domingo, maio 13, 2012

A nudez castigada de Carolina - RUTH DE AQUINO


REVISTA ÉPOCA
Uma semana depois de Carolina Dieckmann surgir nua na internet em imagens domésticas, roubadas e compartilhadas febrilmente com textos maldosos, continuo estarrecida com a repercussão neste país tropical, tão sexualizado quanto moralista. É uma enorme hipocrisia.Não fiquei chocada com as fotos. Elas não são pornográficas ou vulgares. Falta muito para isso. Não há vagina exposta, não há bumbuns escancarados, não há ato sexual, nada constrangedor. Peitos? Nas praias da Europa, mulheres de todos os pesos e idades exibem os seios. Aliás, elas não exibem nada - apenas preferem usar só a parte de baixo da "roupa de banho", uma calçola para os padrões brasileiros. Há nu frontal e pelos pubianos de Carolina em pouquíssimas imagens. Ainda assim, pornografia zero. É quase um autoexame de falhas no corpo invejável de uma mulher de 33 anos, mãe de um adolescente. Se existe erotismo ali, é vago. Está na cabeça do voyeur, que se sente, ele mesmo, roubando a intimidade da atriz, assim como o criminoso que a chantageou. Acima de tudo, não há pretensão nem intenção nos nus clínicos de Carolina. O olhar da atriz para ela mesma é frio em muitas imagens. Carolina era mais erótica na novela das oito,na pele da personagem Teodora, que se vestia, se maquiava e rebolava com a finalidade de despertar desejo.

Fotos caseiras podem, sim, ser pesadamente pornôs. As da atriz parecem um exercício de narcisismo. Seu corpo é lindo, proporcional. Como tantas mulheres saudáveis, famosas ou anônimas, Carolina deve gostar de se ver e de se exibir para o marido. A foto mais sensual, a meu ver, é a que não mostra nada. Com uma calcinha comportada, de perfil, encostada na parede, ela tem os cabelos soltos, o olhar maroto. Bonita como a moça ao lado. São retratos de celular, sem retoques.

Retratos de nus sempre existiram. Feitos por artistas. Quando não havia câmeras fotográficas, eles pintavam as moças peladas, em poses lânguidas ou cruas. Se alguém não conhece a tela a óleo A origem do mundo, de Gustave Courbet, de 1866, dê um Google. Verá um órgão genital feminino peludo, anterior à moda das carequinhas íntimas. O rosto da modelo não aparece, as coxas estão afastadas.

Tão realista é a imagem que a tela ficou muito tempo escondida atrás de cortinas ou de outras pinturas, vista apenas por particulares. O museu d"Orsay, em Paris, comprou a obra em 1995. O mesmo museu expõe agora, até 30 de junho, os nus explícitos de cegas - em pintura, desenho e escultura.

O que as fotos toscas de Carolina têm a ver com obras primas? A reação exagerada, que fazia sentido em outros séculos. Hoje, artistas contemporâneos e vanguardistas usam celulares para expor fotos domésticas e banais. A britânica Tracey Emin se fotografou nua e expôs na Hayward"s Gallery, em Londres, uma série de imagens. Algumas na banheira, como Carolina.

Um flagrante histórico é a foto de Simone de Beauvoir nua, de costas, feita por um amigo, pela porta entreaberta do banheiro. O traseiro da musa existencialista foi visto pelo mundo inteiro. E ninguém achou que a companheira de Sartre tinha sido ingênua e imprudente. Só libertária.

Se você pesquisar essas imagens, proteja-se do moralismo burro cibernético. O Facebook puniu com três dias de suspensão um fotógrafo carioca que postou Simone de Beauvoir nua. O Facebook também desativou o perfil de um artista norueguês que expôs a tela de Courbet, A ori regredimos em relação a um tempo em que a nudez era revolucionária?

Com Carolina, o problema foi a invasão. Ela sempre se recusou a posar nua para revistas. Sua privacidade foi arrombada. O mesmo aconteceu com a atriz Scarlett Johansson. O hacker de Scarlett foi encontrado e preso. Uma pessoa pública precisa pagar o preço pela "imprudência" de manter fotos íntimas num computador? Não creio. Quando a violação eletrônica for punida com ajuda de tecnologia e legislação, poderemos parar de culpar a vítima. E parar de estimular a paranoia doentia com tudo e todos. Espero que essa história termine com um castigo exemplar, não à nudez, mas ao violador.

Meu maior incômodo hoje não é o que o outro pode fazer com você. Mas o que as pessoas fazem a si mesmas. As redes sociais e a facilidade de transmitir texto e imagem criaram a antítese do homo sapiens. Há obsessão em"compartilhar". Compartilhar não só bobagens, mas detalhes cotidianos e familiares que não fazem sentido para mais ninguém. Como se a amizade dependesse desse striptease virtual. Ou como se disséssemos coisas geniais e essenciais o tempo todo. A realidade não existe antes de ser registrada e enviada a uma multidão de "amigos" e seguidores vorazes. Quem se rende a esse hábito é o verdadeiro exibicionista de nossos tempos.

CPI distancia Dilma do PT - JOÃO BOSCO RABELLO


 O Estado de S.Paulo - 13/05/12


Duas sessões secretas foram suficientes para dar visibilidade ao conflito que separa o governo e o maior partido da base aliada, o PT, em relação à CPI do Cachoeira - desde a iniciativa de sua criação até a condução manipuladora de seus líderes elegendo réus e alvos segundo os interesses de uma pauta própria.

Do pouco que se conseguiu apurar das quase 16 horas de depoimentos dos delegados responsáveis pelas operações Vegas e Monte Carlo sobressai o esforço vão do PT em sentar o Judiciário e a mídia no banco dos réus. Menos por convicção no êxito da causa e mais para, a ela dando curso, minar a credibilidade do primeiro e alimentar a tese inconstitucional de controle da segunda.

Ao dar caráter institucional à estratégia, o presidente do PT, Rui Falcão, entrou em rota de colisão com a presidente Dilma Rousseff, que não esconde sua contrariedade com a criação da CPI, com o discurso contra a liberdade de imprensa e com a guerra aberta ao Judiciário. A mais de um interlocutor, Dilma considerou que Falcão foi além de sua função de dirigente partidário passando a ideia de falar pelo governo.

A leitura expõe a frustração do PT com a inesperada autonomia da presidente Dilma Rousseff, cuja eleição criara em alas radicais do partido a expectativa de maior influência no seu governo do que na era Lula. Foi esse o discurso do ex-ministro José Dirceu, no sindicato dos Petroleiros, ao comemorar sua vitória nas urnas: "Agora vai começar o verdadeiro governo do PT".

A surpresa sobre a qual a presidente cala foi o estímulo ao ambiente de radicalismo pelo ex-presidente Lula, ao defender uma CPI com fins políticos.

Declaração de guerra

A reação do procurador-geral, Roberto Gurgel, atribuindo a tentativa de convocá-lo para depor na CPI ao medo de réus do mensalão, surpreendeu governo e parlamentares. O tom acusatório e indignado de Gurgel, respaldado
pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), indica que o Judiciário recebeu a iniciativa como uma declaração de guerra. Petistas influentes temem que o episódio produza efeito contrário, ou seja, agrave a situação dos réus no processo. E alguns, dentro e fora do governo, já admitem avaliar o diagnóstico do empresário Emilio Odebrecht, pelo qual Lula pode ter cometido um erro político ao estimular uma CPI no melhor momento da presidente Dilma Rousseff.

Mais pólvora

O senador Sérgio Souza (PMDB-PR) - suplente da ministra Gleisi Hoffmann - requereu a quebra de sigilo telefônico da esposa de Gurgel, a subprocuradora Cláudia Sampaio, por considerar insuficiente o relatório da Operação Vegas em 2009.

Ligações perigosas

Na sessão reservada da CPI que investiga as relações de Carlos Cachoeira com políticos, o delegado da PF Matheus Rodrigues, da Operação Monte Carlo, disse que o nome do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), foi citado 58 vezes por integrantes da quadrilha do contraventor em conversas telefônicas. Já o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), é recordista: foi citado 237 vezes.

Vaga nova

A nova cobiça do PMDB é pelo lugar de Jorge Zelada, diretor da área internacional da Petrobrás, cuja saída é dada como certa. Renan Calheiro(AL), Gim Argello (DF) e Henrique Eduardo Alves (RN) pressionam pela indicação. Desde que Maria das Graças Foster assumiu, cinco novos diretores foram nomeados. Do quadro antigo, restam Zelada e o diretor financeiro, Almir Barbassa.

O 'novo' Ollanta Humala - MAC MARGOLIS


O Estado de S.Paulo - 13/05/12


Esses dias têm sido agitados para Ollanta Humala. O presidente peruano, em sua primeira viagem à Ásia, assinou acordos com Coreia do Sul e Japão, dois grandes parceiros comerciais do eixo Pacífico. Agora se prepara para visitar Pequim, que turbina o poderoso setor de mineração. Sua mensagem para o continente oriental é tão simples quanto ousada: o Peru é um lugar seguro para se investir e fazer negócios.

Parece um clichê, mas foi muito mais. Pouco menos de um ano atrás, o Peru era, na melhor hipótese, uma incógnita. Era junho de 2011, segundo turno da eleição presidencial, e quem saiu vitorioso da amarga disputa era um jovem militar da reserva, chegado a camisas vermelhas e discursos bandeirosos. Sem nenhuma experiência executiva no currículo, a não ser como líder de um golpe de Estado frustrado, ele vencera a votação acirrada em um país estável e próspero, mas inconformado. Os peruanos queriam mais que a tímida agenda social da época, do presidente Alan García, mas desconfiavam do que viria depois.

Humala surfou na pororoca e, habilmente, calibrou seu discurso. Seguindo a cartilha do "novo Lula", e o conselho de consultores petistas importados, trocou o figurino flamado por um terno azul bem cortado. Estendeu a mão para ricos e conservadores. Dobrou a resistência de adversários convictos como Mário Vargas Llosa, o escritor peruano que definira a disputa do segundo turno - entre Humala e Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori - como uma escolha entre o câncer e a aids. Quem representava qual enfermidade, Vargas Llosa não disse, mas foi Humala quem melhor se remediou.

Fez questão de convocar um governo arco-íris. Indicou o prestigioso empresário Salomón Lerner como primeiro-ministro. A popularíssima cantora Susana Bacha virou ministra da Cultura. O Banco Central ficou com o banqueiro Julio Velarde, paladino do equilíbrio fiscal.

Melhor para o Peru. Juntamente com a Colômbia, o país é vedete no continente. Enquanto a Europa agoniza, a economia peruana cresce ao ritmo de 6% por ano com inflação moderada.

Atrai investimentos graúdos e contabiliza US$ 55 bilhões em reservas internacionais. Há quem aposte, como Walter Molano, do banco de investimentos BCP Securities, que o Peru ultrapasse o Chile em renda per capita (hoje em US$ 5.500) até 2030.

Mas era quase inevitável que alguém nesse balaio de contradições se sentisse traído. Hoje a dissidência fervilha em frentes diversas. De olho nos aquecidos pregões, os sindicatos queriam um naco maior dos lucros das minas, e logo deflagraram uma onda de greves na rica Província de Cajamarca.

Violência. Agora uma nova guerrilha surge nas selvas do vale dos rios Apurimac e Ene, alimentada, não por ideologia, como o defunto Sendero Luminoso, mas pelo banditismo e cocaína. Além de espalhar o pavor, a nova insurgência é empecilho para o desenvolvimento da Camisea, com fartas reservas de gás natural.

Para piorar, a tênue aliança governista já ostenta fissuras. Uma ala rebelada do pacto ollantista acaba de formar um grêmio político independente, o Cidadãos pela Mudança, e conta com medalhões como Salomón Lerner e Ricardo Soberón, ex-chefe do combate às drogas.

Para consagrar a dissidência, Sinésio López, ex-assessor político do presidente, publicou uma coluna contundente, a Captura de Ollanta, em que iguala a "captura" de Humala por banqueiros e mineradoras multinacionais ao sequestro do inca Atahualpa pelos conquistadores espanhóis seiscentistas.

A inquietação chegou às ruas. Segundo a Datum International, a popularidade de Humala está em queda e patina em modestos 55% enquanto o índice de rejeição subiu a 37%. Hoje, quem mais aprova o ex-golpista e nacionalista fervoroso são, quem diria, os peruanos das classes A e B. Não foi bem assim que se imaginava quando Humala lançou sua campanha para "a grande transformação".

Cabe ao "novo" Ollanta Humala saber como reequilibrar-se outra vez para não perder o momento histórico.

As mães e os filhos do mundo - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 13/05/12


Meu filho foi morar com o pai nos Estados Unidos, me disse uma conhecida. A minha guria está em Brasília fazendo um curso, disse outra. Meu mais moço foi passar seis meses na Austrália e, quando estava por voltar, conheceu uma espanhola e agora mora com ela em Mallorca.

Até um tempo atrás, poucos podiam mandar os filhos estudar fora do país ou bancar alguma experiência extracurricular, porém hoje as frases acima se tornaram constantes: a economia do país se fortaleceu, as oportunidades de bolsas para o Exterior aumentaram e a mentalidade evoluiu. Já não se viaja para lavar pratos, e sim para se aprimorar de uma forma mais consistente.

Uma vez lá, a garotada se esparrama. Arranjam empregos fixos, iniciam relações amorosas, conseguem vistos de permanência, e vão ficando. E as mães também vão ficando cada vez mais saudosas e acostumadas, pela força das circunstâncias, a viverem separadas dos filhos.

Todas as mulheres, assim que engravidam, são alertadas: “Os filhos não são dos pais, e sim do mundo”. Acham a ideia bonita, poética, porém nunca imaginaram que a sentença viria a ser tão real, além de metafórica.

Gostamos de tê-los embaixo da asa, sentados à mesa durante as refeições, dormindo tranquilos no quarto ao lado. Porém, a sina de “serem do mundo” cedo ou tarde se confirma. Durante a infância, a casa materna ainda se assemelha ao útero, mas assim que meninas menstruam e nascem os primeiros pelos nos meninos, começa o processo de valorização da própria identidade. E se eles puderem fazer isso longe da vista dos pais, tanto mais autêntica parecerá essa busca.

Ainda mais agora que o mapa-mundi se tornou facilmente alcançável, não só por avião, mas por skype. Mãe, a gente vai se falar todo dia, nãochore.

E lá vai a Patrícia fazer um curso de ioga em Buenos Aires, a Victoria estuda belas artes em Paris, a Marica trabalhar com marketing me Londres, o Pedro cursar tetro no Rio, o Theo estudar cinema em Nova York, o João fazer um doutorado em Portugal,a Lina estagiar na Bahia numa empresa de Design Gráfico, o Carlos trabalhar num restaurante em São Paulo – não como lavador de pratos, e sim como assistente do Chef.

É o que queremos para eles: que cresçam, aprendam, se realizem. Não demora, srei mais uma dessas mães que terá que matar a saudades pelo computador. O que se pode fazer? Confiar qie a base dada quando eram, pirralhos seja suficiente para que se tornem cidadãos honestos e bem-sucedidos em qualquer parte do planeta.

Em vez de choramingar, ter orgulho de vê-los correndo atrás dos seus sonhos (e nã contar para ninguém que, em segredo, agente se pergunta: por que raios os sonhos não podem estar logo ali na Borges de Medeiros, na Avenida Ipiranga, no Moinhos de Vento?).

O mundo é do tamanho das ambições dos nossos filhos. E do nosso amor por eles, onde quer que estejam. Nesse dia das mães, meu desejo a todas: que a conexão não caia. Nem hoje, nem nunca.

Às vezes - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 13/05/12


Quando alguém me pergunta se sou o poeta Ferreira Gullar, eu respondo: "Às vezes"


Vou tratar hoje aqui de um assunto estritamente pessoal, mas na certeza de que, de uma maneira ou de outra, dirá respeito a muita gente: meu nome. E basta mencioná-lo para começar a confusão, já que são vários e, com frequência, escritos de maneira errada, a começar pelos bancos.

Explico: por mais que me empenhe, não consigo que, nos extratos, nos talões de cheque, venha escrito corretamente: em vez de José de Ribamar Ferreira, vem José Ribamar Ferreira. E isso já deu problema com o Imposto de Renda.

Ontem mesmo, ao receber novo talão de cheques, estava lá o Ribamar sem o "de".

A culpa, obviamente, é de meus pais que, dentre os muitos filhos que tiveram, escolheram logo a mim para o nome do santo mais popular da cidade de São Luís: São José de Ribamar.

No começo, não houve problema, já que em casa me chamavam de Zeca e, na rua, de Periquito. O problema apareceu quando me tornei poeta e passei a publicar poemas nos jornais.

Assinava-me Ribamar Ferreira e só então me dei conta de que muitos outros poetas eram, como eu, também Ribamar e o usavam com seu nome literário.

Não gostei, mas segui em frente, até que um poeta que assinava Ribamar Pereira publicou um poema ruim, em "O Imparcial", que saiu com meu nome.

Cioso de meu prestígio literário -praticamente inexistente-, vali-me da condição de locutor da rádio Timbira para avisar o público em geral de que o tal poema "As Monjas" não era da minha autoria e, sim, do senhor Ribamar Pereira.

A partir de então, decidi mudar de nome e passei a assinar Ferreira Gullar. É que um dos sobrenomes de minha mãe é Goulart e, eu, para evitar futuras coincidências, mudei-lhe a grafia, certo de que não haveria ninguém com nome semelhante em todo o planeta.

Disso me livrei, mas não de outros equívocos. Faz algumas semanas, recebi um jornal de uma pequena cidade do interior, anunciando a criação de um prêmio literário Ferreira Goulart. Agradeço, sinto-me honrado, mas desconfio de que exista algum espírito mau que se diverte em me sacanear.

Devo admitir, no entanto, que tenho alguma culpa nesse cartório, já que, ao longo da vida, adotei diversos nomes.

Por exemplo, quando estava na clandestinidade e precisava ganhar a vida, assinava artigos na imprensa alternativa com o nome de Frederico Marques (Frederico, de Engels; e Marques, de Marx), para enganar e sacanear a repressão.

Foi mais ou menos por essa época que o PCB me pediu que escrevesse um poema para a campanha pela libertação de Gregório Bezerra, e fiz um cordel, que intitulei "História de Um Valente" e assinei José Salgueiro (este, por ser o nome de minha escola de samba preferida).

Mas aí os militares invadiram minha casa à minha procura, prenderam a Thereza, depois soltaram.

Decidimos que era melhor eu ir para a União Soviética até que o processo aberto contra mim fosse julgado. Fui e lá, no Instituto Marxista-leninista, como todos os alunos eram clandestinos, tive de mudar de nome outra vez e passei a me chamar Cláudio.

Acontece que eu havia escrito, com Vianinha, o roteiro do filme "Em Família", que foi então premiado no festival de Moscou.

E tive que assistir à exibição, no auditório do instituto, desse filme, sem poder dizer a ninguém que aquele Ferreira Gullar que aparecia nos créditos era eu. Fiquei rindo para mim mesmo, no escuro.

De Moscou, fui para Santiago do Chile; de lá, para Lima e depois para Buenos Aires, onde vivi os derradeiros anos de meu exílio.

Naqueles países, não precisei usar de nome falso. Finalmente, voltei para casa, fui preso por alguns dias, mas logo me deixaram em paz.

Como tinha sido pelo Superior Tribunal Militar, pedi, apenas por precaução, uma cópia da sentença de absolvição e, para minha surpresa, o José de Ribamar absolvido não era eu, era outro.

É confusão demais, não acha?

E outro dia, ia eu pelo calçadão da avenida Atlântica quando alguns jovens se aproximam de mim.

-É o Goulart de Andrade!

-Nada disso. É o Paulo Goulart!

Por essa e outras é que, quando alguém me pergunta se sou o poeta Ferreira Gullar, respondo:

"Às vezes".

Ô, filha, veja o Coaf - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 13/05/12

Dona Dilma Jane, sempre me disseram que a sua filha faz tudo o que a senhora pede. Ou quase tudo. Por isso, neste Dia das Mães, eu pediria, por favor, que a senhora intercedesse perante a sua filha em prol de um órgão para lá de importante da administração pública, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Não é de hoje que o Coaf identifica a turma do “malfeito”, maneira que a sua filha se refere a casos de corrupção. Já pegou muita gente por aí. Mas o Coaf está no limite. A senhora é capaz de chorar se ler a resposta do presidente do Coaf, Antonio Gustavo Rodrigues, ao senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), presidente da CPI que investiga os negócios do bicheiro Carlos Cachoeira.

O senador pediu ao presidente do Coaf que lhe indicasse dois servidores para ajudar a desvendar o rastro do dinheiro que andou para lá e para cá nas águas desse Cachoeira. Antonio Gustavo Rodrigues aproveitou para desabafar. Disse que se sentia honrado em colaborar com o trabalho, mas, depois de um floreio danado, avisou que ceder gente para ficar na CPI tempo integral não vai dar.

Por falar em pessoal…
Rodrigues conta, no ofício enviado ao senador, que o quadro de pessoal do Coaf é de 42 servidores, “dos quais apenas 10 desempenham atividades de análises de informações financeiras. E detalhe: a situação é a mesma desde 2005. Ele lembra que a ampliação do quadro foi inclusive “objeto de recomendações da CPMI dos Correios”, aquela que investigou o mensalão.

Depois desse preâmbulo, ele diz que designar dois servidores à CPI “prejudicaria substancialmente a capacidade operacional do órgão, já fortemente desafiada com o crescente número de comunicações recebidas dos setores obrigados pela legislação”. Desde 1998, bancos e outras instituições informaram mais de 6 milhões de ocorrências ao Coaf. Só em 2011, confome Antonio Gustavo Rodrigues informou ao senador, foram 1,2 milhão, ou seja, uma média de 5 mil comunicações por mês. Ou seja, dona Dilma Jane, trabalho é que não falta para esses 10 bravos cidadãos que trabalham na análise de informações financeiras.

Por falar em trabalho…
Alguns relatórios do Coaf, dona Dilma Jane, ficaram famosos ao longo da sua história. Em maio de 2011, o jornal O Estado de S. Paulo publicou que, seis meses antes de estourar o caso Antonio Palocci, o Coaf havia alertado a Polícia Federal sobre o apartamento de R$ 6 milhões que o ex-ministro da Fazenda havia comprado em São Paulo. Na época em que a informação chegou à PF, a sua filha, dona Dilma, era presidente da República eleita e estava montando o governo. Aposto uma tarde num Spa, com direito a massagens de pedras quentes e relaxantes, como a senhora teria dito para a presidente Dilma não nomear Palocci ministro da Casa Civil se soubesse dessas coisas.

Este ano, por exemplo, soube-se que o Coaf também andou recebendo informações de movimentações suspeitas de funcionários do Poder Judiciário de vários estados. Tanto é que, por conta disso, no início do ano, a confusão foi grande. Mas isso, infelizmente, a senhora não tem como interceder porque se trata de outro poder, onde a fiscal é a doutora Eliana Calmon.

Por falar em interceder…
Dona Dilma Jane, o Coaf não precisa de luxo, vinhos Cheval Blanc ou coisa que o valha. Só quer ampliar o seu quadro de homens e mulheres capacitados para fisgar aqueles que fazem lavagem de dinheiro obtido ilegalmente. É de se estranhar que um órgão tão importante esteja com a mesma estrutura desde 2004, como diz Antonio Gustavo Rodrigues. Enquanto isso, a gente vê por aí a criação de ministérios só para que tendências do PT ou integrantes de partidos aliados possam desfilar de carro oficial.

Ah, dona Dilma Jane, se levarmos ao pé da letra, há tantas estruturas que podem ser reduzidas a um departamento do tamanho do Coaf ou menor até. Essa cartinha também poderia ficar por aqui. Mas, ficaria incompleta se não lhe desejasse um feliz Dia das Mães. À senhora, à sua filha e a todas as brasileiras. Em especial, às bravas mães dos servidores do Coaf. Feliz Dia das Mães a todas!

La Dolce Vita - CRISTINA GRILLO

FOLHA DE SP - 13/05/12

RIO DE JANEIRO - Imagine, leitor, a seguinte situação: empregado de uma grande empresa é incumbido de representá-la em uma série de eventos no exterior. Para fazer frente às despesas, recebe diárias. E é informado de que, ao voltar, não precisará prestar contas de seus gastos.

Difícil acreditar, não é? Qualquer um de nós que já viajou a trabalho sabe da obrigatoriedade de juntar todos aqueles papeizinhos que comprovam despesas. Mas é o que acontece na "empresa" Governo do Estado do Rio de Janeiro, como descobriu o repórter Italo Nogueira.

Apesar de o art. 11º do decreto 41.644 estabelecer que, ao voltar de viagem, servidores devem fazer o "acerto de contas mediante apresentação dos documentos comprobatórios das despesas realizadas", aqui se dispensou o cumprimento da lei.

Ao solicitar ao governo do Estado a prestação de contas dos gastos do governador Sérgio Cabral durante viagem a Paris em 2009, Nogueira descobriu que o decreto é mais uma daquelas leis que não pegaram.

Segundo a assessoria do governador, como as diárias são pagas com base em estimativas de gastos, "não há necessidade de posterior prestação de contas por parte do servidor".

Descobriu ainda que, segundo o parágrafo 3º do artigo 143 da Constituição estadual, governadores têm prazo de 15 dias, a partir do retorno, para apresentar relatórios sobre as viagens feitas. Mas segundo a Assembleia Legislativa estadual, "nunca foi praxe do Poder Legislativo cobrar o cumprimento" do tal artigo.

Seria interessante descobrir de quais outros artigos da Constituição estadual nunca foi praxe cobrar o cumprimento.

Frase ouvida por outro repórter da Folha, Marco Antônio Martins, nos corredores da Alerj: "Aqui ninguém é santo. Estamos no inferno, mas não sou eu o capeta".

A verdade que dói - ELIANE CANTANHÊDE


FOLHA DE SP - 13/05/12


BRASÍLIA - Conformismo. Essa é a palavra que melhor define a reação dos militares à composição da Comissão da Verdade, que eles tanto rejeitam. Perdidos os anéis, vão tentar salvar os dedos: a Lei da Anistia.

Os sete escolhidos por Dilma pessoalmente, quase solitariamente, têm destaque na carreira e densas histórias de vida. Gente de peso.

São ex-advogados de presos políticos, como José Carlos Dias e Rosa Maria Cunha, militantes de Direitos Humanos, como Paulo Sérgio Pinheiro e Maria Rita Kehl, e juristas de ponta, como Gilson Dibb, Cláudio Fontelles e José Paulo Cavalcanti Filho. Parciais? Sim, sem dúvida.

Todos têm lado -o mesmo lado, apesar de uns mais tucanos, outros mais petistas- e posições claras e bem conhecidas. Mas não há ali xiitas, nem juvenis, e nenhum está tecnicamente impedido pela lei que criou a comissão. Não há torturados ou parentes de desaparecidos.

Perdida mais essa guerra, os militares agora alimentam uma dúvida (ou seria certeza?): para que vai servir mesmo a Comissão da Verdade?

Eles estão convencidos de que as histórias de torturas, mortes e desaparecimentos já são amplamente conhecidas. Tanto quanto as vítimas e os próprios algozes.

Logo, desconfiam, ou sabem, que a comissão é a cortina de fumaça para produzir ações penais contra os agentes do Estado que exorbitaram durante a ditadura. Ou seja, contra os militares da época.

Será, simultaneamente, o canal para catequizar a população para a tese de que, mais de 30 anos depois, já passou da hora de revogar a Lei da Anistia para processar e punir torturadores. Até porque tortura é crime imprescritível.

Uns com raiva, outros com melancolia, esses militares alegam que todas as verdades sempre têm dois ou mais lados. Mas, na história, quem ri por último ri melhor e a verdade é sempre a do vencedor.

No caso, de quem subiu a rampa do Planalto pela força do voto.

À beira do abismo - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 13/05/12


SÃO PAULO - Você seria um nazista? A maioria de nós responde sem hesitar com um "é claro que não". Somos vítimas fáceis de nossas narrativas. Se o nazismo é identificado ao mal e nós não nos julgamos maus, não podemos ser nazistas.
O problema, como mostrou reportagem de Carolina Vila-Nova, é que esse raciocínio é utilizado de forma excessivamente generalizada: metade dos alemães julga que, em suas famílias, todos eram contra o nazismo. Só 6% admitem o envolvimento de parentes com o regime hitlerista.
Pesquisas historiográficas sobre a disseminação do nazismo aliadas a uma série de experimentos psicológicos revelam que não devemos confiar tanto em nossas narrativas.
Uma das mais impressionantes dessas experiências foi conduzida por Philip Zimbardo em 1971. Ele recrutou 24 voluntários em boa saúde mental e os pôs num simulacro de prisão montado na Universidade Stanford. Num sorteio, parte do grupo ficou com o papel de guarda, e o restante, com o de prisioneiros. Os vigias foram autorizados a assustar os presos, mas nunca usar força contra eles. Qualquer um podia abandonar a "prisão" quando quisesse.
Logo as coisas saíram de controle. Os guardas começaram a mostrar-se cada vez mais cruéis para com os prisioneiros, que, após uma tímida tentativa de rebelar-se, foram aceitando castigos e humilhações. O próprio Zimbardo se deixou absorver pela situação. Foi só depois que sua namorada visitou o local e viu que limites éticos haviam sido rompidos que o psicólogo começou a questionar a moralidade da coisa. No sexto dia, o experimento, concebido para durar duas semanas, foi interrompido.
A moral da história, reforçada por outras experiências célebres como as de Milgram e de Darley, é que basta uma pressãozinha do grupo para uma pessoa normal se enfronhar na barbárie e julgá-la a coisa mais natural do mundo. É o que Hannah Arendt chamou de banalidade do mal.

As duas culturas - LUIZ FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 13/05/12

Falam da cultura científica e da cultura humanística como se falassem de duas raças diferentes. Os que defendem que a divisão entre as duas culturas não é genética sustentam que não dá para saber, pelo comportamento da criança até os seus cinco anos, se ela será de uma cultura ou de outra. Se o garoto gosta de abrir a barriga do ursinho, tanto pode significar que ele vai ser um cirurgião ou um médico legista quanto que vai ser filósofo e estripador amador.

O meio é que determinaria a vocação e o destino. Condicionado pelo meio, o filho de um médico teria naturalmente mais chances de ser um médico também enquanto o filho de um filósofo estripador teria muito mais chances de acabar na cadeia, ou escrever um livro de memórias sensacional. Já outros sustentam que a genética é tudo e que no espermatozoide que fecunda o óvulo já está o contador ou o poeta, o advogado ou o engenheiro, o ator ou o dentista.

E há os que garantem que o espermatozoide não decide nada. Pode chegar no óvulo com os planos que quiser, cheio de ânimo e moral afinal, derrotou milhões de outros espermatozoides na corrida para ser o primeiro, é natural que se sinta um vencedor e capaz de tudo pois quem decide mesmo é o óvulo.

– Presidente da República coisa nenhuma. Contrabaixista e numismata.

– Mas, mas... – tenta protestar o espermatozoide.

– Quieto. Lembre-se que você é o intruso aqui. Eu estou em casa. E na minha casa mando eu!

Genética x cultura, hereditariedade x influência do meio – é uma discussão que nunca se decide. Por que certas pessoas “dão” para certas coisas e outras não? O fato é que há as que querem ser dentista desde pequenas e as que não apenas não concebem como alguém possa ter uma vocação assim como precisam se controlar para não morder seu dedo, revoltadas. Seja por influência do meio ou por compulsão genética, o fato é que a partir de uma certa idade nós todos sabemos se queremos abrir barrigas ou não.

A divisão ciência/humanismo se projeta na maneira como as pessoas, hoje, encaram o computador. Resiste-se ao computador, e a toda a cultura cibernética, como uma forma de ser fiel ao livro e à palavra impressa. Mas é falso que o computador substituirá o papel. Ao contrário do que se pensava há alguns anos, o computador não salvará as florestas. Aumentou o uso do papel em todo o mundo, e não apenas porque a cada novidade eletrônica lançada no mercado corresponde um manual de instrução, sem falar numa embalagem de papelão.

O computador estimula as pessoas a imprimirem coisas. Como hoje qualquer um pode ser editor, paginador e ilustrador sem largar o mouse, a tentação de passar sua obra para o papel é quase irresistível. E nada dá uma impressão de permanência como a impressão, ainda menos uma tela ondulante que pode desaparecer com o mero toque numa tecla errada. Mesmo forrando a proverbial gaiola do papagaio um papel impresso tem mais nobreza e perenidade do que qualquer cristal líquido.

Mas desconfio que o que salvará o livro será o supérfluo, o que não tem nada a ver com conteúdo ou conveniência. Até que lancem disquetes com o cheiro sintetizado, nada substituirá o cheiro de papel e tinta nas suas duas categorias inigualáveis, livro novo e livro velho.

E nenhuma coleção de disquetes ornamentará uma sala com o calor e a dignidade de uma estante de livros. A tudo que falta ao admirável mundo da informática, da cibernética, do virtual e do instantâneo acrescente-se isso: falta lombada. No fim o livro deverá sua sobrevida à decoração de interiores.

Quanto vale um amor? - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 13/05/12


Pedir uma indenização -em dinheiro- porque não foi amada pelo pai, eu acho estranho

Abandono afetivo; e dá para entender que alguém entre na Justiça reivindicando uma quantia porque não recebeu do pai o afeto que gostaria?

O ideal seria que todos os pais cercassem seus filhos de carinho e de amor; mas isso é o ideal, e o ideal, como todo mundo sabe, não existe. Alguns pais não são nem carinhosos nem amorosos, que pena, mas a vida é assim, e uma filha que nunca teve o afeto paterno tem que entender que alguns não têm afeto para dar, ou apenas não conseguem -e tratar de viver a vida como ela lhe foi apresentada, isto é, como ela é.

Pedir uma indenização -em dinheiro- porque não foi amada pelo pai, acho estranho. Quem põe um filho no mundo tem obrigações, mas amor dá quem pode, nem é um problema de querer; e amor não se cobra, nem de pai nem de ninguém.

Fico pensando na quantidade de crianças que moram com pai e mãe e que nem assim recebem o afeto de que necessitam. Pais que não tomam conhecimento de suas existências, não conversam, nem ao menos olham para seus filhos, mesmo vivendo sob o mesmo teto. E aí, eles podem cobrar também? Como? Se cobrarem, e o juiz achar que têm razão, como estipular a quantia que vai compensar a indiferença que sofreram durante anos? Vai depender da conta bancária do pai, imagino, mas não acho que seja por aí. Quem foi abandonada e desamada tem que dar a volta no passado sabendo, inclusive, que isso acontece muito mais do que se imagina.

Abandono afetivo; imagino que sejam raros os que não têm, lá no fundo do coração, a sensação de não terem sido amados suficientemente pelo pai ou pela mãe. Todos precisamos de amor, e quando somos crianças queremos todo o amor do mundo, e de todas as pessoas. Com o tempo, aprendemos que se recebermos algum afeto -de poucas pessoas, e só às vezes-, já está mais do que bom.

Carência afetiva não é fácil; alguns conseguem -ou pelo menos dão a impressão- superar e viver bem a vida; outros vão sofrer até o último suspiro, mas de uma coisa tenho certeza: não se resolve com dinheiro. Se resolvesse, nenhum filho de milionário teria o problema.

O valor da indenização me põe curiosa, tanto quanto qualquer processo que implique "danos morais". Já passou um pouco de moda, mas nos EUA, até anos atrás, uma mulher assediada sexualmente -nada de muito grave, apenas uma boa e competente paquera- processava o paquerador e exigia uma quantia por danos morais; é possível?

É normal que quando alguém sofre algum tipo de constrangimento precise de um desagravo (recompensa) pelo que passou, mas querer em dinheiro é uma maneira muito esperta de dar a volta por cima. Danos morais são vagos e dependem do foro íntimo de cada um.

Quando vou a São Paulo e, no aeroporto, a Polícia Federal me faz tirar os sapatos, o cinto e o relógio, e ainda por cima pega minha tesourinha de unhas e joga no lixo, eu me sinto vítima de grande violência moral, e acho que teria direito a uma indenização em $$ -e ter a minha tesourinha de volta, claro-, mas ainda não fiz isso por achar, entre outras coisas, ridículo; mas que é constrangimento, é.

E os namoros que não deram certo, os casamentos que não vingaram porque o amor acabou, será que isso também pode ser considerado abandono afetivo? Quanto vale o amor que deixaram de nos dar?

O mundo está muito louco.

Assédio moral - DORA KRAMER


 O Estado de S.Paulo - 13/05/12


Uma vez, lá pelos conturbados idos do governo Collor, um político alagoano cravou no adversário o apelido de "pistoleiro de almas".

Nenhum dos dois era criatura de se abrigar em casa nem flor de bom perfume. Daí, talvez, a escolha pelo acusador da designação que se aplicava de modo específico ao acusado por sua habilidade no manejo da arma do constrangimento moral para atingir seus objetivos.

Aquilo nunca me saiu da cabeça. A expressão de quando em vez escapole do escaninho onde foi guardada, por se adequar a comportamentos e situações recorrentes no cenário político.

Volta forte nesses tempos de substituição de ideias por insultos, de exercício explícito da ilação melíflua, da transformação da opinião em crime passível de rigorosa punição, da intolerância ante o contraditório, da distorção das palavras e ausência de compreensão dos raciocínios, do anonimato a serviço da agressividade no qual as redes sociais na internet encontram o ambiente ideal para replicação.

O desacato coator é o último recurso do covarde cheio de razão e carente de argumentação.

Quando tudo o mais falha, recorre à intimidação. De várias maneiras. Anos atrás, ainda no governo Fernando Henrique, um ministro agastado com declarações de uma deputada atribuiu as críticas a transtornos da menopausa.

Mais ou menos na mesma época, um sindicalista, hoje deputado, chamou a chefe da recém-criada Corregedoria (agora Controladoria) Geral da União de "feia e mal amada" por causa de uma auditoria que detectara fraudes dos repasses de verbas do Ministério do Trabalho para a central sindical dirigida pelo dito cavalheiro.

Não tendo como responder, ambos optaram por aliar humilhação e prepotência para tentar encabular.

Na ocasião não existiam as "redes" que hoje repercutem, ampliam e até conferem eficácia aos ataques. Vejamos os tucanos acusados desde o início do primeiro governo Lula de legar ao País uma "herança maldita".

Não havia substância nem lógica no carimbo, mas foi aceito por puro constrangimento. Em boa medida devido ao fato de que a ascensão de um "operário" ao poder transformava qualquer reação crítica em manifestação de preconceito.

É a dinâmica malsã do maniqueísmo. De certa maneira contribuiu muito para o sucesso do então candidato Fernando Collor de Mello, a despeito de já ter sido um desastre conhecido como prefeito de Maceió e governador de Alagoas.

Como, na condição de candidato à Presidência, se concentrava nos ataques ao impopularíssimo governo Sarney - "batedor de carteira da História", dizia ao modo da "pistolagem" referida pelo conterrâneo citado no início - críticas a ele eram computadas como apoio a Sarney e, por receio, evitadas.

Aos dias atuais: O PT sabe que o procurador-geral da República tem sustentação legal para não ir à CPMI, bem como não desconhece a impossibilidade de impor o "controle social da mídia".

A insistência não visa ao objetivo declarado, por inviável. Utiliza-se do meio: coagir moral, social e politicamente o enorme contingente que se deixa conduzir pela coleira da intimidação.

Vasos comunicantes. Em qualquer processo de investigação, notadamente os de natureza política como comissões parlamentares de inquérito, a chance de surgir uma surpresa, um fato novo e definitivo está na eventualidade da contradição entre acusados e/ou depoentes.

Na CPMI mais famosa do País, descontado o aparecimento de um (a) personagem inesperado (motorista, secretária, ex-mulher etc.) não haverá confronto de versões.

Três grandes advogados, Márcio Thomaz Bastos, Antônio Carlos de Almeida Castro e José Luis Oliveira Lima, estão interligados na defesa dos grandes alvos: Demóstenes Torres, Carlos Augusto Ramos e Fernando Cavendish.

Atuam também no processo do mensalão e convergem no que tange a posições políticas. Mas isso é até secundário.

Essencial em relação à CPMI é que haverá consonância, nunca dissonância.

Texto final - HUMBERTO WERNECK


O ESTADÃO - 13/05/12


Devo confessar que morro de vontade de ler o epitáfio do Fritz Spiegl. Não que seja esse o meu gênero literário predileto. Mas talvez tenha sido o dele. Que eu saiba, ninguém publica dois livros sobre um assunto sem ter com ele alguma ligação particular. Será que o Fritz, hoje instalado sete palmos abaixo de onde caminhamos, foi também em vida um sujeito pra baixo?

Pelo pouco que sei dele, não me parece. Até que sua vida se extinguisse, ele a levou na flauta, num sentido ao menos, pois foi por longo tempo o primeiro flautista da Royal Liverpool Philharmonic Orchestra.

Entre um concerto e outro, o Fritz tinha o hábito de vagar por velhos cemitérios da Grã-Bretanha e, antes de recolher-se definitivamente a um deles, anotou centenas de epitáfios, depois selecionados para os livros a que me referi. Devia achar, como este cronista, que ir a cemitérios pode ser programa interessante, desde que não seja, claro, para lá ficar.

Essa mania do Fritz já foi assunto meu aqui, mas compreendo que você não se lembre; também ando um pouco esquecido, tanto que nem sempre me ocorre reler este hai-kai do Millôr Fernandes, afixado na minha mesa de trabalho: "Meio esquecido / escreve memórias / de olvido".

Onde estava eu? Ah, no Fritz Spiegl e sua coleção de epitáfios. Há de tudo nela. Estes aqui, por exemplo, têm o peso das condenações eternas:

"Aqui jaz um sujeito lascivo que, ao exalar seu último suspiro, estava, no meio da vida, caçando a morte - que não demorou a encontrar, ao ser flagrado na cama com a mulher de outro homem."

"Aqui jaz o corpo de Marta Dias, sempre ruidosa e não muito piedosa, que viveu até os 40 anos e deu aos vermes o que recusou aos homens."

Nem sempre, porém, a virtude compensa:

"Aqui jaz Mary Haselton, virginal solteira nascida de pais católicos e virtuosamente educada, que no ato de rezar as Vésperas foi morta instantaneamente por um raio de luz, na idade de 9 anos."

Não faltam manifestações de inconformismo, e até acusações:

"Sob essa lápide jazem os restos mortais de Stephen Jones, que teve uma perna amputada sem o consentimento de sua mulher e de seus amigos em 23 de outubro de 1842, dia em que morreu aos 31 anos de idade."

"Em memória de Mary Maria, e também de seus filhos Louisa e Alfred - todos eles vítimas do descaso das normas sanitárias e especialmente citados numa recente palestra sobre saúde realizada nesta cidade."

Há inscrições que são como pás de cal verbal:

"Aqui jaz Martin Elphistone, que com sua espada cindiu a filha que Sir Harry Crispe lhe deu em casamento. Ela era gorda e de mau gosto, mas os homens às vezes comem bacon com o seu feijão, e amam a gordura como a carne magra."

Outras, como esta, evocam feitos e ofícios:

"Aqui jaz James Earl, o pugilista que em 11 de abril de 1788 jogou a toalha branca."

Por que não um anúncio?

"Consagrado à memória de Nathaniel Godbold, inventor e proprietário do excelente Bálsamo Vegetal, para a cura da tuberculose e da asma."

E há, por fim, todo um colar de pérolas do nonsense:

"Aqui jaz John Tyrwitt. Ele morreu de ataque enquanto bebia vinho do Porto."

"Em memória de Emma & Maria Littleboy, as duas gêmeas de George e Emma Littleboy. Duas Littleboys jazem aqui, e, por estranho que pareça, estes little boys são meninas."

"Martha Blewit foi esposa de nove maridos, sucessivamente, mas o nono lhe sobreviveu. O texto no seu funeral foi ‘Por fim, a mulher também morre’."

E quanto ao próprio Fritz Spiegl, como será seu epitáfio? Tudo o que sei é que esse bon vivant talvez tenha sido também, me perdoe, um bon mourrant, pois se foi sem agonia nem prévio aviso, em plena fuzarca de um almoço de domingo. Tinha 77 anos - e eis que agora me lembro de um papo entre o Rubem Braga e o Fernando Sabino quando se foi Jacques Prévert, o autor de As folhas mortas. Morreu de quê?, inquietou-se o Sabino. "Aos 77, sempre se morre de alguma coisa", tranquilizou o Braga - que teria exatamente essa idade no dia em que um câncer o levou, treze (!) anos depois.

Pensando bem, taí um texto lapidar, e não só para o Braga e o Fritz: "Sempre se morre de alguma coisa".

Novas fitas na CPI - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 13/05/12


A Comissão Parlamentar de Inquérito Mista que investiga as relações do mafioso Carlinhos Cachoeira com políticos, empresas e órgãos do Estado entra em sua segunda semana com a perspectiva de receber novas levas de fitas registrando mais conversas do senador Demóstenes Torres com integrantes do grupo. A essas novas gravações poderá se somar um depoimento à Aeronáutica daquele que é considerado o braço operacional da quadrilha do bicheiro, o terceiro sargento da Aeronáutica Idalberto Martins de Araujo, o Dadá.

Como ex-membro da comunidade de informações, que há mais de 10 anos usa sua especialidade a serviço do bicheiro, Dadá teria sido convocado pela Aeronáutica para um depoimento onde teria esclarecido a sua atuação e a de outros membros da antiga comunidade de informações dos militares em atividades criminosas.

A Aeronáutica estaria preocupada com a exposição pública das atividades de Dadá e estaria investigando até onde a ação desse grupo de exmilitares estaria disseminada pelo mundo do crime.

Se for confirmado esse depoimento sigiloso à Aeronáutica, a CPI pretende requisitá- lo ou formar uma comissão para ir à Aeronáutica tomar conhecimento dele.

Dadá esteve envolvido na montagem de um grupo de espionagem no comitê da campanha da então candidata Dilma Rousseff à Presidência, a convite do jornalista Amaury Ribeiro Jr, e é o mais constante colaborador de Cachoeira.

No depoimento sigiloso à CPI do Cachoeira, o delegado da Polícia Federal Raul Alexandre Souza revelou que Dadá e um outro membro da comunidade de informações da Polícia Militar, Jairo Martins de Sousa, sequestraram em 2009, a mando de Cachoeira, um funcionário do grupo, que foi mantido em cárcere privado por desconfiança do bicheiro de fraudes no recolhimento de máquinas caçaníqueis.

Essas partes substantivas das investigações deverão superar as tentativas de manobras políticas de desviar o foco da CPI para o procurador- geral da República, Roberto Gurgel, que não teria tomado providências para processar o senador Demóstenes Torres com base na Operação Vegas, precursora da Monte Carlo que acabou incriminando o senador.

Uma demonstração de que a atitude do procurador de sobrestar o processo por falta de indícios suficientes foi correta é que no mesmo pacote da Operação Vegas havia cerca de 80 pessoas sem foro especial incriminadas junto com o senador, e não se tem notícias de que os processos contra elas tenham ido adiante na justiça comum.

O relator do caso, o deputado petista Odair Cunha, já admite que o procuradorgeral envie por escrito suas explicações, mas mesmo se o convite da CPI for nesse sentido, ainda é preciso saber se mesmo assim ele não estará colocando em risco sua atuação.

Além de prerrogativas constitucionais que fazem com que ele tenha competência exclusiva para definir a estratégia de suas investigações, sem precisar dar explicações, como ressalvaram diversos ministros do Supremo sobre a atividade do procurador-geral da República, o Código de Processo Penal o impede de depor na CPI.

O artigo 252 impede um juiz de participar de um processo se ele tiver sido testemunha no caso e o 258 diz que os membros do Ministério Público estão sujeitos às mesmas razões de impedimento e suspeição dos juízes.

Há ainda obstáculos constitucionais, como o artigo que fala em proteção do sigilo de fonte por autoridades, e o assunto pode chegar ao Supremo Tribunal Federal.

Há informações de que o procurador-geral já tem um pedido de liminar pronto para garantir que não compareça caso seja convocado na votação da próxima quintafeira, quando o assunto será levado ao plenário da CPI.

Um dos principais estimuladores da convocação do procurador-geral da República desde o primeiro dia da CPI é o hoje senador Fernando Collor, assim como é dele também o comando das iniciativas contra a imprensa, especialmente o diretor da revista Veja em Brasília Policarpo Junior.

Collor tentou por diversas vezes tirar dos delegados da Polícia Federal declarações contra a atuação do jornalista, alegando que ele e a revista estariam mancomunados com as atividades criminosas do bicheiro Carlinhos Cachoeira, mas não teve êxito.

Os delegados disseram que não há nada nas conversas gravadas que indiquem algo mais do que contato de jornalista e fonte.

O deputado Miro Teixeira, do PDT, que é jornalista, também questionou diretamente os delegados sobre a existência de um nexo causal entre os contatos de Policarpo Junior e os crimes praticados pelo grupo de Cachoeira, e ficou claro que não há como fazer esse nexo, sem o qual não há crime a ser denunciado por parte do jornalista.

Uma coincidência interessante é que a CPI do Cachoeira está sendo realizada na mesma sala 2 da Ala Nilo Coelho do Senado onde, há 20 anos, realizou-se a CPI do PC Farias que acabou levando o então Presidente Collor de Mello ao impeachment por parte do Congresso.

Sempre que o hoje senador Collor começa sua peroração contra a imprensa, há quem lembre que naquela sala já se tomaram decisões fundamentais para a garantia da democracia brasileira e o combate à corrupção, de cuja luta a CPI do Cachoeira faz parte.

As evidências estão fazendo com que arrefeça o ímpeto inicial de setores petistas e de aliados como Collor, a ponto de o petista mais alinhado com o grupo que quer se vingar da imprensa, o deputado Candido Vacarezza, já ter dito que seu intuito não é impedir a liberdade de expressão, mas processar os maus jornalistas como seria Policarpo Junior.

Ao que lhe foi lembrado que as leis do país estão em vigor e qualquer pessoa que se sinta ofendida ou caluniada por um órgão de imprensa tem a Justiça como caminho para resolver suas pendências.

Em pé de guerra - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 13/05/12


É crítica a relação da Polícia Federal com o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça). Os policiais reclamam que ele não defende suas necessidades junto ao governo; não acompanha os projetos legislativos de interesse da PF; não garante investimentos mínimos para as operações policiais; e não nomeou três dos sete diretores, além do corregedor. Dizem que Cardozo só se preocupa com sua candidatura a ministro do STF.

Cachoeira: caça-níquel e prostituição
São horripilantes os relatos de agentes da Polícia Federal que participaram das investigações da Operação Monte Carlo. Vários tiveram que se infiltrar em verdadeiros cassinos mantidos ilegalmente pelo contraventor Carlos Cachoeira, em Goiás. As casas forneciam gratuitamente comida e bebida para os frequentadores. Entre eles, mulheres que acabavam gastando mais do que podiam nas máquinas de caça-níquel. Para continuar jogando e para arcar com suas perdas, muitas delas acabavam se prostituindo no próprio cassino, com seguranças, funcionários da casa e até mesmo com outros clientes da jogatina.

“Não sou mensaleiro, mas sou daqueles que acham que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, deve explicações à CPI e à população" 
—Fernando Francischini, deputado federal (PSDB-PR)

DESDE CRIANCINHA. O delegado Matheus Mella Rodrigues disse à CPI que há muitas ligações telefônicas entre Carlos Cachoeira e o suplente de senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO). As conversas são de todos os tipos: desde Ataídes contando a Cachoeira que está no “Copa” com dez homens e 30 mulheres até empréstimo de avião. Sua explicação: “somos amigos de infância”. Eles moram no mesmo prédio em Goiânia, o Excalibur.

Conexão externa
Segundo a investigação da PF, Roberto Coppola, o empresário argentino dos caça-níqueis e consultor de Cachoeira na Argentina e Uruguai, atuou para Cachoeira junto aos governos de Raimundo Colombro (SC) e Beto Richa (PR).

Lobby chique
A atriz Camila Pitanga está telefonando para os líderes na Câmara cobrando que eles votem a PEC que coíbe o Trabalho Escravo. Os deputados estão alegando que o texto carece de segurança jurídica e, por isso, pode ser rejeitado.

A Espanha se rendeu
Em crise financeira e precisando aumentar suas receitas, inclusive as do turismo, o chanceler da Espanha, José Manuel Garcia-Margallo, está vindo ao Brasil nesta semana. O chanceler vem especialmente para anunciar as mudanças das regras de recepção dos brasileiros no Aeroporto de Barajas, em Madrid, que historicamente tem sido o que mais deporta turistas do Brasil em toda a Europa. Parece que a reciprocidade valeu.

Custo Brasil
O presidente do Instituto Brasileiro de Mineração, José Fernando Coura, está em campanha no Congresso contra o projeto de aumento dos royalties dos minerais. A entidade acredita que a mudança inibe novos investimentos no setor.

Fim de caso
O governador Sérgio Cabral tem dito para a cúpula do PMDB que se sente traído pelo dono da Delta, Fernando Cavendish. E que ele jamais suspeitou que o empreiteiro fosse sócio e tão íntimo do contraventor Carlos Cachoeira.

BOLSA REMÉDIO. O deputado Reguffe (PDT-DF) está em campanha para acabar com a cobrança de impostos sobre medicamentos. Seu argumento: “Países como Inglaterra, Canadá, Colômbia não cobram, no Brasil 35,7% do preço é de impostos”.

56% dos ouvidos, em pesquisa Ibope, não querem que o governador Cid Gomes (PSB-CE) e o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) deem apoio ao candidato da prefeita Luizianne Lins (PT), em Fortaleza.

O MINISTRO Marco Aurélio Mello (STF) suspendeu a execução de cobrança da Vale pela União, de R$ 30 bilhões (de IRPJ e CSLL), até a decisão do processo.

GOSTOSA


O coco e as mulheres - JOÃO UBALDO RIBEIRO


O Estado de S.Paulo - 13/05/12


No domingo passado, creio que se armou aqui uma confusão, causada não tanto por manquitoladas redacionais quanto por um assunto intrometido, que acabou envolvendo as mulheres, a criação artística (que são a mesma coisa, encantadora leitora) e outros temas sem nenhuma relação aparente com o que eu tencionara escrever. É que eu tinha lido uma reportagem vibrantemente dedicada a redimir o coco, especialmente sua gordura. E aí achei que seria o assunto da semana passada, mas não foi. Prometi endireitar as coisas hoje, não é possível essa quebra de hierarquia, o assunto mandando no escritor, tenho que mostrar quem é que pilota aqui este teclado.

O banimento da gordura do coco foi altamente científico, respaldado pelas mais respeitáveis pesquisas. E sua redenção triunfal (sim, porque não é que ela tenha deixado de fazer mal; é muito mais que isso, ela agora traz benefícios que só faltam prometer vida eterna e uma médica americana diz e escreve que óleo de coco cura - isto mesmo, cura - o mal de Alzheimer) também é altamente científica e igualmente respaldada. Para os religiosos que acreditam que, uma vez estabelecida uma conclusão científica, ela é imutável, essas coisas devem ser perturbadoras. E, mesmo para quem não tem essa fé, é também perturbador haver passado grande parte da vida fazendo o errado porque assim mandava a "ciência" e evitando o certo pela mesma razão, principalmente quando essas ações redundaram na perda de prazeres irrecuperáveis. Agora que morreu há anos a tia portuguesa que fazia uns doces d'ovos concebidos no paraíso e dois ovos estrelados no café da manhã só são conhecidos por fotografias? Adianta mais nada? Claro, os poucos chatos entre vocês (sempre tirante a formosa leitora), vão estragar tudo e lembrar que o açúcar faz mal. Mas todo mundo sabe que eu me refiro mesmo é aos ovos, aos ovos tão brutalmente sacados de nossa dieta. E agora vêm com uma conversa de que não é bem assim, que, havendo moderação, evitando-se frituras, etc., etc.

Tudo bem, acatemos quem gosta de viver assim, não sofreu ou sofre o Trauma do Ovo, o Trauma da Margarina, o Trauma do Chocolate, o Trauma do Café, entre tantos outros. Acho que a maior parte de nós, para nos livrarmos do inferno em vida que são as ladainhas desse pessoal, topa concordar que comer é perigoso, ponto. Não existe nada neste mundo, nem alface (acusada de grande broxante desde a Antiguidade), que não faça algum mal aí, em alguém aí. Além disso, no tempo em que manteiga matava na hora e margarina era o único jeito de evitar fazer oito safenas, há quem alegue que o jeito que a margarina dava mesmo era no escoamento de estoques excedentes de milho e outras matérias-primas. Ou seja, haverá talvez de assistir alguma razão a quem vincula o que a "ciência" diz que é bom àquilo que se quer vender.

Quando eu era menino vendiam-se cigarros em farmácias. Não de tabaco, mas medicinais mesmo. Havia uma marca, Catedral, que era para eliminar - isto mesmo - o vício de fumar. Mas, vil memória, não tenho certeza sobre se o Catedral era para que se abandonasse o vício ou se era o da asma. Apelo ao terceiro-idadista presente no recinto para que deixe de negar a idade e lembre: receitavam-se - verdade científica - cigarros para asma, bronquite e outros males respiratórios. Mais ainda: Papai Noel fumava e fazia comerciais de cigarro. Quem acha que desta vez fui longe demais pode procurar na internet e verá o bom velhinho pitando uma guimba, soprando uma fumacinha e recomendando, se não me engano, Pall Mall. Muitas casas devem ter sido incendiadas por esse tabagista irresponsável, deixando cair brasas nas árvores de Natal. E havia mais. Médicos, não atores, mas médicos mesmo, formados e também altamente científicos, vestidos em seus trajes profissionais e sentados às suas mesas de consultório respondiam cientificamente à pergunta de um entrevistador: "E o cigarro que o senhor fuma, doutor?" O doutor mandava o comercial (acho que esse fumava Camel, mas não tenho certeza), embolsava a gruja e o freguês ia cultivar o enfisema pulmonar dele cientificamente.

Os mais velhos também lembram do tempo em que se cozinhava com banha de porco. Aí deram para falar em colesterol e banha de porco não servia mais nem para lubrificante de trem. Passou-se a cozinhar com a altamente científica gordura de coco, vegetal, pura, natural. Branquinha, vinha numas latas com algo verde no rótulo. Pelo menos as latas da marca mais conhecida, que aparentemente todo mundo usava: Gordura de Coco Carioca. E por aí marchávamos, em grande segurança alimentar, quando estourou nova reviravolta na ciência. Falha nossa, tudo errado, a gordura de coco é ainda mais mortal que a de porco! E aí não sei que fim levou a Carioca. A julgar pelo consumo, a gordura de coco devia envolver uma grande rede de fornecedores, atacadistas e varejistas. Não deve ter sido comércio pequeno, mas nada comparável ao dos milagrosos óleos saídos a cada ano, o mais recente sempre mais sadio que o anterior, com um lugar especial para a atual voga do azeite de oliva virgem (no meu tempo, ele ainda não fazia exame pré-nupcial).

Vou ter de pedir um intervalo técnico. Criei coragem, olhei o que escrevi até aqui, minhas suspeitas se confirmam. Corro novamente o risco de ser processado, agora não só por militantes feministas como por veicular propaganda enganosa. Que é que o coco tem a ver com as mulheres? Juro que não é truque de folhetineiro barato, é incompetência mesmo. O óleo de coco está de fato sendo cientificamente anunciado como muito importante para as mulheres. Não sei se é o caso de elas desconfiarem, tenho algumas outras lembranças de meu tempo que ajudarão a pensar no assunto. Assunto de que há dois domingos não consigo tratar, mas domingo que vem eu acerto a vida dele.

Taco família - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 13/05/12

Ex-carregador de bolsas que virou golfista, Rogério Bernardo, o "Tiger Woods brasileiro", foi o melhor jogador amador do Brasil e teve patrocínio de R$ 10 mil mensais, mas hoje precisa improvisar para sobreviver

É num quarto, cozinha e banheiro na periferia paulistana que ainda mora o primeiro e único negro a assumir a liderança de um ranking brasileiro de golfe. Ultimamente, no entanto, sua rotina tem passado longe dos gramados, lagos e bancos de areia dos campos do esporte.

Ex-carregador de bolsas que virou jogador e chegou ao circuito profissional já com patrocinador garantido, em 2007, Rogério Bernardo, 32, ainda sonha se firmar como a promessa que foi no início da carreira. Número um do país quando era amador, ele terminou 2010 como nono golfista do país e 2011 na 27º posição do ranking.

"Caí e caí bonito, porque teve poucos torneios no ano passado. Joguei só quatro, mas fui muito mal", justifica ao repórter Diógenes Campanha. Em 2012, ele disputou apenas um torneio seletivo e aguarda a confirmação de outras competições para voltar aos campos.

A escassez de campeonatos, segundo ele, custou-lhe o patrocínio de uma operadora de telefonia. "Ninguém vai pagar para você ficar em casa." Quando foi contratado, há quatro anos, Rogério ganhou o primeiro celular e passou a receber R$ 10 mil por mês, para pagar as contas e as participações nos torneios. Chegou a fazer uma reserva, mas o dinheiro acabou. Mesmo sem contrato, ele continua vestindo uniformes com a logomarca da empresa, inclusive para as fotos desta reportagem. Tem esperança de que assim, um dia, consiga renovar o patrocínio.

*Para sobreviver,* Rogério chegou a vender cachorros-quentes e pasteis na garagem de casa, mas acumulou prejuízos. "Tive que pedir ajuda para os meus irmãos. Agora precisa vir um torneio para eu ganhar dinheiro e pagar todo mundo." Na semana passada, tentava levantar

R$ 150 para se inscrever em um campeonato.

Rogério mantém o ritmo de jogo treinando no Guarapiranga Golf Country Club, perto de sua casa. Foi lá que começou como caddie (carregador das pesadas bolsas de tacos dos golfistas), no início dos anos 90. Antes, trabalhava em uma fábrica de peças para motos que fechou por causa do Plano Collor. Mais velho de nove filhos, viu a situação apertar em casa. Buscou novo emprego. Diz que, em Parelheiros, "ou era o golfe ou carregar sacos nas plantações de batata". Escolheu seguir os amigos que já trabalhavam no clube de Guarapiranga levando as bolsas dos jogadores.

Foi logo apelidado "Tiger de Parelheiros" quando começou a jogar, uma referência ao golfista norte-americano Tiger Woods, o atleta mais bem pago do mundo, negro como ele. "Mas naaada a ver com o homem. Ele é podre de rico e eu sou podre de pobre." Casado há 12 anos com Priscila Domingues, 28, Rogério homenageou o ídolo batizando o primeiro filho, nascido em outubro passado, como Eldrick, o verdadeiro nome de Tiger Woods. As últimas economias foram gastas com o nascimento do menino.

"Que situação! Um golfista que tinha tudo agora está duro, ferrado. Mas isso é só para não voltar a ser caddie. Com a carreira que tive, melhor amador do país, vou carregar bolsa de novo? Isso não. O que vão pensar garotos que estão começando? Não vão querer seguir meu exemplo."

Ele tentou dar aulas de golfe, mas descobriu que, para tirar o registro, teria que cursar quatro anos de educação física. "E meu filho vai ficar quatro anos sem comer? Eu vivo do golfe desde os 14. Vou ver se posso fazer um curso [de curta duração] e consigo dar aulas." Quer voltar a viver do esporte. "Se eu arranjasse um emprego de motorista, por exemplo, teria que desistir do golfe. Deus vai me dar essa vitória. Vou dar a volta por cima."

Teve que parar a reforma de casa, que pretendia transformar em sobrado. O Fiat Palio 2007, com um adesivo com a palavra "Tiger" no aerofólio, está parado na garagem, enquanto Rogério não regulariza o IPVA e o licenciamento. "Só uso o carro para emergência, quando o menino precisa ir ao médico e tomar vacina." Deve ainda R$ 200 na lanchonete do clube.

*A mulher, Priscila,* também era caddie, mas hoje cuida do filho. Ela tinha patrão e salário fixos no clube. De vez em quando, carregava os tacos de Rogério, para economizar o que ele pagaria a outra pessoa e ficar de olho no marido. "Tem menininha de 16, 17 anos que começa a ser caddie e acha que vai sair com jogador e acertar a vida." Espera o menino completar um ano para procurar emprego. A família mora em uma das três casas construídas em um terreno do pai de Priscila. O sogro, dois cunhados e uma cunhada do golfista vivem lá, dividindo a terra e a ligação com o esporte.

José Nelson Domingues, o sogro, corta o "green" [área perto dos buracos do campo] no Guarapiranga, onde está há 37 anos. Ali a grama deve ser mantida baixa. A cunhada, Cristina, também já carregou bolsas. Outro cunhado, Alexandre, 26, tenta fazer o raio cair duas vezes no mesmo lugar. Caddie desde os 12 anos, começou a treinar aos 17 e, assim como Rogério, teve ajuda de um sócio do clube para pagar as inscrições dos torneios e virar jogador amador. Hoje, se profissionalizou. Uma diferença entre os cunhados: Alexandre conseguiu se formar em educação física com o dinheiro que juntou carregando bolsas. Hoje, é "coach" na Federação Paulista de Golfe e ensina estratégias de jogo para jovens.

Os direitos dos traficantes - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 13/05/12


Ao acolher um pedido de habeas corpus impetrado pelos advogados de um homem que foi detido há três anos com quatro quilos de cocaína e uma pedra de crack, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que narcotraficantes presos em flagrante têm o direito de aguardar o julgamento de seus crimes em liberdade. O mesmo pedido havia sido rejeitado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pelo Superior Tribunal de Justiça.

Com essa decisão, o Supremo considerou inconstitucional o artigo 44 da Lei de Drogas, que tipifica os crimes relacionados ao tráfico como "inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória". Para a Corte, mesmo que o tráfico seja um crime grave, não se pode ignorar o princípio constitucional da presunção de inocência até que haja condenação definitiva do réu.

Dirigentes da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, da Polícia Federal e das Polícias estaduais não quiseram se manifestar oficialmente sobre a decisão do Supremo. Informalmente, alguns delegados afirmaram que a concessão de liberdade provisória a narcotraficantes dificultará o combate ao tráfico, mas reconheceram que, como corte constitucional, o STF não tinha outra saída a não ser reafirmar os dispositivos da Carta de 88. "Academicamente, a decisão está correta. Mas em termos de repressão criminal é muito ruim", disse o ex-diretor do Departamento de Narcóticos da Polícia Civil de São Paulo e delegado seccional de Guarulhos, Marco Antonio de Paula Santos.

O crescimento do tráfico de crack, maconha e cocaína é uma das maiores preocupações dos órgãos policiais, atualmente. Segundo as estatísticas do Ministério da Justiça, as prisões por crime de tráfico dobraram nos últimos seis anos. No final de 2006, quando a Lei de Drogas entrou em vigor, 62 mil pessoas acusadas de traficar drogas encontravam-se presas, aguardando julgamento. Em dezembro do ano passado, eram mais de 125 mil.

O debate sobre a concessão de liberdade provisória a traficantes é antigo. Enquanto as autoridades policiais alegam que essa medida dificulta a repressão ao tráfico, criminólogos afirmam o contrário, alegando que a aplicação de penas alternativas para pequenos traficantes são mais eficazes do que o encarceramento.

A discussão foi responsável pela primeira crise do governo da presidente Dilma Rousseff, no início de 2011. Ao assumir a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, o criminalista Pedro Abramovay defendeu a tese das penas alternativas para pequenos traficantes, foi criticado por órgãos policiais e acabou sendo demitido. Segundo dados do STF, dos 69.049 condenados por tráfico, em 2008, 80% eram microtraficantes e 55% eram primários.

Do ponto de vista jurídico, contudo, a questão não suscita debate desde 2010, quando o Supremo considerou inconstitucional o trecho do artigo 44 da Lei de Drogas que proíbe a concessão do regime de progressão da pena aos condenados por crime de tráfico. Na ocasião, a Corte sinalizou que a proibição de concessão de liberdade provisória aos traficantes, prevista por outro trecho do artigo 44, também era inconstitucional - o que foi reafirmado de forma taxativa no julgamento de quinta-feira passada.

"Cabe ao magistrado, e não ao legislador, auferir em cada situação, a partir de dados da realidade, a justificativa da prisão cautelar", disse o decano do STF, ministro Celso de Mello. Para ele, ao proibir automaticamente a liberdade provisória, o artigo 44 da Lei de Drogas cerceou a discricionariedade dos juízes de execução penal. "A regra é a liberdade. A privação da liberdade é uma exceção à regra", afirmou o presidente da Corte, Ayres Britto.

No julgamento, os ministros deixaram claro que, a partir de agora, caberá aos juízes a prerrogativa de decidir se a prisão temporária de um réu acusado por crime de tráfico é ou não necessária. Apesar de alguns delegados terem afirmado que o entendimento do STF foi "ruim para a sociedade", a decisão é rigorosamente técnica, em termos legais, e reafirma outro princípio jurídico - o da individualização da pena.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 13/05/12

Grupo de cerâmica entra no mercado de cimento
O grupo paraibano Elizabeth, que produz revestimento cerâmico, criou uma nova empresa para entrar no mercado de cimento.

A Elizabeth Cimentos vai investir R$ 300 milhões em uma fábrica, que será instalada em Alhandra (cerca de 50 km de João Pessoa).

A planta terá capacidade para produzir 1 milhão de toneladas de cimento por ano, segundo o coordenador de projetos do grupo, Degmar Peixoto Diniz. "Pretendemos ter entre 6% e 6,5% do mercado nordestino."

A expectativa da empresa é dobrar seu faturamento após o início das operações da fábrica, previsto para 2014. No ano passado, o grupo faturou aproximadamente R$ 450 milhões.

Para entrar em um mercado disputado por poucas empresas, a Elizabeth Cimentos pretende se beneficiar do fato de conhecer o mercado de construção civil -a empresa trabalha há 27 anos no setor- e da relação com os atuais distribuidores.

De acordo com dados de 2009 do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento, oito companhias são responsáveis por 90% da produção de cimento no país.

"É um setor difícil de entrar porque precisa de grande volume de investimento. Mas, mesmo com as ampliações dos grandes grupos, ainda há demanda", afirma Diniz.

"Às vezes falta cimento no país. Isso deve continuar."

A empresa também acredita na manutenção do crescimento do mercado entre 7% e 9% ao ano.

EMBALADO E DISTRIBUÍDO
Para ter presença em quase todo o país, o grupo farmacêutico brasileiro Cimed vai inaugurar mais três centros de distribuição neste semestre. As unidades ficarão em Mato Grosso, Sergipe e Distrito Federal.

"Vamos completar nossa malha de distribuição no Nordeste", diz o presidente da empresa, João Adibe.

"Fabricar e distribuir é uma estratégia. Pretendemos levar os centros para todos os Estados no futuro, como um diferencial. O objetivo é atingir o mercado antes dos concorrentes", diz.

A companhia também planeja abrir sua primeira fábrica de embalagens no início de 2013.

"Seria na atual planta de Pouso Alegre (MG), dentro do nosso parque fabril. É só para atender a produção própria", afirma.

Inicialmente as embalagens serão destinadas aos medicamentos em gotas.

Accor investirá R$ 135 milhões no Centro-Oeste até 2015
Até 2015, a Accor vai inaugurar dez novos hotéis das bandeiras do grupo na região Centro-Oeste.

Será um incremento de 1.395 apartamentos na oferta e um investimento de cerca de R$ 135 milhões por meio de parcerias, de acordo com a companhia.

A empresa acaba de inaugurar o Mercure Goiânia, empreendimento com 177 apartamentos, que recebeu investimento superior a R$ 44 milhões.

LEITE PROCESSADO
Com aporte de R$ 50 milhões, a cooperativa Santa Clara, do Rio Grande do Sul, vai construir uma nova fábrica para aumentar sua capacidade de processamento de leite de 500 mil litros por dia para 1 milhão.

"A atual planta está saturada há algum tempo", diz Alexandre Guerra, diretor-executivo da empresa.

Hoje a cooperativa processa 700 mil litros de leite diariamente. São enviados para fábricas terceirizadas 200 mil litros.

A cidade onde será instalada a nova planta ainda não foi definida. Possivelmente será na serra gaúcha, que concentra o maior número de fornecedores. O cronograma de implantação prevê que as obras comecem no próximo ano.

R$ 618 milhões

foi o faturamento da empresa no ano passado

4.400

famílias são associadas à cooperativa

500 mil

litros por dia é a capacidade instalada da atual fábrica

1 milhão

de litros de leite por dia poderão ser processados na nova planta

Menos O volume de protestos de títulos caiu mais de 20% em São Paulo em abril, segundo pesquisa do instituto de protestos feita com os dez tabeliães da capital. Foram protestados 66.306 títulos no mês. Apenas 8,9 % foram cheques.

Lanche O McDonald's inaugura no final do mês sua primeira unidade no Ceará fora de Fortaleza. A unidade, em Juazeiro do Norte, faz parte do projeto de expansão da rede no interior do NE. Já foram inauguradas lojas em Vitória da Conquista (BA), Caruaru (PE) e Petrolina (PE).

Inovação A Fundação Nacional da Qualidade e a FGV - Eaesp lançam um grupo de estudos para debater estratégias de companhias na área de inovação. Mais de 25 empresas participam do projeto, segundo a fundação.

São Paulo é Estado campeão em abertura de empresas
São Paulo foi o Estado que mais criou empreendimentos e entidades -a maioria empresas- de janeiro a abril deste ano. Foram 159.106, privados e públicos. No país, o número total foi de 574.385 no mesmo período.

Os dados, que serão divulgados nesta semana, são do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), que criou o "empresômetro", espécie de censo das empresas e entidades brasileiras.

Em seguida vêm Minas Gerais e Rio de Janeiro. Os últimos são Acre, com 1.460, Amapá, com 1.296, e Roraima, com 945 novas empresas.

O tipo jurídico da maioria dos empreendimentos criados no Brasil no período foi o MEI (Microempreendedor Individual), com fatia de 66,5%.

A atividade que mais gerou novas empresas no período foi a de comércio varejista de vestuário e acessórios, com 46.791 empreendimentos, seguida pelo setor de cabeleireiros, com 27.018.

Tanto em 2011 quanto em 2012, no mesmo período, a região Sudeste foi a que mais criou novas empresas.

Eurorricos e europobres - SÉRGIO AUGUSTO

O Estado de S.Paulo - 13/05/12

Só o tempo dirá se o sucessor de Sarkozy é um soberanista disposto a enfrentar o fundamentalismo econômico da nova Dama de Ferro



Na manhã da última quinta-feira, a tocha olímpica foi acesa, na Grécia, para em seguida iniciar uma viagem de 13 mil km até Londres, onde as próximas Olimpíadas terão início daqui a 75 dias. "Do berço dos antigos Jogos Olímpicos para o país que nos deu o fairplay", exaltou o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Jacques Rogge. Alguém salientou como inapropriada a associação dos ingleses ao fairplay, que há muito teria sido desmoralizado na velha Albion pelos hooligans e pelo atacante Ashley Young, do Manchester United.

A tocha sempre sai da Grécia, mas seu percurso, desta vez, revelou-se oportunamente carregado de simbolismo: do país da zona do euro que mais sofre com a crise econômica em curso para o país que a teria antecipado. Do templo de Hera, a ciumenta e vingativa deusa que amadrinhou as Olimpíadas, para a ilha de Margaret Thatcher, a inflexível Dama de Ferro que destampou para os europeus a caixa de pandora do neocapitalismo selvagem na década de 80.

Thatcher fez de um aforismo ("Não existe a sociedade, existem apenas indivíduos e famílias") um dogma especialmente perigoso, e de uma alemã sua sucessora espiritual. Angela Merkel, a nova Dama de Ferro do continente, reciclou uma prosápia de Luís XIV, não menos inquietante: "O governo econômico somos nós". O governo da Europa, bem entendido. Se fosse só o da Alemanha, nada a objetar.

A farfância foi ouvida pela primeira vez depois que o kaiser do Parlamento alemão Volker Kauder voltou de uma viagem à Espanha gabando-se de que "hoje a Europa fala alemão". Nem acrescentar "falar é fácil" eu posso, pois a língua alemã pode ser tudo: feia, agressiva, autoritária-mas fácil não é.

No lugar do Consenso de Washington entrou o Consenso de Berlim. O império do privado sobre o bem público, o thatcherismo com chucrute, uma Blitzkrieg contra a maior conquista europeia do pós-guerra, o estado de bem-estar social. "Nenhum país pode saldar suas dívidas com seu crescimento econômico asfixiado", ponderou em editorial o New York Times, após qualificar de má a gestão da crise pela Alemanha. Pois é, até o Times.

A pujança teutônica não é para qualquer bico, acima de tudo porque a Alemanha livrou-se da crise na década passada acumulando um alto superávit comercial e subsidiando o mercado de trabalho. Como não se fez uso de medidas econômicas rigorosamente ortodoxas, Frau Merkel me parece moralmente impedida de transformar em hino ou cântico de guerra seu atual mantra: "Sparmassnahmen über alles". Por que fazer da austeridade à outrance uma bandeira, se cortar gastos numa economia deprimida só contribui para aprofundar a depressão?

"A Europa só funciona quando a Alemanha não se impõe", alertou o ex-ministro de Merkel Sigmar Gabriel. Nem precisou aludir às duas grandes guerras do século passado. Helmut Kohl, líder histórico da reunificação alemã e padrinho político da atual chanceler, lamentou dia desses que a sua Europa, "equilibrada e consensual", esteja sendo destruída. "Para assegurar a estabilidade financeira e fiscal europeia em função dos interesses alemães", precisou o diplomata espanhol Menéndez del Valle. Dos interesses da Alemanha e do sistema financeiro.

O respeitado sociólogo Ulrich Beck, professor em Munique e na London School of Economics, já se manifestou contra a "Europa de Bruxelas" (sede da Comissão da União Europeia) e a emergente "Europa alemã" (um "monstro político"), em favor de uma nova Europa, francamente "europeia", refundada de baixo para cima, alternativa progressista que em alguns pontos se aproxima da "economia holística", pós-keynesiana, proposta pelo Nobel Joseph Stiglitz - mais solidária, mais mediterrânea, mais humanística, com a dose justa de rigor fiscal e responsabilidade.

Até porque veem a crise europeia como "o canário na mina da globalização" e um espelho da recessão econômica nos Estados Unidos, alguns acadêmicos e economistas americanos compareceram, no início da semana, a uma conferência em Florença, na Itália, sobre os caminhos a serem trilhados pela União Europeia. Falou-se em disciplina orçamentária, reformas estruturais que incentivem o crescimento, restauração das antigas moedas europeias, resistência ao protecionismo, etc. "Isso é o melhor que vocês têm a propor?", cobrou Barry Eichengreen, professor de economia na Universidade de Berkeley, na Califórnia.

Eichengreen criticou a estreiteza mental dos políticos ("Só pensam em soluções a longo prazo, mesmo quando ações imediatas se mostram necessárias") e defendeu um Plano Marshall para a Grécia. O historiador de Princeton Harold James sugeriu que o melhor que os países mais a perigo têm a fazer não é deixar a UE, mas, a exemplo do que fazia Florença nos seus áureos tempos de cidade-estado, manter duas moedas, uma para uso doméstico (a que valia antes; no caso da Grécia, o dracma) e o euro para transações externas. Tudo em nome de uma unificação europeia indissolúvel e eficaz.

Com ou sem moeda única, países como Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha não têm chance de sobreviver se tutelados a mão de ferro pelo "novo sistema de governança europeu", que até hoje não mostrou serviço. Ademais, como salientou Diana Johnstone, "não há como conciliar eurorricos alemães e europobres gregos".

Johnstone não foi a única a receber sem entusiasmo a eleição de François Hollande. "A França não tem um presidente real", escreveu na revista Counterpunch, mas um preposto da Comissão da União Europeia e da Sparmassnahmen alemã, como o são todos os presidentes e chanceleres do continente. Só o tempo dirá se o sucessor de Sarkozy é um soberanista realmente disposto a enfrentar o fundamentalismo econômico da nova Dama de Ferro. A era Merkollande está apenas começando.