sábado, março 30, 2013

Não se case ainda, garota! - ALEXANDRE VIDAL PORTO

FOLHA DE SP - 30/03

O casamento precoce rouba a infância e reduz as chances existenciais de 37 mil meninas todos os dias


Algumas famílias hinduístas acreditam que receberão graças divinas se casarem suas filhas antes da primeira menstruação. Acham que vão receber graças, mas o que fazem é perpetuar uma maldição.

Recentemente, o Fundo para Atividades Populacionais da ONU apresentou um relatório sobre a situação do casamento infantil nos países de rendas baixa e média.

De acordo com o estudo -que não inclui a China-, uma em cada três meninas se casa antes de completar 18 anos; uma em cada nove, antes de completar 15.

Das 37 mil meninas com menos de 18 anos que se casam todos os dias, muitas têm no casamento a única opção de vida. No entanto, para grande parte, o matrimônio equivalerá a uma condenação.

Os males associados ao casamento precoce reduzem as possibilidades existenciais dessas mulheres. A maioria das meninas que se casa para de frequentar a escola.

Sem estudos, deixarão de receber capacitação profissional e se tornarão incapazes de prover o próprio sustento. Viverão em situação de eterna dependência econômica. Terão sua vontade desrespeitada e sua dignidade ameaçada.

Além disso, o casamento de meninas prejudica o curso normal de seu desenvolvimento. Rouba-lhes a infância e interrompe-lhes a adolescência, ao exigir comportamento e impor responsabilidades para os quais nem sempre estão preparadas psicológica ou fisicamente. Complicações decorrentes de gravidez e parto são a maior causa de óbito entre adolescentes de 15 a 19 anos nos países em desenvolvimento.

Mães com pouca educação são mais propensas a retirar as filhas da escola. Cria-se um ciclo vicioso de ignorância e exploração. A história se repete. A maldição está garantida por mais uma geração.

A relação do casamento infantil com a pobreza é clara. Entre os 20% mais pobres, 54% das meninas se casam antes dos 18 anos. Entre os 20% mais ricos, apenas 16% têm esse destino. Como de hábito, o obscurantismo se aproveita da miséria.

Se nada mudar, 142 milhões de meninas se casarão entre 2011 e 2020. Embora viole os termos da Convenção dos Direitos da Criança, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, o casamento de meninas com menos de 15 anos está previsto na legislação de 52 países mediante autorização dos pais ou autoridades.

Em sociedades machistas, que não investem no desenvolvimento das meninas, portanto, mais que ação legislativa, é necessária uma mudança de mentalidade. Os governos devem ajudar pais e comunidades a entender que casar cedo as suas filhas é um mau negócio.

Se você acha que esse quadro é exclusivo de regiões da África Subsaariana e da Ásia Central, e que, por termos uma mulher na Presidência, estamos imunes a esse problema, saiba que a situação no Brasil é gravíssima.

A taxa de meninas casadas no país (36%) é mais alta que a média da América Latina (29%) e de países relativamente mais pobres como Senegal (33%) e Sudão (34%). Ou seja, é um problema mundial, mas é um problema nosso também.

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