segunda-feira, março 11, 2013

Mudar sem mudar - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 11/03
"Acho que o governo não está nos iludindo . É mais grave: ele está iludido"
Cristovam Buarque, senador do PDT-DF

Começa amanhã a mais misteriosa das eleições, que atrai de tempos em tempos a atenção do planeta. Dela emergirá um rei. É pouco chamar o papa de rei. Antigamente, o poder dos reis era absoluto. Hoje, eles reinam, mas não governam. O Papa reina e governa. Com uma diferença que ainda o torna mais poderoso: ele é infalível. Sempre está certo quando delibera e define algo em matéria de fé ou costumes

SEU REINO NÃO se limita aos 0,44 quilômetros qua-drados da Cidade do Vaticano, onde moram cerca de 800 pessoas. Estende-se a qualquer lugar onde viva um único dos 1,142 bilhão de católicos romanos dispostos a escutá-lo. E a seguir sua orientação. O reino do Papa é deste mundo, sim. Mas também não é. Está conectado a outro reino de onde sua for ça verdadeiramente emana. Questão de fé , meu caro .

SE A ELEIÇÃO obedecesse à lógica dos números, o sucessor de Bento XVI seria um europeu. Porque o contingente de cardeais europeus é o maior . E seria italiano - pela mesma razão . Bento XVI, o papa emérito , é alemão . João Paulo II era polonês. Para reforçar a ideia de que o reino do Papa está ligado ao reino de Deus, a Igreja atribui a última palavra ao Espírito Santo.

NÃO É BEM ASSIM. "O Espírito Santo não escolhe o Papa. Não toma o controle do processo. Age como se fosse um bom educador , nos deixa muito espaço, sem jamais nos abandonar inteiramente", ensinou Joseph Ratzinger quando ainda não era Bento XVI. "O Espírito Santo não vai ditar o nome do candidato em que se deve votar . Há muitos exemplos de papas que ele, obviamente, não teria escolhido".

A DEUS O QUE é de Deus. Aos 115 cardeais aptos a votarem, a tarefa que lhes cabe. E que a essa altura foi cumprida em parte. Não se sabe - nem mesmo os próprios cardeais - qual deles acenará para a multidão reunida na praça de São Pedro depois que o aviso tiver sido dado: "Habemus Papam". Sabe-se, porém, que os cardeais tiveram tempo de sobra para traçar o perfil do futuro Papa.

BENTO XVI REINOU por menos de oito anos. Dono de vasta cultura religiosa, era o mais importante teólogo da Igreja quando sucedeu a João Paulo II. Foi um governante fraco, o que pouco teve a ver com seu estado de saúde. Não promoveu reformas. Acabou engolido pela Cúria, o aparelho administrativo da Igreja, minado por escândalos. Abdicou por lhe faltarem gosto e energia para exercer sua função.

HÁ MAIS DE um ano que os cardeais discutem o que fazer com a Igreja diante dos desafios que ela enfrenta e das sucessivas crises que a atropelam. Nada mais natural que tenham se perguntado: que ti-po de Papa necessitamos? A discussão ganhou velocidade com a renúncia de Bento XVI e a chegada em massa dos cardeais a Roma. Tudo indica que este será um conclave sem candidatos favoritos.

EUGENIO PACELLI entrou como favorito no conclave de 1939 e saiu como Pio XII. Paulo VI, também, em 1963. Joseph Ratzinger , idem , em 2005. Os demais Papas do século XX para cá viram suas eleições se desenharem quando estavam trancados e incomunicáveis na Capela Sistina. Ali ganharam nomes um ou mais perfis de papa esboçados com antecedência . Um dos perfis finalmente se impôs . E ganhou um rosto .

QUASE 70 DOS 115 cardeais-eleitores devem a Bento XVI sua condição de príncipes da Igreja. Os demais, a João Paulo II. O conclave será uma reunião de conservadores para entronizar um conservador simpático e mais jovem. Pois os progressistas foram extintos. E os moderados, quase isso.

Nenhum comentário: