terça-feira, outubro 23, 2012

Erro em regulação trava investimentos - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 23/10


Queiram ou não tratar os problemas enfrentados pelo governo Dilma como uma herança de um período em que a presidente atuou em cargos-chave ao lado do presidente Lula, é fato que o Planalto precisa desobstruir estreitos gargalos na infraestrutura e abater o máximo possível do custo Brasil, para o país poder competir numa conjuntura mundial adversa e a economia voltar a crescer.

Retomar investimentos públicos e abater este custo também pela redução da carga pesada de impostos seriam parte inexorável da agenda do novo governo. Era inescapável. E como o estado das finanças públicas não permite maiores saltos nos investimentos, e até mesmo devido à necessidade de uma administração mais eficiente, o governo foi levado a se abrir ao setor privado. E foi assim que, afinal, começaram a ser colocados em licitação aeroportos, surgiu a iniciativa de negociar a renovação de concessões no setor elétrico prevendo-se a redução de impostos e de tarifas, reviu-se a regulação do setor ferroviário e anunciaram-se novas regras para a exploração de portos.

Mas, na prática, as boas intenções oficiais não surtem o efeito desejado, como demonstrou reportagem do GLOBO de domingo. O governo acerta no diagnóstico mas erra feio na terapia, devido ao viés do intervencionismo estatal. O caso das novas regras para o setor elétrico é típico. Cortar impostos e considerar que hidrelétricas já amortizadas justificam tarifas mais razoáveis, essenciais para a indústria ganhar competitividade, são pontos defensáveis. Porém, em nome dos bons propósitos, querer limitar a rentabilidade dos negócios é a maneira mais eficiente de afugentar a empresa privada. Um tiro de grosso calibre no pé, pois atrair capitais privados é a única forma de o governo conseguir deslanchar investimentos na precária infraestrutura.

Diante das incertezas criadas, as ações de empresas do setor caíram, em um dia, o do anúncio das alterações, 30%. Até semana passada, a perda de valor das companhias, em bolsa, era de R$ 20 bilhões. "Não dá para atrair o capital privado e querer controlar o retorno, não é por aí", alerta o brasileiro Will Landers, baseado em Nova York, onde trabalha na Black Rock, uma das grandes gestoras mundiais de recursos. É perigoso o conceito de "lucros excessivos". Pois leva a um intervencionismo maléfico cujo resultado é travar investimentos de que o país tanto precisa. O exemplo da energia se repete nas ferrovias, onde a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) estabelece tetos mais baixos para as tarifas de concessionários antigos.

Como o governo não confia em mecanismos de mercado, não estimula a concorrência para a redução de preços e não aguarda a reacomodação de fatores de formação de custos a partir da queda dos juros. Confia apenas na mão do Estado. Erro crasso, porque afugenta capitais para outros emergentes, como o México, em que, dizem os analistas, o ambiente de negócios está mais favorável aos investimentos que o brasileiro.

O custo das súmulas do TST - JOSÉ PASTORE e OSMANI TEIXEIRA DE ABREU

O Estado de S. Paulo - 23/10


Nos últimos tempos, o Tribu­nal Superior do Trabalho (TST) tornou-se "usina de súmulas". Comentaremos a de número 366, que diz: "Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horá­rio do registro de ponto não exceden­tes de 5 minutos, observado o limite má­ximo de 10 minutos diários. Se ultrapas­sado esse limite, será considerada co­mo extra a totalidade do tempo que ex­ceder a jornada normal".

Na prática, cada movimentação dos empregados fica limitada a 2,5 minu­tos, quando se considera o horário de almoço. Se isso somar 12 minutos, por exemplo, os 12 têm de ser pagos como trabalho extra, e não apenas os minu­tos excedentes. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não obriga isso, mas a súmula quer assim.

Em muitas empresas, os 2,5 minutos são insuficientes. Em outras, colocar o uniforme ultrapassa esse tempo. Sem falar nas paradas que os empregados fazem nas cantinas, lanchonetes, má­quinas de café e caixas eletrônicos das empresas que vêm sendo condenadas pela Justiça do Trabalho, como se vê na seguinte sentença do TST: "... com base na premissa de que o período despendido pelo Reclamante nas ativida­des preparatórias para o trabalho é tempo à disposição do empregador e partindo-se do contexto delineado pe­lo TRT, no qual ficou estabelecido que o Autor despendia, para a troca de uni­forme e café da manhã,, 30 minutos an­tes da jornada de trabalho, verifica-se a contrariedade à Súmula 366 do TST... [nesses termos] condeno a Reclamada ao pagamento de 30 minutos extraordinários...".

Os especialistas em relações do tra­balho recomendariam que esse tipo de assunto viesse a ser ajustado por meio da livre negociação. Pois, no caso em tela, isso foi feito por Convenção Cole­tiva de Trabalho, que diz: "As empresas que permitem a entrada ou saída de seus empregados em suas dependên­cias, com a finalidade de proporcionar lhes a utilização do tempo para fins particulares, tais como, transações bancá­rias próprias, serviço de lanche ou café, ou qualquer outra atividade de conve­niência dos empregados, desde que não exista a marcação do ponto antes ou após 5 minutos do início ou fim da jornada efetiva de trabalho, estadão isen­tas de considerarem esse tempo como pe­ríodo à disposição da empresa".

Para o TST, porém, essa convenção não tem valor. A súmula está acima da vontade das partes.

Medidas como essas criam uma inse­gurança jurídica monumental e determinam custos elevados, de natureza econômica, emocional e social, com sé­rios prejuízos para os próprios traba­lhadores. Sim, porque, para não encurtar a jornada, muitas empresas serão levadas a eliminar as condições de bem-estar dos empregados. Outras proibi­rão o uso do tempo livre no final do expediente para preparar as lições da escola. Há as que impedirão a entrada antecipada, levando os empregados a ficarem do lado de fora, sob sol, chuva e risco de assaltos. Isso é desumano.

Ademais, medidas desse tipo levam as partes a contabilizarem os exíguos minutos para entrada e saída na base do "olho por olho, dente por dente" - o que é péssimo para o clima de entendi­mento que deve reinar entre empregados e empregadores.

Uma súmula não é uma lei, pois não foi discutida e aprovada pelo Poder Le ­gislativo -, é uma deliberação dos mi­nistros, nem sempre baseada em ex­pressivos julgamentos, da qual as par­tes não participam. A despeito disso, os magistrados fazem dela um instituto que é mais forte do que a lei. Sim, porque toda lei pode ser questionada no Poder Judiciário quanto à sua legalida­de ou constitucionalidade. No caso das súmulas, o Supremo Tribunal Federal se nega a examiná-las por entender não se tratar de ato normativo - embora, na prática, funcione como tal - e por inexistir questão constitucional. Com is­so, elas ganham vida própria, presidem decisões importantes, pois geram cus­tos elevados, e ficam imunes a questio­namentos. Isso precisa mudar.

Marcha a ré - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 23/10


A produção doméstica de petróleo da Petrobras caiu 4% na comparação de setembro com agosto de 2012.
Estima-se que a produção caia uns 2% este ano em relação a 2011.

Bye, bye, Rio I
O Pactual, comandado pelo tijucano André Esteves, vai transferir em janeiro para sua nova sede em São Paulo vários funcionários do Rio.
Para trocar de cidade, os solteiros receberão ajuda de custo de R$ 60 mil. Já os casados, de R$ 80 mil.

Bye, bye, Rio II
Maior evento turístico do país, o Congresso Anual da Abav, que começa quarta agora, no Riocentro, vai para São Paulo ano que vem.
Um dos motivos é o alto preço das diárias dos hotéis cariocas.

Bye, bye, Rio III
A Rádio Vestiário diz que a festa de entrega dos prêmios do Campeonato Brasileiro será, de novo, em São Paulo.
Mesmo que dê Fluminense.

Dinheiro do tráfico
O Fundo Nacional Antidrogas arrecadou R$ 1,740 milhão este ano com leilões de bens apreendidos de traficantes.

Hodgson no Brasil
Roy Hodgson, atual técnico da seleção inglesa, e os ex-craques Fabio Grosso, da Itália, e Van Der Sar, da Holanda, virão ao Rio, em novembro, para a Soccerex, a feira de negócios do futebol mundial.

Zélia na Warner
Zélia Duncan, a cantora, assinou com a Warner Music.
Gravará um CD com participação de Ney Matogrosso e Martinho da Vila.

MICHELANGELO NO RIOO carioca, que, a partir de hoje, não precisa cruzar o Atlântico para apreciar obras de gênios do impressionismo como Monet, Van Gogh, Cézanne e Renoir, expostas no CCBB, terá, a partir de 11 dejunhode2013, no Museu Nacional de Belas Artes, possibilidade de visitar outra exposição notável. O creme do creme dessa vez virá do Museu do Vaticano, que vai enviar 89 obras de artistas, veja só, como Michelangelo (“Pietá” 1 e 2), Caravaggio (“S. IsodoraAgricola”, “Decollazionedi Sant'Agapito” e “San Francesco in meditazione”), Fra Angelico (“Cristo”), Leonardo da Vinci (“Testa di Cristo” e “Cristo Redentore”) e Tiziano (o quadro ao lado, “Risurrezione”).
O evento fará parte da programação da Jornada Mundial da Juventude, que terá a presença do Papa Bento XVI.
Imperdível.

Calma, gente
Humberto Adami, do Instituto de Advocacia Racial, que atua na ação contra a adoção pelo MEC de obras de Monteiro Lobato consideradas “racistas” protestou contra o engajamento da ONG Educafro, a das cotas para negros, na campanha de Haddad em São Paulo:
— Não é a vontade da comunidade negra, pois foi Haddad, quando ministro, quem liberou o livro racista de Lobato.

Por falar em cotas...
A Escola do Judiciário do Estado de Roraima decidiu reservar de 5% a 20% de suas vagas para afrodescendentes, índios e pessoas com deficiência.

Viva Aldir Blanc!

O cachorrinho de Aldir Blanc, Batuque, morreu ontem. Isabel, uma das filhas do músico, postou no Facebook que “Batuque havia morrido” Teve gente lamentando muito, achando que o falecido era o querido Aldir.

Viva Marieta!
Marieta Severo recebe dia 5 agora, no Palácio do Planalto, a Ordem do Mérito Cultural, em cerimônia que terá a presença de Dilma. Merece.

Pão-duroVeja como são as coisas. Um empresário pão-duro, dono de patrimônio avaliado em uns R$ 16 milhões, pediu, acredite, gratuidade de Justiça em uma ação que move contra a Embratel.
Ajuíza Fernanda Sepúlveda Telles, da 21? Vara Cível do Rio, negou, claro: “Isenção (...) depende, evidentemente, do estado de necessidade da parte demandante, o que não parece ser o caso’J respondeu.

Acidente no museu
A exposição do artista americano Roger Balle, no MAM, no Rio, ficou fechada domingo.
A administração do museu não dava maiores explicações. A razão: três obras do artista caíram da parede na véspera.

Lorde na Lagoa
O vascaíno Luís Fernandes, secretário-executivo do Ministério do Esporte, convidou o prefeito da City de Londres, Alderman David Wootton, para remar na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, local das provas da modalidade nos Jogos de 16.
Wootton, que rema desde jovem, usará um barco de quatro do Vasco com atletas do clube, dia 28 agora, em sua visita ao Rio.

Menos emergênciaA Casa de Saúde Santa Lúcia, em Botafogo, no Rio, fechou o seu pronto-atendimento dia 1° de outubro.

Cena carioca
Outro dia, por volta de 7h40m, numa barca Rio-Niterói, a viagem seguia silenciosa quando um celular disparou a tocar aquele funk que diz: “Minha vó tá maluca, minha vó tá maluca...”
Todos se olharam, tentando descobrir o dono do aparelho. Até que uma senhorinha de uns 70 anos, sem graça, sacou o telefone da bolsa e explicou: “Meus netos!... Eles põem essas músicas no celular e não sei tirar” A risada foi geral.

Miniatura de piriguete - ROSELY SAYÃO

FOLHA DE SP - 23/10


Enlouquecemos ou o quê? Não basta travestir crianças, agora os pais as levam a 'baladinhas'



Que as crianças têm cada vez menos infância é um fato já constatado e conhecido por muita gente.
Há mais de 20 anos que teses, ensaios e livros produzidos por estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento alertam para essa questão tão importante.
Não há dúvida de que foi o mundo que mudou. Muitas pessoas acreditam que as crianças da atualidade são diferentes porque já nascem assim: mais conectadas com o que acontece à sua volta, mais cientes do que querem, mais sabidas e muito menos afeitas à obediência.
Mas não. O que acontece, na verdade, é que elas são estimuladas desde o primeiro minuto de vida, e os adultos que as cercam estão ocupados demais consigo mesmos e com sua juventude para ter a disponibilidade de construir autoridade sobre as crianças.
Além disso, os adultos estão muito orgulhosos com os feitos dos filhos que aí estão, cada vez mais, simplesmente para satisfazer os caprichos dos pais.
Tudo -absolutamente tudo- o que acontece no mundo adulto está escancarado para as crianças.
Estão escancarados aos mais novos crimes e castigos, corrupção na prática política, desumanidades, destruição e violência de todos os tipos, desde a mais pesada à mais cotidiana (que nem sempre é reconhecida como uma forma de violência).
E as crianças sofrem e sofrem com tudo isso, mas sem saber. Ainda. Elas ainda não sabem que mais de dez por cento de suas vidas -a parte que corresponde ao período chamado de infância, no qual poderiam se dedicar a brincar de maneira infantil- está se esvaindo em consequência dos caprichos dos adultos. Para ilustrar esse ponto, vou citar aqui dois fenômenos recentes.
Creio que você já ouviu, caro leitor, a palavra "periguete". Já está até no dicionário.
É uma expressão da linguagem informal, surgida na periferia da capital baiana, que tem diversos significados, dependendo de quem a usa e em que contexto.
No quesito aparência, o termo se refere a mulheres que se vestem com roupas curtas, decotadas e muito justas, deixando muito corpo em exposição.
Os trajes usados por essas mulheres são considerados vulgares, mas há quem não aceite esse sentido. Hoje, temos estilistas dedicados a criar linhas de roupas com esse perfil, tamanho é o sucesso que o estilo tem feito com o público feminino.
Pois é: agora muitas mães estão vestindo suas filhas como "periguetes".
A garotada gosta de aderir ao personagem principalmente porque papéis com esse estilo, em novelas, têm tido bastante destaque e seduzido a criançada.
Pudera: corpo à mostra, expressão corporal exagerada, voz demasiadamente alta tem tudo a ver com criança, não é verdade?
O que as crianças desconhecem é o caráter extremamente erotizado dessa fantasia que elas andam vestindo.
Claro que, para as crianças, é apenas o chamado "look periguete" que importa e não o comportamento de mulheres adultas que assim se reconhecem. Mas precisamos entender que erotismo é coisa de gente grande para gente grande.
Agora, como se não bastasse travestir crianças pequenas como "periguetes", muitos pais também as levam a "baladinhas" com direito a DJ, muita dança, muita gente, pouca iluminação etc. Igualzinho ao que acontece no mundo adulto.
Enlouquecemos ou o quê?
Com a expectativa de vida em torno dos 75 anos, por que não deixamos nossas crianças em paz para que possam viver sua infância? Afinal, depois de crescidas, elas terão muito tempo para fazer o que é característico do mundo adulto. Adiantar por quê?
Em nome de nossa diversão, só pode ser.

Código sem solução - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 23/10


Planalto tomou decisão temerária ao vetar pontos da lei florestal e substituí-los por decreto, o que pode prolongar a insegurança jurídica


A queda de braço entre Executivo e Legislativo pelo Código Florestal poderá enfim ser decidida -no Supremo Tribunal Federal. Sabe-se lá se e quando isso vai acontecer.
Alguns líderes do setor agropecuário reagiram mal à decisão da presidente Dilma Rousseff de legislar sobre o assunto com um decreto. Ameaçam, agora, levar o caso à corte constitucional.
O imbróglio começou quando a Câmara, no primeiro semestre, ignorou acordo obtido no Senado pelo qual proprietários rurais que haviam desmatado ilegalmente áreas em margens de rios poderiam livrar-se de multas e autuações desde que restaurassem a vegetação numa faixa de largura definida, num prazo de cinco anos.
Deputados ruralistas liderados pelo PMDB alteraram o texto do Senado para diminuir as medidas da faixa de recomposição. Sairiam beneficiadas inclusive as propriedades médias e grandes.
Avolumaram-se, então, as pressões para que o Executivo vetasse, se não a totalidade do texto, ao menos o artigo 62, referente ao assunto, substituindo-o por uma medida provisória.
Foi o que aconteceu. Ocorre que a Câmara, mais uma vez, opôs-se às intenções presidenciais e alterou a medida provisória. A presidente Dilma, em retaliação, vetou mais uma vez as mudanças e publicou no "Diário Oficial da União" um decreto que recuperava sua proposta.
A decisão de preencher as lacunas geradas pelo veto por meio de decreto causou fortes reações de parlamentares ligados ao agronegócio. O vice-líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), ameaça recorrer ao STF. Considera que o Executivo utilizou um subterfúgio para alterar unilateralmente uma decisão do Legislativo, o que seria inconstitucional.
Alguns ambientalistas também se manifestaram a favor da anulação do decreto, mas por outros motivos -consideram insuficientes os pontos contemplados.
O caso revela mais uma vez a renitente dificuldade dos oponentes em ceder para prover o país com uma legislação que, se não é a ideal para nenhum dos lados, permite regular conflitos e obter algum equilíbrio entre atividade econômica e preservação natural.
Ganhariam todos se prevalecessem posições mais moderadas. O atual clima de beligerância entre ambientalistas e ruralistas -ou entre Legislativo e Executivo- precisa cessar. A continuidade desses embates no STF só contribuirá para adiar ainda mais a aplicação do Código Florestal e fomentar um indesejável quadro de insegurança jurídica no setor.

O mercado do gás refém da falta de política estratégica - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 23/10



Predominou o pessimismo nas análises feitas no fórum O Futuro do Gás Natural, promovido na última quarta-feira pelo Estado. Especialistas do Brasil e do exterior apontaram mais problemas do que soluções para esse mercado, transferindo para o longo prazo a possibilidade de aumento da oferta e redução de preço do insumo no País. É um quadro que contrasta com o dos países desenvolvidos, a começar pelos Estados Unidos.

O mercado do gás é controlado quase totalmente pela Petrobrás, que produz o insumo internamente e controla, por intermédio do Gasoduto Bolívia-Brasil, o fornecimento do gás que o País importa da Bolívia. Com raríssimas exceções, a Petrobrás também controla as distribuidoras estaduais de gás.

O preço do gás - US$ 16 por milhão de BTU (unidade térmica britânica), no mercado livre - é elevadíssimo. Empresas que mudaram seu processo produtivo para substituírem o óleo combustível pelo gás, como as indústrias de cerâmica e de vidro, perderam competitividade, mas "não têm como voltar atrás", como afirmou o superintendente da associação Abividro, Lucien Belmonte. Até meados da década passada, o Brasil era fornecedor de vidro plano para quase toda a América do Sul.

Os custos do setor petroquímico dependem tanto do preço do gás que várias fábricas podem fechar.

Na matriz energética brasileira, o gás representa apenas 10%, ante a média mundial de 20%. Faltam políticas estratégicas para o gás, que tratem o insumo como "crucial para a competitividade", enfatizou o professor Edmar de Almeida, da UFRJ.

Nos Estados Unidos, o gás extraído das rochas de xisto (shale gas) tem custo baixo e abre a perspectiva de reduzir o custo da energia naquele país, que detém a segunda reserva mundial, depois da China.

Sem uma política bem definida para o gás, o insumo continuará sendo tratado improvisadamente, aliás, como grande parte do setor de energia. Na semana passada, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) decidiu acionar usinas térmicas movidas a óleo combustível, ao custo de até R$ 711 o MWh. Menor custo e menor poluição seriam possíveis, se a alternativa fosse o gás natural. Pior, o governo trata o assunto como "procedimento normal", sem comparar com as alternativas que decorreriam de políticas de longo prazo para estimular a oferta de gás natural.

Promover a concorrência, abrindo o setor aos investimentos privados, poderia ser um primeiro passo para estimular o mercado do gás natural.

O risco americano - BENJAMIN STEINBRUCH

FOLHA DE SP - 23/10


Preocupa a possibilidade de retorno a políticas fiscais conservadoras, seja quem vença a eleição nos EUA

Lá se vão quatro anos desde a hecatombe econômica cujo epicentro foi a quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008. Lentamente, a economia dos EUA se recupera.

Boas notícias pipocam na maior economia do mundo. As vendas de moradias usadas cresceram 7,8% em agosto, o que indica um número anual de 4,8 milhões de unidades. É o ritmo mais acelerado desde 2010.

Os pedidos de seguro-desemprego na primeira semana de outubro caíram para o nível mais baixo desde junho de 2009. A taxa de desemprego no país diminuiu de 8,1% em agosto para 7,8% em setembro.

A produção industrial avançou 0,4% em setembro, maior crescimento mensal desde março de 2009. A taxa anualizada do PIB cresceu 2% no primeiro trimestre e 1,3% no segundo. O índice foi menor do que se esperava, com a ressalva de que o país enfrentou a pior seca em meio século, com prejuízos enormes para a produção agrícola.

Não são números brilhantes. Mostram uma recuperação ainda ligeira, sem garantias de que possa se tornar sustentável. Mas ela é consequência de uma política econômica não ortodoxa, tanto do governo quanto do BC americano.

Os efeitos dessa política são em parte prejudiciais aos países emergentes, como o Brasil. As emissões de dólares do Fed, por exemplo, desvalorizam a moeda americana, valorizam as dos emergentes e reduzem seu poder de competição. Apesar disso, é evidente que a recuperação americana acabará por puxar a economia global.

É nesse contexto que se dará a eleição presidencial, no dia 6. Felizmente, tanto o democrata Barack Obama quanto o republicano Mitt Romney, cada um a seu modo, prometem buscar o crescimento.

Seja quem for o eleito, o presidente do BC, Ben Bernanke, continuará no cargo ao menos até janeiro de 2014. Nada mal. A atuação de Bernanke, estudioso da crise de 29, evitou que os EUA entrassem em depressão econômica após a crise de 2007-2009. Ele reduziu a taxa básica de juros quase a zero e comprou mais de US$ 2,3 trilhões em ativos hipotecários. E já anunciou que comprará mais US$ 40 bilhões por mês desses ativos, até que a perspectiva de emprego melhore.

Na verdade, Bernanke põe em prática suas crenças teóricas sobre a economia. Em 2002, em discurso após a crise da bolha da informática, defendeu a adoção de uma política monetária relaxada e o uso de instrumentos monetários não convencionais. Ficou conhecido como "Helicopter Ben", por ter mencionado a imagem hipotética criada por Milton Friedman de um helicóptero jogando dinheiro sobre uma comunidade para ativar a economia. Friedman, monetarista histórico da Escola de Chicago, criou a imagem para mostrar que isso provocaria inflação imediata na comunidade.

Segundo os críticos, Bernanke parece testar a teoria radical do helicóptero com suas emissões de moeda. Mas há quem o considere um economista moderado, que pensa no controle da inflação, mas se preocupa também com o desemprego.

Os dois candidatos são pessoas responsáveis. O que preocupa, porém, é a possibilidade de retorno a políticas fiscais conservadoras, que não deem prioridade ao crescimento e ao emprego.

Na área monetária, Bernanke seria uma garantia contra a ortodoxia. A rigorosa austeridade fiscal prometida na campanha eleitoral pelos dois candidatos, porém, poderá abrir espaço para o que o economista britânico Charles Goodhart chamou de "abismo fiscal" em entrevista ao "Valor". Ele se referia à possível combinação do fim das isenções de impostos com o corte de gastos públicos em 2013, para equilibrar o Orçamento, que é assustadoramente deficitário, com um buraco de US$ 1 trilhão no ano fiscal encerrado em 30 de setembro.

Com o desaquecimento da China, a expansão dos EUA, com seu PIB de US$ 15 trilhões, passa a ser ainda mais determinante para a recuperação global. Nada mais petulante do que dar palpites em eleições ou economias alheias. Mas seria lamentável se houvesse uma recaída para políticas econômicas radicais conservadoras, como as campanhas dos dois candidatos parecem indicar. Isso interromperia o tênue ritmo de crescimento da produção e do emprego, conseguido a duras penas nos últimos trimestres.

Piada instantânea - TUTTY VASQUES


O Estado de S.Paulo - 23/10


Foi-se o tempo em que a Turma do Casseta & Planeta podia dizer "piada não é como mulher - tem dono" sem parecer, além de politicamente incorreto em demasia, pretensioso por evocar autoria de anedota de ocasião num país de gaiatos, em plena era das redes sociais.

Não dá para afirmar com precisão quem primeiro chamou Luis Fabiano de "Chupetinha" no Twitter depois que ele desperdiçou aquele pênalti contra o Flamengo em cobrança precedida pelo detalhe de alguma coisa que Vagner Love cochichou ao pé do ouvido do artilheiro são-paulino.

Qualquer semelhança com a história de Adauto em Avenida Brasil é, decerto, mera coincidência, mas o jogo de domingo ainda não havia terminado e já corria solta na internet a versão de que o Fabuloso, assim como o personagem da novela da Globo, se desconcentrou quando o adversário tocou em seu ponto fraco, o apelido que entrega o segredo de um hábito infantil não abandonado na vida adulta.

Não importa quem inventou a piada instantânea, "é melhor eu não bater mais pênalti", decidiu Luís Fabiano. Sabe que, se perder mais uma cobrança, a torcida não o perdoará: "Chupetinha, Chupetinha...!"


Expectativa

Quem foi o tarado que comprou a coleção de sapos de Clodovil Hernandes no bazar da casa de praia do falecido? Só se fala disso em Ubatuba!

Cachaceiros são os outros

Discursando em Salvador, Dilma Rousseff trocou "Cajazeiras" por "Cazajeiras" nas seis vezes em que citou o bairro onde acontecia o comício do candidato do PT à prefeitura da cidade. Depois se justificou: "Tem horas em que eu fico tatibitati, mas é de emoção por estar com vocês!" Se fosse o Lula, a oposição ia dizer que ele tomou umas e outras antes de subir no palanque!

Ninguém merece

É dura a vida dos juízes do STJ! Nesta terça-feira, por exemplo, eles julgam pedido de aumento da pensão de R$ 18 mil que Fernando Collor paga à ex-mulher Rosane. Ninguém merece, né não?

Volta, Rubinho!

Rubinho Barrichello acabou sua primeira corrida na Stock Car em 22º lugar, provando que é melhor na Fórmula Indy, onde, por sua vez, não foi tão bem quanto na F1. Vai acabar voltando às origens! No kart, dizem, ele era imbatível!

Outra tribo

A índia americana que o papa Bento 16 canonizou no fim de semana não é a Pocahontas! E não se fala mais nisso, ok?

O tempo voa

A gente percebe que está ficando velho quando passa numa banca de revistas e vê as fotos da festa dos 15 anos dos trigêmeos de Fátima Bernardes e William Bonner.

Quem?

De Fidel Castro, comentando rumores sobre seu estado de saúde: "Não lembro sequer o que é uma dor de cabeça!" Do irmão, Raúl, ele ainda guarda uma vaga lembrança!

'All honourable men' - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/10


RIO DE JANEIRO - Parece que o processo do mensalão está entrando em sua fase final e, embora ainda possam ocorrer algumas surpresas, o mais importante já foi revelado e julgado. Louvando o extraordinário esforço do Supremo Tribunal Federal e de todos os seus eminentes ministros, já podemos salientar algumas (talvez muitas) dificuldades para o momento em que o martelo da justiça será batido.

Como é comum durante os debates, acusação e defesa cumprem seu papel e tudo corre dentro da normalidade jurídica, com pequenos e irrelevantes casos de discordância na matéria processual -e, em alguns casos, até mesmo no campo pessoal.

Em linhas gerais, cabe alguma ironia a respeito dos principais réus. No discurso que Marco Antônio pronunciou no funeral de Júlio César (um dos grandes momentos da obra de Shakespeare), o fiel amigo do ditador referiu-se de forma igualmente irônica aos inimigos que conspiraram naqueles idos de março: "All honourable men", destacando que "Brutus and the rest" eram todos homens honrados.

Acompanhando os depoimentos dos acusados, percebe-se que, além de jurarem total inocência na compra de votos dos parlamentares, todos revelam os motivos republicanos com os quais tentaram dar a necessária governabilidade ao presidente da República de então. Todos, de Brutus até o resto, são homens honrados e certamente usarão de todos os recursos legais para contestar não apenas as condenações mas também as penas -sobre as quais, desde já, materializaram-se dúvidas e interpretações que complicarão os resultados finais.

Bem verdade que o Supremo é supremo mesmo, suas decisões são supremas, inclusive porque são soluções finais. Mas de tal forma o processo se embananou que dificilmente teremos uma solução pacífica, embora inapelável.

Um balanço das eleições municipais em Minas - MARCUS PESTANA


CONGRESSO EM FOCO - 23/10


“Alguns analistas insistem que a eleição de 2012 preparou o tabuleiro para a eleição presidencial. Como se fossem o prefácio, a antessala da disputa de 2014. Nada mais errado”
As eleições municipais de 2012 marcaram mais um passo na consolidação da democracia. Já é possível visualizar os resultados alcançados pelas diversas forças políticas. Há uma procura obsessiva por um suposto “recado das urnas” ou a tentativa forçada de extrair uma leitura nacional e estratégica. Esforço vão.
A primeira coisa a registrar é que, desde a plena redemocratização em 1985, é a 15ª eleição livre e democrática no país. Todos têm voz e vez. Fala o PMDB, o PSDB, o DEM e o PT. Falam as minorias ideológicas radicalizadas (PSTU, PSOL, PCO, PCdoB). O processo é imperfeito, como imperfeitos são o ser humano e a sociedade. Demagogia, poder econômico, baixo nível de informação, falta de enraizamento partidário, tudo influencia. E do “liquidificador mental” da população nascem as conclusões e as decisões. Como disse o estadista inglês: “A democracia é o pior sistema, exceto todos os outros”.
Por outro lado, por mais que se esforcem os analistas e líderes de plantão, não há um significado nacional e estratégico. As eleições municipais são marcadas pela discussão dos problemas cotidianos das cidades e sobre os melhores gestores para governá-las. É evidente que o julgamento do mensalão pode impactar perifericamente o processo de decisão, mas a lógica é predominantemente local.
Por mais que alguns tenham alertado que 2014 não estava em jogo, a mídia e alguns analistas insistem que a eleição de 2012 preparou o tabuleiro para a eleição presidencial. Como se as eleições locais fossem o prefácio, a antessala da disputa de 2014. Nada mais errado. Collor se elegeu presidente sem ter mais do que dez prefeitos o apoiando. As eleições para presidente da República ou governo do Estado têm grande autonomia. Mais valem o palanque eletrônico na TV e a crescente influência das redes sociais.
Ainda assim, saímos revigorados em Minas Gerais. O PSDB foi o partido com maior número de prefeitos eleitos: 143. As forças aliadas que apoiam o projeto liderado por Aécio Neves e Antonio Anastasia desde 2002 conquistaram 80% das prefeituras e milhares de cadeiras nas câmaras municipais. Nas 59 maiores cidades, com mais de 40 mil eleitores, quatro têm segundo turno; nas 55 cidades restantes, foram 35 vitórias das forças aliadas. Somam-se a estas duas situações peculiares, Pará de Minas e Ubá, com candidatos eleitos não alinhados, mas vice-prefeitos do PSDB.
É de ressaltar a retumbante vitória de Marcio Lacerda e Aécio Neves em Belo Horizonte contra o ex-prefeito, ex-ministro e maior liderança petista em Minas, Patrus Ananias, pela primeira vez na história, no primeiro turno – mesmo com a intensa participação de Dilma e de Lula -, e a significativa vitória do deputado Carlaile Pedrosa na cidade mais industrializada do Estado, Betim.
Para fechar com chave de ouro, só faltam as vitórias de Bruno Siqueira, Lerin, Rui Muniz e Carlim Moura, no próximo domingo. A conferir!

À beira do colapso - ANTONIO ALVARENGA

O GLOBO - 23/10


É consenso que um dos maiores problemas de nosso agronegócio são os gargalos da infraestrutura de armazenagem e transporte do país. Ao mesmo tempo em que nossa produção, principalmente de grãos, tem evoluído muito rapidamente nos últimos anos, nossa infraestrutura logística, que já não era boa, entrou em quase colapso.

A fila de espera de navios nos portos, em função da falta de capacidade dos terminais, tem sido grande.

São dezenas de navios aguardando para atracar. Também há centenas de caminhões em filas para descarregar os produtos nos terminais.

É triste constatar que parte de nossa safra permanece um bom tempo "armazenada" em caminhões.

As perdas são incalculáveis, principalmente para os produtores, que têm sua renda reduzida. Também perde o Brasil com esse grave obstáculo ao crescimento das futuras safras.

O governo acordou para o problema e lançou um programa que prevê investimentos de R$ 133 bilhões em rodovias e ferrovias nos próximos 25 anos, sendo R$ 42 bilhões para as rodovias e R$ 91 bilhões para as ferrovias.

Há previsão de uma concentração dos investimentos nos próximos cinco anos, no valor de R$ 80 bilhões.

Esperamos que esse programa, fundamentado em um novo modelo de concessões, saia do papel e resolva nosso déficit na área de transportes, tornando o país mais competitivo no mercado internacional e, ao mesmo tempo, proporcione melhores condições de trabalho e remuneração para nossos produtores.

Agora, falta equacionar o problema da armazenagem. Neste caso, foi constituído um grupo de trabalho governamental encarregado de elaborar um plano, que deverá ser apresentado até o fim de 2012.

Nossa expectativa em relação à solução dos graves problemas de logística do país é grande. Preocupa-nos a morosidade típica de nossa burocracia. Uma coisa é o discurso. A implementação tem outra velocidade. Vamos aguardar.

Limites do crescimento - EDITORIAL FOLHA DE SP


Folha de S. Paulo - 23/10


O governo da presidente Dilma Rousseff parece obcecado com o crescimento robusto da economia -a ponto de já suscitar receios quanto a um recrudescimento da inflação. Entre os planos e sua consecução, no entanto, se interpõem as condições objetivas e as consequências não pretendidas.

O bom governante consegue antever obstáculos e contorná-los sem afastar-se da meta fixada. Dessa perspectiva, os quase dois anos de Dilma no Planalto deixam algo a desejar, dedicados como foram às medidas pontuais.

Como assinalou o economista Samuel Pessôa em sua coluna de domingo nesta Folha, o crescimento brasileiro não pode nem ser considerado medíocre (no sentido de mediano) ante um panorama composto por 11 países da América Latina. Só o Paraguai terá ido pior que o Brasil, ao crescer 1,4% na média do biênio 2011-2012 (considerada a previsão do FMI para este ano).

O desempenho brasileiro no período deverá ficar em 2,1%. Estima-se que o Peru avançará 6,5%, o Equador, 5,9%, e o México, 3,9% -colado na média geral, de 3,8%.

São apenas dois anos, por certo, com base nos quais não se podem extrair muitas conclusões sobre todo o governo Dilma. O ano de 2013 terá crescimento melhor que o 1,5% projetado para 2012, mas será uma grande surpresa se se aproximar daqueles 3,8%.

Nos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o país cresceu 2,3% na média, ligeiramente acima dos 2,2% da América Latina. Os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficaram um pouco abaixo da média, 4% contra 4,1%.

Mesmo que a economia reaja até 2014, faltam a Dilma as condições internacionais favoráveis que turbinaram o período Lula (em que pese a crise de 2008-2009), como o impulso do dragão chinês, para repetir os índices do antecessor.

O que mais inquieta, como indica Pessôa, é a possibilidade de que as políticas distributivas iniciadas por Lula e continuadas por Dilma -fonte da popularidade de ambos- estejam a aproximar-se de seus limites econômicos. Um crescimento indigente impedirá que a desigualdade siga caindo, e o consumo, aumentando.

O Brasil todo, e não só o PT, terá então de enfrentar o encontro doloroso com aquilo que se acostumou a adiar: os entraves estruturais que impedem o país de crescer com todo seu potencial. Educação deficiente, excesso de burocracia, carga tributária elevada e complexa, infraestrutura aos pedaços -nada que se consiga resolver com desonerações setoriais, medidas protecionistas e mais intervenção estatal, como se viu até agora.

Planos para Lula - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 23/10


Luiz Inácio Lula da Silva está de volta. E com a corda toda. Os petistas que acompanharam seus pronunciamentos no último fim de semana ficaram aliviados ao perceber o brilho e a garra de volta aos olhos dele. Até as frases voltaram a ser de efeito. Os ícones petistas ficaram tão alegres com o entusiasmo e a energia de Lula que os planos para o futuro são inúmeros. Há quem volte a citá-lo como candidato a presidente da República, em 2014 — coisa que o próprio Lula rejeita. Afinal, conforme ele tem dito a amigos, Dilma está indo bem e, neste momento, não há motivos para mudar o time que está em campo.

Mas as outras missões que os petistas pensam em dar ao seu maior comandante serão aceitas — aliás, nunca foram recusadas. Especialmente, no sentido de consolidar a passagem de bastão no PT pós-julgamento. Lula tem o dom de encantar multidões. Sua linguagem simples e direta fala ao coração das pessoas como talvez nenhum outro político brasileiro tenha feito na história recente do país. Mesmo sua licença poética, muitas vezes criticada pelos adversários, é vista pelo eleitor como “esse é o Lula!”. Haja vista a diferença de discursos nesses fim de semana, onde em menos de 48 horas, Lula desfilou argumentos em prol do novo em São Paulo e, pouco depois, discursou sobre os perigos de se escolher uma novidade em Diadema. O PSDB odiou, mas os petistas deram boas risadas. O público que ouviu não estava preocupado com as comparações.

Risos à parte, o PT quer agora, ou melhor, daqui a pouco, que Lula use todo esse dom para tentar transferir seu prestígio ao partido da mesma forma que fez com o próprio governo, em 2005, quando o escândalo veio à tona. O então presidente percorreu ruas, inaugurou obras, lançou pedras fundamentais, vistoriou canteiros pelo país afora. Enfim, voltou-se para onde sabia se possível adquirir forças para se vacinar contra o episódio, ou seja, o lado do povo. Foi nesse contato que Lula se fez e se refez. Criou e ressurgiu.

Naquele ano de 2005, quando muitos apostaram que Lula não seria reeleito por conta do escândalo do mensalão, o então presidente afastou todos aqueles que tiveram o nome vinculado ao episódio. Delúbio Soares, o ex-tesoureiro, chegou a ser desligado do PT logo depois do escândalo e só foi reintegrado em abril do ano passado. Nesse ínterim, Lula saiu do governo com aprovação recorde e ainda elegeu a sucessora, a presidente Dilma Rousseff. E fez tudo isso sem deixar de dialogar diretamente com a população.

Passados sete anos daquele 2005 repleto de provações para o então presidente, 2012 se apresentou tão desafiante quanto. A doença, o julgamento, as condenações em meio ao calendário eleitoral — cenário que o PT jamais esperou enfrentar de uma única vez. A primeira reação dentro do partido foi jogar seus condenados “aos leões”. Foi comum ouvir integrantes do primeiro escalão dizerem que os condenados tinham CPF e não CNPJ e que o partido não estava em questão no STF. Mas, aos poucos, os obstáculos foram se dissipando. A doença, o julgamento e as eleições estão pertinho do fim e, pelo menos no quesito eleitoral, com as melhores perspectivas para Lula e o PT. Mas, nesse campo do mensalão, embora o julgamento não tenha apresentado reflexos eleitorais, os petistas sabem que não dará para fingir que nada aconteceu. E, diante desse desafio, caberá a Lula remodelar a imagem partidária e cicatrizar as feridas.

Por enquanto, o ex-presidente ainda não entrou de corpo e alma no julgamento. Limitou-se a dizer, em entrevista na Argentina, que já havia sido julgado e citou a eleição de Dilma e a aprovação de 87% quando deixou o governo. E ainda não será nos próximos dias que alguém ouvirá Lula pelo Brasil afora sobre o julgamento. Em plena campanha eleitoral, o foco dos petistas é tentar sair do segundo turno com uma coleção de vitórias, especialmente, em São Paulo.

Enquanto isso, na sala de Dilma…

A presidente não está nada satisfeita com esse zum-zum-zum sobre uma substituição do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Afinal, a reforma ministerial que tem pela frente é para fortalecer a base política e não melindrar a economia. Nessa seara todo cuidado é pouco.

Luis Fabiano! Queimou a pepeta! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 23/10


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Horário de verão! Todo mundo sem noção! Que horas são? Meio-dia pras quatro! Adiantou seu relógio? Adiantei antes do ladrão levar! E o Kassab acordou deprimido, perdeu uma hora de mandato. E uma menina no Twitter: "hoje eu senti na pele o que é ser Barrichello, acordei com os outros uma hora na minha frente!". Rarará!

Pensamento do dia: você sabe que está ficando velho quando os trigêmeos da Fátima e do Bonner fazem 15 anos! E a piada pronta: "Engajamento eleitoral da igreja é inédito, diz dom Fernando Figueiredo". A piada fica por conta do "inédito". Rarará!

E o padre Marcelo é uma mistura de "Jesus Cristo Superstar" com "A Noviça Rebelde ". Com seu hit; "Erguei as mãos". Mas São Paulo anda tão violenta que devia ser : "Erguei as Mãos Que É Um Assalto". Ou então fazer uma versão "kit-gay": "Ergay as mãos". Rarará! E sabe qual a diferença entre o Kassab e o Serra? O Kassab fundou um partido e o Serra afundou um partido! E o Lulalelé? O Lula tá tomando um pileque de palanque. Tá concorrendo a umas dez prefeituras!

E o Rubinho na Stock Car? Ele concorre em tudo que anda? Não, ele coanda em tudo que corre! Só falta trator, pedalinho e colher de sopa! Muda o nome pra STOP CAR! E ele chegou em 22 º lugar, a dobradinha continua. E diz que ele foi o corredor que mais largou na F-1! E o que menos chegou!

E o Luis Fabiano? Perdeu o pênalti! É o Adauto! O Vagner Love gritou: "Chupetinha!".Queimou a pepeta! Rarará! Reviravolta no mundo animal: Urubu comeu Bambi. E uma amiga reclamou que dois urubus pousaram na varanda dela. Não eram urubus, eram flamenguistas que fugiram pra São Paulo por causa das UPPs!

E o último recado da Carminha no Facebook: "não sei vocês, mas eu tive uma semana péssima!".

É mole? É mole, mas sobe!

E o Fidel? El Coma Andante! O Fidel não morreu. Ao contrário dos boatos! Os legistas fizeram a autópsia e ele tá ótimo! Rarará! Diz que ele conversou por meia hora. Só meia hora? Então ele piorou, tá péssimo. Rarará! E a última do Sensacionalista: "Homem morre durante último capítulo de 'Avenida Brasil ' e a família não percebe". E como está o Brasil sem a Carminha? Num misto de orfandade e alívio!

Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Direto de Beirute - SONIA RACY


O ESTADÃO - 23/10


A situação no Líbano pode, sim, evoluir para guerra civil. “Não é provável, mas possível”, ponderou ontem, por telefone, de Beirute, Carlos Eddé.

O líder do Bloco Nacional – partido que faz parte da coalizão de 14 de março (oposição ao Hezbollah) – saiu do local do assassinato de Wissam al- Hassan, morto na última sexta, 15 minutos antes. Chocante: o maior pedaço que sobrou de seu amigo pesava 5 quilos.

Beirute 2
Por que a tragédia e essa situação? “Hoje, no Líbano, temos dois tipo de segurança: as Forças Armadas, sob controle dos aliados da Síria, e a segurança interior, algo como a PM de vocês, que defende nossa soberania”, explica o neto do ex-premiê libanês Emile Eddé, filho de mãe brasileira.

Hassan foi morto, segundo Eddé, porque a polícia local, da qual era chefe, está conseguindo desvendar atentados e redes de espionagem – tendo chegado, inclusive, aos culpados pela morte de Rafik Hariri.

Que foram presos.

Pena
Até quarta-feira, havia chances concretas de os acionistas do BVA aportarem garantias para levantar recursos no FGC. A corrida ao banco, na quinta-feira, foi mas rápida.

Chama atenção que os maiores credores da instituição, mais uma vez, são os fundos de pensão ligados a estatais.

Treino pesado
Para levar Elmano de Freitas ao segundo turno em Fortaleza, o PT precisou de… Olga Curado– consultora que ajudou Dilmaem 2010.

Com Lula, Elmano fará hoje comício na Praça do Ferreira.

Socorro
O Ibama acaba de fechar parceria com o Ministério do Desenvolvimento, para integração das bases de dados – o que facilitará a fiscalização.

Bibi, fonfom
A CET vai mapear a rota dos caminhões na cidade de SP – são 190 mil, após as restrições da Prefeitura. Com verba de US$ 2 milhões do Bird.

O levantamento, a ser lançado hoje, se encerra no fim do ano que vem.

Mammy
Quem tem dado pinta barrigudinha no Ibirapuera é Daniella Cicarelli. Adepta da maratona, ela passou a caminhar. Pegando leve por causa da gestação.

Doer no bolso?
Um dos temas que ainda precisam de discussão – caso a condenação no STF se confirme – é o sequestro e o bloqueio de patrimônio como resultado do crime de lavagem. Segundo Jairo Saddi, do Ibmec, a Lei 12.683/12 autoriza a venda antecipada dos bens com ressarcimento ao Estado.

“Isso atingirá somente o ‘laranja’ do esquema criminoso ou todos?”, pergunta o advogado.

Em outras palavras, será que os condenados do mensalão vão ter de entregar o patrimônio?

Juiz atleta
Apesar da maratona do mensalão, Luiz Fux, do Supremo, garante que os ministros têm pique para a fase final do julgamento –que dura quase três meses. “Está todo mundo pronto para votar até o fim”, declarou à coluna. Haja fôlego.

Grana verde
Não só o fantasma do rebaixamento ronda o Palmeiras. A crescente dívida fiscal também vem apertando o sapato de Arnaldo Tirone, que tenta novo mandato à frente do clube. São mais de R$ 8 milhões, que precisam ser pagos à Prefeitura.

Às vésperas das eleições, o clube corre risco de penhora.

Solidariedade
E o caso da “chupetinha” do Adauto, no final de Avenida Brasil, virou piada entre os craques do futebol.Neymar postou, no Instagram, foto com o também santista André, queimando uma chupeta. Legenda? “Adauto, tamo contigo.”


Na frente
Mariana Berenguer e Syomara Crespi, joalheiras, convidam para coquetel. Quinta-feira, no Nonno Ruggero do Hotel Fasano.

Nizan Guanaes e Donata Meirelles armam jantar em sua casa, em torno de Yves Carcelle, da Louis Vuitton. Com direito à peça Maracatu, criada em colaboração com os Irmãos Campana. Amanhã.

Juscelino Pereira prepara camarão à Saint Peter. Hoje, no salão do La Cocotte.

Para quem estranhou o silêncio total, domingo, durante a execução da célebre 4’33”, de John Cage, pela Orquestra Sinfônica Brasileira, vai a explicação: ele faz parte da “composição” e dura exatos… 4 minutos e 33 segundos.

O juro subiu no telhado - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 23/10


Taxas caíram após campanha do governo, mas vão ficar estacionadas num patamar ainda aberrante 


OS JUROS NÃO caem mais, avisou o Banco Central na semana passada. Quer dizer, não caem mais no futuro próximo, até 2013, pelo menos, afora problema sério novo: lerdeza contínua na economia do Brasil, desastre na Europa, nos EUA, na China.

Até aqui chegamos: juros básicos a 7,25%, juro real a menos de 2%. Taxa média para pessoa física em 35,6%. Taxa média geral, 30,1%. Taxa média para financiar um carro em 25%. As taxas são anuais e os dados referem-se a agosto.

Até aqui chegamos depois de o Banco Central ter talhado o juro básico por mais de um ano, mesmo com perspectiva de inflação em alta e acima da meta.

Mesmo com as broncas de Dilma Rousseff. Mesmo com os bancos estatais emprestando a juro mais baixo, dando cotoveladas na concorrência privada, por ordem do governo. Mesmo com empresas grandes pegando dinheiro baratinho lá fora.

Enfim, para resumir: com juro real "básico" (aquele "decidido" pelo BC) a menos de 2%, o juro real médio para o consumidor ficou ainda nuns 30% (juro real: descontada a inflação). Para comprar um carro, taxa média real de uns 20%.

Os americanos pagam entre 4% e 5% ao ano para financiar um carro. Pagam uns 14% para rolar dívida no cartão de crédito (no Brasil, pelo menos uns 150%). Na média, o consumidor morre em juros de uns 7%, 8% ao ano.

Mesmo descontado o peso da aberração dos juros de cartão e cheque especial, ficou evidente, se já não estava, que no grito a taxa cai um pouco, mas continua aberrante.

Qual o problema? Os de sempre. A poupança no país é pequena ("falta dinheiro" para emprestar). A margem de lucro dos bancos é alta, embora cadente. A informação sobre o histórico de crédito dos clientes de bancos é ruim. Há impostos demais sobre a intermediação financeira ("empréstimos"). Há dificuldade ou incerteza sobre a recuperação dos empréstimos concedidos. Etc.

Note-se ainda que, apesar da campanha do governo, as taxas de juros para o consumidor caíram porque o custo básico do dinheiro caiu (pois a taxa básica de juros caiu).

O "spread", a diferença entre o que o dinheiro custa para os bancos e o que eles cobram para emprestar, caiu pouco. Mesmo assim, caiu porque os bancos estatais derrubaram as taxas e estão emprestando uns dois terços do dinheiro novo que chegou à praça desde o início da campanha dilmiana contra juros altos.

Do fim de 2010 até agosto passado, a taxa média de juros para pessoas físicas (nós, consumidores) caiu cinco pontos percentuais. O custo de captação dos bancos, porém, caiu quase isso, 4,2 pontos. Nesse período, o "spread" caiu de 23,5% para 22,5%.

Sim, taxa de juro real "básica" a 2% faz diferença. Tende a mudar, para melhor, a estrutura do mercado financeiro. Reduz o custo da dívida do governo. Mas a finança do país ainda é toda torta.

Não adianta só bater nos bancos. O problema é mais enrolado e não será resolvido sem um programa bem-feitinho, de médio, longo prazo. "Reformas", como mercadistas dizem, nem sempre sem razão. Isso não quer dizer que inexistam políticas ditas "alternativas" ou complementares ou provisórias para lidar com os problemas. Mas não dá para fingir que o custo de fazer negócios no país não seja um deles.

O Copom e os juros - ANTONIO DELFIM NETTO


Valor Econômico - 23/10



É pouco provável que alguém ainda duvide do fato que o Banco Central do Brasil, sob o comando de Alexandre Tombini e apoiado por uma competente equipe técnica, mostrou estar mais antenado com a realidade brasileira e ter melhor incorporado a difícil situação mundial, do que a maioria de nossos acadêmicos ou analistas do sistema financeiro.

A introdução das medidas "macroprudenciais" (que afinal não eram novidade nos anos 70 do século passado!) foi inicialmente recebida com grande ceticismo. O desenvolvimento posterior da conjuntura econômica mostrou que elas não só foram altamente efetivas, como talvez tenham sido subavaliadas.

Abriu-se, assim, um espaço para a redução consistente da taxa de juro real reclamada há décadas pela economia brasileira. A maior taxa de juro real, do universo conhecido, promoveu um movimento de capitais especulativos que ajudou a supervalorizar a taxa de câmbio real, acentuando os inconvenientes da redução da atividade global produzida pelo controle monetário.

O futuro continua mais opaco do que sempre foi

Em um ano, o BC trouxe a Selic a 7,25%, o que, com uma expectativa de inflação para os próximos 12 meses da ordem de 5,5%, nos deixa com uma taxa de juro real em torno de 2%. Longe, ainda, da taxa de juro real do mercado internacional, que anda à volta de - 2%. O atual diferencial de juro interno e externo é parecido com 4%.

Num ambiente de política cambial defensiva, deixa ainda margem para exploração (sem opinião moralista, mas em um dos sentidos do verbete no nosso "Aurélio": "pesquisa, sondagem") de oportunidades lucrativas para o capital estrangeiro de curto prazo, principalmente diante da contínua enxurrada de liquidez produzida externamente.

Na ata da última reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) encontram-se os argumentos utilizados por parte dos seus membros (cinco entre oito) para a redução adicional de 0,25% da taxa e a informação que se trata de um "último ajuste nas condições monetárias", acompanhada da convicção de que sua estabilidade promoverá um ambiente propício que, com movimentos não lineares, ajudará a economia a acomodar-se, num prazo não especificado, à taxa de inflação de 4,5% ao ano.

É claro que com o nível de atividade atual (PIB menos de 2%), a preocupação com o crescimento assumiu um peso importante na decisão, mesmo porque nossa política econômica é de legítima defesa contra as políticas monetárias externas que procuram desvalorizar suas moedas. É preciso ser muito desinformado para não saber que os EUA tentam abertamente reduzir seu déficit em conta corrente não apenas aumentando a sua oferta interna de energia, mas estimulando um dólar "fraco" para ampliar suas exportações.

Quais foram os argumentos vencedores na reunião do Copom? Primeiro, que as incertezas e as fragilidades da situação mundial serão mais prolongadas do que se supunha que fossem e, assim, deverão nos ajudar com alguma redução da pressão inflacionária externa. Segundo, que boa parte dos recentes movimentos da taxa de inflação são produzidos por "choques de oferta", cuja característica é a sua reabsorção no prazo médio, o que justificaria um último ajuste nas condições monetárias de 0,25%.

E os argumentos dos votos vencidos? Eles sugeriram que a recuperação econômica em marcha, produzida pelos estímulos monetários, fiscais e cambiais já concedidos, ainda não se completou e que, portanto, não seria necessário um corte marginal na taxa de juros Selic.

Vemos que o dissenso foi mais questão subjetiva: como cada um vê a velocidade e a eficiência com que o mundo poderá livrar-se das incertezas criadas pela crise financeira de 2007. É difícil decidir quem, afinal, estará certo, porque o futuro continua mais opaco do que sempre foi e inexiste, de fato, uma liderança política mundial forte e bem informada. O "crash" atual entre a cabeça dura de Merkel e a vazia de Holland, somado às confusões que poderão advir do processo eleitoral americano, são as únicas coisas claras do cenário mundial!

Note-se que não se tratou de um problema técnico. É um problema de escolha na incerteza com probabilidades desconhecidas. O nosso "palpite" (e talvez, desejo), por que não é mais do que isso que se trata, é que o cenário incorporado pelos votos vencedores tem maior probabilidade de realizar-se.

É preciso uma certa humildade e desconfiar das afirmações apodícticas de alguns analistas, que se supõem portadores da verdadeira ciência econômica. Infelizmente não somos.

Não obstante, os conhecimentos que acumulamos são importantes para a construção de políticas públicas numa sociedade que se pretende, como a nossa, ser republicana, onde todos, inclusive o governo, obedecem à mesma lei, sob controle de um Supremo Tribunal Federal independente; ser democrática, onde o poder incumbente obedece regras claras de periodicidade e o sufrágio universal é praticado livremente e sem fraudes e, não menos importante, ser razoavelmente justa, onde se procura, com afinco, uma relativa "igualdade de oportunidades" para todo cidadão, independentemente de onde e como nasceu, de sua cor ou de sua etnia.

DOSIMETRIA: BOTE MAIS UMA!


Parceria Estratégica Global com a China - RUBENS PAIVA


O ESTADÃO - 23/10


A China, a segunda economia e o primeiro exportador global, com um crescente alcance militar e econômico na Região Indo-Pacífica, está merecendo um tratamento diferenciado de todos os países. Os Estados Unidos, no início de 2012, promoveram a mais profunda mudança estratégica na sua política externa, de defesa e comercial, colocando a China no centro de suas preocupações estratégicas.

Desde o estabelecimento da Parceria Estratégica, em 1993, Brasil e China têm progressivamente intensificado o seu diálogo e o intercâmbio. Em 2004 os dois países criaram a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação. O principal mecanismo institucional das relações entre Brasil e China, essa comissão tem contribuído para promover uma cooperação abrangente e profunda de longo prazo. Em abril de 2010 os presidentes dos dois países assinaram o Plano de Ação Conjunta entre o Brasil e a China 2010-2014, fortalecendo a orientação estratégica para o desenvolvimento da Parceria Estratégica bilateral em áreas relevantes.

Brasil e China enfrentam desafios e oportunidades comuns no cenário internacional e no âmbito bilateral. Deixando de lado percepções ingênuas de motivação ideológica como o reconhecimento da China como economia de mercado, na esfera comercial novas formas deverão ser buscadas para ampliar as exportações brasileiras de produtos de maior valor agregado e para reduzir o crescente desequilíbrio na balança industrial de comércio em favor dos chineses. Uma política proativa para buscar nichos de mercado, no contexto da nova política econômica que dá prioridade ao crescimento do mercado interno, pode ser uma das linhas para ampliar as exportações para o mercado chinês. Os efeitos negativos da política cambial chinesa sobre o intercâmbio comercial entre os dois países também devem concentrar as atenções dos formuladores de políticas dos dois países.

Desde a crise econômica internacional de 2008, o Brasil e a China vêm mantendo consultas frequentes com o objetivo de mitigar os efeitos negativos sobre seus respectivos países. Para refletir esse novo estágio das relações sino-brasileiras ambos os governos decidiram designá-las como Parceria Estratégica Global.

Para promover a implementação do Plano de Ação Conjunta, a presidente Dilma Rousseff e o primeiro-ministro Wen Jiabao assinaram no Rio de Janeiro, em 21 de junho, o Plano Decenal de Cooperação Brasil-China. Na ocasião foi anunciada a elevação das relações bilaterais à condição de Parceria Estratégica Global.

O Plano Decenal tem por objetivo aprofundar a execução do Plano de Ação Conjunta de 2010 e também estabelecer prioridades e projetos-chave dos dois lados de 2012 a 2021.

As ações prioritárias do Plano Decenal para o período 2012-2021 estão agrupadas em cinco seções:

Ciência, tecnologia, inovação e cooperação espacial, que, por iniciativa brasileira, figuram na primeira seção temática do plano. Áreas prioritárias de ação conjunta: energias renováveis, bioenergia, nanotecnologia, biotecnologia aplicada à agricultura e à biomedicina, tecnologias agrícolas e florestais, tecnologia de informação, área espacial e indústrias criativas, entre outras.

Energia e mineração são tratadas em conjunto com infraestrutura e transportes. Além de estimular a agregação de valor em projetos nas áreas de energia e mineração, o documento estimula a cooperação em áreas em que a China conquistou notáveis avanços, tais como projetos e materiais ferroviários, equipamentos portuários e estaleiros navais.

Investimentos na cooperação industrial, com vista à diversificação de investimentos chineses no Brasil. É enfatizada a formação de joint ventures nos segmentos de semicondutores, componentes e peças de reposição para o setor automobilístico, geradores de energia eólica e ferrovias e equipamentos ferroviários. É assinalado o interesse de empresas brasileiras de se instalarem na China, nos segmentos aeronáutico, de ônibus, de equipamentos industriais e processamento de alimentos. A parte dedicada às questões financeiras apoia a cooperação entre bolsas de valores dos dois países e o uso de moedas locais no comércio bilateral.

Econômico-comercial - reitera o objetivo de diversificar as exportações brasileiras para a China em setores de maior valor agregado e estabelece metas de crescimento do comércio bilateral. Em conexão com a presença da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) na China, prevê a intensificação da parceria bilateral no setor aeronáutico. Prevê também o fortalecimento da cooperação fitossanitária e o estímulo às atividades de pesquisa e desenvolvimento no setor agrícola, com o objetivo de aumentar o valor agregado das cadeias produtivas e sua competitividade.

Cooperação cultural e intercâmbio entre as duas sociedades - ressalta a relevância do conhecimento mútuo e a aproximação entre os dois povos, bem como o compromisso de intensificar a interação acadêmica, e, nessa linha, faz referência específica ao Programa Ciência sem Fronteiras. São previstas atividades nos campos cultural e artístico, de rádio, filmes e televisão, imprensa e publicações, proteção do patrimônio cultural, e esportes.

O Plano Decenal - que pouca atenção despertou - deveria ser discutido pelos diferentes setores da economia, da indústria e dos trabalhadores, dentro de uma perspectiva estratégica. Além dessas prioridades, a saída pelo Pacífico para os produtos brasileiros deveria estar no topo de nossa agenda de política comercial e de integração.

Ao se transformar no principal parceiro comercial do Brasil e num dos maiores investidores no mercado brasileiro, a China deveria merecer atenção especial dos nossos formuladores da política externa e comercial, para definir o que queremos desse relacionamento.

"Quadrilha das mais complexas" - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 23/10


BRASÍLIA - No voto mais esperado de ontem, numa das mais delicadas e polêmicas questões do julgamento do mensalão, o ministro Marco Aurélio foi vigoroso e implacável ao condenar José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares por formação de uma "quadrilha das mais complexas". Ou "quadrilha sofisticada", na versão de Celso de Mello.

A adjetivação --"complexa" e "sofisticada"-- foi importante para clarear a questão e principalmente para atualizar a definição de quadrilha, que não é mais apenas uma união de bandidos armados que se movimentam no submundo, roubam e matam cidadãos. No entender do Supremo, quadrilha, nesse nosso mundo globalizado, é também a associação de engravatados e ilustres para cometer outros tipos de crime, como o de desvio de dinheiro público.

No meio da sessão, num arroubo didático, quase coloquial, o relator Joaquim Barbosa demonstrou o temor de que a mais alta corte do país fizesse um corte sociológico, ratificando a percepção de que só há bando e quadrilha em morros e favelas, relevando as associações criminosas de colarinho-branco, ou punhos de renda --da elite, enfim. Mas o Supremo não fez esse corte.

A maioria julgou que o mensalão foi, sim, um crime de quadrilha. Para Ayres Britto, quadrilha "é organicidade, é visceral". Para Gilmar Mendes, se não era armada, não muda nada, pois arma é agravante, e não condicionante. Para Celso de Mello, uma quadrilha mais perigosa do que a de criminosos comuns, operada dos "subterrâneos do poder".

Mais do que condenar réus tão emblemáticos, o STF mandou um recado ao país e aos poderosos. A partir de ontem, criminosos de colarinho-branco que se associarem para desvios e assaltos aos cofres públicos estarão juridicamente nivelados aos PPP (pobres, pretos e prostitutas) que, historicamente, habitam nossas cadeias. As vítimas, afinal, são as mesmas: o cidadão, a cidadã, a sociedade brasileira.

A condenação do PT - MARCO ANTONIO VILLA


O Globo - 23/10


O julgamento do mensalão atingiu duramente o Partido dos Trabalhadores. As revelações acabaram por enterrar definitivamente o figurino construído ao longo de décadas de um partido ético, republicano e defensor dos mais pobres. Agora é possível entender as razões da sua liderança de tentar, por todos os meios, impedir a realização do julgamento. Não queriam a publicização das práticas criminosas, das reuniões clandestinas, algumas delas ocorridas no interior do próprio Palácio do Planalto, caso único na história brasileira.

Muito distante das pesquisas acadêmicas - instrumentalizadas por petistas - e, portanto, mais próximos da realidade, os ministros do STF acertaram na mosca ao definir a liderança petista, em 2005, como uma sofisticada organização criminosa e que, no entender do ministro Joaquim Barbosa, tinha como chefe José Dirceu, ex-presidente do PT e ministro da Casa Civil de Lula. Segundo o ministro Celso de Mello: "Este processo criminal revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho de Estado, transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de poder." E concluiu: "É macrodelinquência governamental." O presidente Ayres Brito foi direto: "É continuísmo governamental. É golpe."

O julgamento do mensalão desnudou o PT, daí o ódio dos seus fanáticos militantes com a Suprema Corte e, principalmente, contra o que eles consideram os "ministros traidores", isto é, aqueles que julgaram segundo os autos do processo e não de acordo com as determinações emanadas da direção partidária. Como estão acostumados a lotear as funções públicas, até hoje não entenderam o significado da existência de três poderes independentes e, mais ainda, o que é ser ministro do STF. Para eles, especialmente Lula, ministro da Suprema Corte é cargo de confiança, como os milhares criados pelo partido desde 2003. Daí que já começaram a fazer campanha para que os próximos nomeados, a começar do substituto de Ayres Brito, sejam somente aqueles de absoluta confiança do PT, uma espécie de ministro companheiro. E assim, sucessivamente, até conseguirem ter um STF absolutamente sob controle partidário.

A recepção da liderança às condenações demonstra como os petistas têm uma enorme dificuldade de conviver com a democracia. Primeiramente, logo após a eclosão do escândalo, Lula pediu desculpas em pronunciamento por rede nacional. No final do governo mudou de opinião: iria investigar o que aconteceu, sem explicar como e com quais instrumentos, pois seria um ex-presidente. Em 2011 apresentou uma terceira explicação: tudo era uma farsa, não tinha existido o mensalão. Agora apresentou uma quarta versão: disse que foi absolvido pelas urnas - um ato falho, registre-se, pois não eram um dos réus do processo. Ao associar uma simples eleição com um julgamento demonstrou mais uma vez o seu desconhecimento do funcionamento das instituições - registre-se que, em todas estas versões, Lula sempre contou com o beneplácito dos intelectuais chapas-brancas para ecoar sua fala.

As lideranças condenadas pelo STF insistem em dizer que o partido tem que manter seu projeto estratégico. Qual? O socialismo foi abandonado e faz muito tempo. A retórica anticapitalista é reservada para os bate-papos nostálgicos de suas velhas lideranças, assim como fazem parte do passado o uso das indefectíveis bolsas de couro, as sandálias, as roupas desalinhadas e a barba por fazer. A única revolução petista foi na aparência das suas lideranças. O look guevarista foi abandonado. Ficou reservado somente à base partidária. A direção, como eles próprios diriam em 1980, "se aburguesou". Vestem roupas caras, fizeram plásticas, aplicam botox a três por quatro. Só frequentam restaurantes caros e a cachaça foi substituída pelo uísque e o vinho, sempre importados, claro.

O único projeto da aristocracia petista - conservadora, oportunista e reacionária - é de se perpetuar no poder. Para isso precisa contar com uma sociedade civil amorfa, invertebrada. Não é acidental que passaram a falar em controle social da imprensa e... do Judiciário. Sabem que a imprensa e o Judiciário acabaram se tornando, mesmo sem o querer, nos maiores obstáculos à ditadura de novo tipo que almejam criar, dada ausência de uma oposição político-partidária.

A estratégia petista conta com o apoio do que há de pior no Brasil. É uma associação entre políticos corruptos, empresários inescrupulosos e oportunistas de todos os tipos. O que os une é o desejo de saquear o Estado. O PT acabou virando o instrumento de uma burguesia predatória, que sobrevive graças às benesses do Estado. De uma burguesia corrupta que, no fundo, odeia o capitalismo e a concorrência. E que encontrou no partido - depois de um século de desencontros, namorando os militares e setores políticos ultraconservadores - o melhor instrumento para a manutenção e expansão dos seus interesses. Não deram nenhum passo atrás na defesa dos seus interesses de classe. Ficaram onde sempre estiveram. Quem se movimentou em direção a eles foi o PT.

Vivemos uma quadra muito difícil. Remar contra a corrente não é tarefa das mais fáceis. As hordas governistas estão sempre prontas para calar seus adversários.

Mas as decisões do STF dão um alento, uma esperança, de que é possível imaginar uma república em que os valores predominantes não sejam o da malandragem e da corrupção, onde o desrespeito à coisa pública é uma espécie de lema governamental e a mala recheada de dinheiro roubado do Erário tenha se transformado em símbolo nacional.

Parem o pirômano de Damasco - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 23/10


O sangue da guerra na Síria contamina o Líbano, o que torna urgente uma intervenção internacional



UM GRUPO de intelectuais franceses defendeu ontem, em artigo no "Monde", uma intervenção do Ocidente na Síria.
"Estando o Conselho de Segurança da ONU paralisado pelos vetos russo e chinês, qualquer outra aliança se justifica para brecar os rios de sangue que correm nas cidades sírias", dizem Jacques Bérès, cirurgião de guerra que esteve na Síria exercendo sua função; os filósofos Bernard-Henry Lévy e André Glucksman; e Bernard Kouchner, ex-chanceler e um dos fundadores da ONG Médicos sem Fronteiras.
Os autores usam um argumento ponderável: "A situação recorda aquela da Espanha de 1936, quando as democracias se desonraram por sua neutralidade, enquanto, de seu lado, Mussolini e Hitler ajudavam os golpistas de Franco".
Não é a única solicitação de intervenção. A revista "The Economist" afirma que "a Otan precisa começar a montar um caso humanitário e estratégico para intervir na Síria".
O argumento da revista é apocalíptico: "O número de mortos na Síria passou de 30 mil. Em determinados dias, mais de 250 corpos se somam à pilha.
Se os próximos meses se estenderem por anos, como agora parece provável, as grandes cidades da Síria virariam pó, e todo o Oriente Médio sufocaria na poeira". É o que já começa a acontecer, agora que o conflito sírio transbordou para o Líbano.
Ontem, o Exército libanês emitiu comunicado pedindo contenção aos grupos em confronto no país, afirmando que "o destino da nação está em jogo".
Está acontecendo sem intervenção o que os anti-intervencionistas diziam que ocorreria se houvesse uma intervenção: o Oriente Médio sufocando na poeira, para usar a imagem da "Economist".
Dia sim, outro também, há escaramuças entre a Turquia e a Síria, o que leva Ian Bremmer, presidente do Grupo Eurásia, consultoria de risco político, a escrever para o "Financial Times": "Como em qualquer impasse do gênero, está crescendo o risco de que um simples erro de cálculo desencadeie uma escalada que ninguém poderá controlar".
Como se fosse pouco, ontem um soldado jordaniano morreu em incidente com grupos que queriam entrar na Síria para lutar ao lado dos rebeldes.
Ou seja, de todos os vizinhos da Síria, apenas Israel e Iraque se livraram, até agora, do sangue que borrifa do conflito.
Enquanto isso, a comunidade internacional fracassa em cada uma de suas tímidas iniciativas para brecar a carnificina.
Aposta tudo em um enviado especial, Kofi Annan. Dá em nada. Troca de enviado, agora Lakhdar Brahimi, que sugere um cessar-fogo. Ele próprio admitiu ontem que são escassas as chances de sua proposta prosperar.
O Egito até lançou uma iniciativa própria, ao propor uma mesa com dois adversários do pirômano de Damasco (Turquia e Arábia Saudita) e um aliado incondicional (o Irã). Tampouco andou.
Resta pois ao Ocidente repetir a omissão de 1936 na Espanha (custou uma guerra civil de três anos e um milhão de mortos) ou intervir antes que a acumulação de cadáveres gere tal ódio que torne o futuro sírio mais sombrio do que o presente.

A vitória do partido do 'mesmo' - ARNALDO JABOR


O Estado de S.Paulo - 23/10



A história de minha vida política sempre oscilou entre dois sentimentos: esperança e desilusão. Cresci ouvindo duas teses divergentes: ou o Brasil era o país do futuro ou era uma zorra sem nome, um urubu caindo no abismo. Nessa encruzilhada, eu cresci. Além disso, dentro dessa dúvida havia outra: UDN ou PTB? Reacionários da "elite" ou o "povo"? Brigadeiro Eduardo Gomes ou Getúlio, "finesse" ou "sujeira"? Comecei a me interessar por política quando votei em Jânio. Confesso. Eu tinha 18 anos e não consegui me interessar por Lott, aquele general com cara de burro, pescoço duro. Jânio me fascinava com sua figura dramática, era uma caricatura vesga, cheia de caspa e dava a impressão de que ele, sim, era de esquerda, doidão, "off". Meses depois, estou no estribo de um bonde quando ouço: "Jânio tomou um porre e renunciou!" Foi minha primeira desilusão. Eleito esmagadoramente, largou o governo como se sai de um botequim. Ali, no estribo do bonde ‘Praia Vermelha’, eu entendi que havia uma grossa loucura brasileira rolando por baixo da política, mais forte que slogans e programas racionais. Percebi que existia uma ‘sub-história’ que nos dirigia para além das viradas políticas. Uma vocação, uma anomalia secular que faz as coisas ‘desacontecerem’, que criou ‘um país sob anestesia, mas sem cirurgia’, como diagnosticou Mário Henrique Simonsen.

Já na UNE, eu participei febrilmente da luta pela posse do vice João Goulart, que a direita queria impedir. O Exército do Sul, com Brizola à frente, garantiu a posse de Jango e botei na cabeça que, com militares ‘legalistas’ e heróis de esquerda, finalmente o Brasil ia ascender a seu grande futuro.

Nos dois anos seguintes, vivi a esperança de um paraíso vermelho que ia tomar o País todo, numa réplica da rumba socialista de Cuba, a revolução alegre e tropical que ia acabar com a miséria e instalar a cultura popular, a grande arte, a beleza, sem entraves, com o presidente Jango e sua linda mulher fundando a ‘Roma tropical’, como berrava Darcy Ribeiro em sua utopia. Um velho mundo ia cair sem resistência. Não haveria golpes, pois o ‘Exército é de classe média e portanto a favor do País’ – nos ensinava o PCB. Dá arrepios lembrar da assustadora ingenuidade política da hora. No dia 31 de março de 64, estou na UNE comemorando a 'vitória de tudo'.

Havia um show com Grande Otelo, Elza Soares, celebrando a ‘vitória do socialismo’. Um amigo me abraçou, gritando: "Vencemos o imperialismo norte-americano; agora, só falta a burguesia nacional!" Horas depois, a UNE pegava fogo e eu pulava pelos fundos sob os tiros das brigadas juvenis de direita. No dia seguinte, diante de mim, materializou-se a figura absurda de Castelo Branco, como um ET verde-oliva. Acho que virei adulto naquela manhã, com a UNE em fogo, com os tanques tomando as ruas. Eu acordara de um sonho para um pesadelo.

No entanto, os tristes dias militares de Castelo ainda tinham um gosto democrático mínimo, que até serviu para virilizar nossa luta política. Agora, o inimigo tinha rosto e uniforme e contra ele se organizou uma resistência cultural rica e fértil, que se refinou pelo trauma e que perdeu o esquematismo ingênuo pré-64. As ideias e as artes se engrandeceram na maldição. Nossa impotência estimulou uma nova esperança. A partir daí, as passeatas foram enchendo as ruas, num movimento democrático que acreditava que os militares cederiam à pressão das multidões. Era ilusão.

Ventava muito em Ipanema, dezembro de 68, enquanto o ministro Gama e Silva lia o texto do Ato Institucional 5 na TV, virando o País num sinistro campo de concentração. Com uma canetada, o Costa e Silva, com sua cara de burro, instado pela louca ‘lady MacBrega Yolanda’, fechou o País por mais 15 anos. Esperança. Desilusão. Vieram os batalhões suicidas das guerrilhas urbanas. Nos anos do milagre brasileiro, os jovens românticos ou foram massacrados à bala ou caíram no desespero da contracultura mística, enquanto os mais caretas enchiam o rabo de dinheiro nos ‘milagres’ de São Paulo.

O bode durou 15 anos e a democracia virou uma obsessão. "Quando vier a liberdade, tudo estará bem!", dizíamos. Só pensávamos na democracia e ninguém reparou que ela foi voltando menos pelos comícios das Diretas e mais pelas duas crises do petróleo que criaram a recessão mundial, acabando com a grana que sustentava os militares no poder. Os milicos e a banca internacional nos devolveram a liberdade na hora de pagar a conta da dívida externa. Os militares queriam se livrar da batata quente da falência do Estado e entregaram-no aos paisanos eufóricos com a vitória de Tancredo. Nova esperança! Aí, veio um micróbio voando, entrou no intestino do Tancredo e mudou nossa história. E começou a grande desilusão. Com a volta da democracia, no período Sarney, tudo piora. Nossos velhos vícios reapareceram. Apavorado, vi que a democracia só existia de boca, não estava entranhada nas instituições que passaram a ser pilhadas pelos famintos corruptos e políticos que tomaram o poder – todos ‘nobres’ vítimas da ditadura. Daí para frente, só desilusão e dor: inflação a 80% ao mês (lembram?), o messianismo de Collor, montado no cavalo louco da República, vergonha e horror. Depois, nova esperança com o impeachment; depois, mais esperança com o Plano Real, vitória da razão reformista com FHC, logo depois do Brasil no tetra, céu azul, esperança sem inflação. Nunca acreditei tanto na vida.

Mas, hoje, estou aqui, com medo e com tristes pressentimentos. Dilma pode ser uma nova esperança, se criar uma ponte entre a teimosia regressista e uma modernização mais liberal. O problema é que, para além das ideologias, existe no Brasil a maldição do Mesmo, uma grande empada de detritos que clama pelo atraso. O maior inimigo do Brasil é a aliança entre uma ideologia 'de esquerda' e a oligarquia 'de direita' – como é hoje. Nem UDN nem PTB. Ganha sempre o Partido do Mesmo.

Um país estranho: Islandia - VLADIMIR SAFATLE

FOLHA DE SP - 23/10


A Islândia é uma ilha com pouco mais de 300 mil habitantes que parece decidida a inventar a democracia do futuro.
Por uma razão não totalmente clara, esse país que fora um dos primeiros a quebrar com a crise financeira de 2008 sumiu em larga medida das páginas da imprensa mundial. Coisas estranhas, no entanto, aconteceram por lá.
Primeiro, o presidente da República submeteu a plebiscito propostas de ajuda estatal a bancos falidos. O ex-primeiro-ministro grego George Papandreou foi posto para fora do governo quando aventou uma ideia semelhante. O povo islandês, todavia, não se fez de rogado e disse claramente que não pagaria nenhuma dívida de bancos.
Mais do que isso, os executivos dos bancos foram presos e o primeiro-ministro que governava o país à época da crise foi julgado e condenado.
Algo muito diferente do resto da Europa, onde os executivos que quebraram a economia mundial foram para casa levando no bolso "stock options" vindos diretamente das ajudas estatais.
Como se não bastasse, a Islândia resolveu escrever uma nova Constituição. Submetida a sufrágio universal, ela foi aprovada no último fim de semana. A Constituição não foi redigida por membros do Parlamento ou por juristas, mas por 25 "pessoas comuns" escolhidas de maneira direta.
Durante sua redação, qualquer um podia utilizar as redes sociais para enviar sugestões de leis e questionar o projeto. Todas as discussões entre os membros do Conselho Constitucional podiam ser acompanhadas do computador de qualquer cidadão.
O resultado é uma Constituição que estatiza todos os recursos naturais, impede o Estado de ter documentos secretos sobre seus cidadãos e cria as bases de uma democracia direta, onde basta o pedido de 10% da população para que uma lei aprovada pelo Parlamento seja objeto de plebiscito.
Seu preâmbulo não poderia ser mais claro a respeito do espírito de todo o documento: "Nós, o povo da Islândia, queremos criar uma sociedade justa que ofereça as mesmas oportunidades a todos. Nossas diferentes origens são uma riqueza comum e, juntos, somos responsáveis pela herança de gerações".
Em uma época na qual a Europa afunda na xenofobia e esquece o igualitarismo como valor republicano fundamental, a Constituição islandesa soa estranha. Esse estranho país, contudo, já não está mais em crise econômica.
Cresceu 2,1% no ano passado e deve crescer 2,7% neste ano. Eles fizeram tudo o que Portugal, Espanha, Grécia, Itália e outros não fizeram. Ou seja, eles confiaram na força da soberania popular e resolveram guiar seu destino com as próprias mãos. Algo atualmente muito estranho.

Em defesa da democracia - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 23/10


A sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal não apenas colocou um fecho no processo do mensalão, definindo como ação de quadrilha a relação do núcleo político do PT com os grupos do lobista Marcos Valério e os financiadores do esquema, como indicou que serão pesadas as penas para os principais envolvidos na trama criminosa.

O decano do STF, ministro Celso de Mello, chamou-os de "sociedade de delinquentes". Marco Aurélio Mello releu discurso histórico que fez ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral em 2006, quando definiu os mensaleiros como grupo "seduzido pelo projeto de alcançar o poder de uma forma ilimitada e duradoura". Gilmar Mendes destacou que a paz social fica em risco quando se procura desmoralizar a democracia. "Não tenho dúvida de que a gravidade dos fatos atenta contra a paz pública na concepção social. (...) Sem dúvida isso subverte a lógica das instituições colocando em risco a própria sociedade".

O ministro Luiz Fux baseou seu voto de condenação no fato de que o Supremo já decidira que existia um "projeto delinquencial" de longa duração. O presidente do Supremo, Ayres Britto, também foi pela mesma linha de considerar que a ação dos grupos em coordenação caracterizava bem uma quadrilha que pôs em risco a paz pública ao atentar contra o estado democrático de direito.

Em maio de 2006, Marco Aurélio Mello faria um discurso de posse tão destemido, em pleno escândalo do mensalão, que, ele revelou ontem, sugeriu que o então presidente Lula não comparecesse à cerimônia para evitar constrangimentos. Ele disse na ocasião, e repetiu ontem, que o Brasil se tornara o país do "faz de conta". "Infelizmente, vivenciamos tempos muito estranhos, em que se tornou lugar-comum falar dos descalabros que, envolvendo a vida pública, se infiltraram na população brasileira - composta, na maior parte, de gente ordeira e honesta - um misto de revolta, desprezo e até mesmo repugnância".

Celso de Mello disse que nunca, em 44 anos de atuação na área jurídica, viu tão caracterizada uma quadrilha quanto neste caso. Comparou a quadrilha do mensalão às quadrilhas que atuam no Rio e ao PCC paulista. "Conspiradores à sombra do Estado, quebrando a tranquilidade da ordem e segurança". O decano disse que o que via nesse processo eram "homens que desconhecem a República, que vilipendiaram o estado democrático de direito e desonraram o espírito republicano. Mais do que práticas criminosas, identifico no comportamento desses réus, notadamente, grave atentado à ordem democrática".

Gilmar Mendes classificou de "naturalista" a interpretação que levou as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia a negar a existência de quadrilha, e ressaltou que no decorrer do julgamento já fora determinado que a democracia brasileira esteve em risco com os crimes do mensalão.

O ministro Luiz Fux asseverou que na literatura jurídica não há exemplo de um crime praticado em coautoria ao longo de dois anos e que não faz sentido condenar membros dos diversos núcleos do mensalão sem enxergar que essas condutas só puderam ser praticadas graças a uma associação estável entre os réus já condenados.

O presidente do Supremo, Ayres Britto, encerrou a sessão com seu voto, que condenou os mensaleiros por crime de quadrilha. Ele baseou sua decisão no convencimento de que a paz pública foi afetada e que é preciso condenar os culpados para que a sociedade não perca a crença de que seu Estado dará a resposta adequada.

"A paz pública é essa sensação coletiva em que o povo nutre a segurança em seu Estado. O trem da ordem jurídica não pode descarrilhar. Dessa confiança coletiva no controle estatal é que me parece vir a paz pública. A tranquilidade resulta da confiança. (...) O fato é que a sociedade não pode decair da confiança de que o Estado manterá as coisas sob controle. Paz pública é isso."

Pelo teor dos seis votos que condenaram os réus pelo crime de quadrilha, confirmando a acusação do procurador-geral da República, as penas dos condenados principais serão pesadas. Haverá um abrandamento a um ou outro réu, como já indicou o presidente do STF em relação à posição secundária de José Genoino na presidência do PT ou dos sócios de Marcos Valério, mas os cabeças do esquema -José Dirceu, Delúbio Soares e Marcos Valério - devem ser condenados com penas agravantes.