quinta-feira, agosto 02, 2012

A saúde de Lula - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 02/08

Segunda, dia 6, Lula será submetido a um check-up geral.
Vai fazer pet scan (exame minucioso para detectar câncer) e endoscopia. Uma junta médica irá avaliá-lo.

Dia 12
Dilma deu até dia 12 para Mantega fechar o pacote de redução do preço da energia, que vai incluir um bilionário corte de impostos.
Só aí, o governo apresentará sua proposta de reajuste aos servidores.

Gois em Londres I

As relações entre José Maria Marin, presidente da CBF, e Carlos Nuzman, do COB, estão péssimas.
Em Pequim, em 2008, Ricardo Teixeira, então na CBF, também se estranhou com o presidente do COB.

Também estão de mal
No encontro que sacramentou o ingresso da Venezuela no Mercosul, chamou a atenção a frieza entre Cristina Kirchner e José Mujica.
A razão do beicinho é a dragagem de um canal entre Argentina e Uruguai.

Gois em Londres II
Os locutores da TV francesa que transmitiu ontem Brasil 3x0 Nova Zelândia amaram nossa seleção.
Um disse que, no país de Neymar,
"os meninos das favelas aprendem futebol cedo porque crescem nas ruas, driblando uns aos outros” O segundo emendou: "Já na Nova Zelândia não tem ninguém na rua. Só se vê carneiro. É difícil driblar um carneiro”.

Fogo amigo
A Petrobras, veja que ironia, vai pagar o pato dessa decisão da Justiça de suspender as operações da Chevron e da TransOcean aqui.
É que a TransOcean opera sete sondas da estatal. Ontem, Graça Foster disse que o maior problema da Petrobras é a falta... de sondas.

AQUI JAZ UM MANGUEZAL
O biólogo Mário Moscatelli, paladino da natureza, luta para salvar 6km de mangue entre os rios Sarapuí e São João de Meriti (veja a foto), num trecho de Duque de Caxias, RJ. Moscatelli diz que o processo já foi iniciado com a recuperação dos mangues do canal do Fundão: “Preciso de uma parceria para transformar este manguezal até 2016. A região é a porta de entrada da região metropolitana do Rio”, clama o biólogo •

A filha gosta
Ainda sobre a reação conservadora a "Dona flor” (Jorge Amado), um dos temas de "Subversivos e pornográficos: censura de livros e diversões públicas nos anos 1970’,’ de Douglas Attila Marcelino.
Na biografia que escreve para a Casa da Palavra, Luiz Carlos Barreto, 84 anos, conta da batalha contra a censura, em 1976, para liberar o filme dirigido por seu filho Bruno, baseado na obra de Amado.

Veja só...

Barretão lembra que a censura exigiu três cortes. Mas Armando Falcão, ministro da Justiça, viu o filme e... adorou!
Um amigo de Falcão contou nunca ter visto o ministro rir tanto. Apesar disso, exigiu 12 cortes. "Por sorte, Amália, filha de Geisel, viu o filme, mostrou aos pais, e a obra foi liberada’,’ recorda o produtor.

Gois em Londres III
O ministro Aldo Rebelo tem adotado em Londres um estilo... Ismael Silva.
De terno claro e chapéu panamá.

A conta do atraso
A revista "Exame” que chega hoje às bancas diz que, segundo a Anatel, a telefonia brasileira precisaria de R$ 380 bi para tirar o atraso. Ou 380 Maracanãs.

Parabéns pra você
Uma casaca do senador Manuel Inácio de Melo e Souza, do século XIX, primeira peça do Museu Histórico Nacional, no Rio, será exposta hoje ao lado da mais nova aquisição — um uniforme de... gari.
A exposição, com muitos outros itens, festeja os 90 anos do museu.

Patrimônio do Rio
Destombado no início dos anos 1940 para a abertura da Av. Presidente Vargas, no Rio, o Campo de Santana será novamente tombado pelo Iphan.
O tombamento provisório já está no DO de hoje.

Crime e castigo

A 3? Câmara Cível do Rio manteve decisão de primeira instância de condenar o estado a indenizar em R$
850 mil a família de Marcus Vinicius, vítimas da chacina da Baixada, em 2005.
O PM José Augusto Moreira Felipe, já condenado a 542 anos, será julgado por outro homicídio dia 6 de dezembro.

Marina sem tapumes

Lembra aqueles tapumes que, desde 2007, enfeiam a Marina da Glória por causa do embargo à revitalização da área?
Virão abaixo hoje por decisão do juiz Rodrigo Gaspar de Mello, da 28? Vara Federal do Rio. A Secretaria municipal de Conservação vai recuperar a área.

O primeiro dia

O motorista Ricardo Teixeira Gabriel fará hoje, às 10h30m, um protesto solitário, na Cinelândia, no Rio, contra os réus do mensalão: vai se acorrentar com a Bandeira do Brasil.

O PAC do mensalão - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 02/08


O PT já se deu conta de que não há meios de evitar a “embolada” do julgamento do mensalão do PT com as eleições municipais. Na avaliação do partido, assim que terminar as Olimpíadas, a realidade baterá à porta sem clemência. No Planalto, há o temor de que os petistas dificilmente terão sucesso absoluto nas grandes cidades, onde o eleitor é mais suscetível ao noticiário. Por isso, estrategistas da legenda consideram que caberá à presidente Dilma Rousseff fazer o que estiver ao seu alcance para dar aos brasileiros a sensação de que o navio segue seu rumo tranquilo, ainda que o julgamento passe a ideia de águas turvas.

A prorrogação dos contratos de concessão de energia elétrica, embalada pela promessa de redução das tarifas ao consumidor final, é uma das apostas deste momento. O anúncio, dentro do pacote de infraestrutura, será feito em breve, numa hora crucial para dar ao eleitor uma ambientação de que vai tudo bem no governo, apesar dos erros do passado expostos no Supremo Tribunal Federal (STF) a partir de hoje. Não será surpresa, inclusive, se esse lançamento do pacote de infraestrutura, que já vem sendo chamado de “PAC do mensalão”, vier a ser exibido no horário eleitoral gratuito nas grandes cidades do país como uma forma de mostrar que o governo — e por tabela o PT — não estão abalados.

O “PAC do mensalão”, entretanto, não será tão tranquilo como deseja a presidente Dilma. Se depender da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), a prorrogação dos contratos de energia terá o mesmo destino do mensalão: o crivo do STF. A Fiesp considera que o melhor seria cumprir a legislação atual, que prevê novos leilões, dando uma aquecida no mercado. O governo não pensa assim e tudo indica que caberá aos ministros do Supremo dizer quem está certo. Essa história, no entanto, só termina depois das eleições.

Por falar em eleições…

Antes de ter que se preparar para um embate com a Fiesp dentro do Supremo, Dilma terá que resolver outros imbróglios, inclusive eleitorais. Quatro deputados federais do PMDB, candidatos a prefeito de municípios do Rio de Janeiro, foram informados de que Lula gravou participação no horário eleitoral de seus adversários. Dos quatro a quem Lula declarou apoio contra os peemedebistas, apenas a candidata de Angra dos Reis (RJ), Conceição Radha, é do PT, ligada ao ex-ministro da Pesca Luiz Sérgio. Ela enfrentará Fernando Jordão (PMDB).

Os outros três que receberam o aval de Lula são de partidos tão aliados quanto o PMDB. Em Duque de Caxias, por exemplo, o deputado Washington Reis se vangloria de ter feito o primeiro comício da então candidata Dilma Rousseff no segundo turno de 2010. Lá, os petistas estão alinhados a Alexandre Cardoso, do PSB. Em São Gonçalo, o PT apoia Adolfo Konder, do PDT, contra a peemedebista Graça Matos, mulher do deputado Edson Ezequiel. Em Nova Iguaçu, Nelson Bournier concorre contra a prefeita-candidata Sheila Gama, do PDT, que também recebeu uma mensagem de apoio do ex-presidente. O caso de Bournier não é tão grave, porque o deputado apoiou o tucano José Serra na sucessão presidencial em 2010.

No PMDB, ninguém tem dúvidas de que essa situação se repete por muitas cidades importantes Brasil afora. É certo que esses quatro deputados — e outros peemedebistas que estiverem na mesma situação — vão atribuir parte da culpa aos petistas, na hipótese de derrota. Se vitoriosos, voltarão a Brasília com a sensação de não dever nada à presidente e seu partido, nem mesmo uma gratidão. Ou seja, o estrago está feito antes do primeiro debate na TV, hoje à noite. Caberá a Dilma consertar essa confusão logo ali.

Por falar em logo ali…

O prefeito de Jandaia do Sul (PR), José Borba, réu do mensalão acusado de participar do esquema no tempo em que era líder do PMDB, passou a tarde nas salas da liderança do partido em Brasília ontem. Ele me contou que seu advogado, Inocêncio Mártires Coelho, não fará sustentação oral da defesa. Apenas apresentará um documento por escrito, de forma a se manter longe dos holofotes. Bem, isso significa uma hora a menos no desfile de justificativas que veremos a partir de agora. Vamos acompanhar.

Imagens e palavras - PAULA CESARINO COSTA

FOLHA DE SP - 02/08


RIO DE JANEIRO - Serão 11 estrelas na tela, mas os ministros do STF e suas capas negras pouco têm a ver com os 11 amarelinhos de Mano Menezes na busca do ouro olímpico. Exceto pelo fato de que dividirão, com outras dezenas de esportes, as atenções de TVs e rádios, portais de internet, jornais e revistas nos próximos dias numa rara disputa, de onde sairão dois retratos do Brasil.

Num mundo cada vez mais dominado pela reprodução eletrônica e imagética dos acontecimentos, há uma interessante oportunidade de resgatar o momento em que a imagem começou a questionar o poder da palavra. A exposição "Um olhar sobre 'O Cruzeiro' - as origens do fotojornalismo no Brasil", no Instituto Moreira Salles, que chega em outubro a São Paulo, é um refresco na prolixidade de togados e locutores.

Fundada em 1928, a revista foi um braço do conglomerado de mídia de Assis Chateaubriand. Na década 50, quando o país mal passava dos 50 milhões de habitantes, chegou a vender 700 mil exemplares, um número que hoje já seria espetacular.

"O Cruzeiro" seguia a cartilha da revista norte-americana "Life", que preconizava "um novo jornalismo, no qual as imagens formam o texto e as palavras ilustram as imagens".

Nas paredes do IMS, pode-se ver diferentes concepções de fotojornalismo: da beleza pouco comprometida com a veracidade de Jean Manzon à objetividade das imagens de guerra de Luciano Carneiro. A revista introduziu na mídia de massa a questão indígena, com fotos magníficas de Henri Ballot, e captou o cotidiano carioca pelas lentes de José Medeiros.

Estão lá reportagens com figuras públicas exibindo supostas virtudes cotidianas, rompendo as fronteiras entre público e privado, transformando política em espetáculo.

Na avalanche de palavras despejadas durante o julgamento no STF, vale ouro quem descobrir que imagem sobreviverá para a história.

Colarinho branco: o mistério dos honorários - VLAMIR COSTA MAGALHÃES

FOLHA DE SP - 02/08


Como réus sem renda lícita e em casos de desvio de verba pública pagam milhões a advogados? No exterior, receber honorário 'sujo' é crime, sem o esfarrapado sigilo


Crimes tipicamente praticados pela camada social mais poderosa, conhecidos como crimes de escritório ou gabinete, só passaram a ganhar atenção no início do último século.

Foi quando começou a se delinear o perfil de uma criminalidade mais sofisticada, organizada, que abusava tanto da sua influência política como do poder financeiro.

Hoje, percebe-se que a criminalidade da violência foi progressivamente sobrepujada pela criminalidade da inteligência e da sutileza, com efeitos muito mais nocivos.

Nos últimos anos, a evolução da delinquência tem preocupado a comunidade internacional. No Brasil, o constante afloramento de escândalos sobre desvios dos cofres públicos -não raro, envolvendo agentes políticos e indivíduos de vultoso patrimônio- deu importância ao tema.

Há dois reflexos recentes e importantes: o aperfeiçoamento do combate à lavagem de dinheiro (por meio da lei 12.683, de 9 de julho de 2012) e o iminente julgamento da ação penal 470 pelo STF, caso popularmente conhecido como "mensalão".

Paralelamente, vem sendo noticiado com frequência que investigados por crimes do colarinho branco têm contratado os maiores escritórios de advocacia do Brasil por valores milionários.

Genericamente falando, o que não pode ficar sem registro é a falta de perquirição sobre a origem dos recursos que custeiam a defesa de organizações criminosas e dos investigados por crimes do colarinho branco, em especial nos casos envolvendo agentes estatais, desvio de dinheiro público e réus que não possuem fonte de renda lícita.

Trata-se de dado importantíssimo para o qual a imprensa e a própria sociedade ainda não atentaram.

Diante das vigentes circunstâncias, deve-se refletir sobre o acolhimento no Brasil da chamada teoria dos honorários maculados.

Em outras palavras, cabe analisar se o pagamento de honorários com recursos de origem penalmente ilícita ou não comprovada justificaria a responsabilização do advogado e do seu cliente por crime de lavagem de dinheiro.

Em que casos a relação financeira entre advogado e cliente ainda pode ser enxergada como mero negócio entre particulares? Ela já não está impregnada, até o talo, de inegável interesse público, pertinente ao reclamo social de combate à criminalidade organizada?

O direito de defesa e de escolha do advogado abrange o de ocultar a origem (lícita ou não) dos recursos pagos como honorários? Em que exatamente a declaração do valor, origem e forma de pagamento dos honorários compromete o exercício da defesa ou da advocacia?

Fato é que, sob o genérico, impertinente e já esfarrapado manto do sigilo profissional, tais questões têm permanecido sem resposta honesta, embora o tema tenha ganho contornos cada vez mais preocupantes.

Apesar de sua importância, a teoria dos honorários maculados tem sido estranhamente ignorada no Brasil. Por outro lado, desde 2001 a Corte Constitucional da Alemanha vem declarando a validade da punição do advogado por crime de lavagem de dinheiro quando do recebimento de honorários de origem sabidamente criminosa, o que também já foi corroborado pela Suprema Corte dos EUA e pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia.

Com igual vigor, tem sido aceita em terras germânicas a tese de que a forma de pagamento, o total recebido e sua origem devem ser declarados pelo advogado perante juízo, sujeito a consequências penais.

Por fim, devo esclarecer que não defendo que tal disciplina seja transplantada, de forma simplista e acrítica, do direito estrangeiro para o cenário nacional. Penso apenas que, por tudo que temos assistido, é urgente trazer o tema à discussão.

Expurgando-se o corporativismo cego de alguns, já não se mostra aceitável a nebulosidade da relação financeira entre advogados e investigados, em especial nos crimes envolvendo agentes estatais ou grave lesão ao patrimônio público.

Enfim, é hora de desvendar o mistério sobre o custeio dos honorários advocatícios em casos de atuação de organizações criminosas e crimes do colarinho branco.

As vozes - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 02/08


No momento, não se sabe o que a voz silenciosa da opinião pública pede aos seus magistrados mais altos


É INCERTO que os julgadores do mensalão ouçam a opinião pública, como lhes recomenda Fernando Henrique Cardoso. Com tantas pressões dirigidas aos leitores, espectadores e ouvintes, em linha direta e como reflexo das pressões sobre o Supremo Tribunal Federal, no momento não se sabe o que a voz silenciosa da opinião pública pede aos seus magistrados mais altos. Mas tal incerteza está acompanhada de ao menos duas certezas.

O rendado de palavras que enfeita, em torno, a recomendação de Fernando Henrique evidencia que a opinião pública referida é a opinião do público peessedebista.

A recomendação é um apelo velado no sentido de que o Supremo Tribunal Federal não negue o seu socorro ao catatônico PSDB, nesta hora difícil dos confrontos eleitorais. Tudo por um punhado de condenações de petistas.

Outra certeza é o que diz a voz verdadeira da opinião pública. A voz quando não desafinada pelas pressões, a respeito do que deseja dos seus magistrados, ou, como prefere, da Justiça.

É a imparcialidade nos julgamentos todos. É a equanimidade entre as decisões voltadas para os desprovidos e aquelas que se dirigem aos possuidores de riqueza ou de força política. É o direito à justiça também quanto ao tempo, porque, mesmo se favorável, a decisão que tarda dez, 20, 30 anos nunca fará justiça. É o julgamento limpo do mensalão, para condenar sem maldade ou absolver com grandeza.

HISTÓRIA DE CRIMES

O aumento da lista oficial de mortos pela ditadura, de 357 para quase 1.000, traz para a história uma parte dos corpos que ficaram caídos nos canaviais, ou junto das usinas, muitos nas sedes dos sindicatos rurais e das Ligas Camponesas, tantos mais diante dos olhos da mulher e dos filhos. As primeiras semanas seguintes ao golpe de 64, no interior do Nordeste, sobretudo de Pernambuco e Paraíba, justificam esta palavra horrível: carnificina.

A revelação do novo levantamento, feita pelo repórter Lucas Ferraz na Folha, é um passo promissor para que sejam expostos os crimes de inúmeros usineiros, capatazes e jagunços. Por anos e anos, o usineiro Ney Maranhão veio a manchar o chão do Senado com os vestígios de sangue em suas sandálias, mesmo quando apenas memoriais. E Nilo Coelho, e outros ainda por lá ou por Brasília, todos protegidos pelo silêncio.

Essa história começou a ser contada, lá atrás, pelo documentarista Eduardo Coutinho, talento e alma admiráveis. A hora da Comissão da Verdade é boa para retomá-la.

UMA PESSOA

O advogado Márcio Thomaz Bastos que abandona a causa de Carlos Cachoeira é a mesma pessoa ética que assumiu a causa e a mesma anterior a assumi-la. O intervalo ético que fica em sua vida não é por ter sido breve advogado de Cachoeira, mas pela falta de ética que o agrediu então. No fundo, um imenso louvor sob a forma de agressão boçal, só produzida pelo respeito admirador enganadamente ferido.

Convém não esquecer também: se vemos, de 2003 para cá, incessantes ações da Polícia Federal contra poderosos e prestigiados envoltos em corrupção, deve-se a Márcio Thomaz Bastos. Quando ministro daJustiça, enfim acabou com a discriminação praticada pela Polícia Federal como norma.

"Sai daí rápido, Zé!" - BERNARDO MELLO FRANCO


FOLHA DE SP - 02/08


SÃO PAULO - No depoimento mais eletrizante da crise do mensalão, o ex-deputado Roberto Jefferson instou José Dirceu a pedir demissão da Casa Civil para preservar o mandato do presidente Lula. O grito abalou o Planalto: "Sai daí rápido, Zé!".

Chamado pelo chefe de "capitão do time", Dirceu era cabeça, tronco e membros do primeiro governo petista. Treinou guerrilha em Cuba, mas não conseguiu resistir mais de dois dias à metralhadora verbal de Jefferson. O petebista falou ao Congresso numa terça-feira; ele entregou a carta de renúncia na quinta.

Hoje começa o julgamento do mensalão no Supremo. O tribunal reservou cadeiras para todos os réus, mas o Zé do plenário será outro: o ministro José Antonio Dias Toffoli, ex-advogado do PT e ex-assessor de Dirceu na Casa Civil da Presidência.

Ele tem motivos de sobra para se declarar suspeito e deixar que os outros dez juízes decidam o caso. Defendeu Lula em três campanhas presidenciais pelo PT. A de 2002 teve contas pagas pelo réu Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT. Sua namorada, Roberta Rangel, foi advogada do réu Professor Luizinho, ex-deputado pelo PT. O irmão José Ticiano Dias Toffoli é prefeito e candidato à reeleição em Marília, no interior paulista. Adivinhe por que partido...

Hoje os repórteres Catia Seabra e Breno Costa dão mais um motivo para Toffoli não julgar o mensalão. Em 2006, ainda como advogado do PT, ele afirmou ao Tribunal Superior Eleitoral que as acusações "jamais ficaram comprovadas".

Como Jefferson também não estará no Supremo hoje, deve caber só ao ministro a tarefa de pedir para sair.

Declarar-se suspeito é um direito que a lei assegura ao magistrado para protegê-lo de ter a imparcialidade posta em dúvida. Uma das hipóteses previstas é a amizade com um dos acusados. Em 2007, a Folha questionou Toffoli: "O senhor é amigo de Dirceu?". Ele respondeu: "Sou".
Como se diz nos filmes de tribunal: sem mais perguntas, meritíssimo!

O cara - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 02/08

BRASÍLIA - O julgamento histórico do mensalão, que começa hoje no Supremo, vai destrinchar toda uma rede de coleta e redistribuição de dinheiro e expor 38 réus, mas o foco estará sobretudo num personagem: José Dirceu, o cérebro da grande guinada do PT rumo ao poder e agora carimbado pela Procuradoria-Geral da República como "chefe da organização criminosa". 
Dirceu é o grande personagem do julgamento, por vários motivos. Não só pelo seu papel decisivo no comando do PT e pelo cargo estratégico que ocupava no início do governo Lula -a Casa Civil- mas também pela trajetória política, desde o jovem bonito com jeitão caipira que presidia a UNE e seduzia as moças até a espetacular volta de Cuba com novo rosto, nova identidade e nova vida, capaz de conviver anos com uma mulher sem lhe contar sua própria história. 
Espera-se que o Supremo aja com a grandeza de uma suprema corte e decida com base nos autos, nas provas e nas circunstâncias políticas, e não caberia aqui ensinar pateticamente aos 11 (ou dez) ministros como julgar. Avaliando exclusivamente do ponto de vista político, ou de impacto na opinião pública, a condenação de Dirceu será, ou seria, como a cassação de Demóstenes Torres. 
A cassação de Demóstenes foi como um alívio para o Senado e interpretada como o fim da CPI do Cachoeira. A condenação de Dirceu anteciparia o fim do julgamento. Tiraria toneladas dos ombros dos ministros, de advogados e dos demais réus. Talvez menos dos políticos mais visados, mas certamente de secretárias e outros menos cotados. 
Se o julgamento começar pelos "bagrinhos" -se é que existe "bagrinho" nesse oceano-, todo o processo, todas as provas, todas as contestações terão um ritmo de tensão crescente. Se começar por Dirceu -o peixe graúdo-, será como uma novela que começa pelo fim. 
PS - Marta Suplicy gravou participação pró-Haddad para a TV. 

Dias de puro deleite e muita caipirinha - SERGIO AUGUSTO


O Estado de S.Paulo - 02/08


Tentei encontrá-lo para uma entrevista em 1974, na Itália, onde então morava, em Roma (via della Torre Argentina) e Ravello, costa amalfitana. Mas ele e seu companheiro Howard Austen estavam de férias na Califórnia. Teria de esperar mais 13 anos para enfim conversar com uma de minhas maiores admirações intelectuais (mais) e literárias (menos). Assim mesmo por telefone. Uma hora de papo: Gore Vidal de sua cobertura romana, eu de um prosaico terceiro andar no Rio. Dali a uma semana ele chegaria ao Brasil, a convite da Folha de S. Paulo, da Companhia das Letras e da Unicamp, para lançar sua coletânea de ensaios De Fato e de Ficção.

Banquei-lhe o cicerone no Rio, na última semana de março de 1987. Quatro dias e quatro noites de puro deleite intelectual, mundano, turístico e gastronômico. Realizou um sonho de infância: hospedar-se no Copacabana Palace, que em sua avó e sua mãe deixara ótimas lembranças. "Do jeito que eu gosto: confortável, espaçoso e decadente", comentou ao percorrer com os olhos a suíte (217) que lhe fora reservada.

Bom de garfo e copo, chegara havia pouco de um tour gastronômico na Tailândia, onde, todos os anos, passava um mês, com o companheiro, no Mandarin Oriental, em Bangcoc. Até uma feijoada à noite, promovida por um grupo de admiradores cariocas, ele enfrentou galhardamente. Adorava feijão, paixão cultivada desde o final dos anos 40, quando morou com Anaïs Nin, ao lado de um mosteiro em ruínas em Antigua, antiga capital da Guatemala.

À feijoada seguiu-se um programa inusitado: a festa de entrega dos Oscars. Ligado afetiva e profissionalmente ao cinema, seus olhos se iluminaram quando lhe disse que um amigo (o crítico de cinema Nelson Hoineff) nos convidara para curtir a transmissão do Oscar pela TV. O anfitrião foi avisado da ilustre visita com a devida presteza, mas seus numerosos convivas, não. O espanto foi geral.

Com caipirinha e uísque até os tampos, Gore (desculpe a intimidade) deu um show infinitamente mais inspirado que o do mestre de cerimônias da festa em Los Angeles. Pichou vários dos premiados, exaltou alguns injustiçados e abriu seu precioso baú de fofocas sobre a fauna hollywoodiana. Noitada inesquecível, que culminou com uma exibição en privé dos dotes musicais de Howard, excelente intérprete do que de melhor nos legou o cancioneiro popular americano.

Incansável, Gore vangloriava-se, com bons motivos, de seu élan vital, que me permiti apelidar de "élan vidal", prontamente aprovado e adotado. Falamos muito sobre palavras, cinema, sua fraternal amizade com Tennessee Williams, o casal Paul Newman-Joanne Woodward (seus afilhados de casamento) e o escritor italiano Italo Calvino, suas brigas legendárias (com Norman Mailer já fizera as pazes, com Truman Capote não), sua admiração pelos críticos literários Edmund Wilson e V.S. Pritchett, seu apreço por William Golding -e por aí fomos.

Por algum tempo nos correspondemos. No verso do envelope, meu apartamento era sempre transformado em "hacienda", piada privada com o filme Meu Amor Brasileiro que um dia tornarei pública.

Adorou a cidade, que lhe lembrou Hong Kong, Sydney e São Francisco. Gostou mais do Pão de Açúcar que do Cristo Redentor, que achou "kitsch"ao extremo e sugeriu que o trocássemos por uma estátua de Buda. "Traz mais sorte", explicou-se, dando como exemplo a diferença entre as economias do Japão e as dos países onde o cristianismo triunfou.

Pornografia possível - CONTARDO CALLIGARIS


FOLHA DE SP - 02/08

A fantasia sexual é objeto de negociação entre o que cada um imagina e o que ele, de fato, aguenta

"Cinquenta Tons de Cinza", o primeiro volume da trilogia de E. L. James, acaba de sair em português pela Intrínseca. Espero que os volumes restantes cheguem logo (é bom ler os três sem interrupção).

James escrevia ficções derivadas de "Crepúsculo", de Stephenie Meyer. Esse tipo de produção se tornou popular, pois muitos leitores se frustram com o fim de sua saga preferida. Eles querem viver mais um pouco no mundo para o qual a leitura os levou. No caso de "Crepúsculo", depois de reler a trilogia e rever os filmes da adaptação pela décima vez (vi isso acontecer), eles podem procurar sites nos quais os próprios fãs escrevem continuações, versões alternativas, histórias de personagens menores etc.

O que James escrevia nesses sites se tornou autônomo e erótico demais, e, em 2011, James soltou sua própria trilogia, que não deve quase nada à obra de Meyer e na qual não se trata de vampiros e lobisomens, mas de gente.

A editora foi um "print-on-demand": você encomenda um livro, eles imprimem um exemplar e mandam. Não sei se James não conseguiu encontrar uma editora disposta a distribuir sua obra normalmente, ou se ela pensou que sua prosa erótica nunca encontraria as graças de uma casa tradicional. Mas o fato é que, muito rapidamente, a obra de James se tornou um sucesso de boca a boca entre internautas. Conclusão: em abril de 2012, a Vintage Books imprimiu a série, que, em poucos meses, vendeu milhões de exemplares mundo afora.

Agradeço a E.L. James porque, ao longo de 1.500 páginas, lidas em dez dias, não perdi o prazer da leitura. Além disso, apreciar um best-seller me alegra, porque confirma que consigo gostar de coisas das quais uma boa parte de meus contemporâneos também gosta.

Não foi sempre assim. Houve uma época da minha vida em que eu desdenhava uma obra só por causa do seu sucesso e tentava nunca concordar com a massa, provavelmente para evitar a triste constatação de que eu não era muito diferente dos outros.

Claro, não quero compartilhar, a cada vez, o gosto da maioria; basta-me ser capaz de empatia, ou seja, de sentir e apreciar o que a maioria pode achar numa obra, mesmo que ela não coincida com meu ideal estético. Enfim, o que me pegou (e pegou milhões de leitores), no caso da trilogia de James?

Alguns atribuíram o sucesso de James ao seu "soft porn", ou seja, a seu erotismo explícito, mas "aceitável": James escreveria pornografia domesticada, para mães de família. Pode ser, mas é porque James (coisa rara) escreve, digamos assim, sobre a pornografia possível. Explico.

Para Christian (o protagonista de James), o sexo coincide com a prática de fantasias sadomasoquistas. Anastasia, seu par, é inexperiente e descobre sexo e fantasias com Christian. Essa desproporção e a iniciação de Anastasia, aliás, são uma fantasia em si (para ambos).

A fantasia sadomasoquista chega facilmente a paroxismos que, se fossem realizados, seriam intoleráveis. O pensamento de ser açoitado pode ser excitante para muitos, mas, na realidade, a dor só é excitante para pouquíssimas pessoas. Para Christian e Anastasia, como para a grande maioria dos casais reais, a fantasia é um objeto de negociação, não só dentro do casal (entre o que você gosta e o que eu aceito -e vice-versa), mas sobretudo no âmago do indivíduo, entre o que a fantasia de cada um imagina e o que cada um, de fato, aguenta.

Alguns acharam que a dominação sexual faria de Anastasia uma escrava. Mas, para James (e concordo com ela), a dominação no sexo é justamente o que permite que, fora do sexo, Christian e Anastasia sejam um casal de iguais, cada um cioso de sua liberdade.

Em geral, as histórias de amor seguem o modelo do conto de fadas, ou seja, narram o apaixonamento -a convivência depois disso, se fosse narrada, seria terreno para a comédia. A trilogia de James, ao contrário, é uma longa história sobre como fazer um casal funcionar, de briga em briga, de quase ruptura em quase ruptura: quanto cada um pode e deve mudar para o outro, e quanto pode e deve esperar e pedir que o outro mude?

É graças a esse longo esforço (e não por um passe de mágica) que Christian e Anastasia realizam nossa suprema fantasia cultural: a da coexistência, num casal, do amor com um jogo sexual que satisfaz uma fantasia comum.

Bom, leitores e leitoras só podiam estar a fim de aprender como isso é possível.

Nos bastidores - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 02/08

Integrantes da CPI do Caso Cachoeira desvendaram o motivo pelo qual os tucanos fazem carga sobre o governador Sérgio Cabral (RJ). Emissários do PSDB procuraram representantes do PMDB sugerindo um acordo, pelo qual Cabral não seria ouvido se o depoimento de Paulo Preto (Dersa-SP) não se realizar e o governador Marconi Perillo (PSDB-GO) não for reconvocado.

O peso eleitoral do mensalão
A oposição acredita que o PT sofrerá danos eleitorais severos em decorrência do julgamento do mensalão. Os profissionais de marketing se dividem sobre o tema. Os próprios candidatos petistas temem os efeitos negativos de eventuais condenações. Um dos ministros petistas, com larga experiência política, admite que, por causa do envolvimento de José Dirceu, José Genoino e João Paulo Cunha, terá algum efeito nas eleições no estado de São Paulo. Quanto ao resto do país, argumenta: "O escândalo é de 2005. Depois disso, o partido enfrentou três eleições (2006, 2008 e 2010) e continuou crescendo. Por que vou achar que terá tanta influência negativa agora?"

“A vitória de Tiririca é exceção. A cada eleição, há centenas de candidatos que apostam no ridículo para cativar o eleitorado”
Manual do PSDB O deputado Tiririca (PR-SP) apoia José Serra à prefeitura de São Paulo

Fora do ar
O ex-presidente do PT, que comandava o partido quando explodiu o escândalo do mensalão, e assessor do Ministério da Defesa José Genoino está de férias desde terça-feira. Réu, resolveu sair do ar durante o primeiro mês do julgamento.

Sacode a poeira
Márcio Fortes, da APO, voltou ao Brasil depois de ter sido assaltado em Londres. Os batedores de carteira levaram documentos e 250 libras, mas não seu passaporte. Ele volta a Londres. Dia 6, terá reunião para avaliar segurança e transporte nos Jogos. Dias 9 e 11, participa de seminário sobre Olimpíadas e investimentos no Brasil.

Uns são mais iguais que outros
Os servidores cedidos do Executivo para o Legislativo estão incomodados com a falta de transparência na divulgação dos salários. Reclamam que os seus foram expostos pelo governo e que os dos colegas da Congresso, não.

Fiscalização "in loco"
Semana passada, o presidente da Anac, Marcelo Guaranys, estava no Aeroporto Santos Dumont, no Rio, mas teve que ser transferido para o Galeão a fim de voltar a Brasília por falta de teto. Com as filas que se formaram no aeroporto, colocou o crachá da empresa e foi de guichê em guichê das companhias aéreas fiscalizar tempo de atendimento e de atrasos dos voos.

Haja fôlego
Servidores do Incra interditaram os elevadores da sede, ontem, em Brasília, para impedir o funcionamento do órgão. O presidente da autarquia, Carlos Guedes, não vacilou. Subiu 18 andares e foi despachar em seu gabinete.

Nunca antes na História...
Os presidentes dos partidos diziam ontem à tarde que era "inacreditável" que o TSE, faltando 20 dias para o início da propaganda eleitoral na TV e no rádio, ainda não tenha definido o tempo dos partidos. A incerteza se deve à questão do PSD.

A CPI do Cachoeira prepara surpresa para os próximos depoimentos. A nova linha será adotada na oitiva da mulher do contraventor, Andressa Mendonça.

Greves e salários no governo federal - ROBERTO MACEDO


O Estado de S.Paulo - 02/08


Prossegue a greve de várias categorias de servidores federais, mas os problemas do funcionalismo são bem mais amplos do que o revelado por esse quadro. Governos petistas incharam a folha de pagamentos contratando mais gente, até sem concurso para os tais cargos de confiança, a qual nem sempre se confirma do lado dos indicados. Conforme dados levantados pelo economista Ricardo Bergamini, no governo Lula o Executivo civil contratou mais 119.629 funcionários, ou 14.954 em média por ano. Dilma contratou mais 11.965 em 2011. E falta demonstrar o que isso trouxe de melhoria dos serviços públicos federais.

Quanto a isso, destaque-se o crônico problema das universidades federais, onde as greves são frequentes e as reivindicações de seus professores, em geral também pesquisadores, se destacam no movimento atual. Para entendê-las há uma questão que integra, nem sempre explicitamente, o contencioso entre as partes. É que o governo Lula elevou substancialmente os salários de ingresso e final de carreiras de nível superior, mas sem alcançar esses professores.

Tome-se, por exemplo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), onde o trabalho de seus pesquisadores se assemelha bastante ao de seus pares nas universidades. Nestas um professor adjunto com doutorado e em regime de dedicação exclusiva, que é a porta típica de entrada na carreira, tem o salário mensal de R$ 7.627,02 desde março deste ano. Se passar num concurso para professor titular, o último posto da carreira, seu salário será de R$ 12.225,25. No Ipea, em 2008 os pesquisadores tinham salários inicial e final de R$ 8.484,53 e R$ 11.775,69, respectivamente, números esses próximos dos atuais dos professores universitários. Contudo, em 2010, os do Ipea passaram a R$ 12.960,77 e R$ 18.478,45, respectivamente, fazendo os seus ganhos superarem em quase 50% os atuais dos professores. Creio ser isso que alimenta a reivindicação destes últimos, de terem seus salários dobrados, mas sua greve certamente acabaria se alcançassem esses salários do Ipea.

Mas há nessa história duas distorções. A primeira é que, além dos pesquisadores do Ipea, há outras categorias às quais o governo federal paga salário inicial muito acima dos observados no mercado de trabalho para profissionais de nível superior em início de carreira, configurando assim um privilégio para o qual não vejo justificativa. A segunda é que isso leva a um curto horizonte salarial nessas carreiras, o que desestimula a busca de qualificação adicional para nela progredir.

Ambas as distorções proliferaram no governo federal, ocorrendo também no Judiciário e no Legislativo, mas sempre em benefício de carreiras em que o menor número de servidores contrasta com seu enorme poder em Brasília para conseguir vantagens que os beneficiam isoladamente. Entre outros, estão os auditores da Receita Federal e os delegados da Polícia Federal, com salários iniciais entre R$ 13 mil e R$ 14 mil, e vale acrescentar que os do Ipea se aplicam ao grupo de servidores que integram, o dos chamados gestores.

Sobre a política de recursos humanos seguida pelo governo Lula, volto a mencionar estudo do economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e ex-diretor de Carreira e Remuneração do extinto Ministério de Administração. Foi publicado na revista Digesto Econômico (abril de 2010), da Associação Comercial de São Paulo, e cobre o período 1995-2009.

Entre suas conclusões, observa que houve "(...) ampliação significativa das despesas com pessoal, e também dos salários médios, principalmente no Poder Executivo. A diferença entre o salário inicial e final das carreiras foi estreitada, reduzindo incentivos para o desenvolvimento profissional. A elevação do número de servidores ocorreu (também) em áreas de suporte administrativo, tradicionalmente superdimensionadas. O grau de qualificação dos servidores é bastante elevado, e há um descompasso entre este último e o nível de escolaridade exigido para o exercício de algumas ocupações. (...) o diferencial de salários entre o setor público federal e o privado é crescente ao longo de todo o período (...), para os federais estatutários o aumento foi praticamente de 100% (...), os últimos dados demonstram que um servidor federal estatutário recebe hoje o dobro que receberia se (...) empregado do setor privado".

O que fazer? Será preciso muitíssimo mais que uma faxina para pôr em ordem a administração dos recursos humanos do governo federal. Um bom começo seria reestruturar várias carreiras, com salários iniciais menores para novos ingressantes e exigência de qualificações adicionais para progresso nelas. Temo que isso possa esbarrar em obstáculos jurídicos, o que revela o tamanho da herança maldita deixada por um governo que administrou o assunto de forma irresponsável, e em desrespeito aos contribuintes, que pagam toda a conta desses exageros.

E os problemas não estão apenas no Executivo. Pesquisando na internet, vi referências a um concurso para consultor legislativo do Senado, com salário inicial de R$ 23.826,57, e para juiz do Trabalho substituto, em que esse valor é de R$ 21.766,15. E há também os crônicos problemas das elevadas remunerações e mordomias dos parlamentares, o do desrespeito aos tetos salariais "constitucionais", e por aí afora.

A revista The Economist, na edição de 16/6, em matéria intitulada Envergonhando os 'invergonháveis' (Shaming the unshameable), afirmou que, nessa questão dos salários do governo em geral, os contribuintes brasileiros estão sendo roubados. E que com a nova Lei de Acesso à Informação isso está ficando mais claro.

Em jogo, o amanhã - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 02/08


Sete anos e duas eleições presidenciais depois, ambas vencidas pelo partido ora posto na berlinda, o Supremo Tribunal Federal começa hoje a julgar um caso inusitado.

Não só pelo já amplamente citado número inédito de réus envolvidos no processo e pelas sobejamente conhecidas gravidade e extensão da denúncia. Em xeque estará o modelo de gestão de alianças governamentais em vigor.

Independentemente do resultado, da quantidade de absolvições ou condenações e, neste caso, da qualidade das penas, o debate que o Brasil assistirá ao longo do mês de agosto, quiçá até os idos de setembro, servirá de baliza para o futuro.

Depois disso o País não será o mesmo. Se ficará pior ou se vai melhorar é o Supremo quem dirá. A depender do que digam os ministros nesse período crucial, será facilitado ou dificultado o exercício da prevaricação impune entre nós.

Junto com o destino dos réus estará em julgamento um padrão de comportamento que, sob a denominação de "preservação da governabilidade", deu margem à institucionalização da promiscuidade na relação entre os Poderes Legislativo e Executivo.

O PT não inventou o molde, mas surpreendeu ao transitar do discurso de combate aguerrido, quando na oposição, para a prática de uma versão aprofundada, ousada e desassombrada assim que se viu na posse do poder central.

Não é juízo, é evidência. A respeito da qual fala a denúncia a ser comprovada sob a ótica estrita da lei.

O que não depende de provas, entretanto, é exposto cotidiana e constantemente nos termos do contrato de coalizão partidária de escambo de vantagens, matriz do escândalo e, sobretudo, da maneira escandalosa de se governar no Brasil.

Cálculo. A menos que queiram correr o risco de irritar o eleitor e politizar no mau sentido o julgamento no Supremo, os candidatos adversários do PT que se encontram hoje à noite na TV Bandeirantes não deverão levar o assunto ao debate.

Além de antipática, a iniciativa se levada a termo contrariaria o discurso de que a prioridade de postulantes a prefeituras é a discussão dos problemas da cidade.

Há outros fatores que aconselham distância do assunto, ao menos por ora.

Entre eles estão o respeito ao rito do STF que terá apenas se iniciado poucas horas antes e o fato de quase todos os partidos estarem de algum modo envolvidos (o PSDB sempre poderá ouvir referências ao chamado mensalão mineiro). Sem desprezar a hipótese de o eleitor interpretar que o PT tem razão quando se diz vítima de um processo artificialmente inflado por questões político-partidárias.

Mais adiante quando o julgamento já estiver avançado, apontando em alguma direção, pode ser inevitável a entrada no julgamento na cena eleitoral, mas por enquanto é contraproducente do ponto de vista do ataque ao PT.

Antecedente. Primo de Fernando Collor de Mello, o ministro Marco Aurélio Mello declarou-se impedido, em 1994, de votar no julgamento do processo por corrupção do qual o ex-presidente sairia absolvido por falta de provas.

Com base em muito mais o ministro Dias Toffoli decidirá se participa ou não do julgamento do mensalão.

Apreensão. Até a semana passada os contratos da empreiteira Delta com os governos de Goiás, Distrito Federal e Tocantins ainda não tinham chegado à CPI do Cachoeira.

O relator Odair Cunha cogitava a possibilidade de não esperar mais e pedir à Polícia Federal que vá buscar os documentos.

Segundo ele, confrontados os contratos com os áudios das conversas entre integrantes da quadrilha, os repasses da Delta para empresas fantasmas e os saques feitos pelo contador do bicheiro, a CPI terá fechado o organograma de funcionamento do esquema de desvios.

Dúvida saudável - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 02/08


Sete anos depois que os fatos foram denunciados e cinco depois de o processo ter começado, tem início hoje no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento da Ação Penal 470, conhecida popularmente como mensalão. Isso, por si só, é de importância crucial para o fortalecimento da democracia brasileira.

Num país em que, de maneira geral, políticos não vão sequer a julgamento, 38 réus ligados direta ou indiretamente ao governo que está no poder serão julgados pela última instância do Poder Judiciário.

Há outro detalhe fundamental no julgamento de hoje: a cidadania festeja o fato de que ninguém sabe o resultado que sairá da cabeça dos juízes, e a constatação, corriqueira em um país com as instituições democráticas amadurecidas, é significativa no Brasil e na América Latina de nossos dias.

Uma corte formada por nada menos do que oito dos 11 titulares nomeados por um mesmo partido político que continua no poder - seis por Lula e dois por Dilma - vai a um julgamento dessa importância sem que o resultado esteja previamente definido pela submissão política de seus membros.

Esta é uma demonstração definitiva de que não somos como outros países da América Latina cujos governantes, através de manobras políticas ou administrativas, conseguem controlar o Judiciário, colocando-o sob o domínio do Executivo. Com o detalhe de que o PT, que está no poder até pelo menos 2014, perfazendo 12 anos de presidência, é o mesmo que está sendo julgado pelo Supremo.

Pode-se especular sobre a tendência deste ou daquele ministro que deu margem a que se infiram suas decisões, como o ministro revisor Ricardo Lewandowski, que disse que seu voto será "um contraponto" ao do relator, Joaquim Barbosa. Este mostrou-se surpreso, alegando que ninguém conhecia seu voto. Mas é possível deduzir que, assim como encaminhou relatório no sentido de que havia indícios para que os réus fossem investigados, Barbosa tenderá para a condenação.

Sobre o voto do ministro Dias Toffoli se tem boa probabilidade de acertar, se ele, como tudo indica, não se considerar impedido de atuar no julgamento. Sua longa convivência com os petistas, para quem trabalhou fora e dentro do governo, se não o impede de julgar o mensalão, dá pista sobre seu posicionamento. Ainda mais sabendo que Lula o pressiona para que atue.

Os demais são incógnitas, até mesmo o ministro Gilmar Mendes, alvo de ataques dos governistas e do assédio de Lula, que o procurou para tentar cooptá-lo para a tese de adiamento do julgamento para depois das eleições. A denúncia de Gilmar de que teria sido ameaçado por Lula provocou uma disputa política que dominou o noticiário por dias e pode ter deixado sequelas irreparáveis.

Diz-se que o principal dos réus, o ex-ministro José Dirceu, lamentou os ataques a Mendes por parte do PT, alegando que o ministro tinha histórico de votação na linha legalista, que leva em consideração mais as questões técnicas. Desse ponto de vista, Mendes não seria voto certo para a condenação.

O Supremo, diz-se, não é um colegiado, e cada ministro vota de acordo com seu pensamento individual. Mas há tendências e certos alinhamentos de posição. Neste julgamento histórico, cada ministro, em sua "ilha decisória", estará pensando no futuro da instituição e na responsabilidade que têm de manter sua credibilidade.

O resultado do julgamento pode significar o começo do fim de uma política partidária corrompida há muitos anos. O PT não inventou a corrupção, mas elevou-a a um grau de sofisticação tal que colocou em risco a democracia quando transformou o esquema criminoso em política de governo. Outros mensalões, como o do DEM de Brasília ou o do PSDB mineiro, devem entrar na fila do julgamento, e o Supremo tem nas mãos o instrumento perfeito para reformar os (maus) costumes da política brasileira.

Sem rumo no Mercosul - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 02/08


Celebrada pelo governo brasileiro como uma "nova etapa" do bloco comercial, a precipitada incorporação da Venezuela ao Mercosul, concretizada anteontem, seguiu a lógica estreita da afinidade ideológica e das políticas erráticas que têm impedido o aprofundamento da integração comercial sul-americana.

Foi excessiva a determinação do bloco de suspender o Paraguai após o impeachment do presidente Fernando Lugo. A exclusão dos paraguaios, que resistiam ao acordo com Hugo Chávez, abriu caminho para a Venezuela.

Ao rigor contra os excessos do Congresso paraguaio -que seguiu a Constituição, mas cerceou o direito de defesa de Lugo- se contrapõe agora à leniência com as iniciativas autoritárias de Chávez.

É compreensível o interesse do Brasil em aprofundar o comércio com o vizinho ao norte. A economia venezuelana representa mais de quatro vezes o produto anual conjunto de Paraguai e Uruguai. Assim como a Argentina, a Venezuela é um importante mercado para manufaturados brasileiros.

Olhar apenas para o tamanho da economia, porém, resulta num argumento míope. Um bloco comercial deve incentivar negócios entre os países membros, com respeito às regras acordadas, supressão de barreiras e tarifa externa comum.

A prática política no grupo aponta na direção inversa: desrespeito às normas e exceções numerosas, que dificultam o cálculo de longo prazo por agentes econômicos.

Empresários de toda parte tomam a previsibilidade como condição necessária para o investimento. É tudo o que os governos do Mercosul não lhes têm oferecido.

Nos últimos meses, a Argentina aprofundou a relação oportunista que sempre manteve com o bloco, com a criação de novas barreiras comerciais. O intercâmbio com o Brasil tem crescido ao longo dos anos, é bem verdade. Mas, desde 2004, as trocas com o vizinho do sul cresceram na mesma marcha das realizadas com o restante do mundo (excluída a China).

Era de esperar que o Mercosul tivesse feito o comércio crescer a um ritmo maior do que o realizado com países com que o Brasil não realiza tal esforço de integração.

Seria ingênuo a presidente Dilma Rousseff esperar de Chávez, cada vez mais confundido com o Estado venezuelano, comportamento menos inconfiável que o voluntarismo de Cristina Kirchner. Com eles, o Mercosul seguirá patinando.

CPI Urgente! A Loira da Cachoeira! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 02/08

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Manchetes Olímpicas! "Adriana Ferrão eliminada na pistola." Ou seja, tem ferrão, mas é ruim de pistola! "Pato pede para Ganso ter paciência." QUAK! Isso é futebol ou filme da Disney em que os bichos falam? E "alarme de incêndio dispara no hotel da seleção". O Neymar esqueceu a chapinha ligada!

Adorei o comentarista da SporTV: "Fica com a gente. Dá uma atrasadinha no trabalho". Adorei o conselho! E Brasil x Nova Zelândia? Ganhamos por WO!

Tô adorando a mulher do Cachoeira! Primeiro teve visita íntima com o Cachoeira de cinco minutos. Só deu pra fazer um miojo. "Meu amor, o que vamos fazer em cinco minutos?" "Um miojo." Rarará! Agora tá na bica de ser presa!

E a charge do Pelicano com o agente policial: "Desculpe madame, mas não temos algema Prada nem Vuitton". Então usa algema de sex shop! Aquelas de pelucinha. Ou de oncinha! E a CPI já ganha um personagem: A Loira da Cachoeira!

E a Taça Libertadores que quebrou no Corinthians? Passou por tantas mãos e foi quebrar justo no Corinthians? Sumiu o bonequinho! Sumiu nada, o bonequinho foi recolhido à Fundação Casa. Rarará! Ou então tentou o suicídio. Num guentou!

O site "Futirinhas" tem novas versões: "Onde foi parar o bonequinho da Libertadores?". 1) Virou enfeite de algum Chevete na zona leste de São Paulo! 2) Virou pingente de algum mano! 3) Morreu de desgosto. Rarará!

E a piada pronta: "Taça que quebrou com o Corinthians é réplica. A original está no Paraguai". Rarará! Essa não dá nem pra parar pra respirar. Rarará! É mole? É mole, mas sobe!

Ereções 2012! A Galera Medonha! A Turma da Tarja Preta! Olha essa dupla: " Juntos por Alumínio! Bengala e Bimbão". Rarará! Esses têm que ser filiados imediatamente ao PGN, ao meu Partido da Genitália Nacional. E outra dupla direto de Indiaporã: "Para prefeito, Fernando Boi. Vice Meio Quilo". Abriram o açougue! E se acabar o Boi entra o Meio Quilo. O cara tem um boi e oferece meio quilo? Rarará!

Direto de Itaquaquecetuba: Professora Felicidade. Deve ser a única professora que tá feliz! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Devagar, quase parando - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 02/08


Mais uma vez, o IBGE revela o desempenho decepcionante da indústria nacional e, novamente, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, avisa que falta pouco para a indústria e toda a economia virar esse jogo perdedor.

Em junho, a produção física da indústria cresceu somente 0,2% em relação à de maio. Comparada com a de junho de 2011, foi 5,5% mais baixa. Nos seis primeiros meses deste ano, recuou 3,8% e, no período de 12 meses terminado em junho, também perdeu 2,3%.

Essa fraqueza operacional do setor industrial não tem nada a ver com falta de demanda. O consumo interno vai crescendo entre 5,0% e 6,0% neste ano. A indústria não consegue dar conta nem do mercado interno e vai sendo quase uma nulidade no mercado externo.

O problema de fundo, todos sabemos qual é: perda crescente de competitividade. O chamado custo Brasil tem avançado e a indústria brasileira vai ficando para trás.

O governo tem respondido a essa ineficiência com ainda mais ineficiência. Vai distribuindo pacotinhos de ação temporária, que inapropriadamente chama de políticas anticíclicas. Não passam de favores tributários com data marcada para acabar, caso também dessa redução de IPI para o segmento automotivo.

As distorções criadas com esses expedientes casuístas são enormes. Eles não criam mercado nem interno nem externo; apenas antecipam vendas internas. Isso significa que o faturamento que ocorreria mais à frente não sairá mais. Eles inibem investimentos não só porque a indústria fica à espera de nova edição de favores, mas também porque essas políticas voluntaristas, altamente dependentes da disposição da autoridade no comando a colocá-las em prática, deterioram o ambiente de estabilidade e de regras estáveis para os negócios.

Diante da nova planilha de números negativos divulgada ontem, o ministro Guido Mantega se sentiu na obrigação de levantar o moral dos empresários com as afirmações que vem repetindo há meses, de que o pior já passou e que vem aí uma virada. Tomara que, desta vez, esteja certo. Mas, por enquanto, esse otimismo não se confirma. E, mesmo que se confirme, não há como garantir que seja sustentável.

O governo avisa que está tomando providências para reduzir tarifas de energia elétrica. É esse o tipo de ação que vai na direção certa, na medida em que contribui para a redução dos custos de produção e para o aumento da competitividade. O problema é que essa redução vai se limitar a 10%, insuficiente para tirar o quilowatt-hora distribuído no Brasil da posição de um dos mais caros do mundo.

Mas os industriais brasileiros nem sempre colaboram para resgatar a indústria. Como ainda ontem afirmou o ex-ministro do Desenvolvimento Miguel Jorge, os dirigentes da indústria brasileira adoram proteção e "zona de conforto". Acostumados à moleza das reservas de mercado, conformam-se com o impraticável custo Brasil e, em vez de batalhar por reformas, vão aceitando cala-bocas de efeito temporário e perversos a longo prazo. Por exemplo, impostos sobre o faturamento que abrem caminho para outras distorções, como a múltipla tributação.

Dilma no escuro - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 02/08


Que a presidente Dilma Rousseff foi pega de surpresa com a destituição de Fernando Lugo da presidência paraguaia, em 22 de junho, todos já sabiam. Afinal, só isso explica, por exemplo, a açodada decisão de enviar uma comitiva diplomática ao Paraguai para, noves fora a retórica legalista, intimidar os parlamentares daquele país e questionar suas decisões soberanas. Mas agora, como mostra reportagem do Estado (30/7), o País começa a inteirar-se dos motivos do vexame: o serviço de inteligência e diplomatas brasileiros até produziram relatórios sobre o recrudescimento da crise e da crescente possibilidade de impeachment de Lugo, mas, segundo assessores de Dilma, esses documentos não foram encaminhados à presidente.

O roteiro desse desastre de comunicação pode ser traçado a partir de 15 de junho, quando um confronto por desocupação de terras na cidade paraguaia de Curuguaty resultou na morte de 11 sem-terra e 6 policiais. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) produziu nesse mesmo dia um relatório sobre o caso, mostrando que a crise poderia resultar até no impeachment de Lugo - o presidente do Paraguai, um país em que a questão agrária é especialmente delicada, foi acusado pela oposição de ter sido responsável pelo conflito. Esse documento não foi adicionado às sínteses que são entregues diariamente a Dilma. Ela viajou ao México dois dias depois, para a reunião do G-20, e nenhum de seus auxiliares a procurou para falar sobre a crise paraguaia.

No dia 20 de junho, antevéspera do impeachment, a Abin produziu outro relatório, mostrando que o processo para o afastamento de Lugo seria mesmo aberto e que ele havia perdido todo o apoio que tinha no Congresso. Também esse documento não foi encaminhado a Dilma. O texto, assim como os demais, pousara na mesa do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general José Elito, responsável por repassá-lo à presidente. Elito costuma resumir ou mesmo nem sequer passar adiante os relatórios que considera irrelevantes, e parece que foi isso o que ele fez com os documentos que teriam alertado Dilma para a escalada violenta e irresistível da crise no Paraguai.

O Itamaraty e o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, também não fizeram muito melhor. O embaixador do Brasil em Assunção, Eduardo dos Santos, relatou por telefone a Garcia, em várias oportunidades, o que estava presenciando. O assessor recebeu ainda diversos relatórios do Itamaraty apontando para o agravamento do quadro, mas Garcia, aparentemente, não conversou com Dilma sobre o assunto, embora estivesse com ela no México.

Os assessores do Planalto acreditam que tanto Elito quanto Garcia subestimaram as informações sobre o Paraguai porque o pedido de impeachment contra Lugo seria o 24.º de uma longa lista de tentativas da oposição de destituir o presidente; logo, segundo esse raciocínio, não daria em nada. Mas a situação de Lugo havia mudado drasticamente, sem que os auxiliares de Dilma responsáveis por informá-la a respeito tivessem se dado conta. O apoio político ao presidente paraguaio, que já era mínimo, foi pulverizado da noite para o dia quando ele trocou o comando do Ministério do Interior, como reação ao conflito de Curuguaty, e desagradou a única legenda que ainda o sustentava, o Partido Liberal Radical Autêntico. Tudo isso foi documentado pelo Itamaraty e pela Abin, mas Dilma não soube.

Esse exemplo de inépcia escancara ao menos dois problemas. O primeiro é que o estilo centralizador de Dilma parece constranger alguns de seus auxiliares a não "incomodá-la" com assuntos que ela possa vir a considerar irrelevantes, causando uma de suas já famosas reações intempestivas.

O segundo problema, muito mais grave, é que a presidente pode estar no escuro não só em relação ao Paraguai, mas a muitos outros temas cruciais, graças a erros internos de comunicação. Assim, ela estaria exposta à possibilidade de ter de tomar decisões importantes sem ter todas as informações necessárias para isso - quer porque elas estão mal-ajambradas, quer porque elas simplesmente foram engavetadas por algum funcionário receoso do temperamento da presidente.

O melhor e o pior de Chávez - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 02/08


É bom ter a Venezuela no Mercosul, não é bom que tenha sido desta forma. Quebrou-se o princípio da unanimidade; um dos sócios foi afastado; e houve o uso de dois pesos e duas medidas. A diplomacia terá que curar as feridas abertas por este episódio. Estudiosos ouvidos na Venezuela mostram que na era de Hugo Chávez o país acumulou inflação de 1.374% e a violência subiu .

Chávez está há treze anos no poder e lidera as pesquisas para se reeleger. Eleições regulares são indispensáveis, mas não são suficientes para um país ser democrático. O economista Pedro Palma e o analista político José Vicente Carrasquero disseram o que é o melhor e o pior da era Chávez, que começou em 1999 .

Palma diz que a inflação no país é uma das mais altas do mundo na atualidade. Desde que Chávez assumiu, o acumulado dá 1.374,10%, o que dá uma taxa média anual de 22%. Ele usou o índice de preços ao consumidor da área metropolitana de Caracas, do Banco Central da Venezuela .

Na lista de Palma há mais itens negativos. Ele diz que o presidente causou insegurança no país, porque a violência aumentou. Listou ainda a "destruição da estrutura produtiva, o desincentivo ao investimento privado, as expropriações ilegais de empresas privadas, o populismo e o estabelecimento de um regime ditatorial" .

- As eleições são manipuladas de forma descarada. Não é um governo democrático, porque desrespeita os direitos dos cidadãos, viola permanentemente a Constituição e as leis. Ele sequestrou os poderes do Estado, que hoje atuam segundo a vontade do presidente - disse Palma .

Na lista boa, Palma admite que houve "a criação de uma consciência social na liderança política". Carrasquero concorda com Palma, e diz que a chegada de Chávez ao poder elevou o interesse pela política entre os venezuelanos. Ele diz que a adoção de programas na área da educação e saúde deram às pessoas a "sensação da inclusão".

Na lista das piores coisas, Carrasquero inclui a exploração da divisão política com uma linguagem bélica, com altos custos sociais e institucionais. Isso provocou a perda de alguns valores fundamentais da democracia, como o respeito às diferenças, a tolerância e o diálogo para a solução conjunta dos problemas .

Outro ponto negativo, segundo Carrasquero, foi o aumento da violência. A ONG Observatório Venezuelano de Violência passou para a coluna os seguintes dados: quando Chávez assumiu, o número de homicídios era de 20 por 100 mil habitantes. Agora é de 67. Em Caracas, o número é 122 e pode fechar o ano em 148. Em 2011, foram assassinadas 19.336 pessoas, uma média de 53 mortes por dia .

Esse dado trágico convive com um indicador excelente de redução de quase 20 pontos percentuais no total de pobres do país, saindo de 53,9% para 31,9%. Em parte, isso é feito através de políticas sociais que não mudaram a raiz do problema .

As pesquisas de intenção de voto da Datanálisis mostram Chávez com 15 pontos percentuais na frente de Henrique Capriles, o candidato da oposição. Mas há 23% de indecisos. A maior chance é de mais uma reeleição.

Esse é o país que entra agora no Mercosul. Com vários flagrantes de desrespeito aos princípios democráticos; o mesmo problema do qual se acusa o Paraguai. Do ponto de vista econômico, a Venezuela é muito dependente do petróleo e é grande importadora do que não tem conseguido produzir. O Brasil exportou R$ 4,5 bi e teve saldo positivo de R$ 3,3 bi com os venezuelanos em 2011. Os analistas dizem que os venezuelanos estão mais preocupados com seus problemas e não com o Mercosul .

NA INTIMIDADE - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 02/08

A cantora Preta Gil é capa da revista "RG". Ela diz que se arrepende de ter revelado ser bissexual. "As pessoas não estão preparadas pro honesto, pro sincero, poderia ter deixado isso no âmbito da minha intimidade", afirma.

FORNO E FOGÃO
As pressões para que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) José Antonio Dias Toffoli não vote no caso do mensalão vêm também de seu círculo de amigos e até de sua namorada, a advogada Roberta Rangel. A possibilidade maior, até ontem, era a de que ele participasse do julgamento.

EM CASA
Os amigos e a namorada de Dias Toffoli estão incomodados e preocupados com a exposição do ministro às críticas que, em alguns momentos, resvalaram em sua vida pessoal.

EM CASA 2
O ministro tem sido pressionado a não participar do julgamento por ter trabalhado com José Dirceu na Casa Civil no governo Lula e por Roberta Rangel já ter advogado para um dos réus.

Os que defendem que ele vote argumentam que outros magistrados da corte também tiveram fortes ligações partidárias no passado.

A JATO
Alguns dos principais advogados do mensalão se juntaram para alugar um jato particular e viajar ontem de São Paulo a Brasília.

Embarcaram Márcio Thomaz Bastos, José Carlos Dias, Arnaldo Malheiros Filho e Celso Vilardi. "Brincamos que, se o avião caísse, diriam que foi uma manobra para adiar o julgamento", afirmou um deles à coluna.

NO ESPELHO
Enquanto Thomaz Bastos treina a defesa que fará de seu cliente no chuveiro, José Luis Oliveira Lima, advogado do ex-ministro José Dirceu, repete a sua fala em voz alta, no escritório e em casa. Consegue concluir em uma hora e cinco minutos. Quer reduzir o tempo para 50 minutos.

EMPATE
Nem os advogados com mais experiência em sessões no STF têm conseguido arriscar um placar no julgamento. Boa parte acha que serão 6 votos contra 5 no caso de José Dirceu. Só não sabem se serão meia dúzia de votos contra ou a favor. A incógnita maior é a ministra Cármen Lúcia.

ESPORTE
Um dos ministros do STF que já tem pronto parte de seu voto no mensalão tem deixado a TV ligada direto na Record. Só vê a Olimpíada e evita assistir aos telejornais da Globo, que têm dado ampla cobertura ao julgamento. Também evita ler reportagens sobre o caso. Quer se concentrar nas informações do caso contidas nos autos.

AMIGO OBAMA
Hugo Chávez divertiu Dilma Rousseff imitando o presidente americano Barack Obama no jantar dos líderes do Mercosul que ela ofereceu no Palácio da Alvorada.

NA LINHA
E Chávez ligou para o ex-presidente Lula ontem. Agradeceu o apoio dele para a entrada da Venezuela no Mercosul. "Estou vestindo a camisa e a gravata [azul] que você me mandou de presente", afirmou. Antes de desligar, Chávez pediu aos assessores uma salva de palmas para que o petista ouvisse do outro lado da linha.

LANÇANDO MODA
O estilista Lorenzo Merlino lançou anteontem coleção que preparou para a Riachuelo, com coquetel na Cartel 011, nos Jardins. Estavam lá a apresentadora Mariana Weickert, a estilista Marcia Atala e a designer de joias Mariana Vital Brazil.

DESIGN À MESA
A designer Jacqueline Terpins abriu anteontem mostra na Firma Casa, em Pinheiros. A empresária Sonia Diniz estava na exposição, que tem curadoria de Waldick Jatobá.

CURTO-CIRCUITO

As blogueiras americanas Aimee Song, Kelly Frame, Jane Aldridge e Shea Marie vêm ao Brasil na próxima semana à convite Schutz.

O Instituto Emílio Ribas realiza o Simpósio de Infectologia em Evidência. A abertura é amanhã, às 9h.

com ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, LÍGIA MESQUITA e OLÍVIA FLORÊNCIA

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 02/08


Indústria troca estrada por transporte aéreo

O aumento do roubo de carga no país e a deterioração da malha rodoviária elevaram a busca de empresas por transporte aéreo.

A alta de 25% nos assaltos no primeiro semestre deste ano ante igual período de 2011 se concentra entre o Rio e São Paulo, segundo Autair Iuga, do Sesvesp, que reúne companhias de escolta.

As principais ocorrências são registradas em um raio de 150 km das capitais.

"A região de Campinas é um ponto crítico, devido ao volume de eletrônicos transportados. Em todo o país estimamos perda de mais de R$ 800 milhões por ano", diz.

Apesar do custo mais elevado, cresce na indústria farmacêutica o uso de aviões para transporte de carga.

"A segurança e o prazo compensam", diz Nelson Mussolini, do Sindusfarma.

"Os armazéns aeroportuários têm condição melhor. Evitam variação de temperatura pelo tempo rodando."

O uso de cabotagem ainda é baixo entre as cargas gerais. O granel líquido e o sólido representam mais de 90% do que se transporta pelo modal, segundo João Araujo, do Ilos (instituto de logística).

"Há ainda amarras burocráticas e de infraestrutura a serem superadas."

No setor de cosméticos e higiene pessoal, o transporte aéreo é utilizado em ocasiões emergenciais, diz o presidente da Abihpec (associação do setor), João Carlos Basilio.

CIDADE PLANEJADA

A Vallor Urbano construirá, a partir do final deste mês, um bairro planejado em uma área de 750 mil metros quadrados em Piracicaba (SP).

O projeto, que receberá investimento de R$ 50 milhões e será lançado em outubro, terá 875 lotes residenciais, escola, supermercado e cerca de 40 unidades comerciais.

"As obras serão divididas em três etapas e tudo deverá ficar pronto em até três anos", diz o fundador da companhia, Sérgio Guimarães Pereira Júnior.

O empreendimento, que demorou quatro anos para ser aprovado, será realizado em parceria com a JLJ, importadora da Chery Motors E responsável pela empresa de refeições coletivas Nutriplus.

Até o primeiro semestre de 2013, a Vallor Urbano lançará projetos em Mato Grosso, Pará, Maranhão e Ceará, que totalizarão cerca de R$ 1 bilhão em VGV (Valor Geral de Vendas), segundo Pereira Júnior.

Os principais concorrentes da companhia no país são Alphaville Urbanismo e Scopel Desenvolvimento Urbano.

INDÚSTRIA DE LIVROS

O Sesi-SP e o Senai-SP lançarão editoras próprias na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que acontece neste mês.

O foco dos selos serão obras de referência técnica, educacional, cultural e esportiva, feitas com base nos programas das entidades.

"Os livros servirão de apoio ao ensino e à especialização tecnológica. A ideia é difundir conteúdos de forma simples e contribuir para a formação das pessoas", diz Paulo Skaf, presidente do Sesi-SP e do Senai-SP.

Os primeiros 50 títulos terão aporte de R$ 2 milhões e versão eletrônica. As editoras atuarão na produção de revistas e tradução de obras internacionais.

RESQUÍCIOS DA GREVE

A greve dos caminhoneiros, encerrada na noite de terça-feira, fez com que a catarinense Aurora Alimentos deixasse de abater, pelo menos, 50 mil aves e de produzir 600 toneladas de alimentos.

A empresa ainda não calculou o prejuízo, mas, na terça-feira, duas unidades foram paralisadas totalmente e outras duas, parcialmente. Não havia matéria-prima nem espaço nos estoques.

Ontem, um abatedouro produziu metade da média diária por não ter funcionários. No dia anterior, 3.000 deles haviam sido dispensados.

A também catarinense Tirol, que industrializa leite, estava com 50% da produção de uma de suas plantas parada na terça-feira. Nesse dia, 1 milhão de litros de leite não havia chegado à unidade fabril.

NORDESTE EXPRESSO

A DHL Express, de logística expressa, abre duas filiais no Nordeste neste semestre. Uma nova unidade em Salvador atenderá também cidades como Lauro de Freitas e Camaçari.

Em Recife, a região metropolitana foi o foco.

"A decisão veio após solicitação de clientes. São empresas brasileiras expandindo seus negócios no mundo", diz Joakim Thrane, presidente da empresa.

A empresa já havia inaugurado no ano passado uma unidade em Manaus.

Subsedes... O governo paulista vai ampliar o valor destinado ao financiamento de projetos relacionados à Copa nas cidades do Estado que serão subsedes.

...da Copa A linha de financiamento da agência de fomento Desenvolve SP para a construção de hotéis e centros esportivos passa de R$ 150 milhões para R$ 300 milhões.

Inércia lá fora irrita e cansa - ALBERTO TAMER


O Estado de S.Paulo - 02/08


Enquanto as atenções se voltam para a Olimpíada, para ver quem corre mais, nada mais ou pula mais, aprimorando, assim, a "humanidade" - não sei por que não há competição de xadrez para jovens inteligentes - os bancos centrais dos Estados Unidos e da Europa esquentam os músculos. A economia mundial desacelera, ressurgem os riscos de recessão e deflação, o desemprego só aumenta, mas Ben Bernanke não se decide ainda sobre que fazer. O Fed reuniu-se ontem e disse de novo, como há meses, que está atento para agir - mas ainda vai esperar quando setembro vier.

O Banco Central Europeu reúne-se hoje, sob o tom de ameaça do seu presidente, que agora vai agir e tem força para tanto. Pode reduzir o juros, dar mais financiamento para os bancos, comprar títulos da Espanha, da Itália, mas enfrenta a oposição da Alemanha. É um voto só, mas pesa muito.

Também aqui a situação se deteriora e o FMI alerta para a depressão em alguns países do bloco que pode contaminar os outros. Bernanke já admitiu que a crise que já dura três anos está afetando a economia americana, mas hesita ainda em emitir mais dólares para compra de títulos do Tesouro, mesmo com a inflação sob controle.

Sem inflação. Ela só aumenta se os preços do petróleo registrarem uma grande alta, o que não ocorreu até agora, apesar do bloqueio das exportações do Irã - o país dos Aiatolás enfurecidos que querem construir sua bomba atômica para arrasar Israel e realizar o sonho de Hitler, de destruir o povo judeu.

Há reservas nos países consumidores, os Estados Unidos e a China, e acima de tudo a Arábia Saudita, que não só ajuda contra a luta do terrorismo islâmico - ainda outro dia um seu agente disfarçado forjou a explosão de um avião de passageiros americano -, mas está aumentando sua produção.

Exageros? O tom da coluna pode parecer estranho, exagerado, mas ele reflete o clima de inação dos países que representam mais de 60% do PIB mundial, Estados Unidos, União Europeia, Japão. Os "músculos" do cérebro cansam ao ver tantos atletas correrem, pularem e ninguém lá fora fazer alguma coisa para evitar que o desemprego aumente, a economia afunde ainda mais. O Nobel de Economia, Paul Krugman, está de novo certo. Vamos acordar pessoal, vamos emitir dólares, euros, ienes, reduzir os juros, facilitar o crédito, aceitar mais inflação para, diz ele, acabar de vez com essa história.

Mas eles devem ter informações de que os outros não dispõem, sabem o que estão fazendo, pode-se argumentar. Pode ser, mas a informação básica, inelutável, está aí: a economia mundial mal saiu da recessão, recua e precisa de todos, absolutamente todos, os estímulos para evitar uma recaída, que já se inicia. Monetário, juros, financeiros, injeção de liquidez, fiscais mais gastos, mais investimentos em obras que, não prioritárias, poderiam ser adiáveis, mas devem ser construídas agora.

Um bom exemplo está aí, na China, que mesmo crescendo a 7,6%, mais que o dobro do PIB mundial, está iniciando um ousado plano de estímulo ao mercado interno, onde nada menos que 690 milhões de pessoas vivem no campo e migram para as cidades.

E o que se vê? Pouco. Ou melhor, nada. Parece que os bancos centrais lá fora têm metas indefinidas e contraditórias. Na zona do euro, é vigiar a inflação, nos Estados Unidos é isso, sim, mas também estimular o crescimento.

O que está havendo é um processo predatório de autoalimentação de mais desemprego, menos demanda, menos investimento, menos produção e menos crescimento.

E viva nós. Nesse cenário em que, apesar dos crescentes alertas do FMI, da OCDE, dos Prêmios Nobel de economia, não se faz nada lá fora como se tudo estivesse caminhando às mil maravilhas, o Brasil destoa para melhor. Está reduzindo os juros, aumentando credito, estimulando a demanda interna, tentando aumentar os investimentos numa tarefa árdua porque o setor privado não reage e a máquina estatal emperra. Mas pelo menos se caminha, se faz alguma coisa além da irritante e inquietante inércia que se vê nos Estados Unidos na Europa e no Japão.

E vivam os músculos... Enquanto isso, vamos nos conformar em assistir ao festival de músculos da Olimpíada e ver quem corre mais, pula mais, salta mais, nada mais. Desculpem, leitores, o desabafo, mas vocês também não estão "cansados" de tanta inércia lá fora que está ameaçando a gente no Brasil?

Pacto com o crime é uma saída? - CLÓVIS ROSSI


Folha de S.Paulo, 2/08


O governo de El Salvador facilita a vida do seu PCC em troca de uma redução da violência no país

Se o próprio secretário de Segurança Pública de São Paulo admite que há uma "escalada de violência" no Estado, o que diria seu homólogo de El Salvador, o país que detém o recorde de assassinatos?
São 58 por 100 mil habitantes, mais que o dobro dos já intoleráveis 26/100 mil do Brasil e quase seis vezes o índice que caracteriza uma epidemia (de violência).
A resposta das autoridades salvadorenhas foi um pacto com as duas principais quadrilhas: no início de março, transferiu cerca de 30 líderes da Mara Salvatrucha-13 e de duas facções do Barrio 18, também em confronto entre elas, para presídios menos rígidos.
Em troca, houve uma trégua entre as quadrilhas, que beneficia também policiais, soldados, guarda-costas e suas famílias.
Seria mais ou menos como o governo Geraldo Alckmin acordar com o PCC uma trégua, facilitando a vida dos presos do grupo em troca da cessação dos ataques a policiais, ônibus etc.
Funciona? Em El Salvador, há quem diga que sim, como o sítio "El Faro", boa fonte de informação sobre um país que ignoramos quase completamente. A trégua "se traduziu em uma abrupta redução dos homicídios, de 14 para 6 por dia, antes e depois dela", informa.
Há quem discorde. Relatório do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, de Washington, aceita que o número de homicídios caiu, mas diz que aumentou o de desaparecimentos.
Com base em dados do Instituto de Medicina Legal da Corte Suprema, informa que houve, nos quatro primeiros meses do ano, 876 desaparecimentos, o dobro do registrado no mesmo período de 2011.
Tradução: as pessoas desaparecem, mas, como os cadáveres não aparecem, as estatísticas apontariam redução no número de crimes.
O problema é que há dúvidas sobre os números do IML, até pelo período envolvido: pega dois meses de trégua e dois meses anteriores a ela.
Seja como for, o ambiente em El Salvador é de relativo otimismo, a ponto de ter subido à agenda um segundo item reivindicado pelas "maras", o nome genérico pelo qual são conhecidas as quadrilhas: a reinserção dos quadrilheiros -ou, como eles preferem, "uma segunda oportunidade".
Até entendo o contexto que levou o governo à heterodoxia de um acordo com o crime: não apenas a violência supera os níveis epidêmicos, como as "maras" se agigantaram no país (e, de resto, nos vizinhos como Guatemala e Honduras). O número de quadrilheiros saltou dos 11 mil de 2005 para os 62 mil de hoje. Segundo "El Faro", se se acrescentam as famílias, cada vez mais empurradas a respaldar o crime e os criminosos, chega-se a 250 mil, em um país de apenas 6,194 milhões de habitantes.
Dá 4% da população, o que corresponderia, no Brasil, a 8 milhões de, digamos, militantes do crime -todo um exército irregular.
A dúvida acaba sendo pertinente: combatê-lo ou pactar com ele?
Acho perigoso esse tipo de acordo, por dar status de ator político a criminosos. Ou será que os criminosos é que ganharam esse status, pela força de suas "tropas" e o volume de seus negócios?