sexta-feira, maio 03, 2013

Ai, que saudades do Shigeaki Ueki! - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 03/05

Será que só existe no país a direita dos bolsonaros? Onde está o conservador minimamente equilibrado?


Quando se trata de minha res­ponsabilidade perante o lei­tor, não me incomodo em ser acusada de vira-casaca, maria-vai-com-as-outras ou, sei lá, de vaca leiteira. É que comigo não cola, o insulto entra por um ouvido, contorna a solitária ervilha que ha­bita o meu cérebro e sai pelo outro orifício auricular.

E como minha obrigação aqui é servir a verdade, ao menos a minha verdade, única que conheço e te­nho a oferecer, não me acanho em dizer que passei todos os anos da prefeitura de Marta Suplicy em guerra com sua administração.

Fo­ram dezenas de colunas atirando mísseis, flechadas e torrões de terra contra sua prefeitura. Essa mesma que a maioria dos paulistanos ora aponta em pesquisa do Datafolha como a melhor dos últi­mos 30 anos.

Antes que Marta anunciasse sua candidatura, nos vimos em um al­moço e eu a puxei de lado para per­guntar: "Que preparo você tem pa­ra enfrentar um pepino desses? O que sabe de planejamento? Como vai enfrentar o jogo pesado das má­fias que dominam a cidade?"

Marta respondeu com tranquili­dade domesticada, mas não pôde deixar de notar que eu estava tendo um "surto machista". Ora. "Impli­cância de sexóloga feminista radi­cal", pensei. E lá fui, depois de ela eleita, pegar no seu pé e me opor às palmeiras imperiais na avenida, aos túneis (que são inúteis mesmo, di­ga-se) e a tudo mais.

E a Erunda, então? Como militan­te, esteve ao lado dos que ateavam fogo em busum. No dia em que foi eleita, considerei seriamente a pos­sibilidade de transferir meu domi­cílio até mesmo para Cubatão.

Mas essa nordestina que praticou medidas impopulares de conten­ção de gastos em sua gestão aparece na pesquisa quase emparelhada com o indefectível marqueteiro paulistaníssimo "doutor" Paulo Maluf.

Ao contrário do filho do "túnel Maria Maluf", Erundina encara o serviço público como missão. Sei disso porque vi de perto. Ela acaba­ra de ser eleita quando meu pai, Piero, foi procurá-la, na condição de presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo, para comunicar que o Brasil estava prestes a perder o GP de F-1. Ime­diatamente, ela encampou a ideia de trazer a corrida para Interlagos, vislumbrando os benefícios aos co­fres públicos. Ou seja, não operava apenas movida por ideologia. Não posso deixar de mencionar que Erunda e meu pai, que de petista não tinha nada, forjaram uma ami­zade profunda que durou até a morte dele. Pra você ver.

O tempo passou e o paulistano (sim, eu também) mudou (muda­mos) de ideia sobre cada gestão. Lembro da primeira palestra sobre alcoolismo (dentro do programa de Consumo Responsável da Ambev) que dei em um CEU. Saí de lá acre­ditando que, se o modelo pudesse ser replicado, o país estaria enca­minhado.

A avaliação com certo distancia­mento dos gestores da cidade evi­dencia a falta que faz um sistema político com partidos representativos. Onde es­tão, por exemplo, os conservadores minimamente equilibrados? É possível que só exista a direita boçal dos bolsonaros? Bela herança (mais uma) do regime militar. E ainda há quem sinta saudades.

Ou não? Qual foi a reação ao proje­to de lei mambembe para enfra­quecer um dos Poderes? Deveria ter sido riso seguido de indiferença. Em vez disso, pessoal do Facebook ao boteco começou a manifestar saudades da ditadura, ora veja!

E está certo que o Haddad poderia ter tido um pouco mais de sensibili­dade e timing com essa de querer mudar rua com nome de tortura­dor. Se o objetivo era nutrir a pola­rização do Fla-Flu, obteve pleno êxito.

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