quarta-feira, janeiro 09, 2013

Sem reservatórios suficientes, país fica em risco na energia

O GLOBO - 09/01


A questão é mais complexa do que o governo deixou transparecer quando tomou a decisão política de baixar em 20% as tarifas de eletricidade este ano



A base da matriz elétrica brasileira é hidráulica e deverá continuar a ser assim ainda por muito tempo. A hidroeletricidade é uma das fontes mais limpas de energia e tem seu custo relativamente baixo quando comparado às demais.

No entanto, o risco da matriz com base hidráulica está no clima. Se chove pouco, todo o sistema perde capacidade de geração. A eletricidade nesse tipo de matriz só se estoca sob a forma de água acumulada em reservatórios. Porém, a grande maioria das hidrelétricas construídas a partir dos anos 90 não tem mais reservatório. Ou seja, a água que se acumula junto a barragem é para uso corrente. A quantidade que chega à barragem é a mesma que sai pelas turbinas . Por isso, no chamado “período úmido”, com chuvas abundantes, essas hidrelétricas são mais utilizadas porque os rios que as alimentam estão volumosos. E como não acumulam água além do necessário para uso imediato, nos anos de chuvas abundantes o “excedente” é vertido, sem passar pelas turbinas instaladas nas casas de força. Trata-se de uma energia inexplorada. Isso acontece eventualmente em Itaipu, por exemplo, e é o que ocorrerá em Santo Antonio, Jirau ou Belo Monte, diferentemente de Tucuruí, Serra da Mesa, Três Marias, Furnas, Sobradinho, usinas com reservatórios.

Não se constrói mais hidrelétricas com reservatórios no Brasil por restrições ambientais. Os lagos capazes de formar reservatórios geralmente inundam áreas extensas que podem obrigar o reassentamento de núcleos urbanos ou o abandono de produção agropecuária, além de afetar o habitat de diversas espécies animais e vegetais.

Sem novos reservatórios para estocar energia, para não ficar inteiramente à mercê do bom humor de São Pedro o setor precisa de alternativas térmicas e de fontes não convencionais, ainda incipientes para o tamanho da demanda do país. Essa base térmica custa mais caro e precisa ser remunerada mesmo quando não está em uso. E quando esse tipo de energia é mais usado para poupar água acumulada nos reservatórios remanescentes, a conta de eletricidade sobe para todos, e ainda mais para aqueles grandes consumidores que costumam recorrer ao mercado livre para se suprir. A questão então é mais complexa do que o governo deixa transparecer, por ter tomado a decisão política de baixar este ano as tarifas de energia em 20% sem se apoiar em critérios estritamente técnicos.

No quadro atual, a curto prazo, só resta aos brasileiros rezar para que chova o esperado nos próximos meses. Se isso não ocorrer, as empresas consumidoras serão obrigadas a reduzir sua demanda em função do inevitável aumento do custo da anergia. E para o futuro fica a lição: mesmo reduzindo ao máximo os impactos ambientais, o Brasil não pode abrir mão de hidrelétricas com reservatórios. O país tem ainda muitos investimentos a realizar no setor, que não pode ser descapitalizado por iniciativas de ordem meramente política.

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