terça-feira, maio 29, 2012

Para que servem a ONU e o Brasil? - CLÓVIS ROSSI


FOLHA DE SP - 29/05


Impotência da comunidade internacional é estímulo para que massacres se repitam seguidamente
No domingo, o Conselho de Segurança da ONU condenou "nos termos mais fortes possíveis" o massacre praticado pelas tropas sírias na cidade de Houla (108 mortos, dos quais 32 eram crianças).
Aderiram até Rússia e China, países que, até agora, protegeram o ditador Bashar Assad.
O ditador tremeu, então? Nada. Repetiu o massacre menos de 24 horas depois da nota, desta vez na cidade de Hama, de novo com a morte também de crianças (oito, segundo as contas que a mídia ocidental reproduzia na tarde de ontem).
Sempre convém lembrar que, há exatos 30 anos, Hama havia sido vítima de uma matança de muito maior dimensão, praticada pelo pai do atual ditador, Hafez Assad, com cerca de 20 mil mortos. O que significa que os Assad, pai e filho, cometem há muitos anos "flagrante violação das leis internacionais", como diz, sobre Houla, o comunicado da ONU.
O que fez nesses 30 anos e o que faz agora a comunidade internacional? Nada, rigorosamente nada, a não ser adotar reações puramente retóricas que, como todo o mundo sabe -e a sequência Houla/Hama confirma-, não servem de escudo contra balas.
Admitamos que não é fácil reagir de acordo com a legalidade internacional, que exige o aval do Conselho de Segurança, o que impõe conciliar interesses geralmente divergentes entre os cinco países que têm direito de veto (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido). Ainda mais quando dois desses países ou são uma ditadura como a de Assad (China) ou têm baixo teor de democracia nas veias (Rússia).
Ainda assim, passou da hora de estabelecer algum tipo de mecanismo que permita evitar as tais "violações flagrantes da legislação internacional". A impotência da ONU aduba o terreno para que outras ditaduras pratiquem massacres, que agora são em tempo real.
O "Guardian" informava, em sua edição on-line, que Ismail Ghani, um dos comandantes da Guarda Revolucionária do Irã, admitiu que tropas de seu país estão atuando na Síria, segundo ele para "prevenir massacres" praticados pela oposição a Assad.
Quando ditaduras têm as mãos livres para agir e as democracias ficam apenas olhando e falando, alguma coisa está profundamente errada na governança global.
Como errada está também a diplomacia brasileira ao sobrepor o respeito à soberania de cada país ao direito à vida de seus cidadãos. Soberania, em um mundo civilizado, não pode incluir a soberania de praticar massacres contra a própria população.
Até entendo que o Brasil não tem peso nem militar nem econômico para influir de fato no mundo. Mas tem -ou deveria ter- o chamado "soft power", o fato de ser uma das maiores democracias do mundo e sem ambições hegemônicas, para fazer ouvir sua voz sem as ambiguidades e tergiversações que o têm caracterizado nesse capítulo.
O Itamaraty não se sente incômodo em ser parceiro nos Brics de Rússia e China, que protegem ditaduras e, por extensão, os massacres? Ou do Irã, cujo presidente está para chegar para a Rio+20, que se orgulha de ser cúmplice de massacres?

Divórcio à vista - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 29/05


Depois de o senador Demóstenes Torres se transmutar de arauto da moralidade pública em ajudante e conselheiro de um contraventor, até dos benfeitores os cidadãos desconfiam
Quando presidente, Lula agia para tirar fôlego de eventuais adversários ou pré-candidatos dentro da base de seu governo (hoje, ele parece agir para tirar o Supremo Tribunal Federal do pé do PT no caso do mensalão). A presidente Dilma Rousseff, entretanto, não parece adotar a mesma atitude, seja no caso do mensalão, sobre o qual ainda não se pronunciou, seja para afastar adversários. 
Nos últimos dias, cresceu dentro do PDT a sensação de que, ao fazer de Brizola Neto ministro do Trabalho sem qualquer consulta ao manda-chuva do partido, Carlos Lupi, Dilma abriu uma avenida para que os pedetistas liderados por Lupi busquem um candidato a presidente. 
Lupi é até hoje, passado um mês da nomeação de Neto para o ministério, um pote até aqui de mágoas. Ele não se esquece de 2006, quando o seu partido queria em parte apoiar Geraldo Alckmin e ele interveio inclinando o PDT para a campanha pela reeleição de Lula. O ex-presidente, agradecido, fez do pedetista ministro do Trabalho. Em 2010, Lupi fez questão de anunciar o apoio à candidatura de Dilma antes de o PT abraçá-la oficialmente. Continuou ministro no governo dela até ser extirpado por conta das denúncias. 
Abandonado por Dilma, o mesmo Lupi que disse “Dilma, eu te amo” transformou o PDT num partido em busca de um candidato a presidente. Coincidência ou não, ele se aproximou muito do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que já foi candidato a presidente da República contra Lula. E hoje é da ala dos independentes. 

Por falar em independente...Lupi, entretanto, tem dúvidas quanto à candidatura do senador. Prefere alguém, digamos assim, mais “lutador”. Eis que surge no horizonte, o ex-deputado Ciro Gomes, do PSB. Se o PDT é uma legenda em busca de um candidato, Ciro é um potencial em busca de um partido. E sabe que, dentro do PSB, a primazia de uma candidatura a vice-presidente ou mesmo ao Planalto está hoje nas mãos de Eduardo Campos, governador de Pernambuco. Por isso, não se surpreendam se Ciro terminar, passada a eleição municipal, filiado ao PDT de Carlos Lupi. Se Lula não entrar em campo para tentar segurar essa formatação, ela virá. 

Por falar em Lula...Essa história de o ex-presidente procurar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes para tratar do processo do mensalão só deixa a sociedade mais distante dos políticos. Afinal, para que serve um ex-presidente? Nos Estados Unidos, eles montam ONGs, saem dando palestras pelo mundo afora. São inclusive impedidos de serem candidatos novamente. Ficam assim, meio como oráculos a serem consultados quando a situação fica difícil, seja no partido, seja no país. 
Aqui, a coisa não funciona assim. Ex-presidente da República vira comandante do Senado, vide José Sarney. Ou pior: um ex-presidente afastado do cargo por um processo de impeachment — ou renúncia no último segundo, quando o processo já corria no plenário —, termina como integrante de uma CPI. Dentro do colegiado, Fernando Collor já deixou clara a sua intenção de vingança perante todos aqueles que cassaram seu mandato ou que, na visão dele, tiveram alguma participação contundente para levar àquele desfecho.
Talvez esteja nessa vingança sem fim de Collor o próprio Congresso, hoje meio que divorciado da sociedade brasileira. Aliás, leitor, se levarmos ao pé da letra, está tudo muito esquisito. Depois de o senador Demóstenes Torres se transmutar de arauto da moralidade pública em ajudante e conselheiro de um contraventor, até dos benfeitores os cidadãos desconfiam. A sorte de Dilma hoje é que no imaginário popular ela paira distante da política, onde separações e traições são constantes, e aparece cada vez mais perto da sociedade. 

Gilmar na ofensiva - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 29/05

O ministro Gilmar Mendes (STF) reafirmou o teor e o tom da reportagem da revista "Veja" numa conversa com o senador Pedro Taques (PDT-MT), no sábado (26). Gilmar se declarou "chocado" com a atitude do ex-presidente Lula, de pressioná-lo pelo adiamento do julgamento do mensalão, e que, por isso, decidiu torná-la pública. Gilmar já tinha se queixado de Lula com o presidente do DEM, senador Agripino Maia (RN), em encontro casual num restaurante em Brasília, na quarta-feira (23).

A opinião pública empurra a CPI
A bancada do PT na CPI do Cachoeira deve apoiar hoje a quebra do sigilo bancário e fiscal da Delta nacional. A postura defensiva dos petistas nesse caso tem sido alvo de duros questionamentos internos. O líder no Senado, Walter Pinheiro (BA), é um dos críticos dessa conduta, pois ela sugere à opinião pública que o partido tem o rabo preso com o esquema Cachoeira. Os petistas também refletem sobre a oportunidade de convocar ou não o governador Marconi Perillo (PSDB-GO) para depor. Alguns petistas defendem que, antes, é preciso quebrar o sigilo bancário de Perillo, pois ele recebeu cheques de um sobrinho de Cachoeira.

"Enquanto isso, a presidente Dilma passa ao largo disso tudo. Ela está só se fortalecendo” — Humberto Costa, senador (PT-PE), sobre as escaramuças na CPI do Cachoeira e no julgamento do mensalão pelo STF

NOVO CAPÍTULO. Pressionado por uns a se declarar impedido no julgamento do mensalão e, por outros a participar, o ministro do José Antônio Dias Toffoli (STF) está inclinado a votar, mesmo que sofra desgaste e sua isenção seja questionada. Hoje, ele se torna membro efetivo do TSE e, em 2014, presidirá a disputa na reeleição da presidente Dilma.Toffoli quer enfrentar os críticos agora para evitar que eles voltem à cena daqui a dois anos.

Paralelos
Integrantes da ala independente da CPI não querem misturar o caso Cachoeira com o julgamento do mensalão. Acham que são temas paralelos e que está em curso nova tentativa de desviar o foco para enterrar a investigação.

Alta ansiedade
Experiente em CPIs, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), diz que "é muito cedo para declarar a morte da CPI". Ele explica que o trabalho vai acelerar quando a comissão receber os dados das quebras de sigilos bancário e fiscal.

Uma manobra ousada
Advogados dos réus do processo do mensalão vão começar a pedir "arguição de impedimento", relacionada a ministros do STF que tiveram o nome envolvido pelo ex-presidente Lula na conversa com Gilmar Mendes. Estão na lista das defesas o próprio Mendes, José Antonio Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. A manobra não atrasa o julgamento, mas a intenção é causar constrangimento aos ministros.

Cadê os bombeiros
Perplexos com a postura dos ministros do STF, no episódio Lula-Gilmar Mendes, políticos experientes perguntavam ontem quem iria apartar uma briga da qual até ministros do Supremo se comportavam como incendiários?

Olha o Rio aí...
Amanhã, no Planalto, homenagem às organizações que atuam para atingir as Metas do Milênio. Serão agraciadas no Rio: prefeitura de Silva Jardim, Associação Redes da Maré, Instituto Ciência Hoje e Movimento Morhan (hanseníase).

A PROCURADORIA-GERAL da República até ontem não decidiu tornar público o contracheque de seus funcionários, ao contrário do que já fizeram o Poder Executivo, o STF e o Congresso.

O PRESIDENTE do Conselho de Ética, Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), permitirá que todos os senadores façam perguntas a Demóstenes Torres.

O EX-PRESIDENTE Lula está sendo muito criticado por sua abordagem sobre o ministro Gilmar Mendes, mas um parlamentar-advogado perguntava ontem: Como pode um ministro do STF ir ao encontro de um público e notório defensor dos réus do mensalão?

A conta dos mortos - VLADIMIR SAFATLE


FOLHA DE SP - 29/05


No último domingo, esta Folha publicou reportagem a respeito do número de mortos resultantes de ações da luta armada contra a ditadura militar ("Para militares, Estado combatia o terrorismo", "Poder", 27/5).
A reportagem em questão tem sua importância por trazer mais informações que permitem aos leitores tirar suas conclusões a respeito daquele momento sombrio da história brasileira. No entanto ela peca por aquilo que não diz.
Baseando-se nos números de um site de militares defensores da ditadura, o texto lembra como membros da luta armada mataram, além de militares, "bancários, motoristas de táxis, donas de casa e empresários". Não é difícil perceber o esforço do jornalista em induzir a indignação a respeito de tais ações contra "vítimas particularmente vulneráveis", como sentinelas "parados à frente dos quartéis".
Em uma reportagem como essa, seria importante lembrar que os membros da luta armada que se envolveram em tais mortes foram julgados, condenados e punidos. Eles nunca foram objeto de anistia.
A Lei da Anistia não cobria tais crimes. Por isso eles ficaram na cadeia depois de 1979, sendo posteriormente agraciados com redução de pena. Sem essa informação, dá-se a impressão de que o destino desses indivíduos foi o mesmo do dos torturadores.
Segundo, seria bom lembrar que "terrorismo" significa "atos indiscriminados de violência contra populações civis". Nesse sentido, as ações descritas da luta armada não podem ser compreendidas como "terrorismo", já que a própria reportagem reconhece que as vítimas civis não eram os alvos.
Mesmo a ação no aeroporto de Guararapes não era terrorismo, mas um "tiranicídio", que, infelizmente, errou de alvo. Vale aqui lembrar que, no interior da tradição liberal (sim, da tradição liberal), um "tiranicídio" é algo completamente legítimo, a não ser que queimemos o "Segundo Tratado sobre o Governo", do "terrorista" John Locke.
Quando a Comissão da Verdade foi instalada, era de esperar lermos reportagens sobre as empresas que financiaram aparatos de tortura e crimes contra a humanidade, os centros de assassinatos ligados às Forças Armadas, entrevistas com os jovens que organizam atualmente atos de repúdio contra torturadores, crianças que foram sequestradas de pais guerrilheiros assassinados.
No entanto há uma certa propensão para darmos voz a torturadores que se autovangloriam como "defensores da pátria contra a ameaça comunista" e "fatos" que comprovam a teoria dos dois demônios, onde os crimes da ditadura se anulam quando comparados aos crimes da luta armada.

'Código Florestal, o Retorno' - XICO GRAZIANO


O ESTADÃO - 29/05


Entre tantas dúvidas sobre o Código Florestal, uma certeza o agricultor José Batistela carrega: ele não precisa, nem quer, ser anistiado. Ninguém jamais o convencerá de que incorreu em crime ambiental ao abrir as fronteiras agrícolas do Brasil. Julga tal suposição uma afronta ao seu caráter.

Descendente de italianos, cheio de bisnetos, seu José anda meio depressivo pelo que escutou no rádio e na televisão. Sente-se desprestigiado na sociedade urbanizada que ajudou a erigir e agora lhe vira as costas, não lhe reconhecendo nas mãos os calos ganhos no árduo trabalho da roça. Esquecem-se os citadinos de sua saga familiar, há mais de século iniciada com a abertura daquelas terras roxas na região de Araras, destinadas a plantar os cafezais que forjaram a pujança paulista. O machado, sim, e a maleita, também, fazem parte de sua história. Renegada no presente.

A mistura entre desmatadores e pioneiros representou a pior desgraça gerada nessa infeliz polêmica sobre a legislação ambiental do campo. Uns, condenáveis, outros, elogiáveis, ambos se misturaram no discurso exagerado, enganoso mesmo, brandido pelos radicais do ambientalismo. Em nome de nobre causa - a defesa ecológica -, cometeram uma tremenda injustiça com os nossos antepassados, equiparando-os aos criminosos da floresta. Cuspiram em suas origens.

Semelhantes a qualquer outro povo espalhado no planeta, os pioneiros da Nação brasileira, certamente, suprimiram muitas florestas virgens. Começaram pela Zona da Mata nordestina, onde o latifúndio açucareiro se instalou ocupando a faixa úmida e ondulada que acompanha a costa atlântica. Depois, durante a corrida para a mineração, chegou a vez de o montanhoso solo mineiro ser desbravado. O mesmo ciclo de progresso estimulou a exploração pecuária nos pampas gaúchos. Pedaços da vida selvagem cediam espaço para a civilização humana crescer.

Mais tarde, a frente de expansão adentrou a Mata Atlântica do Sudeste, buscando a excelente fertilidade das terras roxas. São Paulo, por intermédio dos bandeirantes e, depois, dos imigrantes, assumia a dianteira econômica, e política, do País antes mesmo do fim da escravatura. Nessa época, o navio trazendo o pai de José Batistela aportava no Porto de Santos. O que o movia era o sonho da prosperidade no além-mar.

O tempo passou. Somente quando a agronomia realizou uma de suas maiores façanhas tecnológicas - a conquista do Cerrado no Centro-Oeste - a última fronteira se efetivou. Há 40 anos se iniciava a interiorização do desenvolvimento nacional, processo que ainda receberá da historiografia o devido reconhecimento na consolidação do País. Confundir essa ocupação histórica do território com o dano ecológico causado pelos devastadores do presente significa tola, ou mal-intencionada, visão.

Nossos avós, definitivamente, não são criminosos ambientais, tampouco criaram "passivos" a serem recuperados. Ao contrário, eles geraram ativos produtivos para a civilização. Como se teriam erguido, e abastecido, as cidades sem a lavra do solo virgem? Impossível. Derrubar árvores, drenar várzeas, combater peçonha foram exigências do progresso material da sociedade, aqui como alhures, turbinado pela explosão populacional.

Haverá, com certeza, um limite para a exploração planetária. O que permite tal hipótese é o avanço tecnológico. Quanto mais as modernas técnicas garantem, no campo, maior produtividade por área explorada, mais se facilita a preservação de espaços naturais. Boa comprovação disso se encontra na pecuária brasileira. O volume de carne produzido hoje no Brasil exigiria, se mantido o nível de tecnologia de 30 anos atrás, um assustador acréscimo de 535 milhões de hectares nas pastagens. Economizou-se uma Amazônia.

No patamar de conhecimento atual, estima-se que as áreas já exploradas do território nacional seriam suficientes para atender à demanda de mercado por alimentos e matérias-primas. Ou seja, após séculos de expansão sobre os biomas naturais, vislumbra-se um ponto de equilíbrio entre derrubar e produzir. Mais que utopia, o desmatamento zero torna-se uma possibilidade real.

Seu José Batistela, agricultor da velha guarda, tem dificuldade para entender esse assunto da "pegada ecológica" da humanidade. Mas concorda com a punição dos picaretas que, na Amazônia ou onde mais, zunem a motosserra afrontando conscientemente a lei florestal. Sabe que os tempos mudaram.

Aqui está o xis da questão: como consolidar, e regularizar, as áreas produtivas da agropecuária nacional sem facilitar a vida para os bandidos da floresta. Infelizmente, no debate polarizado sobre o novo Código Florestal, tudo virou um só dilema: anistiar, ou não, os desmatadores, colocando todos no mesmo saco. Desserviço à inteligência.

Chegou a hora de passar a limpo essa encrenca entre ruralistas e ambientalistas. Má interpretação, exageros, preconceitos confundiram a opinião pública, até no exterior. Na Europa, especialmente, ecoterroristas venderam a ideia de que o Código Florestal acabaria com a Amazônia. Mentira deslavada. Abaixada a bola com a (correta) promulgação da Lei 12.651/2012, com vetos, seguida da imediata publicação da Medida Provisória 571, há que retomar a capacidade de interlocução.

Doravante valeria a pena ouvir a voz da sensatez. Recuperar a biodiversidade não se sobrepõe à proteção humana. Não faz nenhum sentido regredir, salvo o imprescindível nas matas ciliares, o território produtivo do País. Muito menos facilitar os desmatamentos.

Código Florestal, o Retorno. Assim se poderia chamar o filme. Só que, nesse novo enredo, José Batistela ocupará um papel honrado.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 29/05

Redes de escolas de idiomas disputam marca na Justiça

A Justiça do Paraná determinou que a rede de escolas de idiomas Wisdom cumpra a decisão de deixar de usar sua marca, seu método e seu material de ensino. Não cabe recurso.

O motivo é uma acusação feita por outra rede do setor, a Wizard, de que houve plágio na reprodução de livros didáticos, manuais de professores, material de publicidade e propaganda.

A decisão ocorre após o STF não acolher os recursos da Wisdom.

O litígio se arrasta há quase 20 anos, quando um ex-franqueado da Wizard no Paraná deixou a empresa para abrir sua própria marca com modelo muito parecido, segundo o advogado Jonny Paulo Silva, que representa a Wizard no processo.

"Enquanto franqueado ele teve acesso a tudo. Depois aproveitou o modelo. A rede deles chegou a ter mais de 200 unidades", diz Silva.

Será também cobrada uma indenização cujo valor ainda não foi definido.

"Desde que começamos, investimos em metodologias e inovações", diz o fundador, Carlos Wizard Martins.

O réu no processo, Alexandre Pradera, não foi encontrado para dar entrevista. Os telefones das unidades Wisdom indicados em sites na internet não atenderam ou não deram mais informações sobre a rede ou seu fundador. O advogado indicado no processo também não atendeu.

NÚMEROS

1.200 é o número de escolas da Wizard no Brasil

235 tem a rede de idiomas Wisdom no país

Fonte: sites das empresas

Brasil é país com mais empresas que querem se desfazer de ativos

O Brasil é o país que concentra o maior número de ativos de que as empresas querem se desfazer, segundo levantamento da EIU (Economist Intelligence Unit) feito a pedido da Ernst & Young.

Em seguida, aparecem Japão, Reino Unido e Alemanha.

Nos últimos seis meses,a parcela de companhias que pretendem vender algum empreendimento ou ação aumentou em todo o mundo e alcançou 31%.

O conservadorismo e a volatilidade do mercado são apontados como responsáveis pelo incremento no interesse por alienações.

As empresas, segundo a pesquisa, estão procurando se concentrar no que consideram ser seu núcleo estratégico.

Companhias de óleo e gás são as que mais aparecem entre as que pretendem vender seus ativos.

Foram entrevistados cerca de 1.500 executivos.

CUSTO PARANÁ

Curitiba foi a capital que apresentou maior aumento nos preços pedidos para aluguel de escritórios de alto padrão entre o primeiro trimestre de 2011 e o mesmo período deste ano.

A cidade paranaense apresentou alta de 39,9% no custo de locação do segmento, segundo estudo da consultoria Cushman & Wakefield.

"Não houve nenhuma entrega com volume significativo nesse período e a demanda continua aquecida. No final de 2011, a taxa de vacância era 0%", diz Mariana Hanania, gerente da empresa.

O aumento de preços em outras cidades, como Brasília e Vitória, teve motivação distinta. "A entrega de unidades modernizou o mercado."

Em São Paulo, o crescimento dos preços pedidos entre os meses de março de 2011 e 2012 foi de 33,9%, um "recorde de valorização", de acordo com Hanania.

IMOBILIÁRIA NOS EUA

A Lello, de administração imobiliária, passará a atuar em Miami a partir de junho.

A operação será viabilizada por meio de parceria com uma companhia local.

"Cerca de 10% dos imóveis negociados em Miami são comprados por brasileiros. Nem começamos a divulgar o projeto e já estamos recebendo pedidos", diz Roseli Hernandes, diretora da Lello.

Em São Paulo, a empresa abrirá três unidades em 2012.

A Coelho da Fonseca, por sua vez, dobrará o número de unidades na capital paulista, com 16 inaugurações em quatro anos. "Ainda estamos fora de uma parte enorme do mercado, como as zonas norte e leste", diz Fernando Sita, diretor-geral da imobiliária.

Sob medida O governo do Estado de São Paulo assina hoje um termo de cooperação com a Abest (Associação Brasileira de Estilistas). Pelo documento, as grifes associadas à entidade terão acesso às linhas de financiamento da Agência de Fomento Paulista para investir em modernização e expansão.

O risco da dívida - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 29/05

As famílias brasileiras já estão endividadas demais ou não? Dependendo do indicador, a situação parece tranquila, e, mais do que isso, com grande espaço para crescer. Mesmo assim, é preciso lembrar o que já foi dito neste espaço: o comprometimento da renda das famílias já está alto, no Brasil o dinheiro é muito caro, e o ritmo de crescimento da inadimplência está acelerado.

O volume de créditos em atraso na economia brasileira - como um todo, somando-se o crédito de pessoa física e o das empresas - cresceu 35,5% nos últimos 12 meses até abril. Saiu de R$ 58 bilhões para R$ 79 bilhões, de acordo com dados divulgados pelo Banco Central na sexta-feira.

Esse volume mostra o total de empréstimo sem pagamento há mais de 90 dias. De janeiro a abril, a alta é de 8,8% em relação ao mesmo período de 2011. O problema é principalmente o ritmo do crescimento do atraso. O crédito cresce a 18% ao ano, mas os atrasos cresceram a 35%.

A provisão que os bancos têm que fazer para o chamado crédito podre, que tem inadimplência acima de 180 dias, subiu 24% nos 12 meses até abril e atingiu R$ 67 bilhões. De janeiro a abril, a alta é de 4%.

Há muita confusão sobre os números de endividamento, em parte porque no Brasil até recentemente o crédito era tão baixo que nem era rotina acompanhar a evolução dos indicadores. Há vários ângulos pelos quais se pode avaliar o endividamento, pegando-se, por exemplo, só a dívida das famílias. Se for como percentual do PIB, no Brasil é 22%, nos EUA, 90%. Deve ter sido a esse indicador que o ministro Guido Mantega se referiu quando disse à "Folha de S.Paulo" que não se deveria preocupar com isso.

Outro indicador também de estoque da dívida mostra o Brasil numa situação muito favorável. Se for comparado o total dos débitos bancários das famílias com o que elas têm de renda em um ano dá 44% no Brasil e 117,5% nos Estados Unidos. Isso engana, porque evidentemente ninguém vai pagar a dívida inteira, financiada em vários anos, com a renda integral de um ano.

O mais relevante é o fluxo: qual é o comprometimento médio da renda mensal das famílias com o pagamento de juros ou amortização do principal? Isso é o que bate no bolso diretamente, emagrecendo a renda disponível para todos os outros gastos como alimento, habitação, transporte, saúde e educação. No Brasil é 22%, nos Estados Unidos é 10,88%.

Ou seja, os norte-americanos são mais endividados, em geral pelos financiamentos imobiliários que são altos e de longo prazo. A cada mês, no entanto, as prestações são baixas, porque os juros são praticamente negativos.

A inadimplência da pessoa física voltou a subir em abril e atingiu 7,6% das operações. No financiamento de veículos, a taxa de inadimplência disparou nos últimos 15 meses. Saiu de 2,5%, em dezembro de 2010, para 5,9%, em abril deste ano, com alta em todos os meses.

Os grandes números de provisão, ou de crédito em atrasos, assustam, mas eles incluem famílias e empresas. E como percentual do total emprestado a taxa de inadimplência é baixa, está em 3,8%. Não há ainda sinal vermelho no crédito, e o Brasil não está às vésperas dos problemas enfrentados por outros países com o estouro de bolhas.

O problema preocupa por todos esses motivos acima: as famílias estão com parte importante da renda comprometida com o serviço da dívida, e isso é alto até para padrões internacionais. Segundo, os juros no Brasil são altos demais, o que torna mais arriscado uma dívida virar uma bola de neve. Terceiro, o mercado de trabalho está aquecido, por enquanto, e isso ajuda as pessoas físicas a pagarem seus débitos, mas se houver qualquer reviravolta a situação pode se complicar.

Se houver qualquer vento contra, no entanto, com os juros caros no Brasil, as famílias podem ter dificuldade de pagar. É por isso que não é uma atitude muito ajuizada o Ministério da Fazenda incentivar o endividamento só porque o ministro quer ser o "levantador" do PIB.

A queda dos juros e os incentivos à renegociação que estão em curso ajudam a desfazer o caroço. Mas incentivar o endividamento de famílias já endividadas só porque o governo quer um número maior do PIB é um perigo. Crédito é bom quando quem o tomou pode pagar. Quando não pode pagar, vira um problema para as famílias, os bancos, os governos.

O futuro da propaganda - NIZAN GUANAES

FOLHA DE SP - 29/05

O Facebook é uma empresa de comunicação que fatura com publicidade; 85% de sua receita vem de anúncios



Muita gente me pergunta qual o futuro da propaganda, e essa resposta eu não tenho, acho que ninguém tem. Prever o futuro hoje é como prever o futuro em Manhattan na noite de 10 de setembro de 2001. Impossível saber o que está vindo pela frente.

A pergunta mais fácil de responder é justamente aquela feita pelos mais céticos: há futuro para a propaganda?

A resposta é clara porque vem quente desse admirável mundo novo. Ela vem do IPO de US$ 100 bilhões do Facebook e vem também do aumento espetacular das ações do Google desde a sua abertura de capital. São empresas que faturam basicamente com propaganda, e se o mercado tem tanta fé nelas, o mercado tem muita fé na propaganda.

Em poucos anos e de forma fulminante, Facebook e Google se tornaram empresas com valor de mercado maior do que General Motors, McDonald"s, Citigroup. E a receita do seu sucesso, a base de suas receitas, é justamente a propaganda: 85% dos US$ 3,7 bilhões de receita do Facebook no ano passado vieram dos anúncios na rede social de Mark Zuckerberg.

Ou seja, o Facebook é uma empresa de comunicação que fatura com publicidade.

Ninguém tem dúvida de que será outra publicidade essa que habitará novas e velhas redes. Mais aberta, mais conectada com o consumidor. Estamos deixando o máximo denominador comum rumo ao mínimo denominador comum. O monólogo está virando diálogo, a propaganda está virando conteúdo e o conteúdo está virando propaganda.

O conteúdo, afinal, é a propaganda da propaganda.

A propaganda sempre foi informação. Já a boa propaganda é informação com alma. E informação com alma é boa propaganda na TV, no cinema, no celular, nos iProdutos, no jornal, no painel do metrô. Hoje, ontem, amanhã.

Quem tem medo do futuro vive no passado.

Quem tem medo de competição está fora da competição.

Os publicitários-empreendedores PJ Pereira e Andrew O"Dell vieram de San Francisco na semana passada falar da sua visão do futuro e do presente. Compartilho aqui seus nove mandamentos, ou melhor, fundamentos, para enfrentar o mundo ao mesmo tempo pós-tudo e pré-tudo:

1 - O digital não é um pedaço, é o todo, o grande "hub".

2 - Recuse rótulos: não deixe colocarem você numa caixa.

3 - E se a propaganda tivesse sido inventada hoje? Não dá mais para fazer propaganda com "check list". É preciso inovar.

4 - Tudo são relações públicas: acabou o monólogo, não basta vender, é preciso se relacionar. Com todo mundo.

5 - Global é uma perspectiva, não uma condição geográfica.

6 - Assuma a dianteira. É preciso pensar como publicitário, comportar-se como "entretainer" e mover-se como empresa de tecnologia.

7 - Não fuja dos problemas. Nada mais fica embaixo do tapete ou dentro de uma gaveta.

8 - Os curiosos são melhores do que os gloriosos: trabalhar pelo prazer, não pela glória.

9 - Construa sua marca sem perder dinheiro.

São nove inspirações para o seu dia, leitor. Esteja você numa agência de propaganda, esteja em outra estrutura produtiva. Com tanta informação, é preciso inspiração. Para que o excesso de informação não cause inação.

O importante é fazer, porque, se der certo, maravilha. Se der errado, conserte rápido. É melhor aproximadamente agora do que exatamente nunca. Grandes empresas muitas vezes ficam tão preocupadas em não errar que levam tempo demais para tomar decisões. Quando pode ser melhor fazer logo o seu melhor, errar rápido, consertar rápido e seguir em frente, no caminho certo apontado pelo erro.

A cultura de massa nutrida no século 20 substituiu a cultura mitológica e religiosa que dominou corações e mentes por séculos. Essa cultura da massa agora está sendo substituída, de forma muito mais rápida, por um multiculturalismo de miniculturas, de pequenas redes: a civilização do nicho.

Você pode sentir desconforto com tantas mudanças. Mas a comunicação ficou mais fácil, não ficou mais difícil. Aproveite.

Virtuosos e bandalhos - ANTONIO DELFIM NETTO


Valor Econômico - 29/05


Analistas culpam os países devedores ("gastadores") pela crise que estamos vivendo, ressaltando a moderação virtuosa dos países credores. Tratam de afastar o "foco" das patifarias feitas pelos intermediários financeiros, com o apoio das "teorias" que continuam a defender. Não pode haver a menor dúvida. A crise foi construída pela desmontagem da regulação financeira aprovada nos anos 30 e pela péssima política monetária dos Bancos Centrais apoiados pela parte mais vocal e instrumentalizada da Academia.

Para entender a crise da Eurolândia a contabilidade nacional pode ajudar. Como a Terra é finita, a soma das exportações totais de todos os países é, necessariamente, igual à soma das importações totais de todos os países, de onde se deduz que o balanço em contas correntes de um país só pode crescer se o de outros diminuírem na mesma magnitude. O Fundo Monetário Internacional nasceu para controlar os déficits em conta corrente autorizando mudanças eventuais das taxas de câmbio fixas. Quando se generalizou a teoria que os movimentos de capitais eram absolutamente virtuosos, o sistema de câmbio flutuante passou a desempenhar esse papel.

Não há instrumento eficaz para impedir o país de manter um saldo em conta corrente permanentemente positivo para aumentar o seu PIB. De uma forma ou de outra, ele encontra a contrapartida no déficit em conta corrente de outros que veem reduzir o seu PIB. O que fazer quando a "importação" transforma-se numa importante componente do PIB do país devedor? Sem ela o PIB desaba, com ela a demanda interna cai e o PIB retrai-se. Pela Contabilidade Nacional, a demanda total é igual às despesas de consumo somadas à de investimento, dos gastos do governo e do saldo em conta corrente. Quando esse último é negativo, reduz o crescimento do PIB e o consumo e o investimento privado têm pouca probabilidade de aumentarem. Se o governo deseja manter (como todo governo que se preza) um alto nível de utilização do seu capital e de sua mão de obra, a sua propensão é aumentar os gastos públicos e incorrer em déficits fiscais.


Uma das mais interessantes identidades da Contabilidade Nacional é que, por construção, a soma da diferença entre os tributos e os gastos públicos e a diferença entre a poupança e o investimento privados é, necessariamente, igual ao déficit em conta corrente. Mas uma identidade não revela qualquer relação de causalidade. Ela foi, entretanto, a origem da lenda urbana dos déficits gêmeos: os déficits do governo causam o déficit em conta corrente, coisa que até hoje alguns analistas das melhores famílias continuam repetindo.

Economistas são exímios contadores de histórias que, em geral, não contêm um substrato empírico realmente seguro. A história que estamos contando aqui é que existe um outro lado: é o déficit em conta corrente que enfraquece o PIB que leva à ação defensiva dos governos que geram os déficits públicos! É tão boa quanto a anterior e, também, sem substrato empírico seguro. A solução do problema pelos mais sofisticados instrumentos econométricos que estudam a direção da causalidade foi incapaz, até agora, de resolvê-lo acima de qualquer dúvida.

Mas não importa o que dizem as "histórias" e o que não diz a econometria: os dois déficits têm consequências. O déficit fiscal acumulado vai produzindo uma dívida interna (e externa quando o governo usa tais recursos para cobrir seu custeio ou investimento) que com o tempo levanta dúvida sobre sua solvência e pressiona a taxa de juro real interna, o que tende a valorizar a taxa de câmbio e ampliar o déficit em conta corrente. O déficit em conta corrente acumulado vai, por sua vez, aumentando a dívida externa e produzindo o mesmo efeito, gerando dúvida sobre sua solvência dificultando paulatinamente o seu financiamento, o que eleva o "risco país" e, com ele, o custo de todo o estoque da dívida.

O Brasil já viveu a dramaticidade dos momentos em que os "credores" perdem a paciência com os "devedores" e gera-se uma crise de "morte súbita". Felizmente soubemos aproveitar os últimos anos: 1º) aprovando uma Lei de Responsabilidade Fiscal que paradoxalmente fortaleceu nosso federalismo desregrado e criou, de fato, uma área monetária ótima; e 2º) um vento de cauda do comércio exterior que sem nenhum esforço exportador (continuamos a ter a mesma percentagem, 1,3%, que há 50 anos temos nas exportações totais) resolveu nosso problema externo.

E isso é tudo que falta à zona do euro, a única moeda que não tem um país! Os argumentos anteriores mostram que a ideia que os "credores" são virtuosos e os "devedores", bandalhos gozadores da vida, pode ser incorreta. Os credores com suas políticas exportadoras agressivas só tiveram sucesso porque os outros não quiseram, ou não puderam, tomar medidas defensivas como a desvalorização cambial e o aumento de tarifas. Alguns países de fato cometeram excesso fiscal maior do que os mais virtuosos, mas nada que se compare, em importância, aos déficits externos que a mecânica de funcionamento do euro lhes impôs.

É por isso que virtuosos como a Alemanha precisam agora contribuir: 1º) aumentando a sua demanda global para ajudar as exportações dos outros; 2º) aceitando que o Banco Central Europeu cumpra o seu papel de emprestador de última instância; e 3º) aprovando a emissão de títulos solidários para atrair o setor privado no financiamento dos investimentos.

Sinais de retrocesso - RODRIGO CONSTANTINO


O Globo - 29/05


Voltamos aos tempos de pacotes econômicos semanais. Precisamos ficar atentos diariamente ao "Jornal Nacional", pois pode surgir nova medida estatal que muda as regras do jogo, cedendo privilégios a uns e punindo outros. O governo parece mais perdido que cego em tiroteio.

Para quem tem apenas um martelo, tudo parece prego. Este governo só sabe estimular consumo e crédito, nada mais. Não podemos menosprezar o fator ideológico da equipe econômica. São nacional-desenvolvimentistas, com orgulho. Acreditam no governo como locomotiva do progresso nacional, e costumam desprezar os riscos inflacionários.

Quando os dados da economia apontam arrefecimento, lá vem o governo com a solução: nova rodada de estímulos para expandir o consumo via crédito. Ocorre que o modelo não é sustentável e apresenta claros sinais de esgotamento. As famílias já estão muito endividadas, consumindo quase um quarto da renda com o serviço da dívida. Há evidentes limites para mais alavancagem.

Os investidores ficam receosos para aumentar investimentos. A insegurança cresce quando o governo adota postura errática, partindo para medidas arbitrárias. Além disso, faz mais sentido "investir" no lobby em Brasília, quando a canetada do governo decide os rumos do setor e escolhe os campeões nacionais na marra.

Por que investir em eficiência quando o BNDES empresta dinheiro com juros abaixo da inflação? Muito melhor conquistar os políticos e cair nas graças do banco estatal, que já recebeu cerca de R$ 300 bilhões do Tesouro para tal finalidade.

Aprovar reformas estruturais e cortar seriamente os gastos públicos, para aumentar a poupança doméstica e permitir um crescimento sustentável, dá muito trabalho. É mais fácil reduzir as taxas de juros no grito, torcendo para a inflação não sair do controle. O próprio Banco Central conta com a "ajuda" externa, uma vez que a crise europeia e a desaceleração chinesa pressionam os preços das commodities para baixo, aliviando em parte a inflação.

Só que o Brasil continua em pleno emprego, com massa salarial em alta, e inflação de serviços rodando em patamares preocupantes. Ninguém no mercado financeiro acredita que há autonomia no BC, que se mostra cada vez mais politizado. Como resultado, as estimativas de inflação seguem desancoradas, mesmo com o "pibinho" crescendo abaixo de 3% ao ano.

Entre medidas desesperadas, o governo reforça o protecionismo comercial, intervém no câmbio nas duas direções (é preciso agradar à Fiesp, mas sem destruir a "Bolsa Miami" da classe média), reduz o IPI de setores específicos e força os bancos a conceder mais crédito, mesmo com a inadimplência em alta. Agora a presidente Dilma quer mexer até no lucro das montadoras. Não tem como dar certo.

O índice de ações das empresas brasileiras, medido pelo Ibovespa, acusa o golpe e acumula queda de quase 15% em 12 meses. Ele está no mesmo patamar de meados de 2007, sendo que a inflação no período passa de 30%. Os estrangeiros parecem cansados do modelo brasileiro também, e sacam seus recursos do país. O dólar passou de R$ 2 e o BC precisou intervir.

O fato é que esta equipe econômica nunca foi realmente testada em ambiente adverso. Na crise de 2008 isso quase aconteceu, mas, à época, ainda havia espaço para simplesmente inundar os mercados com estímulo ao consumo, único instrumento que este governo conhece. Assim foi feito, e a inflação bateu no topo da elevada meta.

Isso não é mais viável agora. Se o governo seguir nesta trajetória, ele vai fomentar uma bolha de crédito que inevitavelmente irá estourar, produzindo efeitos nefastos na economia. Sem maiores investimentos privados e liberdade econômica, o Brasil corre o risco de cair em uma armadilha de crescimento pífio com inflação elevada. É o que os economistas chamam de estagflação.

Resta saber se, no pânico, o governo vai apelar ainda mais para marretadas artificiais, como fez a vizinha Argentina, que até mexeu no cálculo oficial da inflação para tentar enganar o mercado.

A alternativa correta seria soltar as amarras criadas pelo governo, cortar os gastos públicos e deixar o mercado funcionar. Mas como esperar isso deste governo, com forte viés ideológico?

O PT, na oposição, foi contra todas as principais reformas que modernizaram o país, tais como o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, as privatizações e as metas de superávit primário e de inflação, com autonomia do BC.

A dúvida é se agora, no poder, o partido vai destruir estas conquistas. Espera-se que não. Mas os sinais de retrocesso saltam aos olhos de todos.

Engolindo a passeata da maconha - ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR


O ESTADÃO - 29/05


Dias atrás, um grupo de pessoas seguiu em passeata pelas ruas de São Paulo com o propósito de exaltar o uso da maconha e defender a "descriminalização" da droga. Curiosamente, elas seguiam felizes e alegres, como se estivessem a fazer um bem à humanidade, mas, certamente, sem perceber quanto é ofensivo esse seu alheamento em relação ao que se passa no mundo.

Para essas pessoas desligadas da realidade, e que parecem olhar somente para o próprio umbigo, a bandeira da maconha representa uma enganosa luta pela liberdade. Fica a impressão de que nenhuma delas jamais se preocupou com a vida dos que estão à sua volta, na sua rua, na sua cidade, ou com os milhões de paulistanos que acordam às 4 horas da madrugada para se espremerem em ônibus e trens rumo ao trabalho, ou sofrem nas filas dos hospitais. A melhora das condições do ensino, de saúde e de vida do País não parece ser para essas pessoas tão importante como liberar o uso do baseado e, assim, ensinar desde cedo às crianças que essa prática é normal e até mesmo saudável.

Será que essas pessoas um dia vão ter a grandeza de utilizar sua inteligência para agirem em defesa dos mais necessitados ou preferirão seguir a vida sem perceber o que acontece ao lado delas? O vício, que é o oposto da virtude, tende a levá-los a um desfecho sempre ruim, sem que nos momentos de embalo se deem conta disso.

O alheamento e a indiferença ofensiva talvez não sejam culpa direta dessas pessoas, parecendo já refletir uma consequência do uso da droga, a qual inapelavelmente introduz modificações no caráter e acentua a capacidade de tolerância e permissividade entre os usuários. O lado trágico da vida, consistente em não ser desejado, mas ter enormes desejos, costuma empurrar os mais frágeis para a fuga das drogas, que surge na primeira fase como uma compensação, sempre passageira.

Os estudiosos dos tóxicos são claros em afirmar que a maconha, quando chega ao cérebro, estimula a liberação de uma dose extra de um neurotransmissor, provocando compensatórias sensações de prazer. O organismo do usuário, na medida em que o uso se prolonga, tenta se ajustar a esse hábito, e o cérebro acaba por adaptar seu próprio metabolismo para absorver os efeitos da droga. E acaba por ocorrer no usuário uma tolerância ao tóxico - e esta constitui o início dos estragos, porque uma dose, que normalmente faria grande efeito, se torna em pouco tempo inócua, criando uma dependência de cura dificílima.

Os médicos que trabalham em hospitais psiquiátricos especializados no tratamento de drogados costumam dividir a dependência em duas: a dependência física, avassaladora para o organismo, porque tem necessidade extrema da droga; e a dependência psicológica, que afeta principalmente os usuários de maconha. Por estarem psicologicamente dependentes da droga, os viciados em maconha procuram respostas boas dentro de si próprios, como a de que não são viciados, porque a droga, na visão deles, não vicia; e a de que se sentem capazes de parar com o uso quando quiserem. Sucede que não param nunca, porque, até mesmo como efeito social da droga, passam a conviver com pessoas iguais, as quais sempre têm razões de sobra para desejar e conseguir um baseado.

O pior de tudo é que para obter a droga passam a ter de fazer concessões íntimas e submeter-se a exigências que tendem a degradar o ser humano. É uma caminhada no plano inclinado que muitas vezes conduz à pior opção de todas: a criminalidade.

Sempre que vejo pessoas defendendo o uso aberto da maconha me lembro dos adolescentes de arma em punho nos cruzamentos das grandes cidades. Eles têm extrema necessidade de dinheiro, porque, se não pagarem ao traficante que lhes adiantou a droga, pagarão com a vida. Daí por que ficam com o "dedo mole", a qualquer movimento do assaltado puxam o gatilho. Matar ou não matar não faz diferença alguma, principalmente se forem menores e, por isso, inimputáveis.

Verifica-se com tristeza nos meios policiais e no Judiciário que os grupos de viciados adquiriram o perigoso hábito de fazer uma espécie de "consórcio" para a compra de maiores partidas de maconha, com o propósito não só de garantir o consumo, como de baratear o custo. Esse é um risco grave, porque a prisão de consumidor que seja portador de maior quantidade da droga conduz ao seu enquadramento legal como traficante. A defesa jurídica desse incauto é sempre muito difícil e complexa, porque os seus aliados no "consórcio" escorregam celeremente na hora de depor a seu favor.

Outro lado perturbador do consumo da maconha é aquele que representa a ultrapassagem da fronteira entre o que deve e o que não deve ser feito por uma pessoa normal. Arrombada essa porta, inicialmente com o fumo de um baseado, que "não faz mal", "não vicia", está aberto o caminho para drogas mais fortes, como a cocaína e outras derivadas da própria maconha.

Esses viciados, que não se consideram viciados, parecem não perceber que estão a alimentar a cadeia da criminalidade, porque é o consumo aberto, a procura pela droga, que estimula a formação das quadrilhas e o tráfico violento, que chama a atenção do mundo para países como o Brasil e o México.

Enfim, os participantes da passeata da maconha, realizada dias atrás em São Paulo, têm alta dose de culpa nesse processo, mas certamente não estão nada preocupados com isso. Desde que a droga esteja ao seu alcance, tudo o mais é supérfluo, nada mais importa.

O regime democrático é o mais salutar de todos, porém nos obriga a engolir sapos permanentemente. Mas para conseguir deglutir um sapo como esse a gente tem de empurrar com os dedos goela abaixo, porque senão não passa.

Criação coletiva - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 29/05


Não, o ex-presidente Lula não perdeu o juízo como sugere em princípio o relato da pressão explícita sobre ministros do Supremo Tribunal Federal para influir no julgamento do mensalão, em particular da conversa com o ministro Gilmar Mendes eivada de impropriedades por parte de todas as partes.

Lula não está fora de si. Está, isto sim, cada vez mais senhor de si. Investido no figurino do personagem autorizado a desrespeitar tudo e todos no cumprimento de suas vontades.

E por que o faz? Porque sente que pode. E pode mesmo porque deixam que faça. A exacerbação desse rude atrevimento é fruto de criação coletiva e não surgiu da noite para o dia.

A obra vem sendo construída gradativamente no terreno da permissividade geral onde se assentam fatores diversos e interesses múltiplos, cuja conjugação conferiu a Lula o diploma de inimputável no qual ele se encontra em pleno usufruto.

Nesse último e bastante assombroso caso, produto direto da condescendência institucional - para dizer de modo leve - de dois ex-presidentes da Corte guardiã da Constituição: o advogado Nelson Jobim, que convidou, e o ministro Gilmar Mendes, que aceitou ir ao encontro do ex-presidente.

Nenhum dos dois dispõe da prerrogativa da inocência. Podiam até não imaginar que Lula chegaria ao ponto da desfaçatez extrema de explicitar a intenção de influir no processo, aconselhando o tribunal a adiar o julgamento e ainda insinuar oferta de "proteção" ao ministro.

Inverossímil é que não desconfiassem da motivação do ex-presidente que anunciou disposição de se dedicar diuturnamente ao desmonte da "farsa do mensalão" e provou isso ao alimentar a criação de uma comissão parlamentar de inquérito no intuito de embaralhar as cartas e embananar o jogo.

Mas, apenas para raciocinar aceitemos o pressuposto da ingenuidade, compremos a versão do encontro entre amigos e consideremos natural tanto o convite quanto a anuência.

À primeira questão posta - "é inconveniente julgar esse processo agora" -, à primeira pergunta feita pelo ex-presidente - "não tem como adiar o julgamento?" -, se o ministro Gilmar Mendes tivesse agradecido ao convite e polidamente se retirado, não teria ouvido o que viria a seguir, segundo o relato que fez depois ao presidente do STF, ao procurador-geral da República e ao advogado-geral da União.

Narrativa esta que se pressupõe verdadeira. Se aceitarmos a versão do desmentido apresentada por Nelson Jobim teremos de aceitar a existência de um caluniador com assento no Supremo Tribunal Federal e de esperar contra ele algum tipo de interpelação.

Tivesse dado por encerrado o encontro logo de início, o ministro Gilmar Mendes não teria ficado "perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula".

Não teria ouvido alusões ao seu possível envolvimento com o esquema Cachoeira - razão da oferta de proteção na CPMI -, não teria escutado o ex-presidente chamar o ministro Joaquim Barbosa de "complexado".

Não teria testemunhado Lula desqualificar ao mesmo tempo o ex-ministro Sepúlveda Pertence e a ministra Cármen Lúcia ao sugerir a existência de uma cadeia de comando com a frase "vou falar para o Pertence cuidar dela".

É verdade que se tivesse ido embora o ministro Gilmar Mendes teria poupado a si um enorme constrangimento.

Mas não daria ao País a oportunidade de saber que o ex-presidente tem acesso a informações de um inquérito na data da conversa (26 de abril) ainda protegido por sigilo de Justiça.

Não saberíamos que Lula diz orientar a conduta do ministro Dias Toffoli - "eu falei que ele tem que participar do julgamento"- e que afirma acompanhar de perto os passos do ministro revisor do processo do mensalão, Ricardo Lewandowski - "ele só iria apresentar o relatório no semestre que vem".

Em suma, ninguém fica bem nessa história, mas Lula fica pior ao deixar que a soberba e o ressentimento o façam porta-voz do pior combate: a desqualificação das instituições. Entre elas o papel de ex-presidente da República.

Longe dos bicheiros - LUIZ GARCIA


O GLOBO - 29/05


Em tempos antigos, jornalista sem assunto sempre tinha o recurso de baixar o porrete no bei de Túnis. Tratava-se do governador turco na Tunísia ocupada - e, ao que parece, os beis eram invariavelmente tão cruéis quanto incompetentes. Além disso, os turcos não davam a menor bola para a opinião da imprensa ocidental. Logo, o porrete comia solto na imprensa europeia, sem qualquer risco para os porreteiros de plantão.
No Brasil de hoje, a interminável novela do mensalão do PT é o bei que temos à nossa disposição. Com a agradável diferença, pelo menos para quem escreve e para quase todos os leitores, de que Lula e seus companheiros não acham a menor graça no assunto.
Uma prova disso estaria numa reportagem da "Veja" desta semana: segundo a revista, o próprio Lula teria procurado ministros do Supremo Tribunal Federal com uma oferta marota: em troca de um adiamento do julgamento do mensalão - para depois das eleições de outubro, pelo menos - ele protegeria o ministro Gilmar Mendes de boatos sobre mordomias que teria recebido do bicheiro Carlinhos Cachoeira numa viagem a Berlim.
Gilmar confirmou ter encontrado o bicheiro na Alemanha, mas acrescentou ter dispensado, com a necessária indignação, a necessidade de qualquer proteção petista para a história das mordomias.
De tudo isso, o que sobra para ser esclarecido é a possível gafe de Lula. Não há dúvida de que ele conversou com o ministro do STF. E é óbvio que o PT tem razões de sobra para desejar uma decisão favorável - ou, pelo menos, pouco dolorosa - dos ministros sobre o desagradável (se é aceitável este eufemismo) episódio do mensalão.
Mas entre desejar uma camaradagem do tribunal e partir para a grossura - não há termo mais suave - da proposta de uma troca de favores vai distância considerável. E não é fácil desmentir o oferecimento - a não ser por quem se disponha a chamar um ministro do Supremo de mentiroso.
Seja qual for o desfecho desse triste episódio, dele fica uma lição importante: ministros do STF não precisam evitar viagens à Alemanha. Mas é prudente que evitem contatos com bicheiros. Em qualquer país ou continente.

A escolha de Dilma - ARNALDO JABOR


O Estado de S.Paulo - 29/05


É impossível que Dilma não esteja irritada com o Lula. Assim que ele melhorou do tratamento, começou a falar e a criar difíceis factoides para ela resolver. Lula talvez esteja zonzo com a doença que tem de enfrentar, traumatizado com o choque de se descobrir 'mortal', frágil como todos nós, depois da glória de ter governado sob beijos do povo. Essa doença poderia ter-lhe emprestado uma sobriedade 'democrática' maior, mas parece que vivencia a saída do exílio no Sírio-Libanês quase como uma ressurreição, querendo se meter em tudo, como se fosse o chefe de um governo paralelo ao de sua 'protegida'.

Lula nasceu de uma conjunção astral raríssima no ABC e foi muito 'moderno' quando surgiu, criando um sensato sindicalismo de resultados, acreditando em pressão e negociação com patrões. É natural que se tenha deslumbrado com as multidões de operários a seus pés nos comícios, mas até hoje se considera 'especial', um messias metalúrgico que deve comandar um país 'sem rumo'. Lula acredita mesmo em seu ibope.

Depois da fundação do PT, um enxame de 'soviéticos' desempregados transformaram-no em um líder operário a ser 'aperfeiçoado' (e controlado) teoricamente, para que eles chegassem um dia ao poder, numa estratégia 'gramsciana' vulgar. E chegaram em 2002, até o vexame do mensalão que quase queimou o filme de Lula.

E, no entanto, ele devia agradecer ao Roberto Jefferson por tê-lo livrado dos comunas tutelares, pois aí ele pôde encetar sua jornada para as estrelas, sua viagem em direção ao show midiático que encenou nos quatro anos seguintes, pensando apenas em sua imagem, enquanto Dilma trabalhava como uma 'boia-fria', varrendo o Planalto e apagando a luz ao fim do expediente. Lula nos deixou de herança a maldição de um PAC eleitoreiro que só realizou 17% das metas, criando a ideologia do 'tudo pode, desde que seja bom para eu governar', abrindo a porta para as alianças sujas que criaram a cachoeira de corrupção que jorra sobre nós. Os comentaristas ficam desorientados diante do nada que os petistas criaram com o apoio do povo analfabeto. Os conceitos críticos como "razão, democracia, respeito à lei, ética" ficaram ridículos, insuficientes raciocínios diante do cinismo impune e da paralisia política.

Agora, Lula só faz jogar batatas quentes no colo de Dilma, que tem de se virar - ("Afinal, ela não é uma 'bichinha' tinhosa?" - como ele disse na campanha?) Assim, ele deu força à CPI oportunista para se vingar do PSDB, dos jornais e revistas, do procurador Gurgel, para melar o julgamento do 'mensalão', arrasar o Serra em São Paulo, com o Haddad do Enem.

"Dane-se..." - ele deve ter pensado - "se for um tiro no pé, será no pé da Dilma! Azar dela; importante é eu recuperar meu poder, deixar a barba crescer e voltar em 2014..."

Dilma deve estar fula com o dilema que Lula lhe deixou - governar o País entre o PT e o Sarney. E isso justamente agora, quando o perigo econômico se agrava, com a produção industrial caindo a níveis de 20 anos atrás e o País dependente da exportação de matéria-prima, à beira de uma explosão da 'bolha', como alertam economistas daqui e de fora em publicações como o Foreign Affairs e The Economist.

Lula nos legou uma presidente dividida entre o liberalismo e o Estado-pai, tendo de dar uma no cravo e outra na ferradura. E, além disso, ficou irritado, porque sua afilhada tem vida própria, muito mais coragem que ele e reconhece a importância de fatos como o Plano Real que ele surripiou para si; ela sabe da infernal 'faxina' que tem de fazer, para limpar os detritos que ele deixou.

Dilma tenta resolver esse impasse entre a modernização e o atraso, como foi no veto que fez ao Código Florestal, mesmo desagradando a aliados ruralistas. Dilma é obrigada a governar nas brechas do possível, como foi no caso dos juros dos bancos, pois não consegue fazer reformas mais abrangentes e isso faz aparecer seu lado autoritário, impaciente, impondo obrigações, aos capitalistas 'canalhas'. Mas ela sabe também que capitalismo é um modo de produção e não regime político das "elite"; ela sabe que, no caso brasileiro, é a única coisa que pode arrebentar o 'bunker' patrimonialista secular. Assim dividido, o governo atual se contenta com o autoengano, com a ilusão de que o Brasil está pronto para 'resistir' a uma crise mundial. Mantega diz que somos fortes e Dilma nos garante que estamos preparados em 100 ou 200%. Mas, só resistir? E os planos de reformas que não conseguem passar na estreita porta entre o PT e o PMDB?

Agora, Lula acaba de criar uma nova crise para Dilma. Vendo que o plano da CPI não rolou como ele queria e que até pode aporrinhar o Governo Central com respingos da Delta, Lula tentou mudar a opinião dos ministros do Supremo Tribunal Federal, como noticiou a última revista Veja, em uma entrevista com o ministro Gilmar Mendes, que afirma que Lula cobrou dele e de outros ministros o adiamento do início do julgamento do mensalão, o que significaria a prescrição de muitos dos crimes. É um fato gravíssimo que vai dar pano para mangas. Será que, inconscientemente ("não; não é possível! - penso eu), Lula não é levado a prejudicar o governo de sua afilhada, que hesita, dividida entre fazer o que acha e em desagradar ao criador?

Dilma me parece ter uma escolha partida: de um lado ainda aflora uma desconfiança com a sociedade e um desejo de impor obrigações do 'alto' e, de outro, tem consciência de que não é 'reacionário' privatizar estradas podres e antros de corrupção em estatais inúteis. Mas, em seu palácio paralelo, no Planalto alternativo em que se encastela, Lula trabalha contra tudo que possa ser uma modernidade ágil, impessoal, mais anglo-saxônica, digamos. Isso é insuportável para populistas como ele, que só conseguem operar no velho sistema de um velho Brasil.

É por isso que o País está em suspense, sem nitidez ideológica ou programática, confiando na grana futura do pré-sal ou da vinda de capitais para engordar nossa 'bolha'. Falo isso, mas acho que a presidente tem um claro desejo de melhorar seu país, pelo qual ela lutou até na guerrilha e tortura.

Fatos e versões - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 29/05


Não são apenas as versões do encontro do ex-presidente Lula com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, no escritório do ex-ministro do Supremo e do governo Lula Nelson Jobim que estão desencontradas. O próprio encontro em si não poderia ter acontecido se vivêssemos em um país sério.
Se respeitassem a liturgia dos respectivos cargos, o advogado Jobim não poderia ter aceitado servir de intermediário de encontro de Lula com Gilmar Mendes; o ministro do STF deveria ter recusado o encontro em tais circunstâncias; e, sobretudo, o ex-presidente, se se desse ao respeito, não poderia nem pensar em pressionar um ministro do Supremo.
Pelos desmentidos desencontrados e por algumas coincidências do relato de Gilmar Mendes com fatos da vida real, está mais que claro que houve o encontro e que o tema central foi mesmo o julgamento do mensalão, uma atitude que poderia render a Lula um processo de impeachment se ainda fosse presidente da República, como bem lembrou outro ministro do Supremo, Celso de Mello.
Esta seria, por sinal, a segunda vez em que o mensalão levaria Lula à beira do impeachment. A primeira, pelo próprio fato em si, que o levou a pedir desculpas ao povo brasileiro e dizer-se traído, numa admissão pública da gravidade do que ocorrera. Agora, na tentativa desesperada de adiar o julgamento do Supremo.
O advogado Jobim não conseguiu sair-se bem da missão de desmentir o indesmentível. Primeiro disse pessoalmente a Jorge Bastos Moreno que a visita acontecera por coincidência, pois Lula fora visitá-lo e lá por acaso estava Gilmar Mendes, que de vez em quando aparece no escritório para tocar um trabalho jurídico com Jobim.
Como Moreno de bobo não tem nada, registrou o desmentido como sendo uma confirmação, pois não é possível que, sabendo três dias antes que Lula lá estaria, não tivesse desmarcado qualquer outra reunião em seu escritório.
E, mesmo que Gilmar Mendes aparecesse por lá sem avisar, caberia a Jobim evitar constrangimento aos dois.
A terceira versão de Jobim - antes dera outra à revista "Veja", alegando que não ouvira tudo o que foi conversado - foi, afinal, a de que realmente convidara Gilmar Mendes a se encontrar com o ex-presidente para uma conversa em seu escritório, por iniciativa de Lula, mas negando que a conversa tivesse girado sobre o mensalão, que teria entrado nela "de passagem" por seu intermédio.
O esforço de Jobim para proteger o ex-presidente Lula é tamanho que ele não se incomoda de se pôr em má situação.
Ora, se fosse mesmo verdadeira, esta versão colocaria Jobim não apenas como intermediário, mas também como participante ativo da pressão sobre um seu ex-colega de STF.
Ao levantar o assunto mensalão, Jobim estaria sendo no mínimo inconveniente, para não dizer temerário.
O próprio ex-presidente, aliás, na nota oficial do Instituto Lula em que se diz "indignado" e nega que tenha pressionado Gilmar Mendes, fala do encontro como tendo sido ocasional: "No dia 26 de abril, o ex-presidente Lula visitou o ex-ministro Nelson Jobim em seu escritório, onde também se encontrava o ministro Gilmar Mendes."
Lula, como se vê, mantém a versão do encontro ocasional quando Jobim já evoluíra para admitir que convidara Mendes para o encontro a pedido dele.
Gilmar Mendes teria de ter uma imaginação prodigiosa para inventar tantos diálogos e situações, e bastam duas ou três dessas situações relatadas por ele para confirmar que tudo se passou como diz.
O ex-presidente Lula teria dito a Gilmar Mendes que pediria ao jurista Celso Antonio Bandeira de Mello para conversar com o presidente do Supremo, Ayres Britto, de quem é uma espécie de guru, responsável por sua indicação ao STF por Lula. O presidente do STF, embora não creia na intenção maliciosa do ex-presidente da República, recordou que durante almoço no Palácio da Alvorada, a convite da presidente Dilma Rousseff, Lula perguntou-lhe sobre Bandeira de Mello, afirmando que, "qualquer dia desses", os três tomariam um vinho juntos.
Lula ainda se referiu a José Dias Toffoli, afirmando que lhe dissera que ele "tem que participar do julgamento". Ex-advogado do PT, e tendo uma namorada que atuou em defesa de mensaleiros, inclusive o ex-ministro José Dirceu, há expectativa de que Toffoli se considere impedido de participar do julgamento do mensalão.
O que Lula teria dito a ele fora antecipado pelo prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, um dos políticos mais próximos de Lula, que definiu recentemente em declaração pública sobre a possibilidade de Toffoli se sentir impedido: "Ele não tem esse direito." Recentemente, Toffoli foi criticado ao visitar Lula no Hospital Sírio e Libanês em São Paulo, com quem conversou longamente. Vê-se agora que as críticas tinham razão de ser.
Por fim, o advogado Nelson Jobim, em uma das várias entrevistas que tem concedido desde que o encontro foi revelado por "Veja", disse que se admirava muito de que só agora, passado um mês do encontro, Gilmar Mendes se revele revoltado com o teor da conversa.
Ou Jobim fez um comentário leviano, sem ter se inteirado das informações, ou está tentando apenas confundir o cenário. O fato foi revelado por Gilmar Mendes ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel; ao advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, e ao presidente do STF, Ayres Britto, antes de sair publicado na "Veja".
Portanto, o ministro Gilmar Mendes apenas confirmou o que a reportagem de "Veja" soube por outros caminhos em Brasília. Como dizia o ex-ministro Golbery do Couto e Silva, segredo só guarda quem não tem. O melhor amigo sempre tem um melhor amigo, e todas as histórias acabam circulando.
O próprio Lula relatou seu encontro a várias pessoas. Por fim, a nota oficial do Instituto Lula tem pelo menos uma inverdade, quando afirma que Lula nunca tentou interferir nas decisões dos ministros do Supremo indicados por ele.
Houve pelo menos uma ocasião em que ele procurou pessoalmente um ministro, e foi rechaçado com elegância. Essa história é conhecida por vários ministros do STF.
Só pode ter sido o fuso horário. Na coluna de domingo, escrevi que a Guerra do Ópio ocorreu "no século passado". Uma frase também ficou fora do texto, complicando mais ainda seu entendimento.
Corrigi no mesmo dia no blog. A frase correta é a seguinte: "(...) esse processo de globalização tem sido bem recebido pela população chinesa, e começou nos anos 40 do século XIX, depois da Guerra do Ópio, e se agudizou depois da guerra com o Japão, quando ocorreu um grande debate no país sobre como entrar na modernidade".

Propostas indecorosas - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 29/05



SÃO PAULO - Lula fez ou não uma proposta indecorosa ao ministro Gilmar Mendes? É impossível dizer. A menos que a reunião entre os dois (que ninguém nega) tivesse sido filmada, o desencontro de versões é uma fatalidade, uma decorrência da arquitetura de nossos cérebros.
Até uma acareação seria perda de tempo, e não necessariamente porque um deles mentiria. Gostamos de pensar que a memória funciona como um registro fotográfico do que presenciamos, mas essa sensação é uma peça que a mente nos prega.
Na verdade, o que o cérebro guarda são registros hipertaquigráficos que são reconstruídos, e modificados, cada vez que nos lembramos deles. O passado é bem mais incerto do que suspeitamos.
As distorções são introduzidas por sensações, gostos, crenças. Para piorar o quadro, do lado esquerdo de nosso cérebro existem estruturas que unificam nossas experiências e lembranças e tentam juntá-las numa narrativa coerente. Fazem-no com forte viés político: deixamos de ver as evidências que não nos interessam e valorizamos o que apoia nossas teses. Quando a história não fecha, pior para a verossimilhança: criamos desculpas esfarrapadas.
Assim, o que a memória de Mendes registra como uma pressão indevida muito provavelmente está arquivado na mente de Lula como comentários fortuitos, que não configuram nem mesmo uma insinuação.
É nos diferentes pesos que cada lado confere a uma mesma ação que se funda boa parte das desavenças e conflitos que afetam a humanidade.
Como disse Robert Wright, "o cérebro é como um bom advogado: dado um conjunto de interesses a defender, ele se põe a convencer o mundo de sua correção lógica e moral, independentemente de ter qualquer uma delas. Como um advogado, o cérebro humano quer vitória, não verdade".
Qualquer que seja a verdade, Lula faria bem a sua biografia se se poupasse desse tipo de escaramuça.

"STF não é sindicato" - ELIANE CANTANHÊDE


FOLHA DE SP - 29/05


BRASÍLIA - Nem Lula, nem Nelson Jobim, nem Gilmar Mendes desmentem que houve um encontro entre eles, no dia citado pela "Veja" e no escritório de Jobim. Esses são os fatos, o resto são versões e especulações. A elas.

Jobim foi ministro de Lula e é (pelo menos era até sexta-feira passada) amigo pessoal de Gilmar. Logo, um mediador perfeito para uma conversa espinhosa entre os dois, dessas que jamais podem sair na imprensa, mas vivem saindo. Seria muita cara de pau dizer que o encontro foi mera coincidência.

Gilmar vive às turras com o PT de Lula, e Lula não gosta de ninguém que não o endeuse. Gilmar e Lula não marcariam de se encontrar no escritório de Jobim só para bater um papo, tomar uma cerveja e comer amendoim. Nem para falar de flores.

Já que tratamos aqui de especulações, vamos pensar: falaram, então, do clima seco de Brasília? Da Rio+20? Do Corinthians na Libertadores? Do sucesso de Dilma? Ou, ao contrário, do novo "pibinho" de menos de 3% que se anuncia para 2012?

Afora o Corinthians, não consta que Lula esteja dando muita bola para nenhuma dessas coisas. Dizem -não os adversários, mas os fiéis seguidores- que ele só age pensando naquilo: eleição de São Paulo, CPI do Cachoeira e... mensalão. Questões, aliás, bastante intrincadas entre elas.

Logo, "se non é vero, é bene trovato" que Lula ande à cata de ministros do Supremo para adiar o julgamento do mensalão em ano eleitoral e tente usar a CPI como moeda de troca. Como também soa quase natural, até pela personalidade, Gilmar botar a boca no trombone.

Tudo faz tanto sentido que os demais ministros compraram rapidamente a história e reagiram com firmeza. O decano Celso de Mello acusa ingerência entre Poderes e Marco Aurélio Mello dá um basta: "O Supremo não é sindicato!".

Pode não ser, mas há quem trate o país como um grande sindicato.

Suprema indecência - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 29/05



Ainda que se compre pelo valor de face a inverossímil alegação do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim, de que promoveu o encontro do ministro e ex-presidente da Corte Gilmar Mendes com o ex-presidente Lula, a pedido deste, porque "gostava muito dele e o ministro sempre o havia tratado muito bem", o acatamento da solicitação foi um grave lapso moral. O seu ex-chefe (Jobim foi ministro da Defesa entre 2007 e 2011) que encontrasse outra via para transmitir a tardia gratidão ao magistrado.

Gilmar, por sua vez, errou ao aceitar a reunião. Ministros da Suprema Corte, tendo numerosos compromissos derivados de sua condição, não raro se encontram com outras autoridades, políticos, empresários e figurões em geral. Nada haveria de repreensível se, numa dessas ocasiões, Lula o abordasse para lhe dizer o que, segundo Jobim, teria querido dizer. Mas se então ouvisse do ex-presidente as palavras que lhe foram atribuídas pela revista Veja na reunião de 26 de abril no escritório de Jobim, teria de se retirar imediatamente.

Afinal, mesmo que o seu ex-colega não lhe tivesse adiantado o assunto sobre o qual Lula queria conversar, o ministro tinha tudo para adivinhar que se trataria do julgamento do mensalão, previsto para começar em agosto. Em qualquer país, raros são os que recusam convites para um tête-à-tête com um ex-chefe de Estado. Mas, por todos os motivos concebíveis, Mendes deveria ter sido uma daquelas exceções. Depois, tendo sido como foi noticiado o diálogo entre eles, não se entende por que o ministro levou tanto tempo para fazer chegar a história à imprensa.

Se ficou perplexo "com o comportamento e as insinuações despropositadas" de Lula, como afirma, deveria dar-lhes sem demora a merecida resposta pública. Bastaria a enormidade do acontecido. Se o escândalo do mensalão não tem precedentes, tampouco se tem notícia de um ex-presidente da República procurar um membro do Supremo Tribunal para dizer-lhe que considera "inconveniente" o julgamento próximo de uma ação que o alcança politicamente. A inoportunidade - teria alegado Lula - viria da coincidência com a campanha para as eleições municipais deste ano.

Não podendo remeter às calendas o julgamento de um processo aberto há sete anos contra a cúpula do PT, além de outros companheiros e seus sócios na "organização criminosa" de que fala a denúncia do Ministério Público, Lula quer empurrar o desfecho para depois da aposentadoria de dois ministros, o atual presidente Carlos Ayres Britto e Cezar Peluso, que tenderiam a votar pela condenação dos réus mais notórios. Tivesse Lula ficado nisso, já teria superado as próprias façanhas em matéria de indecências políticas.

Mas, além disso, ele não só teria ofendido o relator Joaquim Barbosa, chamando-o de "complexado"; teria avisado que incumbiria o ex-ministro Sepúlveda Pertence de "cuidar" da ministra Carmem Lúcia para que ajude no adiamento; e contado que pediu ao ministro José Dias Toffoli que não se declarasse impedido por ter sido assessor jurídico da Casa Civil, ao tempo de José Dirceu; como praticamente chantageou o interlocutor, ao oferecer-lhe proteção na CPI do Cachoeira, que teria se gabado de controlar. Proteção, no caso, contra alguma tentativa de convocá-lo a explicar as suas relações com o senador Demóstenes Torres, parceiro do contraventor.

Quando Mendes disse que elas sempre se deram nos limites institucionais, Lula teria perguntado algo como: "E a viagem a Berlim?". Os dois, de fato estiveram na capital alemã, onde mora a filha do ministro, e a viagem teria sido paga por Cachoeira - o que Mendes negou veementemente, e batendo na perna de Lula desafiou: "Vá fundo na CPI!". A revelação do ultraje levou os ministros Marco Aurélio Mello e Celso de Mello a condenar o ex-presidente da República nos termos mais duros, compatíveis com o extremo a que levou o seu despudor - algo "inimaginável", estarreceu-se Marco Aurélio. O seu colega, decano da Corte, criticou o "grave desconhecimento (de Lula) das instituições republicanas". Se ele ainda fosse presidente, resumiu com exatidão, "esse comportamento seria passível de impeachment".

A armadilha do mensalão - RAYMUNDO COSTA


Valor Econômico - 29/05


Lula deixou a Presidência da República bem avaliado como nenhum outro presidente antes dele, tanto que elegeu a sucessora até como certa facilidade. O sucesso eleitoral, aparentemente, teve um efeito perverso sobre o ex-presidente. Lula é popular, acertou nas medidas contra a crise de 2008 e praticamente nomeou seu sucessor no Palácio do Planalto. Mas nada disso assegura ao ex-presidente o dom da infalibilidade, como parecem acreditar parte do PT, de seus auxiliares no Instituto Lula e ele mesmo, a julgar por seus últimos atos.

Lula abusa de seu prestígio, segundo se avalia entre os amigos mais próximos, aqueles que não consideram dogma cada afirmativa do ex-presidente. Já há algum tempo Lula tem "exorbitado" e tomado decisões sem se importar com opiniões saídas do seu entorno. Pouca arbitragem, muito arbítrio. Como acertou antes e é popular, tem crédito junto à banca. Mas isso não quer dizer que esteja sempre certo, como demonstram as principais decisões tomadas por ele desde que deixou o Palácio do Planalto.

A última foi a iniciativa de conversar reservadamente com ministro Gilmar Mendes, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), no escritório do ex-ministro da Defesa Nelson Jobim. Especialmente se foi para tratar, de fato, do adiamento do julgamento processo do mensalão, previsto para começar em agosto e se estender durante parte do período eleitoral.

PT reclama que Lula "exorbitou" no caso Gilmar Mendes

Pouco importa se a iniciativa da conversa foi de Lula - como publicado - ou de Gilmar, como sugerem os petistas (a ideia de que o encontro foi casual ofende a inteligência alheia). O PT e o ministro do Supremo têm um longo contencioso que não recomendava nenhum tipo de conversa secreta neste momento, quando o picadeiro que se arma em Brasília é para abrigar o espetáculo do julgamento do mensalão - seja em casas alugadas por acusados, pelo trânsito frenético de advogados autorizados no processo ou pelas insinuações que jorram aos borbotões da CPI do Cachoeira e excitam a imaginação dos mais crédulos.

Gilmar nunca foi propriamente um entusiasta dos governos do PT, e chegou a ser acusado de pedir vistas a um processo, nas eleições de 2010, a pedido do candidato tucano José Serra. Em geral, diverge por convicção. É até difícil imaginar a razão que o teria levado a relatar a conversa com Lula ao presidente do Supremo, Ayres Brito, ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel e ao advogado-geral da União, Luiz Inácio Lucena Adams, se não fosse para se preservar.

Não há nada ilegal no fato de Lula e Mendes terem uma conversa reservada. Mesmo que nessa conversa tenha-se abordado o a conveniência de adiar o julgamento do processo do mensalão, já que é real a possibilidade de o ambiente de disputa eleitoral, no segundo semestre, de alguma maneira, contaminar a votação. O momento (da conversa) é que é inconveniente. O que de maneira nenhuma pode ser considerado admissível é tentativa de influenciar, mediante outros pretextos que não o bom argumento, a decisão de um juiz da suprema corte, como Gilmar declarou. O que falta em relação à conversa entre Lula e Mendes é clareza, transparência. Uma coisa é certa: os dois achavam que tinham algo a dizer ou ouvir do outro, ou simplesmente queriam saber o que o outro tinha a falar, tanto que resolveram se encontrar.

Na sexta-feira 25, havia uma expectativa favorável ao adiamento do julgamento, entre alguns dos 38 acusados remanescentes do mensalão (da "Quadrilha dos 40" denunciados pelo Ministério Público Federal, um morreu e outro fez acordo). Ontem, havia desolação. A revelação da conversa entre Lula e Gilmar Mendes provocou a reversão de sentimento dos mais esperançosos. Independentemente de Lula, advogados haviam registrado impressão de que havia, entre ministros do Supremo, inquietação quanto ao fato de o julgamento do processo do mensalão ocorrer às vésperas do período eleitoral. Agora, o STF parece sem outra saída a não ser julgar logo, como previsto.

Uma decisão perigosa, não só por misturar Justiça e política. José Dirceu, apontado pela Procuradoria Geral da República como sendo o "chefe da quadrilha" dos 40, tem repetido a quem quiser ouvir que não quer "um julgamento que seja político", quer "um julgamento técnico". Segundo Dirceu, um julgamento político vai "deslegitimizar" a decisão do STF. Por outro lado, é lamentável que o PT e dirigentes da CPI continuem insinuando que "surgirão fatos" na comissão de inquérito capaz de abalar o Judiciário. Ou a CPI abre o jogo, ou para de fazer sugestões sobre um inquérito cujo teor é desconhecido até dos acusados.

O envolvimento de Lula numa suposta tentativa de adiar o julgamento é mais uma das "exorbitâncias" apontadas no PT e, com mais loquacidade, entre os aliados. Outra é a forma como retirou a senadora Marta Suplicy da disputa a prefeito de São Paulo. A ex-prefeita, nome mais bem cotado no PT, segundo as pesquisas, foi avisada de que estava fora por meio de uma auxiliar do ex-presidente da República. Ela não gostou, fingiu que aceitou o "dedaço" de Lula e agora não perde oportunidade para boicotar a pré-campanha de Fernando Haddad, o nome escolhido pelo ex-presidente.

Haddad pode ganhar a eleição, o que certamente os áulicos do ex-presidente dirão que é mais uma prova de sua clarividência e genialidade político-eleitoral. O problema não é esse, para quem tem que carregar um candidato pesado e tentar jogá-lo no segundo turno. O problema é que Lula não ouviu ninguém para indicá-lo.

Lula também ajudou na criação da CPI do Cachoeira. Estimulou deputados que o procuraram, para saber o que fazer, a assinar o requerimento. A CPI então parecia conveniente ao PT, embaralhava o julgamento do mensalão, levava o senador Demóstenes Torres ao patíbulo e ainda criava dificuldades políticas para o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), desafeto do ex-presidente da República. Bom demais para ser verdade. Coisa de amador.

Céu carregado - VERA MAGALHÃES - PAINEL


FOLHA DE SP - 29/05

Guido Mantega esperou passar a turbulência do veto ao Código Florestal para ter com Dilma Rousseff uma conversa nada animadora sobre prognósticos para a economia. No fim de semana, o ministro da Fazenda disse à presidente que a situação na Europa tende a se deteriorar, afetando o ritmo de crescimento da China e, consequentemente, o nível de investimento das empresas no Brasil. O relato de Mantega elevou no Planalto a apreensão com o cenário econômico na semana em que o Copom se reúne para definir a taxa Selic e será divulgado o PIB do primeiro trimestre. Novas medidas para barrar a crise não estão descartadas.

Data venia Os ministros do Supremo ficaram divididos quanto à reação mais apropriada à divulgação da conversa entre Gilmar Mendes e Lula. A maioria acha que, a despeito das manifestações individuais, o assunto não deve virar tema de debate no plenário da corte.

Curto-circuito Ainda assim, alguns membros do STF dizem reservadamente temer um bate-boca público, tamanho o incômodo que provocaram as versões da conversa e tantas são as implicações no julgamento do mensalão.

Toga justa Um integrante da corte fez as contas: o imbróglio Lula-Gilmar envolveu de alguma maneira o advogado-geral da União, o procurador-geral da República, 5 ministros e 2 ex-integrantes do Supremo. "Ali sobrou para todo mundo", lamentou.

Jabuticaba Já a petição conjunta anexada nos autos do mensalão pelos advogados do caso, pedindo que o STF não julgue com a "faca no pescoço", deve ser repudiada publicamente. Nas conversas entre eles, a iniciativa foi classificada de "inusual" e "inapropriada".

Bomba L Entre os réus do mensalão a reação foi de desânimo. Ainda que tenham dúvidas sobre o conteúdo da conversa, eles acreditam que, ao procurar um ministro, o ex-presidente pode levar o Supremo a optar por conduta corporativa no caso.

Novo time José Luis Oliveira Lima deixou a defesa do ex-presidente da Delta Fernando Cavendish e assumiu como advogado da J&F até a conclusão da aquisição da empreiteira pela holding.

Não passa Com a calculadora nas mãos, tucanos duvidam que a proposta de coligação proporcional com o PSD paulistano prospere tanto na Executiva quanto na convenção do partido. Hoje, os dirigentes do PSDB estão majoritariamente dispostos a barrar a composição, pleito de Gilberto Kassab.

Sem fim Nas palavras de um integrante da direção municipal do PSDB, o episódio é a mais explícita sequela da crise que dividiu aliados de Geraldo Alckmin e Serra em 2008. "É como aquele livro: o ano que não acabou".

Ampulheta Ante o impasse, serristas torcem pelo triunfo de Kassab no TSE. Caso obtenha espaço maior na TV, o prefeito diminuirá a pressão para coligar, pois acha possível eleger sua cota de vereadores em voo solo.

Faxina Às voltas com denúncias de irregularidades no setor de aprovação de edificações na prefeitura, Kassab prepara cerco à distribuição de folhetos comerciais de empreendimentos imobiliários na cidade. O tema está na pauta da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana.

Visita à Folha Horacio Lafer Piva, integrante do Conselho de Administração da Klabin, visitou ontem a Folha, onde foi recebido em almoço.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

É a prova de que o crime compensa. Fizeram muito teatro para tirar a pressão da Rio+20, mas o texto publicado no "Diário Oficial" mostra a anistia que Dilma tentou esconder.

DO DIRETOR DA FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA, MÁRIO MANTOVANI, sobre o veto da presidente ao Código Florestal, tornado público ontem e que desagradou ambientalistas quanto às APPs nas margens de rio.

contraponto

Ministro secador

Durante palestra sobre a Copa-2014, sábado passado, em Bauru, o ministro Aldo Rebelo (Esporte) percebeu que um espectador, vestido com a camisa do Corinthians, dormia profundamente na plateia e brincou:

-Aquele ali é corintiano. Deve estar sonhando com a conquista da Libertadores...

Um participante do evento emendou:

-Está sonhando com o Neymar.

Rebelo, palmeirense, concluiu:

-Ih...então é pesadelo!