quinta-feira, março 07, 2013

Pão, pão, queijo, queijo - ROBERTO LUIS TROSTER

VALOR ECONÔMICO - 07/03

Este mês, o Banco Central vai produzir mais de uma centena de páginas e tabelas detalhando pormenores da decisão do Copom: o comunicado após a reunião, a ata na próxima quinta-feira e o relatório de inflação e a nota à imprensa de política monetária e operações de crédito do Sistema Financeiro Nacional em três semanas, além de pesquisas, apresentações e entrevistas.

Analistas e jornalistas vão dissecar esse vasto material para avaliar o preço do dinheiro, seu custo e sua dinâmica ao longo do tempo. É uma tarefa importante para que todos possam fazer escolhas intertemporais mais seguras. Entretanto, o resultado será limitado, não por falha dos diagnósticos, mas porque informações fundamentais não são divulgadas com clareza.

A mais essencial de todas é a meta de inflação, um mistério. Com certeza não é 4,5% tal qual definido pelo Conselho Monetário Nacional. As estimativas não convergem para esse número nos próximos cinco anos. Pelo contrário, a dispersão das projeções aumenta em vez de diminuir quando se estende o horizonte, refletindo a incerteza sobre a evolução dos preços. Há especulações de que a meta pode ser o teto da banda, 6,5%, ou um valor inferior ao do ano passado, 5,84%, ou ainda um número redondo como 5,5% ou 6%. Fica a indagação.

Além da indefinição, há uma percepção de que o regime de metas de inflação foi trocado para outro de metas de IPCA. O índice produzido pelo IBGE, que deveria ser tratado como um reflexo da evolução dos preços na economia como um todo é o objeto de ações voltadas para controlar seu resultado, como o congelamento de tarifas de ônibus ou adicionar mais ETANOL à gasolina sem reduzir seu valor. O indicador parece ter se transformado em um objetivo da política econômica. Para baixar a febre do paciente, esfria-se o termômetro.

Nas informações sobre o crédito, ocorre algo semelhante. Mais dados e mais abrangentes foram adicionados na nota à imprensa, como os direcionados, algo louvável. Entretanto, deixaram fora um essencial para entender a dinâmica dos financiamentos, que é a adição das taxas dos cartões. O preço de uma modalidade que é usada por menos de 1% dos financiamentos foi incluído, mas ficou fora outro que representa 75% dos tomadores.

Uma distorção que permanece é que para o cálculo da margem (spread) e da taxa média, computa-se o valor médio ponderado pelas concessões do dia, o que é corretíssimo. Entretanto, para chegar à média mensal do sistema financeiro, utiliza-se o saldo de crédito existente.

Ilustrando, supondo que há dois produtos apenas no sistema, um financiamento imobiliário de R$ 900,00 já concedido, que custe 10% ao ano, e nesse mês há apenas uma concessão de cheque especial de R$ 100,00 com juros 110%. Usando-se essa metodologia, a taxa média será de 20% ((900x10+100x110)/(900+100)), entretanto usando a ponderação de concessões será de 110%. Fica a dúvida de qual é a mais correta.

Na nova nota à imprensa, além dos avanços, também se deve registrar um retrocesso. É a exclusão da tabela "Saldos por valor". Faz diferença, e muita, a evolução dos financiamentos em cada segmento. O impacto de uma operação de R$ 1 bilhão é diferente que o de um milhão de financiamentos de mil reais cada. O crédito para o pequeno tomador vinha apresentando uma contração real forte, um problema grave e omitir a informação não resolve.

Há mais confusão com taxas. Em janeiro, a Anefac calcula a taxa média para a pessoa física em 88,6% e o Banco Central em 24,6%. Essas diferenças tiram credibilidade das duas instituições e dificultam o trabalho dos que acompanham a evolução do crédito.

Outra concepção equivocada na transparência ocorre com o cadastro positivo. Foi aprovado e pode ter uma contribuição importante na redução das margens de crédito e da inadimplência. Mas será tênue, muito aquém da potencial, em razão do tratamento assimétrico dado ao credor, com muitas informações, e ao devedor, com poucos esclarecimentos. Uma percepção melhor do financiado induz a decisões mais prudentes.

O ponto do artigo é que há espaço para aprimoramentos na divulgação de informações. Abundam evidências empíricas mostrando que mais transparência tem efeitos benéficos no crédito e na política de juros. A credibilidade do Banco Central tem um viés deflacionário, aumenta a potência da política monetária, melhora a previsibilidade de decisões dos agentes econômicos e induz a decisões mais criteriosas na tomada de financiamentos.

A literatura especializada prova que mais transparência reduz a inflação e a inadimplência. São dois problemas que afligem a economia brasileira. Um terceiro, mais grave, é a complacência. A cada dia que passa, a inflação torna-se mais resiliente e a dinâmica do crédito mais anêmica. É hora de mudar.

O quadro econômico é propício para alterações de rota: a economia está crescendo, há espaço para reduzir a taxa neutra, a pressão inflacionária é controlável, há capacidade ociosa na oferta de crédito e, o mais importante, o governo tem apoio popular e está determinado a reduzir os juros e aumentar o volume de financiamentos.

O que fazer? O primeiro passo é "Pão, pão, queijo, queijo". A incerteza é mais prejudicial que os juros para decisões de investimentos e financiamentos.



Um complemento é fazer ajustes na meta de inflação e na banda. Subir a meta para 5,5% este ano e definir a dos próximos seis anos decrescendo 0,5% cada ano, até chegar a 2,5%. Isso deve ser acompanhado com um estreitamento da banda, para 1,5% este ano, reduzido para 1,0%, a partir de 2016. O afunilamento da faixa reforça a credibilidade do BC e a sinalização de que em quatro anos a inflação ficará abaixo dos 4,5% é importante para romper o piso das expectativas que está se cristalizando.

Enfim, mais transparência não vai eliminar todos os problemas da política monetária e do crédito, mas ajuda.

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