domingo, outubro 14, 2012

A FARSA DO NÃO SABIA - REVISTA VEJA

REVISTA VEJA 


O ex-ministro da Casa Civil é responsável pelo crescimento do PT, é tido como o ideólogo da eleição de Lula em 2002 e agora também o grande artífice do mensalão

DANIEL PEREIRA


José Dirceu confessou certa vez que não leu O Capital, a obra de Karl Marx que encantou o cora­ção ê a mente dos petistas acadê­micos. Político profissional por exce­lência, pragmático, ele nunca perdeu tempo com ideologias. O negócio de Dirceu sempre foi o poder. Conquistá- lo e preservá-lo independentemente das doutrinas e dos meios empregados. Foi esse pragmatismo — somado à ambi­ção para escalar o panteão dos podero­sos — que fez dele um protagonista da ascensão do PT ao comando do país. Dirceu profissionalizou a legenda na década de 90, transformando-a na mais azeitada engrenagem partidária brasi­leira. Depois, dedicou-se à reconstru­ção da imagem de Lula, do sindicalista radical de 1989 ao Lulinha paz e amor de 2002, que finalmente conquistou a Presidência da República depois de três tentativas frustradas. Os serviços pres­tados durante essa caminhada renderam prestígio a Dirceu. No PT, ele se tomou ídolo da militância e o líder con­sultado pela direção da sigla antes de cada decisão tomada. No governo Lula,assumiu o cargo de chefe da Casa Civil ou de capitão do time, de primeiro- ministro, como gostava de dizer para alimentar a própria fama.

A conquista do Palácio do Planalto, porém, não bastava a José Dirceu. A me­ta era perpetuar o PT no poder, e não apenas para Lula desfrutá-lo. Dirceu também queria ser presidente da Repú­blica. Ele sabia que trabalhar por Lula — de quem recebera carta branca para garantir a vitó­ria na eleição de 2002 — era trabalhar para ele pró­prio. Os projetos de poder dos dois, imaginava, cami­nhavam de mãos dadas. Por isso, Dirceu foi a cam­po com uma desenvoltura inaudita. Como coordena­dor do ministério do novo governo, escalou petistas de confiança para postos estratégicos da administração. Dirceu centralizava com mãos de ferro as nomeações para cargos públicos, usando-as para manter próceres petistas na sua ór­bita. Como coordenador político do no­vo governo, costurou os acordos com cada um dos partidos aliados. Foi o fia­dor da chamada governabilidade. O arquiteto de uma aliança que, se bem-su­cedida, poderia consolidá-lo como favo­rito à sucessão de Lula.

Essa aliança uniu antigos desafetos do PT, caso do ex-presidente José Sar- ney (PMDB), e partidos que até então eram considerados fisiológicos pelos petistas, como o PR e o PTB. Àquela altura, já estava claro que Lula e Dirceu não sentiam nenhum constrangimento em mudar de opinião como quem troca de roupa. Só não estava claro, no entan­to, que eles haviam abandonado os es­crúpulos de consciência e os princípios éticos dos tempos de oposição. Tudo em nome do projeto de poder. Projeto que, no caso específico de Dirceu, está definitivamente sepultado. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o petista por corrup­ção ativa, juntamente com o ex-presi­dente do PT José Genoino e o ex-tesou­reiro Delúbio Soares. Dirceu foi apontado como o “mandante” do esquema que subornou parlamentares, com di­nheiro desviado dos cofres públicos, em troca de apoio ao primeiro mandato do presidente Lula. Ele ainda será jul­gado por formação de quadrilha. Se for considerado culpado, receberá pelos dois crimes uma pena que pode chegar a 23 anos de prisão. Dirceu corre o ris­co de se tornar o político de maior en­vergadura da história nacional a expiar seus pecados na cadeia. Um caso raro de preso político na ditadura que aca­baria como político preso em pleno re­gime democrático.

Tão logo foi confirmada a sua con­denação por corrupção ativa, Dirceu se disse — como faz desde a descoberta do esquema do mensalão — vítima de uma conspiração entre setores da elite, da imprensa e do Judiciário, que não acei­tariam a ascensão de um projeto popular ao poder. Numa carta endereçada ao po­vo brasileiro, ele lembrou sua contribui­ção na luta pela democracia, queixou-se de ter sido transformado em inimigo pú­blico número 1 e, como o ex-presidente Lula, repetiu a cantilena petista que denuncia a existência de um golpe destina­do a desbancar o PT da Presidência. “Fui prejulgado e linchado. Não tive, em meu benefício, a presunção da ino­cência. O Estado de Direito Democráti­co e os princípios constitucionais não aceitam um julgamento político e de ex­ceção”, afirmou Dirceu no texto. “Lutei pela democracia e fiz dela minha razão de viver. Vou acatar a decisão, mas não me calarei.” A carta não comoveu anti­gos aliados — nem mesmo aqueles que, com os mandatos presidenciais petistas, passaram a ter o apoio devidamente re­munerado com verbas públicas. Ao con­trário. Os companheiros não saíram às ruas em sua defesa. Na quarta-feira, em São Paulo, as poucas manifestações de populares foram de censura ao ex-mi­nistro, que deixou um encontro em sua homenagem a bordo de carro blindado e debaixo de vaias.

A FARSA DO CAIXA DOIS - REVISTA VEJA

REVISTA VEJA

O ex-tesoureiro do PT assumiu a responsabilidade pelo esquema do mensalão imaginando que tudo ficaria reduzido a um simples caso de infração eleitoral

RODRIGO RANGEL


O ex-tesoureiro Delú­bio Soares tinha pla­nos auspiciosos para o futuro. Absolvido, pretendia se candidatar a de­putado federal por seu estado,Goiás. Eleito, teria um atesta­do inequívoco de que era quem dizia ser e fizera tudo da maneira mais correta pos­sível — a deturpada estratégia de purgação eleitoral petista.
Mas os fatos são teimosos.

Em plena festa para comemo­rar seu aniversário de 50 anos, quatro meses depois da entre­vista em que Roberto Jefferson expôs as vísceras do es­quema de compra de votos no Congresso Nacional, Delúbio disse que o mensalão viraria uma “pia­da de salão”. Ele apostava que, com o tempo, as denúncias seriam esclareci­das e esquecidas. Um tremendo erro de cálculo do professor de matemática que conheceu a fama como arrecadador da primeira campanha vitoriosa dé Lula ao Palácio do Planalto e ganhou de vez a ribalta como o chefâo do cofre do maior esquema de corrupção da histó­ria do país.

Condenado por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal, a única cer­teza do tesoureiro é a que agora se apre­senta no horizonte: a cadeia. De tanto conviver com Lula, seu amigo do peito há mais de trinta anos, Delúbio apren­deu a arte da autoconfiança. No caso do mensalão, ele reverberava o mantra pe­tista: até os ministros do Supremo marcarem o julgamento, o crime de “caixa dois” de campanha já estaria prescrito. Resumindo, Delúbio poderia assumir sozinho a responsabilidade pelos paga­mentos aos deputados e aos partidos, sem medo de ser feliz. Com seu jeitão de matuto, aceitou silente a sua expul­são do PT, constrangimentos e humilhações. “O PT é meu projeto de vida”, re­pete o ex-tesoureiro, cujas penas podem chegar a 23 anos de cadeia, somando os crimes de corrupção ativa, pelo qual já foi condenado, e formação dé quadrilha, a ser julgado nos próximos dias.

Delúbio Soares tinha papel de proa no mensa- lâo. Foi ele quem pôs a mão na massa para fazer funcionar a máquina de corrupção comandada do Palácio do Planalto. Para manter o duto financeiro azeitado, ele recorreu aos préstimos do empresário mineiro Marcos Valério, cujos interesses no gover­no federal eram atendidos em troca do dinheiro que permitia a compra de par­lamentares. Cabia a Delú­bio comunicar a Marcos Valério a quem e quanto pagar. A ascensão de Delúbio no partido coincidiu com uma repentina mudança de hábitos. O sim­plório professor assalaria­do passou a circular em carros de luxo, usar roupas de grife, fumar charutos e beber vinhos caros.

O ex-tesoureiro agia com o aval e o conhecimento de seus superiores na hie­rarquia petista. Era tão íntimo do ex-presidente Lula que entrava no Planalto sem ser anunciado. Uma intimidade que não fazia muita questão de esconder. Delú­bio chegou a ser fotografado segurando uma cigarrilha que o presidente tentava fumar sem ser percebido. Como se fosse a coisa mais normal do mundo, partici­pava de reuniões, para tratar de assuntos de interesse do governo, com José Dir- ceu e financiadores do mensalâo. Cuidar do caixa de campanha de Lula lhe abriu muitas portas. Mas nem tudo saiu como o combinado —- ou como o prometido. Nem a piada foi de salão.

A FARSA DA BIOGRAFIA - REVISTA VEJA

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ADRIANO CEOLIN

José Genoino foi alçado ao posto de líder máximo do PT, acumulando a operação do esquema de compra de partidos e a de suborno de parlamentares


Em 1972, Geraldo não tinha sobrenome. Era apenas mais um dos jo­vens que se embrenha­ram nas matas do sul do Pará, membro de um grupo guerri­lheiro que pretendia implan­tar uma ditadura comunista no Brasil. Preso, torturado e condenado pelos militares, o estudante José Genoino Neto se transformaria, a partir da­li, num ícone da esquerda, um símbolo da resistência, um herói sobrevivente. Afi­nal, poucos tiveram uma se­gunda chance. Dos seus 97 antigos companheiros que foram guerrear no Araguaia,

65 ainda são contabilizados como de­saparecidos. Quarenta anos depois, desta vez num ambiente plenamente democrático, Genoino enfrentou um novo julgamento — e foi condenado outra vez, agora por corrupção ativa. Como presidente do PT, ele participou diretamente da montagem do mensa­lão, o esquema que seu partido criou para subornar parlamentares no Con­gresso Nacional — o pior dos golpes contra a democracia desde que ela foi instalada no Brasil.

Quando explodiu o escândalo do mensalão, em 2005, José Genoino era o representante máximo do poder do partido. Sua primeira manifestação para a história veio por meio de nota: a denúncia não tinha o “mínimo fun­damento na realidade”. Um mês de­pois, revelou-se que Genoino, ao contrário do que dissera, estava direta­mente envolvido no escândalo. Como presidente do PT, sua assinatura apa­recia junto com a do tesoureiro Delúbio Soares e a do publicitário Marcos Valério como avalistas de um empréstimo tomado pelo partido no ban­co BMG. Indagado, Genoino negou de novo: “Nunca. Ele (Valério) nunca foi avalista do PT. Não tem isso, n3o”. A publicação do contrato no qual apareciam as assinaturas do trio desmentiu mais uma vez o deputado, que partiu para uma terceira guerri­lha contra os fatos, dessa vez admitindo o que an­tes havia negado: “Ele (Valério) foi avalista por­que nossos bens indivi­duais não eram suficientes (para o empréstimo)”. O elo entre os persona­gens principais do caso começava a se fechar. À medida que as investiga­ções avançavam, o mito Genoino começou a miti­gar. Ficou demonstrado que o deputado participava das negociações políticas com os “partidos g burgueses” e, ao mesmo tempo, buscava dinheiro para comprá-los. Em S 2006, um ano depois do escândalo, Genoino ainda tentou um novo mandato, o sexto. Seu capital político, porém, foi minguando. Em 2010, já denunciado pela Procuradoria-Geral da Repúbli­ca como um dos integrantes da qua­drilha do mensalão, o deputado não conseguiu a reeleição. Como conso­lação, ganhou um cargo de assessor especial no Ministério da Defesa, no qual permaneceu até a semana passa­da, quando foi anunciada sua conde­nação pelo STF. “Retiro-me do go­verno com a consciência dos inocen­tes. Não me envergonho de nada”, disse. Sua pena pode chegar a 23 anos de cadeia. A defesa ainda invo­cou o histórico de Genoino de luta pela democracia e sua falta de apego material. Mas não era toda a biografia dele que estava em julgamento. Era apenas a parte mais infame.

A “farsa” deu cadeia - CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA

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Os políticos, de modo geral, habitam um mundo onde as versões predominam sobre os fatos, as imagens virtuais sobre a realida­de e a linguagem é usada mais para escon­der do que para mostrar. Por essa razão, quando forçados a abandonar seu universo paralelo e enfrentar o escrutínio da impren­sa, o aguçado senso comum da opinião pú­blica ou a severidade da Justiça, eles par­tem para o ataque irracional. O escândalo do mensalão é o exemplo mais recente dis­so. O mensalão foi um esquema de corrup­ção, posto a funcionar no começo do pri­meiro mandato de Lula, que consistia em comprar com dinheiro desviado dos cofres públicos parlamentares da base de sustenta­ção do governo. Na semana passada, o Su­premo Tribunal Federal (STF) condenou à prisão o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, punindo-o por comandar o mensalâo, que ele insistia ser uma “farsa” monta­da por inimigos.

O veredicto da maioria dos ministros do STF pôs fim a sete anos de dissimulações em que os brasileiros foram bombardeados pelos réus do PT e seus apoiadores com a tese de que “o mensalão nunca existiu” e tudo não passou de uma “tentativa de gol­pe da imprensa e da oposição”. No proces­so de ludibriar a nação, os políticos petistas quebraram todas as regras da convivên­cia democrática, usando instâncias de go­verno para atacar e desacreditar aqueles identificados como “responsáveis” pelo es­cândalo. Ao condenar José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino, todo o primeiro escalão do governo petista de então, o STF mostrou inequivocamente quem foram os responsáveis pelo mensalão. A solidez da acusação e o acatamento de suas teses pe­los ministros pulverizaram a versão inven­tada pelos réus.

Os brasileiros comemoraram a decisão do STF como uma vitória dos valores repu­blicanos, do vigor das instituições e da importância de uma imprensa livre e indepen­dente. Responsável pela descoberta do es­quema de compra de parlamentares, a imprensa foi o alvo preferencial dos ataques dos mensaleiros. VEJA e os grandes jornais do Brasil não se intimidaram e continuaram a apurar e publicar notícias sobre o escân­dalo. A vigilância e a obstinação da im­prensa foram reconhecidas pelos ministros do STF. Se a imprensa tivesse renegado sua missão de ser os olhos da nação, certamen­te os responsáveis pelo mensalão nunca te­riam sido punidos, as versões teriam preva­lecido sobre os fatos e o universo paralelo de Dirceu e companhia teria sido imposto como a verdade oficial. A euforia se justifi­ca. O STF sinalizou o fim da impunidade de corruptos e corruptores e abriu as portas de uma nova e auspiciosa era para o Brasil.

Meu amigo Zé - FLÁVIO TAVARES*

  O Estado de S.Paulo - 14/10


*JORNALISTA, ESCRITOR E FOI UM DOS 15 PRESOS POLÍTICOS TROCADOS PELO EMBAIXADOR DOS EUA EM 1969


Entre cenas do exílio e capítulos decisivos no País, ex-companheiro de Dirceu o vê como bode expiatório de uma dregradação maior


Tempos atrás, na prisão da ditadura, o carcereiro o chamava de "Cabeleira" e, hoje, outra vez ele está de cabelos longos, como se voltasse ao passado. Conheço José Dirceu há 43 anos e, nele, admiro e valorizo a coragem pessoal. A amizade começou naquele 6 de setembro de 1969 em que, sob a mira de metralhadoras, nos algemaram na Base Aérea do Galeão. Saíamos da prisão (ele em São Paulo, eu no Rio) e nos levaram à pista para uma foto que percorreu o mundo: os presos políticos trocados pelo embaixador dos Estados Unidos junto ao avião, rumo ao exílio no México. Era proibido falar, mas nos segundos em que mandaram que eu me agachasse, sussurrei: "Vamos mostrar as algemas!"

E ali está ele na foto, altivo, mãos ao peito, com as algemas que a maioria escondia, mostrando que preso político não é um criminoso envergonhado do que fez, mas um dissidente que desafia quem oprime. Foi a primeira e única vez na vida que Zé Dirceu me obedeceu...

A intimidade do exílio nos aproximou. Um canal de TV convidou-me a dublar telenovelas mexicanas em português e levei junto Zé Dirceu. Eu dublava e coordenava o grupo e o designei "primeiro ator". Dias depois, porém, ele e os demais viajaram para Cuba. Só eu permaneci no México e, assim, nem sequer nossas vozes retornaram ao Brasil, para onde não podíamos voltar.

Ele, porém, desafiou a proibição. A morte era a pena imposta ao retorno dos desterrados, mas Zé voltou, clandestino, em 1972, na euforia e terror do general Medici. Treinado em guerrilha, queria aliar-se aos que combatiam a ditadura, mas na chegada a São Paulo viu que a repressão dizimava seu grupo e ele seria a próxima vítima. Homiziou-se no oeste do Paraná e mudou de nome. Passou a ser Carlos Henrique, pacato comerciante de secos e molhados num recôndito município. Lá, casou-se e foi pai sem revelar quem era nem sequer à mulher e ao filho. A verdade significaria a morte e ele passou a ser outro.

Já não era quem era. Sacrificava a identidade para não ser sacrificado. No exílio, dizia-se que morrera como outros do "grupo Primavera", nome do lugar de treinamento em Cuba. Com a anistia do final de 1979, voltou a ser o Zé. Laborioso e hábil, presidiu o PT e o tirou do atoleiro de seita fechada ou partido sindical. Mas, ao se abrir à sociedade, o PT assimilou os velhos vícios políticos, como vírus pelas veias.

Quando Lula presidente, eram de Zé Dirceu os planos e atos de governo. Lula presidia, Zé governava. Irmãos siameses, um era a extensão do outro. A simpatia ficava com Lula, as antipatias com Zé. Pródigo em metáforas esportivas, o presidente o chamava de "capitão do time". Mas Zé era dos poucos que não jogava bola com Lula em fins de semana na Granja do Torto. Trabalhava noutras jogadas com outras bolas. Assim, o governo obteve maioria no Congresso e, hoje, se sabe a que preço e como - subornando o PMDB, o PTB, o PP de Maluf e o PL, que hoje é PR.

Em 2005, no topo do escândalo, sabe-se que Lula pensou em renunciar para "não ser um novo Collor". Outra vez a coragem de Zé Dirceu brotou como água no deserto e ele é que renunciou. Com o gesto, assumiu as responsabilidades e blindou Lula em pleno tiroteio. "Eu não sabia de nada, fui traído", dizia Lula, admitindo o suborno quando ainda se desconheciam os detalhes. Preferia passar por tolo do que por chefe do governo.

Agora, as 40 mil folhas do processo no Supremo Tribunal mostram o "mensalão" como um elaborado esquema de corrupção e suborno montado a partir "da alta cúpula do governo". Mas, o mais alto da "alta cúpula" não é réu. A não ser que o presidente fosse alienado absoluto ou pateta total, como explicar que um simples diretor de marketing do Banco do Brasil desviasse R$ 28 milhões do fundo Visanet sem autorização superior? A diretoria do banco nada percebeu? E a inspeção do Banco Central?

Não há suborno sem subornáveis e a degradação dos partidos gerou tudo. A "partidocracia" se sobrepôs à democracia. Roberto Jefferson fez a denúncia por sentir-se "lesado" ao receber só uma das cinco parcelas de R$ 4 milhões prometidas ao PTB... Com partidos transformados em balcões de negócios, o astucioso "mensalão" quebrou a oposição criando uma "base alugada" como base aliada.

A degradação chegou ao próprio PT. Numa das vezes em que estive com Zé Dirceu, após a cassação, ele me mostrou como a Polícia Federal invadira seu escritório em busca de documentos. Tarso Genro era ministro da Justiça e na disputa interna todos queriam comprometer Dirceu para tornar-se "o favorito do rei".

E as provas da fraude? Na engrenagem clandestina, oculta-se tudo. Ou alguém pensa que os corrompidos assinam recibo? Ou que João Paulo Cunha e os demais de São Paulo emitiram "nota paulista" pelo que abocanharam?

Nos delitos de alto nível, os indícios constroem a prova. Os Bancos do Brasil, Rural e BMG geraram as milionárias movimentações do esquema e daí surge tudo. Não foi sequer como no tempo de Fernando Henrique, quando a tão comentada compra de votos que permitiu a reeleição de presidente, governador e prefeito, surgiu numa manobra rápida, até hoje sem autor plenamente identificado.

Na tragédia, o terrível é que a determinação de Zé Dirceu o tenha levado ao topo de tudo, como bode expiatório da degradação maior. Mas nem seu passado de coragem pode livrá-lo da parcela de culpa. O passado não está em julgamento nem serve de escudo ao presente.

O DOMINGO É... - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 14/10


...de Alinne Moraes, 29 anos, a talentosa atriz paulista que excede em beleza. A formosa voltará à tela da TV Globo como Kátia, em “Como aproveitar o fim do mundo”, série de Alexandre Machado e Fernanda Young, que estreia dia 1 de novembro. A personagem, avoada e exuberante, acredita na profecia Maia e tem certeza de que o mundo vai acabar dia 21 de dezembro. Ao lado de Ernani (Danton Mello), Kátia vai viver uma linda e divertida história de amor, sem abandonar sua lista de pendências e desejos que tentará realizar até o “fim do mundo” 

Camarada Dolores
Dolores Duran (1930-1959), a grande cantora e compositora, foi, poucos sabem, comunista.
A ponto de descontar de seus cachês um percentual para o velho PCB. Em 1958, chegou a integrar uma turnê de artistas brasileiros pela finada URSS (1922-1991), num tempo em que o Brasil sequer tinha relações diplomáticas com o mundo socialista.

Mas...
A artista se decepcionou com o que viu na URSS: mulheres trabalhando na construção civil, muita pobreza e nenhuma liberdade. Na volta, ao ver seu amigo Sérgio Porto numa boate, mandou-lhe um bilhete em que dizia apenas: “Desertei legal.”
A história está na biografia de Dolores que Rodrigo Faour lançará em novembro pela Editora Record.

Tudo de Vinicius
A Nova Fronteira prepara um volume com a obra completa de Vinicius de Moraes (1913-1980).
Chegará às livrarias em 2013, quando o Poetinha faria 100 anos.

A classe C a bordo
O setor aéreo trabalha com a perspectiva de crescimento de 7% a 8% até o fim do ano.

‘Speak portuguese’
Deu na badalada revista americana “Monocle” que o idioma do momento é o... português.
A capa traz o título: “Geração lusofonia: por que o português é a nova língua do poder e dos negócios.”

Oi, oi, oi
O julgamento do mensalão pega fogo, mas, até no STF, só se fala em... “Avenida Brasil”, a novela-sensação da TV Globo.
Piadinha que circula entre alguns políticos: “A ministra Cármen Lúcia é a... Carminha do bem.”

Cueca do marido
Pesquisa do instituto Data Popular sobre a influência feminina no consumo, com 2.006 entrevistas, em 53 cidades brasileiras, em setembro, mostrou que 62% das mulheres compram as roupas dos maridos.
E mais: 78% dos homens preferem mudar de opinião para não brigar com elas, e 77% têm certeza de que a mulher tem dinheiro guardado sem ele saber.

Vinho caro
A escola de samba paulista Vai Vai, cujo enredo em 2013 é sobre vinho, foi autorizada a captar R$ 3.206.400.

Salve Jorge
“Salve Jorge”, a próxima novela das 21h da TV Globo, que vai falar do tráfico internacional de pessoas, já tem gravados 13 depoimentos de vítimas reais deste crime.
— Só na década de 1980, entre dois e três mil bebês foram sequestrados para serem adotados em Israel — conta Glória Perez, autora da trama.

O violoncelo do Villa
Este violoncelo, fabricado em 1779, pertenceu a Villa-Lobos (1887-1959) e será uma das atrações do festival que leva o nome do grande maestro brasileiro, a partir de 9 de novembro, no Rio.
O instrumento, restaurado pelo luthier Túlio Lima, vai ser usado no recital de Hugo Pilger com a pianista Lucia Barrenechea.

Forró in Rio
Vem aí, no Rio, o Festival Mundial de... Forró.
A carioca JMoreno Produções Artísticas foi autorizada a captar R$ 2.073.030 pela Lei Rouanet para o evento, que acontecerá na Feira de São Cristóvão.

Novo CD de Carlinhos
Carlinhos Vergueiro prepara um CD autoral, que incluirá duas parcerias inéditas com a filha Dora Vergueiro.
“Vida sonhada” chega às lojas no fim do mês pela Biscoito Fino e será lançado com show no Casarão Ameno Resedá, no Rio, dia 23 de novembro.

Novo CD de Zélia
Zélia Duncan vai lançar um CD em homenagem a Itamar Assumpção, produzido por Kassin.

Cufa models
A Central Única das Favelas criará uma agência especializada em descobrir nas favelas brasileiras meninas com talento para modelos.
Vai se chamar Cufa Models.

Cutuca e compartilha
Surgiu em Ricardo de Albuquerque, Zona Norte do Rio, a lanchonete Faceburger, cujo slogan é... “Quem curte, compartilha”.
Serve sanduíches com nomes como “hambúrger cutuca”, “x-búrguer compartilha”, “egg-bacon curti” etc.

DITADURA E CULTURA EM TRANSE
Vem de longe a relação de intelectuais e artistas com o poder. Ao longo da história da Humanidade, desde tempos imemoriais, representantes da chamada turma da cultura estiveram em todos os governos. Ou, vá lá, quase todos. Até nas... ditaduras — senão apoiando integralmente, mas cumprindo um duplo papel.

Ou um “pensar duplo”, como defende a professora Tatyana de Amaral Maia na tese de doutorado “Cardeais da Cultura Nacional: o Conselho Federal de Cultura na ditadura civil-militar (1967-1975)”, defendida na Uerj, em 2010, e premiada pelo

Instituto Itaú Cultural, que acaba de de lançá-la em livro.

Tatyana lembra que o CFC, sigla do conselho de que trata sua tese, foi criado em 1966 pelo general-presidente Castelo Branco, que o instalou no ano seguinte sob a presidência de Josué Montello (1917-2006), jornalista, professor, teatrólogo, escritor e renomado imortal da ABL.

Integraram o CFC baluartes da cultura e intelectualidade brasileiras como Ariano Suassuna, Cassiano Ricardo, Guimarães Rosa, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre, Afonso Arinos de Mello Franco, Dom Marcos Barbosa, Pedro Calmon e outros. Nem todos eram considerados “de direita”, ou bem poucos, mas acabaram arregimentados pelo regime de exceção no ideal de formatar no país um “sentimento de brasilidade” que resguardasse a cultura nacional da “ameaça alienígena”.

“Tratava-se de uma dupla ameaça: somava-se à perda da memória a presença de padrões culturais estrangeiros na cultura. Era preciso resgatar do abandono as obras da literatura; os conjuntos arquitetônicos ( ... ); as personagens históricas ( ... ); a herança cultural das três raças que formavam a sociedade”, escreve Tatyana.

Neste sentido, cabia ao CFC, por exemplo, a distribuição de recursos para produção cultural. Tudo começou a dar errado com a censura à criação artística — filmes de Gláuber Rocha, como “Terra em transe”; de Júlio Bressane, como “Cara a cara”; peças do próprio Suassuna, como “O santo e a porca”, etc. Suassuna, aliás, foi quase voz isolada contra qualquer tipo de censura.

Alguns conselheiros, como o conservador Montello, ainda tentaram convencer os militares a entregar aos intelectuais o papel de censores. Mas foi em vão — e o CFC foi naufragando aos poucos, nos anos 1970, até ser extinto na democracia, já sem expressão, função e prestígio, em 1990, para ser substituído, um ano depois, pela Lei Rouanet, que estabeleceu no país o (às vezes polêmico) sistema de incentivos fiscais à cultura, que vigora até hoje. Mas aí é outra história.

Porteiras & cadeados - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 14/10


Vem aí uma legislação para conter a criação de partidos, e deve ser aprovada, uma vez que tem o apoio PMDB, PSDB, PT e do próprio PSD

Paralelamente às medidas provisórias em tramitação no Congresso Nacional, os partidos se preparam para, daqui a três semanas, tentar fechar a porteira para que legendas a serem criadas tenham direito a levar a tiracolo os recursos do fundo partidário e o tempo de tevê. A medida virá a calhar, no sentido de criar barreiras para conter a pulverização do sistema partidário e a criação de verdadeiros balcões de negócios.

Pelo país afora, grupos de deputados começam a se movimentar à procura de advogados. Buscam orientação no sentido de tentar criar a própria legenda. O jeito da conversa, segundo relatos de alguns personagens contactados, gira em torno do "imagine o que eu posso fazer com um partido desses na mão". E, realmente, a imaginação de muitos deles voa.

Imaginação que criou asas logo que o PSD ganhou na Justiça o direito de receber recursos do fundo partidário e horário político na tevê proporcional ao número de deputados que fundaram a legenda. A primeira conclusão dos congressistas foi a de que cada deputado tinha preço e o valor inicial de cada um era 2,3 segundos na tevê. Aos poucos, os grupos começaram a se formar. Estão perto de sair da toca, tão logo termine o segundo turno das eleições municipais, dando uma mexida no cenário partidário, no sentido da fragmentação.

Chave do cofre

Os grandes partidos já perceberam essa movimentação e se preparam para contê-la. Vem aí uma legislação para manter o direito ao fundo partidário e ao tempo de tevê no partido de origem. E deve ser aprovada, uma vez que tem o apoio do PMDB, PSDB, PT e do próprio PSD, quarta força em número de prefeituras.

O PSD, de Gilberto Kassab, chegou onde está porque se valeu da coragem de ser o primeiro a tomar a iniciativa. Ao criar a nova legenda, Kassab esvaziou o DEM - e a eleição mostrou isso. Para completar, acolheu vários integrantes da base do governo desconfortáveis com a configuração regional. Foi o caso, por exemplo, do vice-governador da Bahia, Otto Alencar. Ele saiu do PP, onde era coadjuvante, para virar comandante do PSD no estado.

Kassab fez todo esse jogo no escuro, sem ter toda a garantia de que era possível levar nessa esteira o tempo de tevê e o fundo partidário. Foi à Justiça e conseguiu. Agora que a estrada está aberta, chegam outros interessados em segui-la.

Enquanto isso, na sala de Marina.

Obviamente, nem todos que desejam criar partidos podem ser taxados de aproveitadores, como querem fazer crer as grandes legendas. Afinal, nem tudo é o que parece. A ex-senadora Marina Silva, que surpreendeu na eleição presidencial de 2010, cogita esse projeto de nova sigla com as melhores das intenções. Agora, talvez as grandes legendas evitem a realização desse projeto em nome da fidelidade partidária e da não fragmentação do sistema partidário. A corrida de Marina será contra o relógio. Vamos aguardar.

E nas campanhas.

Chama atenção a forma como Fernando Haddad inclui a presidente Dilma Rousseff em todas as suas falas como candidato a prefeito de São Paulo. Até mesmo quando se refere ao adversário, José Serra, do PSDB, que tem deixado Dilma fora do contexto eleitoral. Em igual intensidade, Serra se vale da condenação de José Dirceu para tentar colar o mensalão em Haddad. Nenhum dos dois entrou ainda na discussão dos temas da maior e talvez mais problemática cidade do país.

Por falar em Dilma.

A presidente acompanha com lupa o comportamento dos aliados em relação ao PT e vice-versa nessa temporada de segundo turno nas eleições municipais. Passado esse período, será a hora de o governo chamar todos os partidos para aquela "conversa americana", ou seja, olho no olho, para saber quem estará com Dilma no sentido de aprovar propostas a serem encaminhadas ao Congresso - caso do marco regulatório da mineração e da organização dos portos e aeroportos, assunto que ocupou quase toda a agenda da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, no último mês. Por enquanto, a maior desconfiança em relação à base recai sobre o PSB do governador Eduardo Campos. Há quem aposte que ele esteja se preparando para sacudir o barco do governo no Congresso. Ele jura que não, mas os petistas não acreditam. O outro tema que o Planalto monitora à distância é essa reta final do julgamento do mensalão. A conclusão, até agora, é a de que nada afetou o governo. Não por acaso, houve filas por parte de aliados e petistas em busca de uma mensagem de Dilma neste segundo turno.

Chacoalhada nas estatais elétricas - SUELY CALDAS


O Estado de S.Paulo - 14/10




Depois de dois apagões que deixaram às escuras Estados do Sul, Sudeste, Norte e Nordeste do Brasil, o governo federal anuncia mudanças na gestão da principal subsidiária da Eletrobrás, a Furnas Centrais Elétricas.

Além de tirar do comando diretores e gerentes que servem aos partidos políticos e substituí-los por profissionais do mercado, a presidente Dilma Rousseff quer acelerar um plano de reestruturação da estatal que inclui demissão de funcionários e mudanças em atribuições de diretorias.

Vai fazer com Furnas o que fez com a Petrobrás: desfazer o loteamento político construído pelo ex-presidente Lula. Nos cargos de comando, é provável que consiga, se não de uma só vez, pelo menos gradativamente. Será mais difícil, demorado e, talvez, impossível desidratar funções intermediárias povoadas por sindicalistas e companheiros petistas. Mas a profissionalização da direção de Furnas é um bom e bem-vindo começo.

A chacoalhada de Dilma nas estatais elétricas inclui também proibir empresas com obras atrasadas da participação em leilões de novas linhas de transmissão, o que excluirá da próxima licitação, prevista para novembro, as três geradoras gigantes do Grupo Eletrobrás: Furnas, Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte). O atraso nas obras chegou a uma situação tão absurda que, no Nordeste, há 32 novas usinas eólicas paralisadas, sem gerar energia, porque a Chesf não entregou as linhas de transmissão no prazo previsto em contrato. O atraso geral pode ser avaliado pela evolução do programa de investimentos em 2012: de R$ 10,2 bilhões de investimentos previstos, as empresas do Grupo Eletrobrás só aplicaram 29,6% (R$ 3,04 bilhões) até agosto.

Desde os tempos dos governos militares o modelo de gestão do setor elétrico estatal é comparável a um feudo, comandado por algum político, que distribui cargos, favorece amigos e usa as empresas para obter vantagens, favores e financiamento de campanhas eleitorais. Nos anos 1970 e 1980, a empresa-mãe Eletrobrás era dominada pelo ex-senador baiano Antonio Carlos Magalhães (ACM), que atuava em parceria com governadores das áreas de influência das subsidiárias. Por muitos anos quem mandou na Eletronorte foi o ex-governador do Pará Jader Barbalho; em Furnas, os governadores de Minas Gerais; na Chesf, o próprio ACM; e na Eletrosul, governadores do Paraná.

Com a morte de ACM, o atual presidente do Senado, José Sarney, herdou o espólio do setor elétrico e o poder de nomear dirigentes para as empresas. Até mesmo o atual presidente de Furnas, o engenheiro Flavio Decat, quadro técnico da confiança de Dilma, passou pelo crivo de Sarney.

O ex-presidente Lula vestiu com perfeição esse figurino e saiu loteando cargos entre partidos aliados, em proporção jamais vista na história elétrica do Brasil.

Começou em 2004, quando demitiu o engenheiro Luiz Pinguelli Rosa da presidência da Eletrobrás e o substituiu por Silas Rondeau, com a bênção de José Sarney. E partiu para as subsidiárias, nomeando indicados que ali estavam para servir e favorecer os interesses de seus partidos. Em Furnas, Dilma conseguiu neutralizar a longa influência do PMDB do Rio de Janeiro e colocou no comando Flavio Decat, que acaba de anunciar um plano de demissão voluntária para enxugar excessos de funcionários e adequar a empresa à nova realidade de queda de receita, com a redução de tarifas, a partir de fevereiro de 2013. Mas Decat tem encontrado dificuldades para mudar vícios e defeitos estruturais em Furnas. Pior será quando a faxina alcançar a Chesf e a Eletronorte, onde há décadas a influência dos políticos locais está enraizada.

Mensalão. "Acho estranho e muito, muito grave, que alguém diga 'houve caixa 2'. Caixa 2 é crime, é agressão contra a sociedade brasileira. Mesmo que tivesse sido isso, não é pouco. É grave, porque parece que ilícito no Brasil pode ser realizado e tudo bem" - nesses quase dois meses de julgamento do caso mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), um dos momentos mais lúcidos e oportunos ficou registrado nesse trecho do voto da ministra Cármen Lúcia, ao reprovar a defesa de Delúbio Soares, que admitiu o crime de caixa 2 esperando, com isso, conseguir absolver o seu cliente.

A banalização e a tolerância com a corrupção marcaram o estilo de governar do ex-presidente Lula. Os partidos aliados pediam e conseguiam cargos e verbas em troca de apoio político ao governo. E, quando o titular do cargo era flagrado em desvio de dinheiro público, recebia de Lula carinho, compreensão, abraço fraterno. A começar pelo delator do mensalão, Roberto Jefferson, em favor de quem Lula disse que assinaria um cheque em branco.

O setor elétrico não foi o único. Todas as estatais, incluindo a Petrobrás (lembram do deputado Severino Cavalcanti pedindo "aquela diretoria que fura poço e encontra petróleo"?), ministérios e órgãos públicos passaram a ser comandados por políticos. Como se fosse algo banal, corriqueiro e necessário para a governabilidade.

Ora, se a corrupção e o desvio de dinheiro público são tolerados, permitidos, por que não o caixa 2, que apenas financia campanhas eleitorais? Assim raciocinam Lula, o PT e a defesa de Delúbio Soares, a quem caberia estar atento à lei, e não dela desdenhar.

A ministra Cármen Lúcia cuidou de lembrá-lo de que caixa 2 é crime previsto em lei, um ilícito que deve ser punido, não ignorado ou perdoado como coisa menor. Portanto, não esperasse o advogado da mais alta Corte do País cumplicidade para seu esdrúxulo raciocínio.

Concessões. Amanhã é o prazo final para as empresas elétricas manifestarem interesse pela renovação das concessões de seus contratos que vencem entre 2015 e 2017. Provavelmente, todas irão responder positivamente, porque a decisão pode ser revista mais adiante. Mas Furnas, Chesf, Eletronorte, a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Companhia Energética de São Paulo (Cesp) estão apreensivas.

Além da falta de dados numéricos com que trabalha o governo e que têm efeito na tarifa, a Medida Provisória n.º 579 está longe de ser aprovada pelo Congresso Nacional, criando insegurança jurídica. A queda da tarifa na conta de luz é muito bem-vinda, mas o governo precisa dialogar com as empresas para que não haja cancelamento de investimentos e evitar mais apagões no futuro.

Falta da falta - SONIA RACY


O ESTADÃO - 14/10

Manoel de Souza Neto, do Conselho Nacional de Políticas Culturais, fez as contas: as verbas da Lei Rouanet estão concentradas no Sudeste (79% nos últimos 20 anos).

Já a região Norte, a menos favorecida, recebeu, no mesmo período, 0,45% do total.

E, para complicar, 92% dos municípios brasileiros ainda não têm cinema, teatro ou museu, segundo o IBGE.

Fila dupla

Em apenas cinco meses, foram vendidas, em São Paulo e no interior, nada menos que 17 modelos da nova Ferrari 458 – em suas duas versões, Spider e Itália. Preço? Cerca de R$ 2 milhões.

A Fiat vai expor o brinquedo em seu stand no Salão do Automóvel, no fim do mês.

Just do it

A Nike Foundation acaba de receber o resultado de sua pesquisa sobre qualidade de vida. Conclusão? A próxima geração viverá cinco anos menos do que a atual – algo inédito.

A principal razão – claro! – é o sedentarismo.

Recanto virtual

Entre uma e outra apresentação da opereta O Morcego, de Johann Strauss, em Stuttgart, Atalla Ayan desestressa no Facebook. Jogando o viciante SimCity Social.

O tenor brasileiro também se prepara para encarnar Tamino, na ópera A Flauta Mágica, de Mozart, em dezembro.

Novo tom

Os críticos de Gilberto Kassab dizem que ele deixa a Prefeitura de São Paulo com uma nova cor: o cinza Kassab.

ARQUIVO PESSOAL

Quando se trata de spa de luxo, Filippo Pedrinola entende do assunto. Há 15 anos na área, o endocrinologista inaugurou, este feriado, com Alessandra Rascovski, o Spasíssimo – spa no Casa Grande Hotel, no Guarujá. “A ideia é unir os três pilares necessários para manter o corpo em equilíbrio: movimento, boa alimentação e controle do stress”,
afirma. Além de tratamentos corporais, emagrecimento e exames feitos com a colaboração de grandes laboratórios, foi construído um restaurante com cardápio pensado caloria a caloria: “Não tem como manter a dieta com alguém comendo um prato de feijoada do seu lado”, brinca Filippo.

Responsabilidade social

O Instituto Olga Kos fechou parceria com a Bienal. Vai levar crianças e jovens com síndrome de Down para uma oficina na feira das artes. A instituição também foi beneficiada com 150 ingressos para o espetáculo A Família Addams, doados pela T4F.

É dia 18, no Clube Monte Líbano, o tradicional almoço beneficente em prol da associação Cedro do Líbano.
A Conexão Solidária lança, dia 19, com show de Gaby Amarantos, a campanha Todas as Cores, Todos os Amores – pró-Instituto Brenda Lee.

O site OQVestir vai ajudar a Casa Hope no mês das crianças. Além de incentivar clientes a doarem quantias para a instituição, também estimulará doação de roupas para o bazar da instituição.

O Itaú Unibanco acaba de assumir assento na Unep-FI, braço da ONU que reúne as 200 principais instituições financeiras do mundo. Vai representar os bancos de varejo da América Latina. Missão? Definir políticas de sustentabilidade na região.

Este mês, quem comprar a Casinha de Chocolate, a Coruja Cofre ou o Choco Chaud, da Chocolat du Jour, colaborará com o Graacc.

Alex Atala criou receita exclusiva para a Baked Potato. Em prol da Fada – Fundação de Apoio e Desenvolvimento do Autista.

A Avon instalou esteiras ergométricas na sede da empresa para incentivar seus funcionários a trabalhar pelo diagnóstico precoce do câncer de mama. A cada km percorrido, doará R$ 20 a centros de prevenção da doença.

Em caso de incêndio - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 14/10


O alarme do prédio disparou às quatro da manhã. Não sou de entrar em pânico, mas era preciso ver o que estava acontecendo. Não estava acontecendo nada, como eu imaginava. Disparou de exaltado.

Mas e se fosse pra valer?

Não há quem não tenha se perguntado, um dia, o que salvaria em caso de incêndio. O fogo começa num determinado andar e se alastra, novos focos começam a se precipitar, os bombeiros são acionados, mas é prudente não aguardá-los sentada. Corra. O que você leva com você?

O site www.theburninghouse.com propõe esse exercício a fim de revelar se somos práticos, sentimentais ou apegados a objetos de valor. As pessoas que participam do site listam seus itens indispensáveis e postam a foto desses “não-posso-viver-sem” que não deixariam para trás de jeito nenhum. É um convite para fazermos o mesmo.

A maioria dos que entraram na brincadeira tem entre 20 e 30 anos, e é curioso como são românticos. Entre os artigos mais citados estão fotos dos pais e caixas contendo cartas e bilhetes que remetem ao passado – mesmo nessa idade, eles já têm um.

Ainda entre os objetos que não deixariam queimar, estão os livros preferidos, relógios de pulso, o passaporte, máquinas fotográficas, óculos escuros, jogos de canetas, a camiseta de estimação e, naturalmente, notebooks, iPhones e demais eletrônicos portáteis.

Excetuando a aparelhagem tecnológica, os outros objetos me surpreenderam pelo espírito nostálgico. Relógio de pulso? Livros? Canetas? Máquinas fotográficas? Muitos deles não desgrudariam da sua rolleyflex comprada numa feira de antiguidades.

Quase não aparece algo caro ou prático: na iminência de perder objetos definidores de sua identidade, o vínculo com o passado demonstra ser imprescindível para que eles consigam ir em frente – a maioria desses jovens revelou-se tão sentimental quanto seus avós.

Para quem já está longe dos 20 anos, no entanto, creio que há outras prioridades. De minha parte, seres vivos estariam no topo da lista: todos salvos? Bom, havendo ainda tempo para reunir um kit de sobrevivência básico, eu trocaria os óculos escuros pelos óculos de grau, pegaria a chave do carro, identidade, o celular, cartões de crédito e um casaco, o primeiro que visse. Seria bem prática e deixaria para lamentar pelos meus perfumes depois.

Espelho, espelho meu, quão insensível serei eu?

Não citei as dezenas de álbuns de fotografia (sou um pterodátilo, ainda amplio fotos) porque não teria mãos suficientes para carregá-los, mas é a única coisa que me faria falta no quesito material. Livros, discos, joias, roupas, tudo isso se readquire com o tempo. Afora os álbuns, não consigo destacar um único objeto indispensável da casa: toda ela é o meu universo, é onde escrevo a história da minha vida, seria perda total.

Por isso, a presteza em salvar objetos práticos que me fossem indispensáveis não pelo apego ao passado, mas que me ajudassem a construir tudo de novo. Não tenho mais tempo para nostalgia. Minha juventude ainda está em acreditar no futuro.

Decoro desnecessário - LEE SIEGEL


O Estado de S.Paulo - 14/10


Há uma expressão americana vinda do mundo do boxe: "nas cordas". É quando um lutador encurrala o outro nas cordas com uma sucessão rápida de golpes, diminuindo o espaço do ringue e socando, socando até que seu adversário caia ou o árbitro os separem. Na noite de quinta, Joe Biden jogou Paul Ryan nas cordas com uma sucessão de golpes - na forma da dedução de juros de hipotecas.

Reconheço que dedução de juros de hipotecas não soa excitante. Falta a ela a intensidade dramática de outros temas que estão guiando essa campanha: desemprego, a perda de casas, o problema de um Irã nuclear, o destino do Medicare, o destino da legalização do aborto. Mas a dedução de juros de hipotecas é o fio que, se continuar a ser puxado pelos democratas, vai desmascarar a campanha Romney-Ryan.

Assim como o aborto é um tema volátil na América, porque simboliza os próprios limites do prazer, as deduções nos juros de hipotecas ecoam muito mais do que simplesmente a possibilidade de receber de volta parte dos juros que você paga anualmente por conta de um empréstimo. A dedução dos juros de hipotecas tem a ver com a própria natureza do capitalismo americano.

Rapidamente: se você tem, digamos, uma hipoteca a ser paga ao longo de 30 anos, então de 80% a 90% dos pagamentos feitos nos primeiros dez anos vão não para a dívida principal, mas para os juros que incindem sobre ela. Mesmo com as baixas taxas atuais, e mesmo no que diz respeito a padrões medievais, isso é usurário. Mas ninguém neste país vai falar em público sobre as taxas excruciantes de juros em empréstimos de moradia. Desde o colapso da indústria imobiliária em 2008, você ouve muito sobre como os abstratos e especulativos mercados derivados causaram a liquefação desse setor. O que você não ouve é a simples verdade de que as pessoas que acertaram hipotecas, e não puderam pagá-las, não puderam pagá-las porque hipotecas têm taxas usurárias de juros.

Os bancos ajudam a criar riqueza, são um motor essencial na condução da economia. Sem o dínamo dos bancos modernos, a democracia moderna não existiria. Vida longa aos banqueiros razoáveis, equilibrados, responsáveis socialmente! Eu me lembro de visitar a Espanha não muito depois de ela se tornar uma democracia e de ver um novo banco em cada esquina, como sentinelas da liberdade. Mas bancos e indústrias adjacentes, como a dos cartões de crédito, têm operado por décadas quase sem controle. Foi um democrata, Bill Clinton, que transformou em lei a revogação de importantes seções do Ato Glass-Steagall, removendo o muro entre transações bancárias e comerciais - e ajudando a causar o desastre financeiro de 2008. Foi um democrata, Joe Biden, que votou - ao lado de muitos outros democratas - a favor de tornar mais complicado declarar falência, agradando às companhias de cartão de crédito cujas taxas exorbitantes de juros deixaram os americanos sufocados em dívidas.

Há argumentos contra a dedução dos juros de hipoteca, mas eu não vou chateá-los com eles porque estão todos equivocados. Permitir que as pessoas peguem de volta o que significa apenas uma fração daquilo que pagaram em termos de juros usurários para seus bancos é permitir que a classe média mantenha a cabeça acima do nível da água. Críticos da lei dizem: "Vejam os países que não permitem a dedução". Mas países como França e Alemanha têm outras políticas sociais que impedem as pessoas de escorregar pelas rachaduras do sistema. Ao contrário da América, por exemplo, eles garantem que seus cidadãos tenham acesso a saúde. Com os poucos milhares extras que ganham por ano com a dedução, donos de casas da classe média mal conseguem pagar por crescentes franquias de seguros de saúde.

A narrativa, agora, é de que o combate de quinta à noite entre Biden e Ryan foi um combate entre gerações, uma vez que Biden tem cerca de 30 anos mais do que Ryan. Isso é um absurdo. Em termos geracionais, estas eleições sempre foram entre um grupo de principalmente brancos que estão envelhecendo, que odeiam Obama e prefeririam ver um Golden Retriever na Casa Branca a um presidente jovem e negro, e jovens americanos que estão preocupados com a possibilidade dos republicanos tirarem deles a Previdência Social e o Medicare a que terão direito quando envelhecerem. Ryan pode ter apenas 42 anos, mas nasceu já na meia-idade e, a esta altura, já passou dos 100 em termos emocionais, apesar de que sem uma gota da sabedoria e humanidade que acompanham a idade. Biden, por outro lado, pode estar perto dos 70 anos, mas está repleto de coração, de vitalidade emocional.

Ainda assim, na noite de quinta, ele se deixou constranger pelo ridículo senso de decoro dos liberais, com medo de que soar agressivo demais possa afastar eleitores. Este é um erro de cálculo trágico. O país é viciado em filmes e shows de TV violentos, pelo amor de Deus! As pessoas adoram o espetáculo da agressão virtuosa. Quando Biden desafiou Ryan diretamente a responder se uma presidência Romney eliminaria a dedução dos juros de hipotecas - ou seja, jogar a classe média no chão e chutá-la na cara -, Ryan ignorou a questão. O durão Biden repetiu a pergunta, e eu comecei a torcer tão alto que acordei meu filho de 6 anos de idade, que saiu de seu quarto esfregando os olhos e me perguntando como "Ron Paul" estava se saindo. (Ele sempre confunde Ron Paul com Paul Ryan). Ryan ignorou a pergunta novamente e naquele instante Biden deveria ter acertado o soco do nocaute, perguntando diretamente qual será o futuro das deduções se Romney for eleito, mas... Biden deixou passar, e o debate continuou.

Para irritação de minha mulher, eu mostrei a meu filho como se dá um devastador uppercut no queixo e o levei de volta para seu quarto. E então fui dormir, sonhando com FDR e Oscar de la Hoya.

Bolhas e bolas murchas - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 14/12


Os preços de imóveis estão horríveis no Brasil, a gente sabe. Desde 2008, outro ano que não termina, as casas ficaram em média uns 150% mais caras em São Paulo e ainda mais extravagantes 180% no Rio.

Na semana passada, o FMI voltou a falar em bolha imobiliária no Brasil. Há várias bolas murchas ou furadas, mas bolha imobiliária está difícil de ver. Por ora, ao menos.

Como o FMI errou barbaramente no caso da bolha americana (estava "tudo bem", diziam em 2007), talvez fosse o caso de a gente ficar tranquilo com o alerta do Fundo, digamos, para não perder a piada.

Há bolha imobiliária no Brasil? O assunto mal cabe em teses universitárias, que dirá em colunas de jornal. Mas a horrível inflação imobiliária brasileira não parece bolha.

Não há variedade de instrumentos financeiros sofisticados nem dinheiro bastante para alavancar uma bolha. O crédito parece ser concedido de maneira razoável -a inadimplência imobiliária é mais ou menos um quarto da inadimplência geral.

As estatísticas imobiliárias são fracas e escassas, certo. Mas haveria bolha num país com ainda tamanho deficit habitacional? Onde estão as massas de imóveis construídos e vendidos para especular, com dinheiro emprestado, por exemplo?

O crescimento rápido do crédito imobiliário não se deveu a melhorias na regulação e à baixa razoável da taxa de juros, associadas a um periodozinho de crescimento econômico bom? E os preços sobem agora mais devagar.

Ainda assim, o crédito imobiliário como proporção do PIB é baixo, menor que em muito país "hermano", mesmo tendo saltado de 3,7% do PIB, em 2010, para 5,8% do PIB, agora.

Sim, a calmaria pode ser ilusão. O desemprego está baixo, assim como os juros. Quando subirem, quando a maré baixar, vamos ver quem nadava pelado. A inadimplência subirá, bancos vão perder dinheiro, o crédito vai piorar? Difícil saber, os dados de agora não permitem prever tamanho rolo. Como se diz em filme de tribunal americano: "Especulativo, protesto".

Decerto a situação brasileira tem muita bola cheia que pode murchar de modo perigoso. Mudando um pouco de assunto, mas não muito, não sabemos se é "sustentável", duradoura, a situação do emprego e dos juros. Seriam bolas cheias demais, a ponto de estourar?

O juro caiu no Brasil, entre outros motivos, por causa da lerdeza mundial, dos juros baixos (zero) no centro do mundo. Um dia, eles subirão. Daqui a três anos, talvez, um pouco mais. Isso vai nos afetar.

O desemprego está muito baixo no Brasil. Bola cheia demais? Se o país voltar a crescer, vamos importar trabalhadores da vizinhança e da Europa desempregada? Daqui, não tem muito de onde tirar. Os custos (preços) vão subir ainda mais?

Mesmo com desemprego baixo, a inadimplência não cai.

O governo está reduzindo impostos e, ao mesmo tempo, reduzindo sua dívida porque a despesa com juros caiu. Logo, "economiza" menos.

Com Copa e eleição pela frente pode economizar ainda menos, mas gastando o dinheiro, em vez de reduzir imposto e dívida? Isto é, o governo vai gastar em consumo o dinheiro da bonança dos juros baixos (e vai continuar a estimular o consumo das famílias), em vez de dar uma força para o investimento?

EU, EU, EU! O ZÉ SE DIRCEU! - AGAMENON

O GLOBO - 14/10


A Justiça foi feita. Foi feita para os ricos e poderosos não irem em cana no Brasil. Mas, depois do chocolate que o PT (Partido dos Trambiqueiros) levou no Supremo, isso mudou! Agora o Josef Dirceu vai ver o PSOL nascer quadrado. Quem diria... Até outro dia o homem forte Josef Dirceu era o principal membro do núcleo duro do governo. Hoje em dia, coitado, mal consegue ir pro segundo turno numa ereção, quer dizer, eleição.

Esse escândalo do mensalão provou que o PT não é mais aquele bom e velho partido esquerdista socialista de antigamente. Na verdade, o PT resolveu sair do armário e assumir que é um partido de direita, entusiasta do capitalismo neoliberal globalizante e do livre comércio de parlamentares.

É uma injustiça a condenação de Josef Dirceu! Conheço Josef Dirceu desde os tempos do movimento estudantil. Dirceu era um gênio precoce da ejaculação política. Com seus discursos inflamados, Dirceu incendiava as massas na porta do Famiglia Mancini, do Gigetto e do Jardim de Napoli, em São Paulo. Pra ver se eu conseguia pegar alguém, resolvi me engatar na luta política e fiz sociedade com o Zé Dirceu numa banquinha que falsificava carteirinhas da UNE. Perseguidos pela ditadura e pelo rapa, fomos presos pela repressão. Quando o Gabeira sequestrou o embaixador americano, acabamos sendo trocados por uma figurinha do Golias que ia completar o álbum “Perdidos no Espaço”.

Cansados da ditadura opressiva e sanguinária no Brasil, resolvemos nos mandar para Cuba. Lá, pelo menos, a polícia estava do nosso lado. Hóspedes de Fidel Castro (que ainda era vivo na época), Zé Dirceu e eu fomos treinados em Cuba pela KGB: ele pra ser espião e eu pra ser cafetão no Malecón.

Formado em guerrilha na Universidade de Havana, Dirceu organizou outro grupo revolucionário, o Buena Bosta Social Club. Em seguida, para voltar ao Brasil clandestino, fez uma operação plástica e uma lipoaspiração. A lipo ele só fez porque estava se achando muito gordo. Com a sua nova identidade de Gislayne, Dirceu se escondeu numa pequena cidade do interior do Paraná. Para não despertar suspeitas naquela pequena e conservadora comunidade interiorana, assumiu um relacionamento lésbico e gravou um disco como cantora eclética de MPB.

Com o final da ditadura, Gislayne, quer dizer, Zé Dirceu, exausto de fazer sexo sem usar o seu bilau, revelou para a patroa sua identidade secreta e voltou pra política, onde arrumou um emprego de presidente do PT. Foi aí que o Zé Dirceu cometeu o seu maior erro político: pagou com um cheque sem fundos do Delúbio a renovação da assinatura de “Veja”. A partir daí, a revista semanal passou a persegui-lo implacavelmente, levando o Zé Dirceu à cassação pelo SPC e pela Serasa.

Já o trambiqueiro, quer dizer, o tesoureiro do PT (Partido da Treta), Decúbito Soares, por conta de suas maracutaias, é hoje considerado o PT Farias do Lula. Homem das sombras, soturno e misterioso, Delábio Soares também frequentava o famoso apartamento de Josef Dirceu em Brasília, onde também moravam o José Ingenoíno e o cantor Latino. Aliás, foi inspirado no movimentado aparelho petista que Latino compôs o mega- hit “Festa no PT”.

Derroubio era o homem de desconfiança do presidente Luiz Ingenuácio da Silva, que nunca desconfiou de nada. Lula não só não desconfiava, como também não sabia de nada e não enxergava coisa nenhuma. Na verdade, Luís Cegácio Lula da Silva não viu o mensalão porque usa as Lentes Transitions, que escureciam automaticamente sempre que ele entrava no Palácio do Planalto.

Josef Dirceu é um homem obcecado pela ética e pela estética. Depois de implantar uma nova cabeleira, procurou um dentista para implantar a dentadura do proletariado. Falastrão, arrogante e autoritário, Josef Dirceu, infelizmente, tem alguns defeitos. Ele se diz perseguido pela mídia golpista mas, na verdade, quem perseguiu o ex-Poderoso Chefão do PT foi a Polícia Federal, o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal. Mas a condenação pelo Supremo não baixou a crista de Josef Dirceu, o czar vermelho! Depois que pagar a sua etapa, Dirceu promete que vai botar pra quebrar. Quebrar a cara dos jornalistas golpistas que pegam no seu pé, ao contrário da minha pessoa, que só fala bem: bem mal!!! Pode vir, Dirceu! O medo é uma palavra que não existe no meu dicionário! Como também não existem as palavras medonho, meditar, médium e medíocre: eu arranquei essa página pra enrolar um charuto de maconha.

Agamenon Mendes Pedreira é jornalista em regime semiaberto

Uma eleição difícil de analisar - LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES


O Estado de S.Paulo - 14/10


Comentando as eleições municipais, o editorial principal do Estadão de 9 de outubro (A força dos grandes partidos, A3) observou que "as urnas de domingo, em âmbito nacional, trouxeram resultados para quase todos os gostos". E com razão. É difícil saber quem ganhou e quem perdeu. As disputas envolvem um número muito grande de colégios eleitorais, alguns insignificantes, outros de muita importância. Se o critério para avaliação de vencedores e vencidos for o número de votos por legenda, os resultados encaminham para uma dada conclusão; se o critério for o número de prefeitos eleitos (ou de vereadores) o resultado pode ser outro.

Mesmo assim, sobram dúvidas. Um partido pode ter tido bons resultados em muitos colégios eleitorais pequenos, em cidades ou unidades da Federação de pouca expressão política. Pode ter ido bem na periferia e mal nos grandes centros estratégicos. Seria possível ainda separar a votação nas capitais das obtidas no interior. As capitais, independentemente da dimensão de seu colégio eleitoral, são importantes porque têm forte influência nas disputas para os governos estaduais.

Há, ainda, a questão do segundo turno. Considerar, para uma avaliação final, apenas a votação do primeiro turno? Ou contar somente a do segundo turno? A comparação dos votos partidários em ambos os turnos, porém, é pouco indicativa das tendências do eleitorado. Legendas que estiveram no primeiro turno estão ausentes do segundo. Além disso, como sabemos, no segundo turno grande parte dos eleitores tende a votar contra o candidato que menos aprecia. Prefere "o menos ruim".

As dificuldades da análise não terminam aí. Como medir a importância dos resultados em grandes cidades do interior paulista (como Campinas, Guarulhos ou Ribeirão Preto, por exemplo) com os de pequenas capitais de outros Estados? Para complicar, um partido pode ter tido importante votação em termos do número de votos para vereador, mas não ter tido bons resultados nas eleições majoritárias. Pode ter deixado escapar o controle da prefeitura de uma cidade importante por diferença muito pequena. Não adianta ter tido uma boa votação e se proclamar "vencedor moral". O número elevado de votos obtidos não servirá para nada.

Ainda não existe uma fórmula para calcular vencedores e vencidos em eleições como essas. Fórmulas matemáticas - como as utilizadas para calcular o número relevante de partidos - não medem consequências políticas (e psicológicas) dos resultados e de seus efeitos no jogo político futuro. Êxitos em pequenas ou médias cidades, até mesmo em pequenas capitais, podem não compensar derrotas em capitais de muita importância, como é o caso de São Paulo. Ganhar a Prefeitura paulistana tem efeitos nacionais. Pode dar fôlego político ao vencedor. Mas cabe a pergunta de difícil resposta: a cidade de São Paulo vale quantas Rio de Janeiro? Belo Horizonte vale quantas Porto Alegre?

Contudo, apesar das dificuldades de interpretação, de modo geral os resultados desse primeiro turno permitem apontar pelos menos dois aspectos principais. O primeiro é o aumento da fragmentação partidária, sugerida pela presença de pequenos e minipartidos entre o primeiro e o segundo colocados nas disputas de capitais estaduais: PMDB e PRB em Boa Vista, PV em Porto Velho e Palmas, PCdoB em Manaus e Porto Alegre, PSOL no Rio de Janeiro, em Belém e Macapá, PSC em Curitiba, PTC em São Luís. O segundo é o declínio do DEM, que vem perdendo espaço também na Câmara dos Deputados. Nas capitais, o antigo PFL venceu apenas em Aracaju. Ser for derrotado em Salvador, terá dificuldade para sobreviver. Deverá pensar numa reciclagem, que começará com a mudança de nome.

Vejamos rapidamente o desempenho das principais legendas. O PSDB, que também vem perdendo cadeiras na Câmara dos Deputados, conseguiu eleger Rui Palmeira em Maceió. Foi para o segundo turno em outras seis capitais. Se vencer em São Paulo e conseguir bons resultados nas outras cinco, será um dos grandes vencedores.

O PT sofreu algumas perdas em cidades onde parecia bem consolidado. Venceu no primeiro turno em Goiânia, mas perdeu no Recife. Terá de disputar o segundo turno em Salvador e Fortaleza, que controlava. Ficou fora do segundo turno em outras grandes capitais. Já está fora da disputa no Rio de Janeiro, em Vitória, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Se perder em São Paulo, estará fora de todo o Sul e Sudeste. Desse modo, tal como para o PSDB, conquistar a capital paulista será fundamental para seu futuro. Se perder em São Paulo e no Recife, pode entrar na fase de desgaste de material provocado pelo declínio do apelo ideológico e pela burocratização dos dirigentes que vieram dos anos do "sindicalismo autêntico".

O PDT manteve suas modestas posições: venceu em Porto Alegre, foi para o segundo turno em Curitiba, Natal e Macapá. Já o PMDB, a segunda bancada na Câmara dos Deputados, registrou a grande vitória do Rio de Janeiro. Ainda disputa o segundo turno em Florianópolis, Natal e Campo Grande. São ganhos médios, mas dão bom cacife para a briga por cargos na administração pública.

Por fim, na contabilidade das capitais, o PSB pode ser visto como o principal vitorioso: ganhou no Recife e em Belo Horizonte. Pode ainda conquistar Fortaleza e Cuiabá.

Nesse quadro, é temerário arriscar prognósticos, especialmente porque há um segundo turno que pode mudar tudo. Existem, todavia, algumas indicações de que essas eleições parecem mais relevantes do que as anteriores: poderão dar mais fôlego a legendas em declínio (como o DEM) ou em crescimento (como o PSB).

Cercada de Chicos - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 14/10


"Desculpa a rouquidão", diz Silvia Buarque Severo de Holanda ao se sentar na mesa de um restaurante no bairro carioca da Lagoa. "Você sabe o porquê disso?", pergunta enquanto abre um pacote de bala e põe duas na boca. "É nervosismo de falar", responde ela mesma.

É que a atriz de 43 anos, por mais que tenha "estreado" na mídia ainda criança, e desde então tenha figurado em 15 peças, cinco novelas e comerciais de TV, raramente fala sobre a própria vida.

Ela termina de chupar as balas. "Que bom que seu nome é Chico. Se fosse Rogério, eu ia te chamar de Roberto, de Robson... Agora, chamando Chico, não tem como eu me esquecer", diz ao repórter Chico Felitti. Silvia é mulher de um Chico, o ator Chico Diaz, e filha do Chico, Chico Buarque de Holanda.

Mas passou a idade de ser vista como filha, dele e de Marieta Severo. Até porque já é mãe de Irene há sete anos e agora interpreta um papel materno no cinema. No caso, a mãe adotiva de Gonzaguinha no filme "Gonzaga - de Pai para Filho", de Breno Silveira. A estreia será no dia 26.

O longa narra as vidas de Luiz Gonzaga, que completaria cem anos em 2012, e do seu filho, Gonzaguinha. E de Dina, personagem de Silvia. Ela era mulher de um amigo de Gonzagão -e cuidava do filho do sanfoneiro enquanto ele viajava pelo país.

Para viver a portuguesa que morava no morro e acolheu de graça o filho do rei do baião, ela visitou o lugar onde ficava sua casa. Lá, encontrou uma moradora de 90 anos, que entre uma cerveja e outra viu semelhanças entre Silvia e Dina: "Ai, ela era pequenininha como você!".

Ouviu também muita música dos dois artistas. "Eu não tinha nenhum disco do Gonzaguinha. Aí, adorei e comecei a pesquisar. Vi que o show 'Vida de Viajante', dos dois juntos, foi em 1981, e que eu poderia ter ido ver. Me arrependi." Tinha 12 anos, mas já saía para ver shows à noite. "Ia a vários lugares por causa do meu pai, dos amigos dele, da turma toda."

A carreira começou também por influência de Chico. Em vídeo de "Os Saltimbancos", de 1977, ela aparece cantando com ele e a tia Miúcha. "Mas não considero isso trabalho. Era farra."

A labuta de verdade veio aos 15, quando estreou no tablado em "Os Doze Trabalhos de Hércules 2", ao lado de Cláudia Abreu. Dessa vez, por vontade própria. Ou da turma: "O teatro tava na moda, era status. Não ia perder a chance." Seu único pedido foi que o personagem não tivesse falas. "E não teve."

Um ano depois da peça, foi convidada para atuar em "Dona Beja", novela da Manchete de 1986. "Coitada de mim, comecei ali, bem crua."

Menos de um ano depois, estava na tela da TV de novo em "Corpo Santo",líder de audiência da Manchete. "Eu não estava pronta. Olhando hoje, me acho muito fraca. Mas sinto ternura por esse trabalho. Por essa época."

No ano seguinte, 1988, foi chamada para fazer "Bebê a Bordo", já na emissora líder de audiência, a Globo. E em papel de destaque. "Eu gostava de tudo na profissão, mas sabia que tinha que comer muito arroz com feijão."

O resultado: fez quatro novelas em cinco anos, mas não estava feliz profissionalmente. "Tinha invejinha, da boa, de quem fazia teatro." Aos 23 [em 1992], decidiu "se aposentar" da TV. "Descobri que era atriz só aos 25, no palco."

Desde então, ficou quase só no teatro. Mas não parou de ser interpelada na rua. O que, para ela, "é só ruim". Às vezes diz não a pedidos de foto ou apelos por autógrafos. "É muito comum que a abordagem seja só por causa do meu pai ou da minha mãe."

A herança tem, sim, um lado bom. Além do dinheiro que ganha com o teatro, ela recebe convites para fazer comerciais com a mãe. Juntas, estrelaram um de caldo de picanha e outro de telefonia. "Acho inofensivo você fazer propaganda de uma operadora de celular." Caso o orçamento não feche, também conta com um plano B. "Se faltar, minha mãe ajuda."

Tentaram uma vez juntar em um comercial Marieta e suas três filhas (Silvia mais Helena, 41, e Luisa, 36, que está na Suécia estudando filosofia). O anúncio seria com as quatro usando meia-calça, ao som da canção "Minhas Meninas", de Chico. Não toparam. "Não dá para fazer algo e se envergonhar depois."

Mas ser filha de uma das maiores atrizes da Globo "é bico", diz ela. "Tenho quase trauma infantil é com meu pai." O compositor, diz, ocupa um lugar "intocável" na cabeça dos fãs. "Às vezes as pessoas 'convulsionam' só de reconhecer que eu sou filha dele. É bem chato."

Ela nasceu em Roma, onde Chico e Marieta moravam, em 1969. As circunstâncias fizeram com que entrasse em contato com a política cedo. "Desde que me entendo por gente, sabia da ditadura militar e da censura que havia no Brasil. Meu pai contava." A partir de jovem, se engajou com grupos defensores dos direitos humanos e apoiou candidatos de esquerda.

Continua declarando o voto. "Eu apoio a [presidente] Dilma [Rousseff]. De modo geral, tendo a votar no PT. E não é pelos laços da minha família." Ana de Hollanda, que foi demitida do cargo de ministra da Cultura há um mês, é sua tia. "Nem cogitei que isso pudesse me ajudar."

Sua última novela foi "América", de Glória Perez, em 2005. A novelista a convidou para o elenco porque viu uma peça em que atuava. E gostou. "Eu assinei o contrato e descobri que estava grávida, com a Irene na barriga, em seguida." A professora Berê, sua personagem, engravidou junto e ainda ganhou mais espaço na trama.

Ela não estará em "Salve Jorge", novela das nove da mesma autora que estreia no dia 22. "Eu não fui atrás dessa vez." Está focada agora em trazer a SP as peças "Cozinhas e Dependências" e "Um Dia como Outros", já apresentadas no Rio. Nelas, contracena com Bianca Byington.

"E se eu disser que sinto que vai rolar?", pergunta ela. "Vai rolar. Estou numa onda mais positiva", responde a atriz. Desta vez, já sem o pigarro de nervoso.

"Hoje em dia gosto da atriz que sou, mas eu não sou aquela que dava para aquilo quando criança

Tenho quase trauma infantil com meu pai

Às vezes as pessoas 'convulsionam' só de reconhecer que eu sou filha dele. É chato

Se faltar [dinheiro], minha mãe ajuda"

Glórias pedestres - HUMBERTO WERNECK


O Estado de S.Paulo - 14/10


Todo filho de Deus tem direito a pelo menos uma implicância (o mais famoso deles, para começar, não cismou com os vendilhões do templo?), e uma das minhas - sim, a esta altura já tenho direito a mais de uma - vem a ser a moda das estátuas pedestres, abominação à qual já dediquei uma crônica. Se o camarada merece estátua, tem de ficar acima dos comuns mortais, não acha?

Aqui em São Paulo, felizmente, a moda ainda não pegou. Mas no Rio e em Belo Horizonte... Na capital mineira, então... Lá, se bobear, a população brônzea atarraxada ao solo poderá rivalizar um dia, em termos demográficos, com a de carne e osso. Bem, admito que agora exagerei um pouco. Mas não custa advertir, para que a praga escultórica não se dissemine. Foi esse temor que me levou a escrever a tal crônica, quando, em visita a Beagá, me deparei com um punhado de escritores imobilizados ao rés do chão.

Na região da Savassi, um dos congestionamentos prediletos da classe média belo-horizontina, topei com a figura miúda da poeta Henriqueta Lisboa em pé com um livro aberto nas mãos. Ultimamente providenciaram para ela nova locação - Henriqueta agora está chumbada em frente ao prédio onde morava, no mesmo bairro. Nas imediações se pode ver também o romancista Roberto Drummond, que tanto amava a Savassi e que, reescrito em bronze, acabou ficando brilhante também em sentido literal, de tanto ser apalpado.

No centro de Beagá, onde bateram pernas na juventude, Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava, já maduros e artríticos, papeiam na Rua Goiás. Só assim pôde ser visto novamente na cidade o poeta que em vida lá esteve pela última vez em 1954 e que, nos anos 1970, reagiu à desfiguração dela com os versos doídos de Triste horizonte. Na Praça da Liberdade, por fim, ressuscitou em metal o célebre quarteto formado por Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino. Os quatro estão hoje prudentemente instalados à porta da biblioteca estadual, para evitar desfrutes - e até agressões como a que, em outro local, deixou nocaute o poeta Paulo.

Mas sejamos justos com Belo Horizonte, de forma alguma a única cidade brasileira assolada pela moda das estátuas pedestres. No Rio, a mais notória é aquele Drummond encravado num banco da Praia de Copacabana. Já perdi a conta das vezes lhe roubaram os óculos. Sete? Por aí. Solução definitiva, meus amigos, só com lentes de contato. E ainda bem que o bronze não permite a extração das dentaduras duplas cuja chegada prematura o poeta lamentou em versos.

No largo a que deram seu nome, no Jardim Botânico, Otto Lara Resende lê de pé ao lado de cadeira e mesa. Na ponta da Praia do Leblon faz expressão corporal o até hoje inigualado colunista Zózimo Barrozo do Amaral. Na frente do Copacabana Palace, bate ponto outro colunista legendário, Ibrahim Sued, frequentador do hotel em companhia da Gigi, sua cadelinha yorkshire. Mas só ele ganhou estátua.

Dia atrás, em Buenos Aires, entrei no Biela, café e restaurante de La Recoleta - e quem estava lá? Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares. Borges, com aquela cara de Borges, apoia as mãos no castão da bengala, enquanto Bioy, sorridente, escreve alguma coisa num livro sem baixar os olhos até ele. Entre os dois - ambos carentes, ó pessoal do Biela, de uma boa espanada -, uma cadeira espera por papagaios de pirata literários. Os mesmos, quem sabe, que na calçada do café A Brasileira, em Lisboa, se fazem retratar ao lado de Fernando Pessoa.

Uma consulta em mesa branca poderia revelar se algum dos homenageados, onde quer que seja, está satisfeito com sua condição de estátua pedestre. Duvido. Os riscos me parecem maiores que a maior das vaidades. Em Oviedo, na Espanha, espetaram na rua um Woody Allen de bronze. O mesmo Allen que pôs na boca de um personagem de rarefeita vida sexual esta delícia de frase: "A última vez que estive dentro de uma mulher foi quando visitei a Estátua da Liberdade". Reze o grande diretor para que não venha alguém tomar com ele a mesma liberdade.

Brigada de pinóquios - SÉRGIO AUGUSTO

O Estado de S.Paulo - 14/10


Nem a repulsa ao chavismo nem a oposição a Obama valem o sacrifício dos princípios básicos do bom jornalismo



Há mais coisas em comum entre Barack Obama e Hugo Chávez do que supõe a vã analogia. A mais óbvia: as campanhas reeleitorais deste ano. Outra: a hostilidade da mídia aos dois. Se vencer as eleições do mês que vem, o presidente americano terá outro ponto em comum com seu colega venezuelano, reeleito domingo para mais um mandato com uma vantagem de 9,5% de votos sobre o adversário, porcentual aparentemente fora do alcance do candidato democrata.

Outra convergência se daria caso Obama tivesse torcido para Chávez na corrida presidencial venezuelana, mas é de se supor que o candidato de sua preferência fosse Henrique Capriles, a despeito do apoio explícito que há dias lhe deu Chávez: "Se eu pudesse, votaria em Obama". Ainda que em nenhum momento tenha se manifestado sobre as eleições na Venezuela, Obama não sente a menor simpatia pelo líder da "revolução bolivariana".

Domingo passado, ao inaugurar um monumento a Chávez, na Califórnia, o presidente americano saudou o homenageado como "um herói que trouxe esperança para milhões de pobres lavradores". Outro era o Chávez em questão: César Chávez, histórico líder dos trabalhadores rurais latinos, nascido no Arizona, filho de imigrantes mexicanos, morto há quase 20 anos. Por ignorância ou má fé, uma horda de tuiteiros, blogueiros e mittnautas confundiu César com Hugo e despejou um dilúvio de insultos sobre Obama na internet, no rádio e na TV. Está valendo tudo para impedir que o presidente democrata disponha de mais quatro anos para recuperar o país dos oito anos de bushismo.

Tudo mesmo. Os republicanos mais cínicos e sem escrúpulos mentem, distorcem estatísticas e espalham boatos com uma desfaçatez fascista. Logo que a última taxa de desemprego no país (7,8%) foi divulgada, a brigada de pinóquios do Partido Republicano cerrou fileiras contra os dados oficiais do censo. Como esses dados contrariavam um dos dogmas da campanha de Romney ("Obama ainda não conseguiu pôr a taxa de desemprego abaixo dos 8%"), âncoras da Fox News e editores de websites de direita, em vez de festejá-los, puseram em dúvida sua idoneidade e espalharam pelos redutos menos confiáveis da mídia mais uma teoria conspiratória contra o governo e os democratas.

O ex-executivo da General Electric Jack Welch foi quem mais alto ergueu o estandarte da "manipulação dos números", e ao admitir não ter como provar sua suspeita entregou na bandeja para o gozador Jon Stewart (Daily Show) uma das leviandades mais suculentas do mês. Outro apóstolo da manipulação, Charles Payne (Fox News), assegurou que a taxa voltará a subir acima dos 8%, mas que só seremos informados disso, convenientemente, depois das eleições. Conn Carroll, comentarista do Washington Examiner, levantou a hipótese de desempregados ligados ao Partido Democrata terem mentido para o censo, a fim de beneficiar a candidatura de Obama. Se tivessem tamanho poder de convencimento e arregimentação, os democratas ganhariam todas as eleições.

Não é a falta de isenção, esse velho mito do jornalismo, que incomoda e desacredita determinados órgãos da imprensa, mas seu farisaísmo. Torcer, vá lá, distorcer, alto lá! Nem depois que Capriles, democraticamente, reconheceu sua derrota eleitoral para Chávez, a Fox News e congêneres deram o braço a torcer. Sem base para contestar os números oficiais da apuração, puseram-na sob suspeita de forma oblíqua. "Pesquisas de boca de urna contaram outra história", alardeou uma chamada da Fox News para o resultado final da eleição-perfídia que o vigilante Glenn Greenwald (ex-Salon, agora no Guardian) descartou como mais um caso, revelador e divertido, de "dissonância cognitiva" daquele canal de notícias.

Segundo o ex-presidente Jimmy Carter, que já monitorou 92 eleições mundo afora, o processo eleitoral na Venezuela é o melhor do mundo. Essa informação, apesar de corriqueira e ainda não desmentida, nunca foi veiculada, nem sequer levada em consideração, pela imprensa conservadora americana, que trata a Venezuela como uma ditadura igual a outros regimes autoritários para os quais, por motivos ideológicos, faz vista grossa.

A Venezuela pode não ser a democracia na qual eu gostaria de viver, mas, para repetir as palavras do sociólogo Demétrio Magnoli, "ainda não é uma ditadura". Em qual ditadura 80% da população comparece às urnas para escolher seu presidente? Só para efeito de comparação, apenas 54% dos americanos votaram na empolgante eleição que levou Obama à Casa Branca.

Também não tenho simpatia pelo Chávez. Messiânico, fanfarrão, demagogo, bully, aliado a gente que não presta (Mugabe, Kadafi, Assad), contudo há que se reconhecer que ele tem lá bons motivos para embirrar com os governantes americanos e a imprensa que desde o golpe de que foi vítima, em 2002, não sai de sua cola, negligenciando os inegáveis avanços sociais que seus petrodólares financiaram e alimentando intrigas e animosidades infrutíferas. Mary Anastasia O'Grady, do Wall Street Journal, recentemente comparou Chávez ao sanguinário Pinochet. Menos, pessoal.

O mesmo New York Times que há dias, em sua página de opinião, espinafrou as baixarias da direita republicana e na terça-feira publicou um lúcido artigo de Mark Weisbrot sobre a eleição na Venezuela, abriu assim seu editorial de 15 de abril de 2002: "Com a renúncia, ontem, do presidente Hugo Chávez, a democracia venezuelana não está mais ameaçada por um suposto ditador". Ora, Chávez não havia renunciado, fora deposto por "um golpe civil". Tanto não estava a fim de largar o poder que o retomou em menos de 48 horas. Ditador? Mas ele fora eleito por maioria absoluta e quem fechou a Assembleia Nacional e calou o Judiciário foi o fugaz interino Pedro Carmona, esse sim, um suposto ditador, pois, se não só democrata da boca pra fora, teria investido num impeachment e na consequente ascensão do vice Diosdado Cabello.

A repulsa ao chavismo e a oposição a Obama não valem o sacrifício de princípios básicos da convivência e do combate democráticos, nem do bom jornalismo.

Verão em Salvador - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 14/10


Foi meu verão inesquecível; aliás, foram dois, pois no ano seguinte eu voltei.


Há anos aluguei uma casa por telefone, na Pituba. Contratei uma cozinheira baiana e logo descobri que tinha várias assessoras na cozinha: uma para catar siri, outra para descascar camarão, outra para ralar coco, outra para se ocupar dos bolos, biscoitos, sobremesas.

Na mesma temporada lembro que fui passar uns dias em Mar Grande (antes da ponte), e logo de manhã passavam os locais apregoando sua mercadoria: camarão fresco, peixe saído do mar, lagosta, mariscos, siri mole, tudo na porta, levado por um burrico. Como esse comércio começava cedo, havia um funcionário (da casa) contratado apenas para ficar na porta desde cedo, e alerta; quando alguém ia anunciar o que tinha para vender, ele fazia um sinal com o dedo na boca para que não gritasse, para não acordar as pessoas. Ah, Salvador, que paraíso.

A casa que aluguei era grande, volta e meia chegavam hóspedes, e não se fazia rigorosamente nada. O único esforço intelectual era escolher a que praia iríamos: Piatã, Itapoã ou Arembepe, todas com a água do mar na temperatura certa e sem ondas. A mesa era sempre farta e só se comia comida com dendê e leite de coco; aliás esse capítulo começava no café da manhã, com direito a canjica, tapioca, banana da terra cozida, e nem sei mais o quê.

Durante a temporada nunca se bebeu nada além dos sucos de frutas da terra, naturais ou com uma cachacinha. Só se usava uma sandalinha de palha, e só se tirava o biquíni na hora de dormir. Passávamos a tarde nas redes da varanda, e nunca vou esquecer que um dia, depois do almoço, a cozinheira me levou uma bacia cheia de bagos de jaca que passei a tarde comendo. Ninguém engordava.

Só saíamos de casa para ir às festas de largo, que começavam em dezembro e acabavam no Carnaval. Meu filho Bruno, que tinha 10 anos, me disse que nunca foi tão feliz; em todo esse verão ele nunca ouviu um não da minha boca: tudo podia.

Todos os dias eram domingo, não se lia jornal, não havia telefone nem televisão, os dias eram todos de sol, e só se fazia rir e falar bobagem, assim por nada. E havia a cor do mar de Salvador, e o cheiro de Salvador, e o som de Salvador, e a hospitalidade da gente de Salvador, pobres e ricos. Nesse verão, um baiano me fez um oferecimento muito especial, que nunca esqueci; quando eu morresse estava convidada a ficar no mausoléu da sua família, tem mais gentil?

Não sei se na época eu me dava conta do quanto era feliz, mas hoje, quando me lembro, penso que foi dos melhores tempos de minha vida.

Essas lembranças são um tesouro que tenho dentro do peito, e que ninguém, nunca, vai me tirar. Que pena não poder votar em Salvador, nesse segundo turno; é tão bom votar.

Desculpe, mas vamos voltar um pouco à real. Então, depois do julgamento do mensalão, a CPI do Cachoeira vai encerrar os trabalhos? Não vamos poder saber das relações do governador Sérgio Cabral com Fernando Cavendish, dono da Delta?

Segundo a imprensa, pelas contas bancarias dos investigados passaram 36 bilhões --bilhões-- cuja origem e destino ainda são ignorados. Que respingue no PSDB, no PT, no PMDB, não importa. E é um escândalo que o PSDB e o PT estejam de acordo em blindar os acusados. Os dois partidos, teoricamente rivais, nessa hora são tão sem escrúpulos um quanto o outro, e nenhum negócio que envolve 36 bilhões --em negócios com o governo-- pode ser honesto. E as contas da Delta são o maior dos segredos de Estado.

Em defesa da transgressão - JOÃO BOSCO RABELLO


O Estado de S.Paulo - 14/10


Embora desenhado ao longo de seu curso, o desfecho do julgamento do mensalão flagra o PT despreparado para o "day after" do que se constitui um divisor de águas na história do partido. Ao discurso da negação do fato, que sustenta por razões eleitorais, passou à produção de um vasto rol de impropérios contra o Supremo Tribunal Federal, na vã tentativa de martirizar seus dirigentes condenados.

A negação do fato leva à recusa de sua avaliação, assim como desconsiderar sintomas impede o tratamento da doença. Da reforma política, para introduzir o financiamento público de campanhas, o partido passa à reforma do Judiciário, proposta pelo seu principal braço sindical, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), para "corrigir" um tribunal que se pôs "a serviço dos conservadores, da imprensa neoliberal e da criminalização dos movimentos sociais".

O estímulo do PT a iniciativas do gênero revela o equívoco de considerar que dirigentes possam estar acima dos partidos, cuidado que até ministros do STF tiveram em alguns de seus votos.

O manifesto da CUT é o ápice da insurgência contra uma decisão judicial indiscutível, seja pelo seu caráter amplamente majoritário, seja pela isenção do tribunal que a proferiu, de maioria nomeada pelos governos do partido. A motivação da proposta é uma inacreditável defesa do direito de transgredir ao confessá-la como uma forma de "adequar as regras legais à realidade".

Trocando em miúdos, se a lei pune nossos crimes, mudemos a lei, porque vamos continuar a delinquir. Melhor Ato de Ofício, aos que o cobravam, não poderia haver.


Reação interna

Ainda ofuscada pela reação emocional da atual direção partidária, uma das muitas correntes do PT, a Mensagem ao Partido, liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, começa a trabalhar na sucessão interna. Avalia essa corrente que a reeleição de Rui Falcão - alçado ao posto com o aval de José Dirceu - mantém o partido atrelado ao escândalo e refém da condenação política de seu dirigente mais histórico. Mesmo minoritária, move-se para lançar uma pré-candidatura que pode passar pelo do presidente da Câmara, Marco Maia (RS).

Desconforto

Os efeitos do mensalão também terão que ser avaliados pelo PT sob a ótica das alianças em 2014. Aliados atuais e potenciais ainda restringem aos bastidores o desconforto com a perspectiva de preservação pelo partido em seus quadros de personagens condenados pelo STF. Significa dizer que, antes de reformar o Judiciário, o PT precisa apagar a impressão de que reformará seu estatuto que prevê a expulsão de condenados pela Justiça, em instância definitiva.

Prova de fogo

O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) terá de resgatar antecipadamente a promissória pelo apoio do governo à sua recondução à presidência do Senado em 2013. Sua missão é garantir a aprovação da medida provisória do setor elétrico, sem modificações. Significa conseguir rejeitar nada menos que 400 emendas já apresentadas. A importância da MP para o governo é medida pela escolha do comando da comissão que a examina antes do plenário: além do próprio Renan como relator, vai presidi-la o líder do PT, Jilmar Tatto.

Fora de tom

Autorizada, ou não, a manifestação do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, compromete o esforço do governo em conduzir a presença da presidente Dilma Rousseff nas campanhas do PT sem comprometê-la com a defesa do mensalão, tema inevitável nos palanques.