quinta-feira, janeiro 17, 2013

Inflação não se administra - MARIA CLARA R. M. PRADO


Valor Econômico - 17/01


O governo optou pela tática de administrar a taxa de inflação. Não é a primeira vez que isso ocorre no país. Houve ocasiões, no passado, em que índices de preços foram manipulados. Em outras, tentou-se o tabelamento de preços e acordos informais com o setor privado visando "segurar" o aumento de preços. Nada disso funcionou. Inflação represada não desaparece como por encanto, ela simplesmente existe, em algum momento mostra a sua cara e pode ressurgir com picos ainda mais altos, uma desagradável surpresa para quem ousou intervir na formação natural dos preços.

A perspectiva de um IPCA mais alto é, talvez, o pior que poderia acontecer nesta fase do governo da presidente Dilma Rousseff. A menos de dois anos das eleições, há o risco de uma inflação crescente comer parte da renda dos 40 milhões a 50 milhões de brasileiros que emergiram para uma vida mais civilizada nos últimos dez anos. Há certo exagero aqui, mas nunca é ruim exagerar para prevenir o pior.

A inflação não nasce por geração espontânea. Se roda hoje ao redor de 5,5% a 6% ao ano é porque a economia funciona de forma a que os preços praticados sejam mais altos. Há explicações conjunturais e estruturais para isso.

Falta ao governo uma visão mais clara de como funciona a economia e as relações entre as inúmeras variáveis

As conjunturais classificam-se no nicho das condições climáticas. Preços que sobem em decorrência de chuvas ou de seca em excesso. Isso atingiu muitas commodities no ano passado. O grupo alimentação sofreu aumento de preços na faixa de 10,02% em 2012 contra 5,41% em 2011, por exemplo. E não se espera que se repita este ano variação tão alta quanto a do ano passado.

Também no campo dos efeitos conjunturais está a crise que afeta internacionalmente os mercados em geral e que ajuda a achatar os preços pela baixa demanda dos Estados Unidos e Europa. Quanto tempo mais vai durar essa situação é difícil de prever, mas fica patente que o governo brasileiro não pode confiar indefinidamente nos benefícios que a conjuntura internacional propicia à formação dos preços internos.

No rol das explicações estruturais para a elevação da inflação está o aumento da demanda decorrente da melhoria de renda das classes mais baixas. Isso atinge inexoravelmente os preços dos serviços em geral e veio para ficar.

"A reestruturação da renda na economia mudou o patamar de preços dos serviços e essa transformação transparece nos indicadores do enorme contingente de pessoas que saiu da informalidade e de atividades como cabeleireiro, manicure e empregada doméstica para o emprego formal", observou para a coluna o economista Luiz Roberto Cunha, decano do Centro de Ciências Sociais da PUC-RJ e especialista na análise da formação dos preços. Ele complementa: "Aquele movimento afeta para mais os preços dos serviços que eram oferecidos pelas atividades menos formais e também pressiona para mais outros tipos de serviços que passam a ser demandados pelo contingente que mudou de patamar de renda".

Os deslocamentos da curva de demanda e da curva de oferta de serviços no país explica o aumento de preços e prenuncia que, mantido o atual nível de renda da chamada nova classe C e até que a oferta se ajuste à realidade, a inflação naquele segmento tende a manter-se elevada. Luiz Roberto lembra que os preços do segmento serviços do IPCA têm subido entre 8% e 9% ao ano e devem manter o mesmo ritmo este ano, oscilando entre 7,5% e 8%.

"Esse é o preço que a sociedade brasileira tem de pagar para ter essa mudança estrutural da renda que, aliás, chega ao Brasil com mais de um século de defasagem se consideramos outros países, como a Inglaterra", acredita ele.

Para 2013, as projeções são incertas. Manobras que adiam reajustes nos preços da gasolina e dos transportes urbanos, assim como a manipulação da incidência de impostos que afetam os preços, criam uma armadilha para o governo e dificultam os planos dos empresários. As perspectivas não são, porém, animadoras. Luiz Roberto estima o IPCA-15 deste mês entre 0,80% e 0,85%, podendo alcançar a faixa de 0,75% a 0,80% para janeiro. Tende a cair bastante em fevereiro com o impacto da redução do preço da energia elétrica, compensando parte do aumento estimado para a gasolina, mas isso não trará grande alívio no curto prazo. Ele estima IPCA ao redor de 1,65% no primeiro trimestre (contra 1,22% em 2012), desconsiderando o aumento do transporte urbano no Rio e em São Paulo, adiado para mais adiante. Para o ano, supondo alívio dos alimentos, o IPCA chegaria de novo perto dos 6%, confirmando perigosa tendência. Em 2012, foi de 5,85%.

A questão é como fazer a inflação voltar para a marca de 4,5% que o governo definiu como o centro da meta e que, diga-se, é um nível já alto para padrões internacionais? Com certeza, não será com medidas de intervenção, do tipo tapa buracos, que apenas postergam a variação dos preços com péssimo efeito sobre as expectativas.

Têm-se a impressão de que falta ao governo uma visão mais clara de como funciona a economia e as relações entre as inúmeras variáveis. Taxa de juros mais baixa, uma corajosa iniciativa do governo, pode ter implicações complicadas quando há insuficiência na oferta de bens e serviços para uma demanda expandida. Um dólar mais valorizado pode ajudar nas contas externas, mas pressiona internamente os preços dos bens duráveis e semi-duráveis. Um planejamento mais abrangente talvez ajudasse!


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