sexta-feira, março 22, 2013

Uso de títulos da dívida chega ao limite de tolerância - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 22/03

Uso de “contabilidade criativa” não passa despercebido e o BNDES e a Caixa têm seus conceitos rebaixados por agência de classificação de risco



A dívida pública, se usada de forma responsável e comedida, é um instrumento capaz de distribuir por várias gerações os benefícios e os ônus de certos investimentos. É uma questão de justiça social, pois, ao se distribuir os encargos da dívida pelo tempo, evita-se que todo o peso do endividamento recaia sobre as gerações escolhidas para financiar os projetos sob a égide do setor público.

Infelizmente, a dívida pública no mundo tem sido mais usada para cobrir déficits originados de desequilíbrios orçamentários, sejam primários (decorrentes mais de gastos de custeio que de capital) ou financeiros, pela incapacidade para pagamento da totalidade dos juros ou das amortizações. Nesse processo, geralmente o endividamento público se transforma em uma bola de neve.

O que não faltam são exemplos de crises criadas por endividamento descontrolado. O Brasil mesmo passou décadas andando sobre o fio da navalha. Daí ser muito importante estabelecer e acompanhar parâmetros que avaliem a solvência do setor público.

Graças a uma política fiscal de seguidos superávits primários, o Brasil conseguiu reduzir o endividamento público líquido para patamares mais aceitáveis, porque podem ser sustentados pelos próximos anos. A dívida líquida leva em conta créditos que o Tesouro tem a receber e as reservas cambiais administradas pelo Banco Central. Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), a dívida líquida vem declinando, e provavelmente chegará ao fim de 2013 em torno de 35%. Mas o mesmo não acontece com a dívida bruta. Dentro da “contabilidade criativa” que o governo passou a adotar para as finanças públicas, o Ministério da Fazenda tem recorrido a um mecanismo pouco usual. Autoriza o Tesouro a emitir títulos, mas não para financiar diretamente investimentos, e sim repassá-los a instituições financeiras federais, como o BNDES e a Caixa Econômica Federal. Esses papéis servem de lastro para operações de crédito realizadas por essas instituições.

Tal mecanismo faria até algum sentido se usado de maneira comedida, em conjuntura de crise. Como se trata de um empréstimo, o Tesouro fica com créditos a receber e assim, as emissões de títulos não alteram a dívida líquida, apenas a bruta. Porém, o montante dessas emissões tem atingido proporções preocupantes. E como não é um a forma tradicional de capitalização das instituições financeiras, elas acabam assumindo riscos que começaram a se refletir nos seus conceitos de crédito. BNDES e Caixa Econômica tiveram o “rating” rebaixado pela agência internacional de classificação de risco Moody’s, e uma das consequências disso pode ser o encarecimento na captação de recursos por parte dessas instituições federais. É uma reação que deveria servir de alerta para as autoridades econômicas. “Contabilidade criativa” também tem seus limites de tolerância.

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