segunda-feira, julho 30, 2012

A legalização do Valerioduto - GUILHERME FIÚZA

REVISTA ÉPOCA

Andressa Cachoeira, a musa do Brasil cafajeste, continua desfilando tranquilamente em sua missão de lavar a reputação do marido. Laudos médicos desmentiram sua denúncia de que o bicheiro sofria de depressão crônica, mas ela não se abalou. “Que mal esse homem fez ao Estado, à União, às pessoas?”, disse Andressa, firme na busca de compaixão para com o pobre réu. Já declarou até que Cachoeira é preso político. “Cala a boca, Magda!”, alguém gritaria em outros tempos, usando o famoso bordão do personagem de Miguel Falabella. Mas hoje o Brasil ouve calado os disparates da dama dos caça-níqueis. Ela está amparada na nova escala de valores que, tudo indica, vieram oficializar a doutrina da cara de pau.

O mensalão, por exemplo, foi um grande mal-entendido. Tanto que o Tribunal de Contas da União (que existe para guarnecer o dinheiro público) decidiu que estava tudo bem na movimentação milionária do Banco do Brasil para o bolso de Marcos Va- lério. Por coincidência, essa decisão veio calçar com perfeição a alegação dos advogados de Valério, Delúbio e mensaleiros associados - de que não havia dinheiro público no esquema do valerioduto. O escândalo Visanet, em que o Brasil acreditava ter visto R$ 73 milhões escoar do banco público para o PT, via agência DNA (Marcos Valério), foi ilusão de ótica.

Graças ao TCU, agora se sabe que esses contratos eram perfeitos. E que, se apareceu uma montanha de dinheiro nas contas do grupo político de Lula e José Dirceu, tratava- se de doações particulares para um inocente caixa dois. Ou seja: o dinheiro era deles, eles gastavam como quisessem, compravam o que (e quem) bem entendessem. É um ab-surdo o país ter passado sete anos se intrometendo num assunto de foro íntimo. Como diria Andressa Cachoeira, que mal esses homens fizeram às pessoas?

A lei que serviu de base (ou pretexto) para a decisão do TCU, aprovada cinco anos depois do mensalão, foi propos-ta pelo atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O mesmo que declarou ser “leviano” relacionar o assassinato do agente federal Wilton Tapajós com a investigação da gangue do bicheiro, na qual a vítima se destacara. Valério e Cachoeira certamente são apreciadores desse senso de justiça. Chega de preconceito contra esses dois empresários brasileiros que fizeram história na última década.

O silêncio do ministro Cardozo e das demais autorida¬des sobre a execução do policial Wilton é ensurdecedor. Nunca se mudou de assunto tão rapidamente. Mas eles têm razão. Quem mandou a vítima ficar escutando con¬versa dos outros no telefone, atrapalhando negócios de alta prosperidade? Quem procura, acha. E onde já se viu ir ao cemitério sozinho, neste mundo perigoso de hoje? Alguém ainda há de concluir que foi suicídio culposo.

Esses homens que não fazem mal a ninguém são muitas vezes incompreendidos. Estava tudo bem depois da decisão libertadora do TCU, legalizando a parceria de Marcos Va-lério com o ex-diretor do BB Henrique Pizzolato, quando o Banco Rural veio atrapalhar a festa. Também réus no processo do mensalão, dirigentes do banco resolveram dizer que havia, sim, dinheiro público na conta da empresa de Valério. Essa alegação, enviada ao Supremo Tribunal Federal, é no mínimo um gesto ingra¬to. Afinal, ao lado do BMG, o Banco Rural foi o escolhido pelos chefes da quadrilha do mensalão para operar a dinheirama do esquema. Esses ban¬queiros nunca estão satisfeitos.

O problema foi que o banco teve de responder à acusação de lavagem de dinheiro, e aí o jeito foi abrir o bico e entregar a origem dos milhões. Vinha tudo de entidades estatais, diz o Rural, especialmente do Banco do Brasil. Mas não há de ser nada. Embora seja impossível demons¬trar os serviços fantasmas prestados por Valério ao BB, os amigos de Lula, Dirceu e Dilma no TCU haverão de encontrar um jeitinho republicano de passar a limpo essas operações todas - nem que seja preciso recorrer ao senso de justiça do companheiro Cardozo.

Tudo aponta para um final feliz. Aliás, a Justiça acaba de inocentar Erenice Guerra, a ministra que fez história transformando a Casa Civil num bazar de família. Vá em frente, madame Cachoeira. E mande lembranças à com-panheira Carminha.

Pornô para amadores - RUTH DE AQUINO


REVISTA ÉPOCA
Enrubesço. O Adônis afunda graciosamente numa das poltronas brancas de couro. Sorri revelando dentes brancos perfeitos. Nossos dedos se encostam muito brevemente, e a corrente percorre todo o meu corpo, como se eu tivesse encostado num fio desencapado. Reprimo um grito involuntário. O coração quase me sufoca. Escovo os dentes com a escova dele. E como tê-lo em minha boca. Sinto-me muito travessa. É muita emoção. Ninguém jamais segurou minha mão. Estou tonta e toda formigando. Pela primeira vez em vinte e um anos, quero ser beijada.Esses são alguns dos milhares de clichês melosos de um livro que já vendeu 31 milhões de exemplares e será lançado agora no Brasil. Cinquenta tons de cinza é o primeiro volume da trilogia escrita pela inglesa Erika Leonard James, casada, mãe de dois adolescentes e ex-produtora de televisão. O romance conta o namoro entre Anastasia Steele, virgem aos 21anos, e Christian Grey, um"mega magnata empresário enigmático","absurdamente gostoso", com"lábios esculturais"(!), controlador e sádico. Anastasia, ou Ana para os íntimos, cai de quatro por Christian e não se acha lá grande coisa: "Sou desastrada, malvestida e não sou loura". Christian, com seus "olhos ardentes de um cinza líquido" e "cílios longuíssimos", deixa Ana, que nunca beijara nem se masturbara, "como uma massa trêmula de hormônios femininos em fúria".

Cinquenta tons tem sido badalado como Cinquenta tons tem sido badalado como pornô para mulheres, porque, para homens, é fraco. Fala sério. "A nível de" pornografia, o livro também é fraco para mulheres -talvez seja uma carochinha erótica para amadores. Só 10% de suas páginas são dedicadas a sexo. Os adjetivos e interjeições são ingênuos.

As mil e uma noites, que li aos 9 anos de idade, é uma coleção de fábulas mais ousadas. A escritora Anaïs Nin fez muito mais nos anos 1940 pela ficção erótica feminina, ao escrever seus contos Delta de Vênus, por encomenda de um colecionador e a pedido de Henry Miller. Ganhava US$ 1 por página. A protagonista de Cinquenta tons, Ana, uma Sabrina transformada em máquina improvável de orgasmos, enrubesce 50 vezes com o mala do Christian Grey. Ele tem 28 anos e se define assim para a moçoila:"Sou um homem muito rico e tenho hobbies caros e apaixonantes". Oi??? Quando quer dar um efeito às palavras, fala esquisito: "Você. É. Muito. Gostosa"; "Eu. Quero. Você. Muito". Se um homem falasse assim comigo, recomendaria uma fonoaudióloga.

O best-seller Cinquenta tons é um dos piores livros que li até o fim em minha vida. Forcei-me a ler as 514 páginas do original em inglês por quase três meses. Sempre tinha algo melhor a fazer. Além de protagonistas tão inverossímeis quanto bobos, incomoda a mania com grifes, marcas e modelos. O Mercedes é esportivo CLK. O Audi é SUV preto. Opar de tênis no original é Converse e, na tradução brasileira, é All Star. Para combater a dor, Advil. A cueca é Ralph Loren. No cinema, será um show de merchandising.

Por que fui ler Cinquenta tons? Pelo frenesi. Vendeu muito na internet, em capítulos. Chamava-se Mestre do Universo. Era inspirado nos vampiros de Crepúsculo. A escritora usava o pseudônimo Snowqueen"s Icedragon. O sucesso na blogosfera acordou as editoras e Hollywood para o "fenômeno". A autora passou a assinar E.L. James e, por muito tempo, não quis aparecer. Para ajudar a divulgação no Brasil, alguns jornalistas receberam um par de algemas, uma máscara, uma gravata e um contrato entre dominador e submissa. Comprei o livro pela Amazon em abril, quando vi a autora falando na televisão. Simpatizei com E.L. James. Irônica, calorosa, gordinha, com óculos na ponta do nariz ao ler, ela parece aquela dona de casa londrina que vai ao pub com as amigas e ajuda os filhos no dever da escola.

"Se tenho um quarto de tortura na minha casa? Não é grande o suficiente. Tenho um quarto com parede vermelha, mas é cheio de roupa para passar", diz, rindo."Revolucionária, eu? Nada disso. É só uma história de amor. E, quando as pessoas se apaixonam, fazem sexo. Se é que me lembro", diz. Ri de novo. Ela não gosta que leiam ao vivo passagens de seu livro:"Não, por favor, para. Não quero que meus filhos escutem. Até hoje fico com vergonha". Sua vida mudará com o dinheiro, Erika? "Posso enfim ganhar uma nova cozinha." O outro sonho: "Ficar deitada numa praia ensolarada com um drinque na mão".

Espantoso foi o debate sociológico na mídia: a exemplo de Anastasia, as mulheres de hoje querem ser dominadas? Fico estarrecida com a insistência em generalizar o desejo "das mulheres". Quando Michael Douglas se submeteu a todos os caprichos sádicos de Sharon Stone em Atração fatal - como já aconteceu em muitos filmes e livros e na vida real de alguns amigos -, ninguém criou a teoria de que essa seria a verdadeira fantasia dos machos de hoje. Cansados do poder, eles sonham em ser atados, vendados e consumidos por mulheres alfa como objetos de prazer. E isso? Não. Sim. Depende. Cada um é cada um. Cada uma é cada uma. Com todas as nossas contradições bem particulares.

O mundo é dos psicopatas - WALCYR CARRASCO


REVISTA ÉPOCA
Vivo encontrando psicopatas. Não me espantei quando li as notícias sobre o recente massacre nos Estados Unidos, protagonizado por James Holmes, de 24 anos, cujos disparos atingiram 70 pessoas numa sala de cinema, 12 delas mortas.Já me relacionei com uma psicopata assassma, sem jamais suspeitar. Há muitos anos, morei uma temporada no México.

Vivia com uma amiga, Regina, em Cuernavaca. Regina era produtora de espetáculos e rapidamente se relacionou com um grupo de cantoras local. Uma delas, cujo nome prefiro ocultar por delicadeza, era uma garota simpática que nos convidou a vê-la no bar de um hotel local. Nunca esqueci aquela noite luxuosa para meus padrões na época, pois, sabedora de nossa difícil situação financeira, a cantora ofereceu as bebidas. Voltei ao Brasil sozinho. Anos depois, Regina reapareceu com a novidade. A cantora matara o namorado, um americano. E o esquartejara na banheira do quarto de hotel! Depois, espalhara os pedaços pela Cidade do México. Crime muito semelhante ao recentemente ocorrido em São Paulo. Foi presa e nunca mais soubemos dela. Até hoje não consigo entender: como aquela garota risonha foi capaz de esquartejar o namorado?

Essa é a grande questão sobre os psicopatas: são sedutores. Não se percebe do que são capazes até quando algo tremendamente terrível acontece. Li faz pouco um belo livro, Precisamos falar sobre Kevin, da americana Lionel Shriver. Ela conta, do ponto de vista da mãe chocada, a trajetória de um garoto que se torna serial killer - o livro foi também adaptado para o cinema, com direção de Lyanne Ramsay.

A mensagem final é de desesperança. Percebe-se que não havia nada a fazer, desde o momento em que Kevin nasceu, a não ser aguardar a tragédia. Tive o privilégio de conhecer, socialmente, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa da Silva, autora de Mentes perigosas - O psicopata mora ao lado.

Com ela, entendi que a psicopatia não tem cura, pois o sujeito não tem nenhum sentimento em relação ao outro. Eis um caso verdadeiro: a avó de um garoto negou alguma coisa que ele queria. Uma bobagem qualquer. O anjinho botou o gato da vovó no micro-ondas e ligou.

Um grande número de psicopatas, porém, não chega ao extremo, como atesta Ana Beatriz. Simplesmente, usa os outros. Não quero me fazer de vítima do mundo. Talvez por ser autorde novelas, eu atraia um número grande de personalidades com um traço doentio. São pessoas dispostas a fazer qualquer coisa para conquistar a fama - que, no Brasil, se traduz em conseguir um papel na televisão.

Com frequência, alguém se a proxima oferecendo amizade. Até há pouco tempo, eu era um tanto ingênuo. Acreditava. Muitas vezes a amizade acabou subitamente, com acusações e raiva, quando não ofereci em contrapartida um papel na próxima novela. Só então eu descobria: o objetivo não era a amizade, mas entrar na TV!

Eis o outro lado da moeda: ser psicopata até certo grau é uma característica valorizada pela sociedade. Há alguns anos, falava-se na lei de Gérson,"levar vantagem em tudo". A expressão saiu de moda, mas no cerne continua valendo. As crianças são educadas não para amar, mas para vencer o próximo. O que importa é subir na vida, ser rico, doa a quem doer.

Quando escrevi a novela Morde & assopra, na TV Globo, minha colaboradora, Cláudia Souto, propôs que o prefeito e sua mulher dessem um golpe na merenda escolar. Quase rejeitei a ideia. Pensava que ninguém seria capaz disso. Por coincidência, pouco depois vários escândalos com a merenda escolar pipocaram pelo interior de São Paulo.

O corrupto rouba na merenda. Na conta de hospitais. Sabe que gente passará fome, até morrerá por causa de seus atos. Pouco importa, na lógica psicopata. Muitos altos executivos colocam a empresa acima de tudo, até das relações familiares. E daí, se ganham bem?

Meu sobrenome é Carrasco. Por ser de origem espanhola, não significa que algum de meus antepassados enforcasse alguém profissionalmente. Mas cresci com o peso que um nome desses carrega. Há anos, em Lisboa, descobri um Pátio do Carrasco. Lá morava, no passado, justamente o... carrasco, em português. Olhei as casas simples, imaginei aquele homem, brincando com as crianças, trazendo um pão para o jantar. Se alguém lhe perguntasse sobre seu cotidiano de mortes, ele responderia:

-É minha profissão.

Ninguém se engane. A falta de sentimento pela dor alheia tornou-se uma vantagem no mundo dos negócios e da política. O psicopata é um vencedor.

Cinco perguntas - J. R. GUZZO


REVISTA VEJA


Estas cinco indagações, e tantas outras, deveriam ser enviadas ao Ministério de Perguntas Cretinas, pois é exatamente assim que todas elas são vistas pelo governo

Pede-se às altas autoridades brasileiras, respeitosamente, a cortesia de responder às perguntas feitas nas linhas abaixo, por serem de possível interesse do público. O que a Receita Federal faz em relação a esses
pacotes de dinheiro vivo que políticos e funcionários do governo vivem enfiando nos bolsos e bolsas? A Polícia Federal e o Ministério Público, a esta altura, já poderiam ter montado uma cinemateca inteira com os vídeos que registram essas cenas. Nunca acontece nada de sério com os indivíduos flagrados metendo a mão na massa, é claro. Mas como fica a sua situação perante o Fisco? Ninguém pode negar que recebeu. pois há prova filmada de que todos receberam. O que colocam, então, em suas declarações de renda? Se não declaram nem indicam a fonte pagadora, estão praticando sonegação. Se declaram e pagam o imposto devido. a Receita poderia ser acusada de estar cometendo crime de receptação, por receber parte de bens roubados. Como é que fica?

Alguém no Itamarary poderia informar por que

o Brasil tem embaixadas no Azerbaijão, Mali. Timor-Leste, Guiné Equatorial, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, Botsuana, Nepal, Barbados e outros lugares assim? Seria possível citar algum caso em que alguma dessas embaixadas fez alguma coisa de útil para os contribuintes brasileiros? Daria para descrever, digamos, uma jornada de trabalho do embaixador brasileiro no Mali? A que horas ele chega ao serviço - e, a partir daí, fica fazendo o quê, até voltar para casa? Seria bom, também, saber até onde o Itamaraty quer chegar. Pelas últimas contas, parece que existem hoje 193 países no mundo. e o Brasil só tem 126 embaixadas; faltam mais 67. portanto. A dura verdade é que não temos nada, por exemplo, na Micronésia, em Kiribati ou em Tuvalu. Vamos ter?

Por que, e principalmente por ordem de quem, o dr. Juquinha, ou José Francisco das Neves, ficou oito anos inteiros, de 2003 a 2011, num cargo-chave do programa nacional de ferrovias? Já é chato, para uma Grande Potência, como quer ser o Brasil, ter na sua alta gerência um cidadão que se faz chamar de "dr. Juquinha". Mas o problema, mesmo, é que o homem saiu dali quase diretamente para o xadrez, acusado de acumular durante sua passagem pelo governo um patrimônio pessoal de 60 milhões de reais; a principal obra sob a sua responsabilidade, a "Ferrovia Norte-Sul", pagou as empreiteiras um "sobrepreço" de 100 milhões, só no trecho de Goiás. Ninguém, durante esse tempo todo, quis saber como o dr. Juquinha enriquecia, a ferrovia não andava e a obra ficava cada vez mais cara?

Qual o destino da montanha de papel que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. a Anvisa, obriga as 60000 farmácias brasileiras a acumular todo santo dia? Basta uma continha rápida para perceber a prodigiosa quantidade de entulho que elas juntam na forma de receitas retidas, fotocopiadas, carimbadas no verso, preenchidas a mão pelo balconista etc. Sabe-se que hoje as farmácias têm de manter "livros de escrituração manual" e que há, para o futuro. a promessa de um sistema "eletrônico". E no momento? A Anvisa verifica, um a um, cada papel desses? O que faz com eles? Ainda no tema: como é possível, segundo informou há pouco a revista EXAME. que 1250 pedidos de compra de equipamentos hospitalares de última geração, críticos para salvar vidas, estejam retidos hoje pela agência, que não autoriza sua entrada no Brasil?

Como a empreiteira Delta se tornou a maior construtora de obras do PAC? Suas atividades, como se vem apontando há pelo menos cinco anos, cobrem o Código Penal de uma ponta à outra - está metida em corrupção, fraude. falsificação, desvio de verbas, superfaturamento, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, criação de empresas-laranja e por aí afora. Só no ano passado. apesar de toda essa folha corrida, recebeu quase 900 milhões do governo federal. Será que a presidente Dilma Rousseff, nestes seus dezoito meses no cargo, nunca teve a curiosidade, nem por um instante. de saber quem era a empreiteira número 1 do seu PAC, do qual é a própria mãe? Por que o PT e o governo fazem tanta força para que o dono da empresa, Fernando Cavendish, não seja interrogado no Congresso, como se guardasse o Terceiro Segredo de Fátima?

Estas cinco indagações, e tantas outras, deveriam ser enviadas ao Ministério de Perguntas Cretinas, pois é exatamente assim que todas elas são vistas pelo governo. Mas esse ministério só existiu na imaginação de Millôr Fernandes; está fazendo uma falta danada, entre os quase quarenta do Brasil Grande de hoje.

Uma página da história - CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA

REVISTA VEJA

Os ministros do STF A qualidade do julgamento que eles fizerem definirá o grau da evolução política do Brasil


São raras as vezes em que determinada geração tem a oportunidade de vivenciar WJf a história sendo feita. O julgamento dos 38 réus do mensalão, que começa na próxima quinta-feira no Supremo Tribunal Federal(STF), em Brasília, é um desses episódios com força para atrasar ou acelerar, dependendo de sua qualidade, os processos históricos da evolução política do Brasil.

A história de um país e de um povo é feita de fatos. É sobre eles que os historiadores se debruçam na tentativa de encontrai- um fio condutor que os ligue em uma sequência lógica cujo somatório é o que chamamos de nação.

O mensalão foi um fato. Foi um gigantesco arranjo partidário, financeiro, empresarial em que parte das elites governantes do Brasil no primeiro mandato de Lula se pôs de acordo sobre o uso de dinheiro de diversas origens, quase todas elas espúrias, para comprar ou manter o apoio ao Palácio do Planalto de parlamentares e partidos tradicionalmente mercenários.

Inédito? Não. Mas nunca se tinha tentado uma operação daquela envergadura com a instalação no coração do mundo político de um mecanismo de mercado negro de consciências em troca de dinheiro. Políticos iam
e vinham de agências bancárias para receber quantias em dinheiro vivo; os mais destemidos assinavam recibos ou pediam à mulher para fazê-lo; os de nervos fracos inventavam despesas falsas de consultores, agências de propaganda ou assessores de imprensa. Quem não tinha tanta iniciativa podia contar com os serviços financeiros do esquema, que fornecia recibos assinados por secretárias, motoristas, laranjas arrumados às pressas. A capital do país foi tomada por um furor argentário que o então deputado Roberto Jefferson, figura-chave no desmantelamento do mensalão, descreveu com sua voz de barítono: “ratos magros!”.

VEJA foi o órgão de imprensa que primeiro revelou o arran jo, com a divulgação de um vídeo em que o diretor dos Correios embolsava um maço de cédulas como propina. O diretor era ligado a Jefferson, que, para não cair sozinho, relatou a extensão dos crimes de repasse de dinheiro a parlamentares e chamou pela primeira vez o processo de mensalão.

Sete anos depois, desbaratada a “quadrilha”, nas palavras de Antonio Fernando de Souza, o então procurador-geral da República, o STF começa a julgar responsabilidades. O que está em jogo não é apenas o destino das 38 pessoas acusadas. O que está em jogo é que página da história nossa geração escreveu neste começo do século XXI — uma página que pode nos envergonhar ou da qual nós, nossos filhos e netos vamos nos orgulhar.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 30/07

Linha de crédito para Copa tem consulta baixa

Uma linha de crédito de cerca de R$ 150 milhões para projetos ligados à Copa, lançada em fevereiro pelo governo paulista, recebeu até agora apenas R$ 60 milhões em solicitações de consultas.

Os recursos foram pensados para terem como destinatários municípios candidatos a subsedes do evento e o setor hoteleiro de tais cidades.

"Acreditamos que vão começar a aparecer mais candidatos. Esse tipo de projeto não ocorre da noite para o dia. Leva tempo. Acredito que os estudos estão sendo concluídos para acessar a linha", diz Milton Santos, presidente da agência de fomento Desenvolve SP.

"Como é ano de eleição, os municípios devem ter demorado um pouco", afirma.

Se os projetos não ficarem prontos em breve, há risco de não haver tempo para realização das obras até o evento.

As demandas feitas até agora serão avaliadas. Os desembolsos, que ocorrem conforme o cronograma das obras, devem começar nos próximos meses.

Para os municípios, a prefeitura pode financiar construção, ampliação e reforma de arenas esportivas para receber delegações, desde o projeto de topografia até a pavimentação de vias. Na iniciativa privada, financia construção, ampliação e reforma de hotéis.

A linha tem juro subsidiado de 2% ao ano, além de atualização pelo IPC da Fipe, com prazo para pagamento de até dez anos e carência de 24 meses, de acordo com a entidade.

Mais compras

O Brasil terá 117 novos shopping centers até 2014, segundo dados da consultoria imobiliária CB Richard Ellis.

A maioria deles (74) ficará localizada no Sudeste.

Os novos empreendimentos aumentarão ainda mais a concentração de shoppings na região, que reúne 58% do total do país. Apenas o Estado de São Paulo concentra 37% das unidades no Brasil.

Os novos shoppings representarão 3,8 milhões de metros quadrados locáveis.

Praia de gaúcho

A gestora Mais Valor, responsável pela administração de um shopping em Goiânia e de outro em Canoas (RS), está desenvolvendo cinco empreendimentos no Rio Grande do Sul.

Um deles, em Viamão, região metropolitana de Porto Alegre, receberá investimento inicial de R$ 150 milhões. Uma ampliação já está prevista para 2016 -dois anos após a inauguração-, com aporte de R$ 30 milhões.

Um segundo centro de compras ficará em São Leopoldo e um terceiro na capital gaúcha. Os dois demandarão juntos R$ 200 milhões.

"Entramos no Estado em 2006 e percebemos que havia espaço para outros empreendimentos", diz o presidente da companhia, Vandeir Daves Bochi.

Os outros dois shoppings serão na região de Porto Alegre, mas a empresa ainda não dá detalhes.

Reencontro... Bill Clinton, Fernando Henrique Cardoso e Tony Blair se reencontrarão em São Paulo em agosto. Aproximadamente 500 presidentes de empresas de toda a América Latina participarão também do encontro, em evento promovido pelo Itaú BBA na Casa Fasano.

...de chefes... "Nomes de peso da academia e de Estado, a ideia é que eles descrevam como estão vendo a crise, como esperam que isso acabe e como avaliam os emergentes e o papel do Brasil", diz Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do Itaú BBA.

...na crise Mesmo com a dificuldade em conciliar as agendas, a ideia durou cerca de dois anos, segundo a instituição, o debate proposto não perdeu a atualidade. "Esse tema principal, a crise, está com a gente desde 2008 e permaneceria mesmo por mais tempo", diz Goldfajn.

Satisfação nacional

A população da Arábia Saudita é a mais satisfeita com a situação econômica do país, de acordo com estudo da empresa Ipsos.

Mais de oito em cada dez pessoas disseram considerar "boa" a condição da economia local em junho.

Em seguida aparecem Suécia e Alemanha, com 75% e 66%, respectivamente.

A média global é de 37%.

No Brasil, esse índice foi de 52% no mês passado. Em maio era de 49%.

A companhia entrevistou 18.623 pessoas em 24 países, entre os dias 5 e 19 de junho deste ano.

PAC da privatização - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O ESTADÃO - 30/07

O governo Dilma garante que o PAC está bem encaminhado, mas por via das dúvidas, e como o crescimento não embala, vai adotando uma agenda, com o perdão da palavra, liberal. Promete para agosto um pacote de concessões à iniciativa privada de estradas, ferrovias, portos, talvez mais aeroportos e outros itens, na área de energia, por exemplo. É o PAC da privatização, mas é duvidoso que utilizem esse nome.

Quando o governo chinês iniciouum amplo programa de privatização, também era proibido usar essa expressão. Diziam “reestruturação” ou melhor ainda, informavam que o Estado estava devolvendo empresas ao povo. Também não deve faltar imaginação aos nossos marqueteiros oficiais.

Outra parte dessa agenda está na redução estrutural de impostos, digamos assim. Trata-se, ao que parece, de algo diferente do quebra-galho de desonerar um setor aqui, outro ali, compensando com impostos em outras áreas, cujo resultado líquido tem sido um aumento da carga federal. Em resumo, alguns pagam menos, todos pagam muito.

Já a proposta de eliminação dos encargos sobre a conta de luz é uma medida horizontal. Esses encargos representam algo como 10% da conta e sua eliminação é responsabilidade do governo federal. Ao contrário, por exemplo, do ICMS, o peso maior, mas que depende dos governos estaduais.

Na campanha, Dilma prometera eliminar o Pis-Cofins cobrado na energia e que seria algo como 8,5% da conta. Depois, seus assessores passaram a falar em redução dessa contribuição. Então, o ministro Lobão falou em reduzir impostos e encargos, mas apenas para a indústria e grandes consumidores.

Ficariam de fora os consumidores residenciais e diversos setores da economia, como ahote laria. Na última semana, os comentários do ministro deram a entender que os encargos caem para todos, levando-se à queda de 10% ou mais na conta de luz. É o mais correto.

De todo modo, os comentários indicam na direção de um pacote de medidas amplas, para levar a uma redução geral do custo Brasil. Um reconhecimento tardio da tese de que o Brasil precisa abrir espaço e melhorar o ambiente de negócios para investimentos privados. A ver, mesmo porque o governo não é propriamente eficiente na realização.

Dois anos de custo
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fez a coisa certa. Voltou atrás e cancelou a regrabaixada em 2009, determinando que os medicamentos isentos de prescrição fossem colocados atrás do balcão, fora do alcance do consumidor. Este tinha que solicitar os produtos ao balconista. Agora, voltatudo como era antes: esses remédios ficam ali nas gôndolas, as pessoas escolhem, pegam, vão ao caixa e pronto.

Simples, não é mesmo? Mas foram mais de dois anos de confusão e custo para farmácias, consumidores e para a própria Anvisa – para que esse simples bom-senso fosse restabelecido.

Criticamos a resolução de 2009 nesta mesma coluna, publicada em 22/2/2010. (O leitor pode encontrá-la também em www.sardenberg.com.br, item Política Econômica.) Dizíamos então que a resolução era inútil para os fins propostos – evitar os problemas da automedicação –, atrapalharia a vida dos consumidores e imporia custos para as farmácias na reforma das lojas.

Pois foi ainda mais custoso. Ao revogar a regra, na semana passada, a Anvisa observou que a norma rendeu à Agência nada menos que 70 processos na Justiça. Eram entidades do setorpedindo sua revogação. Como sempre, os tribunais foram lentos e soltaram decisões diferentes nos diversos Estados. Aqui valia uma regra, ali outra. Finalmente, 11 assembleias estaduais aprovaram leis determinando que os medicamentos fossem colocados nas gôndolas. Resultado: custo e insegurança jurídica para todos.

Quando finalmente resolveu rever a situação, a Anvisa fez consultas e verificou ainda que a regra provocara um aumento da “empurroterapia, com prejuízo ao direito de escolha do consumidor no momento da compra desses produtos”. Observou também que a medida não contribuíra para reduzir o número de intoxicações.

Era o que os críticos diziam. Assim, ponto para a Anvisa, que agora pacificou o cenário. Mas, sem querer provocar, quem é o responsávelpelos custos impostos? Não se trata apenas desse caso. Procons, agências reguladoras, governo, Ministério Público têm sido rigorosos contra alguns setores privados. Por que não cobram também dos órgãos públicos que colocamos cidadãos nas filas e prestam péssimo atendimento?

Por uma caixa de Tamiflu
Também na semana passada, a Anvisa baixou resolução pela qual o Tamiflu (para a gripe A) pode ser vendido nas farmácias com receita simples. Também é o restabelecimento dobom-senso e encerra um ciclo que vem desde 2009, num momento de pico da gripe suína.

Naquele ano, o governo simplesmente proibiu a venda de Tamiflu nas farmácias, mesmo com receita. Só o setor público poderia fornecer o medicamento. Alegava-se que a livre comercialização levaria a um uso abusivo. Depois, a venda foi liberada, mas apenas mediante àquela receita especial, que precisa ser retida pela farmácia. Agora, finalmente, uma receita simples resolve o caso. De novo, se o leitor quiser mais detalhes da história, encontrará a coluna que publicamos aqui (10/8/2009) no mesmo item de www.sardenberg.com.br. Custo Brasil também está nesses casos.

Cabo de guerra - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 30/07

Após a ameaça de greve da Polícia Federal às vésperas da Rio+20, ganhou corpo no Planalto a proposta de transferir o comando da segurança dos grandes eventos, como a Copa e a Olimpíada, para a Defesa. Segundo interlocutores, um dos principais articuladores da mudança é o general José Elito Siqueira, do GSI. A ideia, porém, já provoca reação da Associação dos Delegados da PF, que prevê uma ''crise institucional'' entre os órgãos de segurança pública e os militares.

Pano de fundo Nos bastidores, integrantes da PF afirmam que os ministérios da Defesa e Justiça brigam pelo orçamento dos eventos e lembram que, na Rio+20, o Exército encarregou os federais de fazer a segurança das primeiras-damas e o GSI ficou com os chefes de Estado.

Bandeira branca O general Elito descarta rusgas com os policiais, com quem defende um trabalho integrado, e afirma que os recursos para a Copa de 2014 já estão definidos, com fatia maior para a Justiça. "Quem comentou isso não tem a visão global. São opiniões isoladas''.

Reza a cartilha Em ato de apoio a Delúbio Soares, em Brasília, petistas distribuíram um documento com 11 tópicos sobre acusações do mensalão. Em um dos pontos, militantes adicionaram parecer do TCU que legalizou contrato de Marcos Valério com bancos públicos, para atestar "que não houve qualquer favorecimento ao BMG".

Tô fora Ao contrário da CUT, a União Nacional dos Estudantes não fará manifestações públicas sobre o mensalão. Atos de desagravo em favor dos réus ficarão a cargo dos núcleos partidários de juventude do PT e do PC do B.

Tô dentro A ONG Nas Ruas fará vigília em frente ao Masp, em São Paulo, durante a noite inaugural do julgamento do Supremo Tribunal Federal, dia 2. Com velas, os ativistas escreverão nas calçadas a palavra "mensalão".

Non grata O presidente do Paraguai, Frederico Franco, se convidou na semana passada para visitar a Federação das Indústrias de São Paulo, mas o Planalto fez chegar ao presidente da instituição, Paulo Skaf, que não tinha interesse em receber o substituto de Fernando Lugo.

Só clássicos Na nova leva de áudios enviados à CPI do Cachoeira, a PF apreendeu gravações antigas feitas pelo grupo do empresário com políticos. Em um dos blocos, estão conversas referentes a um escândalo envolvendo suposta tentativa de extorsão de Carlinhos Cachoeira por parlamentares da CPI da Loterj, em 2004.

Manobra radical Depois da queda do prefeito Eduardo Paes (PMDB) ontem no Parque de Madureira (RJ) e do desequilíbrio de José Serra (PSDB), dia 22, no Parque da Juventude paulistano, um especialista em marketing eleitoral advertiu: "Atenção candidatos, mantenham-se distantes do skate".

Roteiro O candidato Fernando Haddad cancelou hoje agenda externa para definir com sua campanha a data de lançamento do programa de governo e entrada em campo dos cabos eleitorais pagos.

Concorrência... Peemedebistas do Rio procuraram o presidente do partido, o senador Valdir Raupp (RO), para reclamar de eventuais gravações do ex-presidente Lula para campanhas televisivas de candidatos da base aliada nas eleições de outubro.

...desleal Eles querem que Raupp convença o presidente do PT, Rui Falcão, que a presença de Lula no palanque eleitoral de candidatos que não sejam da sua legenda, como PDT e PSB, abrirá uma crise com o PMDB.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

"Por mais que tente se afastar de Cachoeira, os fatos traem Marconi Perillo e mostram cada vez mais as relações promíscuas da dupla."

DO LÍDER DO PT NA CÂMARA, JILMAR TATTO (SP), sobre a apreensão de agenda do empresário acusado de contravenção com números ligados ao tucano.

contraponto

Suprema pechincha
Advogado do publicitário Duda Mendonça, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, aproveitou a enxurrada de advogados em Brasília para incluir no cardápio de seus dois restaurantes pratos temáticos durante o mês do mensalão. O Piantella estreará o "Supremo corte'', que, como sugere o nome, será uma carne com corte especial. O Expand servirá o sanduíche "presuntão de inocência''.

Também dará desconto de 10% para advogados paulistas e 20% para cariocas. Márcio Thomaz Bastos reagiu:

-Eu sou de Cruzeiro, que fica entre Minas, Rio e São Paulo. Tenho direito a 15% de desconto!

Embates de montão - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP -30/07


SÃO PAULO - Será vasto o cardápio de confrontos interessantes no julgamento do mensalão. Eis alguns:

O todo contra as partes. A denúncia da Procuradoria da República é mais forte no conjunto, no liame narrativo enredando os principais réus, que nas imputações específicas a cada um. As defesas, que são individuais, vão explorar essa vulnerabilidade. Sem enfatizar a lógica coletiva, entretanto, a acusação teria menos chances de fisgar os peixes maiores.

Conservadores contra modernistas. Não há provas, dizem os réus, fiando-se na interpretação mais restrita da lei. Mais que provas, refuta a acusação, as circunstâncias denotam o crime. O curioso é ver gente de esquerda, ligada a modismos acadêmicos, apostando na escola tradicional do direito para salvar a pele.

Joaquim contra os petistas. O relator, Joaquim Barbosa, é o mais criativo intérprete da lei no Supremo, adepto do "direito achado na rua". Petistas se arrependem de sua indicação por Lula, mas é tarde. Terão de disputar os outros dez votos.

Gilmar contra José. Gilmar Mendes, o ministro que protagonizou diversos confrontos com o PT, vai condenar o principal réu petista, José Dirceu? Mendes também se destaca, de outro lado, pela crítica a abusos de policiais federais e procuradores e pela defesa dos direitos do indivíduo no entrechoque com o Estado.

Juízo individual contra o coletivo. Cada ministro do Supremo é uma instituição ambulante, costuma-se dizer -a corte não raciocina como corpo coletivo. Seria mero exercício retórico clamar pela responsabilidade histórica desse tribunal cuja fala é o somatório estanque das falas individuais da maioria dos julgadores. No mensalão, entretanto, a figura de juízes auxiliares dos ministros a tricotar entre si vai relativizar aquela imagem tradicional.

Verborragia contra concisão. Aqui há pouca esperança para os mortais comuns. O latinório dos ministros deve correr solto.

A vez do Judiciário - PAULO GUEDES

O GLOBO - 30/07


Qual foi o caminho que nos levou à grandeza? Sob qual forma de go-M verno e sob quais costumes alcan-^"^^çamos nossa grandeza?’! exortava Péricles no auge da democracia ateniense. “Nada é mais fértil do que ser livre, e nada mais árduo do que o aprendizado da liberdade’,’ alertava Tocqueville sobre os desafios da ordem democrática.

A construção de uma Grande Sociedade Aberta exige incessante aperfeiçoamento institucional. O julgamento do mensalão tem, por isso, dimensão histórica. Vai muito além de tecnicalida-des jurídicas, que distinguem “caixa dois’ como crime e “recursos não contabilizados’ como lapso, e também da feroz disputa de poder entre tucanos e petistas. Trata-se da leitura simbólica quanto ao futuro de nossas práticas políticas.

A ciência e o jornalismo têm em comum o compromisso com o entendimento dos fatos, suas causas e consequências. O absoluto respeito por evidências empíricas. A ética na busca da verdade. O ideal do conhecimento como ferramenta para melhorar nossas vidas. Há também espaço para diferenças de opinião, desde que compatíveis com as evidências.

O que ocorreu no mensalão? Um atentado à independência dos poderes, uma tentativa de compra de representantes do Legislativo por representantes do Executivo. A palavra final cabe ao Poder Judiciário, representado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Por que aconteceu? À luz da evidência empírica de quase quarenta anos, com partidos políticos enlameados e os mais nobres ideais degenerando-se em corrupção sistêmica (anões do Orçamento, precatórios, Jorgina do INSS, Lalau do TRT, Sudam, vale-rioduto, sanguessugas, Cachoeira, entre tantos episódios), não se pode descartar a associação entre corrupção, hipertrofia do Estado e centralização administrativa. Os escândalos sucessivos e a desmoralização da classe política são manifestações de uma transição inacabada do Antigo Regime para a Grande Sociedade Aberta.

E as consequências futuras que virão da leitura simbólica desse julgamento? Seguiremos sob a cultura da impunidade? A corrupção, o tráfico de influência e o desvio de recursos públicos continuarão aceitáveis em nome da governabilidade? Ou, como avalia a revista “Economist’ desta semana: “Cadeia para políticos corruptos no Brasil pode ainda ser pouco provável, mas não é mais impensável.”

Ideologia de privada - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 30/07


Vão criar editais para fomento cultural e "científico" a favor dos sem-banheiro, o MSB


Quando eu morava num kibutz em Israel nos anos 80, num dos banheiros masculinos, estava escrito na porta, "fighting for peace is like fucking for virginity"(lutar pela paz é como trepar pela virgindade).

Gays sempre deixaram inscrições nas portas e paredes dos banheiros masculinos, afirmando seus desejos e dotes físicos. Quanto aos femininos, sempre foram objeto de mistério e desejo, afinal, ver mulheres sem roupa sempre foi um sonho de todo cara. Além do fato óbvio de que os órgãos excretores são os mesmos envolvidos no ato sexual. Claro, não apenas eles.

Qualquer iniciado em Freud vê algo de obviamente sexual na nossa relação com banheiros. Fantasias sexuais sempre encontraram nos banheiros um santuário para suas taras. E mais: formas diversas de perversões sexuais envolvendo funções excretoras sempre povoaram o universo das fantasias sexuais mais "heavy".

Talvez alguém ache que eu deva pedir perdão por usar uma expressão como "perversões sexuais" num mundo como o nosso, no qual um sujeito pode gostar de espancar e ser espancado, mas exige seu direito de cidadania "sado-maso". Mas não vou pedir perdão não, tá?

Como já disse antes, hoje em dia todo mundo quer ser "legal" e ninguém quer ser pecador. O cara gosta de transar com cães de grande porte, mas recicla lixo, anda de bike na praça Pan-Americana e come rúcula, e por isso ele é o que chamo de "sado-maso" sustentável, ou seja, "sado-maso" de boutique. Sade vomitaria nele, mas sem nenhum tesão.

Até pouco tempo atrás, isso era tudo que se podia imaginar em termos de metafísica de banheiro. Algo na fronteira do "trash" e do mistério. Imagine quantos meninos já sonharam em se esconder no banheiro das meninas para vê-las sem roupa. Uma "cheerleader" no banheiro é um clássico sonho de consumo.

Mas hoje, metafísica de banheiro é coisa "séria". A cidadania passa pela latrina: rosa ou azul? Logo vão inventar a ideia de que "direitos sanitários" não são apenas o direito a saneamento básico (rede de esgoto, boca de lobo, privadas e similares), mas o direito de invadir o banheiro alheio num movimento, talvez inspirado no MST (as Farc brasileiras), que podemos denominar MSB, "os sem-banheiro".

Há algum tempo que ouço frases (que acho bem bregas, aliás) como "na Europa não existe mais banheiro de homem e mulher". Toda pessoa que faz esse tipo de comparação entre Brasil e "o Primeiro Mundo" revela sua alma de vira-lata metido a chique, um dos piores tipos na galeria de comportamentos esteticamente ridículos. Viajo muito, para minha infelicidade, e continuo vendo banheiros divididos por sexo. Sei também que está na moda falar "gêneros" (sexo é construção social), mas eu que não acredito nisso, continuo falando "sexos".

Normalmente lá, quando não há separação, é porque você está num lugar "chiquinho-cabeça" (antros de mal-educados ideologicamente motivados) ou por miséria de banheiro mesmo. Aliás, quem diz que a Europa é Primeiro Mundo em banheiro é quem não conhece a Europa mesmo, porque lá muitos banheiros são horrorosamente imundos, quando não apenas uma fossa num cubículo.

Quem mais sofre com a invasão ideológica do banheiro alheio são as mulheres, que normalmente são bem preocupadas com privacidade neste assunto, a ponto de muitas vezes, desde pequenas, desenvolverem patologias intestinais ou urinárias devido ao hábito de "se reprimirem" em situações de privação de privacidade sanitária.

Proponho fiscais nos banheiros femininos para assegurarem que os invasores farão xixi sentados para não sujarem tudo.

Vivemos em tempos ridículos (tempos pautados por um acúmulo de conforto e por isso todo mundo fica meio besta): daqui a pouco vão criar editais especiais para fomento cultural e "científico" (o povo da teoria de gênero aplicada à privadas) a favor do MSB, "os sem-banheiro".

E o incrível é que ninguém diz de uma vez que esse papo de crítica de gênero aplicada a privadas é papo furado de quem no fundo quer justificar ideologicamente seus pequeno sintomas, e não respeita a privacidade alheia, principalmente das mulheres.

Faça o que eu digo, por enquanto - LÚCIA GUIMARÃES


O Estado de S.Paulo - 30/07


Não me lembro se já contei aqui como sou esquecida.

Quando fico confusa, como fiquei lendo uma coluna recente, acho logo que o problema é meu, falta de memória. A internet perpetua com facilidade nossas elocuções e, como uma intrusa impertinente, mostra que uma opinião passional de hoje vira ao avesso o que dissemos antes. Mas, às vezes, nem é preciso revisitar o passado.

Veja, caro leitor, se fica confuso como eu:

"Para mim, a lição aprendida no Iraque é bastante simples: não se pode sair de Saddam e chegar à Suíça sem ficar encalhado em Hobbes - uma guerra de todos contra todos -, a não ser que se tenha uma parteira externa e bem armada, a quem todos os presentes temam e na qual todos confiem enquanto gestora da transição. No Iraque, esse papel coube aos Estados Unidos".

E, em seguida:

"Graças tanto à incompetência dos EUA quanto à natureza do Iraque, essa intervenção americana deu início a uma guerra civil na qual todos os envolvidos no Iraque - sunitas, xiitas e curdos - testaram o novo equilíbrio do poder, infligindo pesadas baixas uns aos outros e levando, tragicamente, a uma limpeza étnica que rearranjou o país em blocos mais homogêneos de sunitas, xiitas e curdos".

Os dois parágrafos fazem parte da mesma coluna, A Síria É Gêmea do Iraque, de Thomas Friedman, três Pulitzers, autor de seis livros, como O Mundo É Plano e o admirado De Beirute a Jerusalém, um dos mais influentes colunistas da língua inglesa. Se a barbárie que impediria o Iraque de ser uma Suíça foi superada graças à parteira América, como a incompetência da mesma parteira ajudou a começar uma guerra civil que levou à tragédia de uma limpeza étnica?

E em que planeta fica esse Iraque onde "todos confiam" na gestão pós-invasão, um desastre denunciado até por falcões que apoiaram a guerra? Em dezembro passado, 85% dos iraquianos queriam ver as costas de todas as tropas americanas e mais de dois terços da população se declararam aliviados com a retirada, a mesma porcentagem que não atribuía às tropas nenhuma melhoria da segurança.

Fui procurar confusos como eu e não me surpreendi com a interpretação de Matt Taibbi, da Rolling Stone, um velho crítico do raciocínio friedmaniano: "Quando a sua mulher precisa de ajuda para dar à luz, você deve contratar uma parteira que fique à porta e tenha uma metralhadora automática".

O público de Matt Taibbi é exponencialmente menor do que o de Thomas Friedman. E o espectro curto de atenção, que é um mal do nosso tempo, parece incentivar as pessoas com acesso ao palanque da mídia a se reinventarem. Quantos saberiam procurar um obscuro videoclipe de um importante programa de entrevistas americano, gravado em maio de 2003, em que ouvimos um descontraído e eloquente Friedman dizer:

"Não há a menor dúvida de que valeu a pena invadir o Iraque. Precisávamos ir lá e esvaziar a bolha do terrorismo" (e dizer a eles) "Vocês não acreditam que nós nos importamos com a nossa sociedade aberta? Tomem esta!"

Friedman escreveu seu elogiado manifesto verde Quente, Plano e Lotado e fez sermão sobre os riscos da explosão do consumo de energia em economias emergentes da sua confortável mansão de 1.100 m² num subúrbio de Washington, não exatamente um exemplo de sustentabilidade.

A transformação econômica que fechou jornais e dizimou o contingente de repórteres entre os sobreviventes provocou uma explosão populacional do colunismo. Toda semana, eu recorro a um grupo de comentaristas em que confio para compreender um mundo em que a informação não verificada é epidêmica, graças ao que hoje passa por jornalismo.

O tortuoso estilo retórico de Thomas Friedman, que seus críticos apontam como um recurso para distrair atenção da incongruência de seus momentos de eureca, transformados em best-sellers e turnês de palestras, inspirou uma paródia hilariante na revista literária McSweeney's. A revista convidou o leitor a criar a sua própria coluna de Thomas Friedman sob o título "Desordem e Sonhos em (preencha aqui o nome do país)". Em seguida , o texto oferecia múltipla escolha de diagnósticos para o que acontece em qualquer lugar visitado pelo peripatético defensor (ou crítico) da globalização, cuja opinião sobre a guerra justificada (ou desastrosa) parece evoluir como a cor do cabelo da Katy Perry.

Há alguns anos, Friedman deu a seguinte justificativa para o fato de sua carreira anterior ter sido escassa em reportagens de primeira mão: "Venho de uma geração em que publicar algo falso no New York Times era um pecado imperdoável".

Concordo plenamente.

Seios de aluguel - JOSÉ DE SOUZA MARTINS


O Estado de S.Paulo - 30/07


No Largo do Paiçandu, uma escultura de Júlio Guerra celebra a Mãe Preta que, por séculos, deu de seu próprio peito o leite de seus filhos para fartar a boca de sinhazinhas e sinhozinhos brancos. Naqueles tempos da escravidão, as sinhás casavam cedo, mal entradas na puberdade, gerando larga prole antes mesmo de chegarem aos 30 anos de idade. Careciam da mãe preta recém-parida, resgatada da senzala para os confortos temporários da casa-grande, para poupar-lhes os seios delicados. Na roça, essas mães de leite criavam fortes vínculos afetivos com seus amamentados, que duravam a vida inteira. E persistiriam após o fim da escravidão no parentesco de filhos de leite e seus negros irmãos de leite.

As amas de leite não eram apenas as escravas ou as negras de seios fartos. Em 1876, ainda na escravidão, em anúncio de jornal, alguém oferecia para alugar uma ama de leite, branca, de 16 anos. Ah, o cativeiro oculto de quem não era negro! Com a imigração, estrangeiras também entraram no mercado de amamentação. Havia quem preferisse nutrizes brancas e não negras. Mas havia, também, as mães que preferiam negras e mulatas. Tanto as mães que procuravam amas de leite quanto as amas de leite que se ofereciam indicavam detalhes decisivos no emprego: mãe de primeiro parto era um deles. "Boa e abundante de leite" era outro. "Deseja-se que o leite seja novo", dizia um anúncio de 1876. Em 1878, num sobrado da Rua do Senador Feijó, precisava-se de uma ama de leite "com urgência, sadia, de abundante leite, liberta ou cativa, para casa de tratamento", isto é, de gente fina.

Numa época de alta mortalidade infantil, entre o fim do século 19 e a primeira década do século 20, eram frequentes os anúncios de mulheres sem filhos que se ofereciam como amas de leite. Muitas vezes, mães que procuravam essas amas exigiam as que fossem mães sem filhos. O que era uma tragédia pessoal e social se tornava um bem mercantil de bom preço. Pela época do fim da escravidão, quando deixa de existir a ama de leite criada em casa, surge a condição de que a candidata a nutriz se submetesse previamente a exame médico. No lugar da amamentadora cativa e residente, difunde-se a amamentadora de aluguel, geralmente desconhecida.

Aí por 1876, sob o disfarce de um reclame de ama de leite anuncia-se o início do fim dessa profissão, um complemento industrializado para o leite materno escasso: a Farinha Láctea Nestlé, vendida na loja de instrumentos musicais e partituras de H. Luiz Levy, na Rua da Imperatriz, hoje Rua 15 de Novembro. "A escassez de amas sadias e boas, o seu preço elevado, tem tornado a introdução da farinha láctea Nestlé um verdadeiro benefício para o Brasil", dizia o anúncio. Até por volta de 1910, porém, as amas de leite ainda resistiriam à concorrência do leite industrial.

O Estatuto da Segurança Privada - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 30/07



A combinação da inépcia policial com o aumento da violência converteu as atividades de segurança e vigilância privadas no Brasil numa das mais rentáveis do setor de serviços, movimentando R$ 32 bilhões por ano. Esse montante não inclui o segmento de segurança eletrônica, que fornece câmeras, alarmes e controles de acesso, tendo movimentado sozinho R$ 3,6 bilhões em 2011.

Tendo os bancos, shopping centers, lojas de departamento, empresas de transporte de valores e eventos esportivos como os principais clientes, a área de segurança privada cresceu tanto, na última década, que hoje há mais vigilantes privados do que agentes policiais em todo o País. Pelas estatísticas oficiais, as 2 mil empresas de vigilância cadastradas no Ministério da Justiça empregam 600 mil profissionais, enquanto a Polícia Federal (PF) e as polícias estaduais têm um contingente de 500 mil agentes. Para funcionar, as empresas precisam de um alvará concedido pela Polícia Federal, que é renovado anualmente. Os vigilantes não podem ter antecedentes criminais, são formados em cursos autorizados pela PF, precisam passar por uma reciclagem a cada dois anos e não detêm o porte das armas, que pertencem às empresas.

Todavia, como existem centenas de empresas de pequeno e de médio portes não cadastradas, que são mantidas de forma irregular por delegados de polícia e por oficiais da Polícia Militar, o número de pessoas armadas atuando informalmente como vigilantes privados, sem treinamento e controle, pode chegar a 2 milhões, segundo as estimativas dos técnicos da Secretaria Nacional de Segurança Pública e da Secretaria de Assuntos Legislativos, vinculadas ao Ministério da Justiça. "É um exército clandestino de pessoas armadas. Em alguns lugares, chega ao extremo de virar milícias", diz o presidente da Confederação Nacional dos Vigilantes, José Boaventura Santos.

Como os jogos da Copa do Mundo e da Olimpíada vão exigir enorme aparato de segurança pública e privada, o governo passou a se preocupar com os problemas causados pela explosão do número de empresas clandestinas de vigilância e anunciará, nas próximas semanas, a minuta de uma nova legislação para o setor. A legislação vigente foi editada em 1983 e é considerada defasada pelo Ministério da Justiça. O projeto do Estatuto da Segurança Privada está sob responsabilidade do secretário de Assuntos Legislativos, Marivaldo Pereira, que já ouviu entidades empresariais, autoridades da área de segurança pública e especialistas em direito penal e já encaminhou as linhas gerais de sua proposta para o Ministério da Justiça e para a Casa Civil.

Pelas diretrizes já definidas, o governo pretende fixar parâmetros para as empresas de sistemas eletrônicos de segurança, que atuam como verdadeiras centrais de inteligência, detendo informações confidenciais de seus clientes, e não estão sujeitas a nenhum tipo de fiscalização. Existem 18 mil empresas atuando nesse segmento, segundo estimativas do Ministério da Justiça. Outra medida prevista é a responsabilização criminal de quem oferecer e explorar serviços de vigilância e segurança de forma clandestina - a legislação em vigor pune o vigilante, mas não o empregador.

Além de modernizar o currículo dos cursos para vigilantes privados autorizados pela Polícia Federal, o anteprojeto aumenta o capital mínimo para a constituição de empresas de segurança e vigilância, que hoje é de R$ 100 mil. "Atualmente, qualquer um pode montar uma empresa de segurança. Com a elevação de capital, haveria um fundo para ser usado em caso de necessidade, aumentando as garantias trabalhistas", afirma o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Vigilância, José Jacobson. A entidade apoia essa proposta, que favorece as grandes empresas do setor, e defende a criação de um Sistema Nacional de Segurança Privada, com a participação do poder público e de entidades empresariais.

A elaboração do Estatuto da Segurança Privada é uma iniciativa importante do governo. Mas, como envolve interesses conflitantes, seu alcance e sua consistência técnica só poderão ser efetivamente avaliados quando a Secretaria de Assuntos Legislativos divulgar o projeto na íntegra.

Caso médico - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 30/07

Hugo Chávez retoma sua agenda internacional amanhã no encontro do Mercosul, em Brasília.
Por causa da doença, descoberta em 2011, quase não saía da Venezuela. Salvo para se tratar em Cuba. Não veio nem à Rio+20. A última viagem de trabalho foi em janeiro, para a posse de Daniel Ortega, na Nicarágua.

Castor, o livro

Wilson Lopes dos Santos, o criminalista de 93 anos, pôs o ponto final no livro "Castor de Andrade’,’ biografia do lendário bicheiro (1926-1997), que começou a escrever há cinco anos.
Entre outras revelações, Wilson conta detalhes da amizade do contraventor com o presidente João Baptista Figueiredo (1918-1999) e gente da alta sociedade carioca.

Segue...
Wilson foi advogado de Castor de Andrade por três décadas, numa época em que os medalhões do Direito não gostavam de defender bicheiros. Mas de lá pra cá... deixa pra lá.
O livro vai para o prelo em agosto.

Dolce fair niente
O genovês Guido Mantega curtiu uma semana de férias no Hotel Insólito, na Praia da Ferradura, em Búzios, RJ.

Por falar em Búzios...
Só no fim de semana passado, o aeroporto de Cabo Frio recebeu 14 helicópteros e jatinhos com destino ao balneário.

Cheio de charme

De Lázaro Ramos, o ator, outro dia, atendendo o telefonema de sua mulher, Taís Araújo, a atriz:
— Faaala, Penha!
Não são fofos?

LEITORES JÁ reclamaram que a coluna se comporta como o major nacionalista Policarpo Quaresma, criado por Lima Barreto em 1911, por criticar o uso de expressões em inglês. Na verdade, o inglês se transformou, em muitos aspectos, num novo esperanto, uma língua universal que, em algumas áreas do conhecimento, facilita muito o entendimento entre pessoas do mundo todo. Isto é bom. O problema é o uso banal e desnecessário, que faz a Barra da Tijuca, por exemplo, ter mais prédios com nomes estrangeiros do que em português. Neste caso, parece “complexo de vira-lata”, de que falava Nelson Rodrigues. Veja este tapume, que atraiu a atenção da leitora Suzana Surerus, em frente a uma loja na Rua Garcia DÁvila, em Ipanema. Parece exagero. E é •

Gois em Londres I

Veja como anda a paranoia em Londres nestes Jogos. Parentes de um coleguinha da TV Globo, que estão lá como torcedores, foram assistir a um jogo da seleção feminina de futebol e, acredite, acabaram confundidos com terroristas.
No meio do primeiro tempo, cinco policiais os levaram a uma sala, onde foram revistados e interrogados, acusados de "unusual behavior” (comportamento estranho).

Segue...
Perguntaram, por exemplo, por que o pai do nosso coleguinha vestiu a camisa do Brasil no banheiro em vez de já chegar vestido. Também quiseram saber por que filmavam tudo e por que o irmão do jornalista havia perguntado a um voluntário quantas TVs havia no estádio. Meia hora depois, ufa!, liberaram os dois.

Ainda assim...
No segundo tempo, mandaram um voluntário português à arquibancada para fazer algumas perguntas sobre o Brasil (capital, presidente etc...).

Gois em Londres II
Em Londres, ontem, a seleção de Mano vencia de virada por 3 a 1 a seleção da Bielorrússia.
Em Paris, o empresário Ricardo Teixeira fazia suas orações na Capela da Medalha Milagrosa, na Rue du Bac.

Caipirinha de exportação
Este caminhãozinho vende pelas ruas de Hamptons, recanto chique perto de Nova York, versões da nossa brasileiríssima caipirinha.
Faz até entrega em domicílio.

Imagina na Copa
Uns bandidos têm se disfarçado de guias turísticos na subida da Ladeira do Morro Cerro-Corá, no Cosme Velho, no Rio, para enganar turistas que chegam de carro para pegar o bondinho até o Cristo Redentor.
Antes da chegada à estação, os gatunos abordam os motoristas e sugerem que estacionem na ladeira.
Na volta, os incautos acham o veículo arrombado.

Só metade

Um grupo de mulheres trocou de mal com a Contém 1g, a loja de cosméticos. É que foram convidadas para uma demonstração de novos produtos de maquiagem semana passada num quiosque da marca, no Centro do Rio.
Mas as funcionárias só maquiaram metade do rosto. A outra parte só... pagando.

No que...

Teve gente saindo com primer, base, corretivo, tonificante e poros limpos só de um lado.

Gois em Londres III

Os hotéis em Londres estão faturando com as Olimpíadas. A diária de um quatro estrelas, que normalmente sairia a R$ 400, está na casa dos R$ 900.
Deve ser terrível viver num lugar onde a indústria hoteleira aproveita um evento desse tamanho para botar a mão no bolso dos outros.

Porta fechada - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 30/07

O pedido de réus do mensalão para que o processo seja desmembrado não deve prosperar. Por essa tese, os que não têm mandato nem cargo público não gozam de foro privilegiado para serem julgados no STF (Supremo Tribunal Federal), e seus casos deveriam ser enviados à primeira instância. Se ela prevalecesse, só três dos 38 acusados permaneceriam na corte.

ERA UMA VEZ

Os advogados Márcio Thomaz Bastos, do Banco Rural, e Marcelo Leonardo, de Marcos Valério, sustentam que o STF sempre desmembra processos com as mesmas características. Mas há um precedente simbólico: o de Fernando Collor de Mello. Os outros sete réus do processo em que o ex-presidente era acusado de corrupção também foram julgados no STF.

DECOLAGEM

Até o piloto de avião de PC Farias, tesoureiro de Collor, foi julgado na corte, lembra um dos ministros mais antigos do tribunal.

POUSO

A presidente Dilma Rousseff estuda lançar um pacote para incentivar a aviação regional. Ele faz parte de um conjunto maior de medidas que atingem outras áreas. A previsão é que sejam anunciadas em agosto.

BIRUTA DE SERRA

Interlocutor direto de Gilberto Kassab (PSD-SP) diz que é fácil explicar o comportamento de "biruta de aeroporto" dele -que em SP apanha do PT e em Minas se alia ao partido. Todos os movimentos do prefeito seriam para neutralizar os que ameaçam a candidatura de José Serra à Presidência. Ao forçar o PSD a romper com o PSDB em Minas, o prefeito atirou em Aécio Neves e no governador Eduardo Campos, de Pernambuco, que apoiam Marcio Lacerda (PSB-MG).

BIRUTA DE SERRA

A aliança do PSD em Minas foi feita depois que Kassab recebeu pedido de Dilma Rousseff. Os interlocutores do prefeito dizem que é o quadro de seus sonhos: ajudar Serra no jogo interno do PSDB a pretexto de atender a um pedido da presidente.

ARMANI POR MENOS

Quatro manequins da vitrine da loja Empório Armani da rua Haddock Lobo, nos Jardins, que fechou em março, foram vendidos por R$ 360 em um leilão. O lote de 102 cabides da grife saiu por R$ 480. Os dois cofres da butique, por R$ 210 e R$ 300. Cinco bancos de madeira que tinham lance mínimo de R$ 20 encalharam.

ÁGUA NOS JARDINS

Um vazamento de água do hotel Renaissance está alagando parte da rua Haddock Lobo. Ao menos uma vez por semana, um jato de água chega a jorrar por até cinco horas seguidas.

ÁGUA NOS JARDINS 2

O hotel informa que a água é resultante da condensação do ar-condicionado central e não prejudica o meio ambiente. A Subprefeitura de Pinheiros diz que é proibido o despejo de água em vias públicas. A reutilização pode ser feita para manutenção do jardim e descarga de sanitários, e o hotel é responsável pelo destino final. O órgão diz que fará vistoria no local. O hotel afirma que já estuda como sanar o problema.

SOBRE ZUMBIS E BOIS

Já foram escolhidas as dez produções, de no máximo 70 minutos, que receberão até R$ 1,2 milhão do Ministério da Cultura num programa de baixo orçamento. Entre elas, "Nerds versus Zumbis" (44 Toons Produções), "Big Jato" (Perdidas Ilusões) e "Valeu Boi!" (Desvio Produções). A lista será divulgada hoje.

Meio da rua
A ex-ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Mello afirmou que seu romance com o colega Bernardo Cabral, da Justiça, no governo Collor, aconteceu por assédio da parte dele -que era casado. "Tenho até medo de me crucificarem, mas vou falar. Hoje acho que fui vítima de um... Como é que se chama no Brasil 'sexual harassment'?", disse em entrevista à "Claudia" de agosto.

"Ele já tinha sido indicado ministro, eu ainda não", disse Zélia. "Eu estava vulnerável. Não estou querendo me justificar, mas minha visão é que me deixei levar por uma situação de poder. [...] A pessoa em questão não tem nada a ver comigo. Zero! Não teve hábitos, educação e cultura parecidos com os meus. É como se me apaixonasse hoje por um cara qualquer que estivesse passando aí na rua."

PATOTA DA FOTO

A galeria Lourdina Jean Rabieh organizou no fim da semana sua primeira mostra coletiva de fotografias, "Foto Foire I". A exposição exibe trabalhos de 14 artistas. Estiveram na abertura, nos Jardins, a modelo Cassia Avila, a atriz Patrícia Barros e a arquiteta Marcia Martin. A fotógrafa Simone Monte é uma das expositoras.

Curto-circuito

O chef Jefferson Rueda e os irmãos Marcelo e Ernesto Fernandes abrem o Attimo hoje, às 20h, na Vila Nova Conceição.

A peça "Dorotéia" terá estreia para convidados hoje, às 21h, no teatro Raul Cortez, na Bela Vista. 14 anos.

O restaurante Ping Pong oferece coquetel de abertura da Mostra do Cinema Asiático, na quinta, às 20h30, na Cinemateca.

A mostra "Jorge Amado e Universal" levou 134 mil visitantes ao Museu da Língua Portuguesa.

com ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, LÍGIA MESQUITA e OLÍVIA FLORÊNCIA

Emprego - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 30/07


Criada na antevéspera do final do primeiro ciclo da Era Vargas, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) cumpriu missão fundamental ao regular as relações entre trabalhadores e empregadores em um país que ensaiava os passos na construção de uma economia industrializada, moderna e diversificada.
Sete décadas depois, as aceleradas transformações que ocorrem em nível global mostram que o mundo das relações trabalhistas cobra da sociedade um novo olhar, contemporâneo, compromissado com o futuro e sustentado por políticas públicas e empresariais objetivas, capazes de abrir oportunidades para um maior número de brasileiros.
O desafio hoje é outro e está na criação de um ambiente que incentive a geração de empregos de qualidade e remova distorções históricas inaceitáveis, conforme mostra o relatório, da Organização Internacional do Trabalho, "Perfil do Trabalho Decente no Brasil".
O estudo indica que precisamos avançar muito para corrigir discrepâncias que penalizam mulheres, negros -homens e mulheres- e também trabalhadores domésticos.
Os salários pagos às mulheres no período abrangido pelo estudo -até 2009- eram 17,3% menores que a remuneração dada aos homens. Também a taxa de formalidade feminina era menor que a dos homens -50,7% contra 57,7%.
No caso dos trabalhadores negros, as discrepâncias são mais perversas, com salário 30% menor que o pago a um trabalhador branco na mesma função. A situação é ainda pior para mulheres negras, que recebiam apenas 40,3%.
Penalizando a todos, permanece elevada a informalidade no emprego. A taxa de formalidade, embora tenha crescido, ainda era de 54,3% em 2009, deixando ao relento quase a metade dos trabalhadores brasileiros.
No caso dos empregados domésticos, a situação é mais crítica, com a taxa girando em pouco mais de 6% em alguns Estados do nordeste -empregos ocupados principalmente por mulheres predominantemente negras. Nesta categoria, o mais alto índice de formalização chega a 38% apenas em São Paulo.
Os 2.496 dispositivos pendurados na CLT ao longo dos últimos 70 anos -922 artigos, mais a legislação acessória e súmulas de tribunais- mostram-se inócuos para reverter esse cenário e comprovam que passou da hora de se instalar um debate para modernizar as relações trabalhistas no país.
Lembro que esta é uma entre tantas reformas estruturais que o Brasil continua devendo aos cidadãos e que acabaram sublimadas ou pela falta de vontade política ou pela urgência de matérias que interessam de perto ao governismo e ao seu projeto de poder.
Uma década depois, as antigas reformas constitucionais continuam sendo as novas reformas ainda por se fazer.

Sete belezas - JOSÉ ROBERTO CASTILHO PIQUEIRA


O GLOBO - 30/07

Uma obviedade repetida à exaustão por todos é que o nível de corrupção em nosso país é inaceitável. Até mesmo os corruptos de ofício estão cansados de tanta concorrência e da banalização do exercício de suas atividades.

Políticos recebem rotulações genéricas e, nas conversas em almoços e festinhas, são duramente criticados e execrados. Entretanto, basta um deles chegar perto de seus críticos para logo receber cumprimentos e salamaleques de todo o tipo.

Aquele que conheceu o político sai feliz, elogiando sua capacidade de negociação e perspicácia ímpar na obtenção de apoios e votos para as próximas eleições. Caso receba uma missão ou um pedido do político, cumpri-la-á com rigor e dedicação, à espera de uma recompensa que pode ser um simples elogio público.

Em 1975, logo que comecei a trabalhar, recém-formado engenheiro, fui admitido em uma multinacional do setor de telecomunicações. Talvez ninguém se lembre disso, mas na época tínhamos os serviços de telecomunicações como monopólio estatal.

O órgão regulador era a Telebrás, que planejava, especificava, adquiria e operava os equipamentos, em geral produzidos por multinacionais.

Nessa época, começava em todo mundo, quase silenciosamente, a revolução das comunicações digitais. Seu início foi pelos equipamentos que interligavam centrais telefônicas dos grandes centros urbanos, usando a modulação por código de pulsos ou, em inglês, pulse code modulation (PCM).

A Telebrás, então, encomendou várias ligações experimentais de diversos fabricantes para executar testes e escolher os de melhor desempenho. Lembro-me, até hoje, que junto com o saudoso colega Carlos Eduardo Silva Dantas participei dos testes do equipamento holandês, entre as estações Santo Amaro e Parelheiros, da então denominada Telesp.

Passados uns seis meses a Telebrás escolheu: holandeses, italianos e japoneses. Esses seriam os fabricantes e, para executar uma divisão de mercado que fosse adequada para o país, estabeleceu um edital para que as três contempladas tecnicamente apresentassem seus preços.

Como os três equipamentos tinham concepções diferentes de construção, comparar seus preços era muito difícil e a Telebrás, para normatizar a tarefa, estabeleceu como parâmetro o preço por canal instalado, o que tornava a análise independente da opção de projeto.

Começamos a trabalhar na proposta holandesa, eu e o Dantas, quando recebemos uma recomendação: façam um projeto que resulte em 30 mil cruzeiros por canal instalado. A técnica não importava. O resultado devia ser esse, nem um tostão a mais ou a menos.

Rapidamente descobrimos a razão. Os chefes holandeses, italianos e japoneses haviam chegado a um acordo para, assim, dividirem o filão igualmente, sem considerar os interesses do Brasil.

O escritório em que trabalhávamos era perto de um cinema. Saí do trabalho e, atraído pelo nome, fui assistir "Pasqualino Sete Belezas". Um filme genial de Lina Wertmüller, a primeira diretora a ganhar um Oscar, que relatava a vida de um "pulha", nascido e criado em Nápoles, que vivia à custa do trabalho de suas sete irmãs (as sete belezas).

Os episódios de humor e seriedade se alternam até que, ao desertar do exército italiano e ser capturado pelo exército alemão, Pasqualino aprende que "há um nível de dignidade inegociável". Saí do cinema com essa frase na cabeça e penso nela até hoje, como se fosse o personagem de Nélson Rodrigues, martelando a frase de Otto Lara Resende.

Não dava mais para fazer a proposta da divisão de mercado sem a sensação de falta de dignidade.

Alguns meses depois, livrei-me e fui trabalhar em um projeto interessante e de valor, cujo resultado está aí nas redes, até hoje. Minha participação foi pequena, mas a sensação de ter contribuído é muito boa.

Depois disso, ao longo de quase quarenta anos, a engenharia e o ensino conduziram-me por vários lugares e permitiram que eu convivesse com ótimos profissionais, das mais diversas áreas. Entretanto, a lição do Pasqualino nunca foi esquecida.

Educação tratada como mercadoria, tentativas de fraudar licitações, administrações públicas trocando propinas por favores, empresas de transporte falseando dados de pedágio, abandono de livros comprados com dinheiro público, perseguições gratuitas, uso indevido de recursos do Estado, enfim todos esses fatos que vão além da dignidade, parecem fazer Pasqualino corar de vergonha.

Estamos em época de eleições. Aliás, em todo lugar parece que estamos sempre em época de eleições, com servidores públicos e funcionários de empresas privadas confundindo trabalho com campanha eleitoral.

Por isso, ver a deputada federal Luísa Erundina (PSB) recusar-se a ser candidata ao cargo de vice-prefeito em São Paulo nas próximas eleições, me deixa feliz e tranquilo. Dignidade é inegociável.

Lula, Dirceu e a "farsa" - MELCHIADES FILHO

FOLHA DE SP - 30/07


BRASÍLIA - A CPI havia confirmado as denúncias feitas à Folha semanas antes por Roberto Jefferson quando, em agosto de 2005, Lula entrou em rede nacional de TV e disse que o governo e o PT tinham de "pedir desculpas": "Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis, das quais não tive conhecimento".

Em entrevista na virada daquele ano, o presidente reiterou que havia levado uma "facada nas costas". O partido cometera "um erro de gravidade incomensurável" e precisaria "sangrar muito para poder se colocar diante da sociedade outra vez com credibilidade".

Àquela altura, o PT já tinha sido submetido a uma temporada de purgação. Associada ao esquema ilegal de financiamento, sua direção caíra inteira. Interessado em se desgarrar do escândalo, Lula estimulou o ato público de contrição.

O mensalão só passou a ser "desconstruído" depois que a imprensa desmontou a versão do presidente, revelando que ele, se não tinha pessoalmente autorizado as reinações do tesoureiro Delúbio Soares, havia sido alertado sobre elas muito antes da entrevista-bomba de Jefferson. Virou "farsa" e "tentativa de golpe" apenas quando Lula conseguiu reagrupar apoio político.

Em 2010, quando, em resposta ao Ministério Público, ele finalmente abandonou o discurso do "eu não sabia", a máquina federal já rodava forte para blindar o presidente.

A PF tinha pisado no freio. Os saques nas contas do PT irrigadas pelo valerioduto não foram rastreados. O inquérito que comprovou o desvio de dinheiro público mal andava. Só seria concluído no ano seguinte, à revelia, custando uma "geladeira" ao delegado responsável -advertido, curiosamente, pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que, na época de deputado, adorava criticar o PT mensaleiro.

Réu mais célebre do mensalão, o ex-ministro José Dirceu em boa medida paga o pato pelo ex-chefe.

A AGU e a questão indígena - DENIS LERRER ROSENFIELD

O ESTADÃO - 30/07


A Advocacia-Geral da União (AGU) publicou em 16 de julho a Portaria n.º 303, regulamentando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) referente às condicionantes do caso Raposa-Serra do Sol. Trata-se de um ato administrativo, jurídico, que obriga todos os órgãos do Estado a seguirem as suas orientações.

A questão é particularmente interessante porque a Funai e o Ministério Público Federal (MPF), com apoio de ONGs, movimentos sociais e entidades da Igreja Católica, como o Conselho Indigenista Missionário, continuavam a atuar como se o STF nada tivesse decidido a respeito. Com pedidos de esclarecimento ao Supremo e embargos declaratórios, procuraram não seguir as novas diretrizes.

O ministro Luís Adams, numa clara atitude de respeito à lei, de afirmação dos princípios republicanos, declarou não ser mais possível o País conviver com tal grau de insegurança jurídica, colocando-se na posição própria de um defensor do Estado de Direito. As reações não tardaram, com a Funai, ONGs e movimentos sociais buscando impedir a aplicação da nova norma, sugerindo sua suspensão, e outras ações análogas.

Nestes três anos tiveram todo o tempo de expor suas posições, que foram convenientemente analisadas em parecer da própria AGU (n.º153/2010/DENOR/CGU/AGU). Nele se vê com clareza como a Funai se recusa a seguir as diretrizes do STF, usando todos os subterfúgios possíveis, que aparecem sob a forma de esclarecimentos administrativos. O caso é especialmente importante por mostrar a autonomia com que a Funai está acostumada a tratar o assunto, tentando, praticamente, se instituir como um poder independente.

Mais especificamente, a Funai questionava a competência dos órgãos ambientais, a atuação das Forças Armadas e a ampliação das áreas indígenas já demarcadas, além de criar obstáculos à construção de usinas hidrelétricas sem prévia consulta às comunidades indígenas (leia-se a própria Funai e as ONGs nacionais e internacionais), cujo exemplo maior é o conjunto de empecilhos à construção de Belo Monte.

Vejamos alguns exemplos.

O artigo 1.º da portaria estabelece: "(VIII) o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade". Ora, esse era um problema importante, pois havia uma confusão de competência entre o Instituto Chico Mendes e a Funai no que toca ao usufruto dos índios nas unidades de conservação, com este último órgão pretendendo ter ingerência nesse setor. Seguindo as determinações do STF, a AGU equaciona a questão afirmando a responsabilidade do órgão ambiental sobre tais áreas, dirimindo a confusão administrativa existente. O meio ambiente foi claramente preservado.

O artigo 1.º estipula: "(XVII) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada". Esse artigo é complementado pelo artigo 4.º, que traz a seguinte especificação: "O procedimento relativo à condicionante XVII, no que se refere à vedação de ampliação de terra indígena mediante revisão de demarcação concluída, não se aplica aos casos de vício insanável ou de nulidade absoluta".

Ora, esse é um dos pontos que a Funai, o MPF e as ONGs nacionais e internacionais, além dos movimentos sociais, mais relutam em seguir, por pôr um ponto final na insegurança reinante. Na verdade, tinham o objetivo de introduzir um argumento falacioso, presente em sua arguição ao parecer da AGU: o de que todas as demarcações e homologações existentes, que já cobrem em torno de 13% do território nacional, não seriam válidas, pois feitas com outros critérios que não os atuais. De fato estavam - e estão - é propugnando a revisão e ampliação de todos os territórios indígenas, como se o que foi feito no passado não tivesse valor legal algum. Isso equivaleria a uma total insegurança jurídica, que seria produzida pelos contestáveis critérios - ideológicos - atuais.

Fica, contudo, um problema a ser resolvido, que é basicamente social e demográfico: o de terras que se tornaram exíguas pelo crescimento da população indígena. Essa questão pode - e deve - ser equacionada pelo poder público mediante a compra de terras para essas comunidades, que seriam atendidas em seus legítimos pleitos sem causar prejuízos aos agricultores no seu entorno ou em suas proximidades. Os conflitos desapareceriam e as diferentes comunidades seriam atendidas num clima de cooperação e concórdia. Acontece que muitas entidades e ONGs vivem do acirramento dos conflitos, deles tirando proveito.

O artigo 1.º estabelece ainda: "(VI) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à Funai". Trata-se de um ponto, que diria elementar, de reafirmação da soberania nacional. Mas a Funai e ONGs nacionais e internacionais procuraram nos últimos anos criar condições para o estabelecimento futuro de "nações" indígenas. Tal projeto poderia atentar contra a própria soberania nacional. Imaginem se a defesa das fronteiras nacionais pelas Forças Armadas devesse estar subordinada a consulta à Funai e às comunidades indígenas, representadas também por ONGs internacionais.

Por último, o artigo 1.º determina: "(I) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, § 2.º, da Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o art. 231, 6.º, da Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei complementar". Dessa forma são assegurados os direitos da União no que respeita, basicamente, ao aproveitamento dos recursos energéticos do País, principalmente hídricos, que já vinham sendo contestados mesmo fora de áreas indígenas. A decisão final não é de competência de ONGs e movimentos sociais.