sexta-feira, abril 05, 2013

A paranoia do controle absoluto - RASHEED ABOU-ALSAMH

FOLHA DE SP - 05/04

Apesar de ter morado por vinte anos na Arábia Saudita, não contenho meu espanto quando alguma agência reguladora saudita divulga uma intenção desastrosa de querer tentar controlar mais um meio de comunicação. A internet no reino conservador é uma das mais controladas e vigiadas do mundo, junto com a internet na China, pelo fato que toda ela é filtrada pelo governo através de um centro de servidores proxy em Riad. Toda e qualquer comunicação pela internet passa por ela — chamada de Cidade de Ciência e Tecnologia do Rei Abdulaziz — com centenas de milhares de sites pornográficos, políticos, e religiosos filtrados e bloqueados por não aderir aos conceitos conservadores do governo. A chegada da rede no reino foi até atrasada por causa dessa ânsia de querer controlar tudo que os usuários poderiam acessar. Por isso, a página com o aviso “Acesso Negado” virou parte do cotidiano de qualquer pessoa que mora lá.

Agora o governo saudita está pondo na mira os aplicativos de comunicação que usam a internet para funcionar, como o Skype, o WhatsApp e o Viber. A reguladora de comunicações, a Comissão de Comunicações e Tecnologia de Informação (CCTI), anunciou no dia 24 de março que as operadoras desses serviços tinham uma semana para se adequar as regulações sauditas. O que isso quer dizer, na verdade, é que o governo quer ter acesso a essas comunicações criptografadas.

Parece ser uma reprise da mesma demanda que a Arábia Saudita e os Emirados Árabes fizeram à Blackberry em 2010, quando exigiram acesso aos servidores do serviço de mensagens instantâneas da Blackberry, ostensivamente para poder monitorar as comunicações de terroristas nos seus países. Isso virou uma gigante quebra de braço entre a Blackberry e esses dois governos, que somente foi resolvido quando a Blackberry aceitou — com muita relutância — instalar servidores no Golfo, e deixar esses governos bisbilhotarem os milhares de mensagens mandados por donos de celulares Blackberry.

Mas o auge da popularidade da Blackberry já passou no mundo inteiro, inclusive no Oriente Médio, e outros aplicativos de mensagens instantâneas surgiram e estão fazendo sucesso. O Skype e o Viber usam a internet para transmitir gratuitamente comunicações de voz, uma coisa que tem aborrecido muito as empresas de comunicação estatais dos países do Golfo, que se ressentem da perda de rendimentos. Até hoje o Skype continua bloqueado nos Emirados Árabes, uma coisa absurda. Felizmente, o Skype não é bloqueado na Arábia Saudita ou no Bahrein.

Ainda lembro das contas de telefone fixo gigantescas que eu acumulei ligando para meus amigos nos EUA quando me mudei para trabalhar na Arábia Saudita, no fim de 1987. Não tinha internet ainda, e os únicos meios de comunicação eram escrever cartas ou telefonar, usando serviços das estatais de telecomunicações, que cobravam um braço e uma perna para ligar de um país para outro. Eu rapidamente fiz vários amigos locais, e parei de ligar para os EUA, mas se fosse hoje em dia eu não teria problema nenhum em falar diariamente, e de graça, com amigos em outros países usando o Viber ou o Skype.

Sauditas e estrangeiros no país reagiram rapidamente, dizendo que seria desastroso se o governo saudita bloqueasse o Skype e o Viber, apontando que eles usam esses serviços diariamente para falar com familiares no estrangeiro, e que, se fossem forçados a voltar a usar os serviços de telefonia paga, iam falar com seus entes queridos somente uma vez ao mês.

Dias depois, para adicionar insulto à injúria, o diário “Arab News” publicou na primeira página uma matéria, citando uma fonte anônima da CCTI, dizendo que o governo saudita estava pensando em exigir que cada usuário do Twitter no reino se registrasse com o governo. Como isso seria feito na prática, em termos tecnológicos, não foi explicado. É talvez irônico que a Arábia Saudita tenha o maior número de usuários do Twitter no Oriente Médio, e que o príncipe saudita Alwaleed bin Talal possua uma participação de mais de 3% no Twitter desde o final de 2011, comprada por US$ 300 milhões.

Para o dissidente saudita Ali Al-Ahmed, que mora em Washington onde dirige o centro de estudos Gulf Institute, essas medidas não são surpreendentes, dado o fato que o governo saudita se sente ameaçado pelas mudanças radicais ocorridas no Egito e Líbia, causadas pelos levantes da Primavera Árabe. “Mesmo se eles conseguem bloquear esses programas, o povo vai achar outro meio de se comunicar”, ele me disse numa entrevista. Com o crescimento do desemprego e da pobreza entre os sauditas, Ahmed acha que fechar todos os meios de comunicação seria um erro do governo. “Se eles não deixam espaços para as pessoas se expressarem, o muro vai despencar”, alertou.

Restringir comunicações sempre será uma tarefa ingrata para qualquer governo, e com a internet sempre há meios de burlar essas tentativas de bloqueio. Em vez de espionar e restringir seus próprios cidadãos, os dirigentes sauditas fariam melhor se começassem um diálogo franco e aberto com a população para saber dos seus anseios e necessidades. Tentar controlar demais sempre sai pela culatra, e prejudica o país inteiro, dirigentes e cidadãos.

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