia do que aconteceu com a nossa produção industrial no período posterior à crise do Lehman Brothers. Grosseiramente, o indicador do comércio mimetiza a demanda de bens industriais e a produção industrial corresponde à parcela daquela demanda satisfeita pela indústria nacional. Há múltiplas explicações para esse perverso movimento, mas como mostrou o diálogo entre Belluzzo e Bacha, "se o câmbio não é tudo, é quase tudo", num horizonte de dois ou três anos.

Não é preciso ser um físico quântico para saber que a produtividade física (produção física por hora trabalhada) que é o codinome do desenvolvimento, depende das instituições, dos incentivos que elas proporcionam e da qualidade: 1) da infraestrutura; 2) do capital físico (absorção de novas tecnologias); e 3) do capital humano (educação e saúde). Nada disso se alterou de forma importante entre 2008 e 2013. De fato o que mudou foi o agravamento da valorização da taxa de câmbio real, definida como a relação entre a evolução da taxa de câmbio nominal e a evolução dos salários nominais.

Tudo o mais igual (como é, de fato, o que aconteceu desde 2008), a produção industrial responde às variações da taxa de câmbio real. Quando ela se valoriza, por exemplo, não aumenta a demanda total de equipamentos, apenas cresce a demanda de máquinas importadas, como se vê no gráfico 2. O mesmo ocorre em outros setores, como revela o dramático aumento do déficit em transações correntes.

Diante de tal situação e tendo em conta que é social e politicamente impensável realizar uma custosa "desinflação competitiva", é preciso pôr em prática o que vem sendo sugerido há pelo menos quatro anos e, recentemente, na última conferência da Abimaq: 1º) construir as condições para uma flutuação organizada do câmbio nominal; e 2º) comprometer-se com políticas fiscal, monetária e trabalhista que conduzam à moderação salarial e reduzam seus eventuais efeitos inflacionários.

Essa manobra precisa apoiar-se em cinco verdades: 1ª) que é urgente reconstruir o sistema de tarifas efetivas e, ao mesmo tempo, executar um forte programa de apoio ao aumento da competição na produção dos insumos básicos; 2ª) que câmbio e tarifas são intercambiáveis, como aliás tem insistido o ministro Mantega na OMC; 3ª) que tarifa sobre importação tem o efeito de imposto sobre a taxa de câmbio da exportação; 4ª) que a manobra cambial corta os salários em dólares do setor exportador e aumenta a sua competitividade. Não corta, necessariamente, o salário real interno que depende da taxa de inflação. E, finalmente 5ª) que, para que o câmbio flutuante flutue sem ruído é preciso que a taxa de juros real interna seja, a menos de variações aleatórias, igual à externa.

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