terça-feira, março 20, 2012

"Eles não querem saber de nada" ENTREVISTA COM ROMÁRIO - REVISTA VEJA

REVISTA VEJA

Ele foi craque nos gramados, mas quando chegou à Câmara dos Deputados viu que o jogo ali era mais bruto que o dos zagueiros desleais que enfrentou. O "baixinho", porém, não desiste



RENATA BETTI

Eleito com 147.000 votos pelo Rio de Janeiro, Romário, 46 anos, chegou à Câmara dos Deputados em Brasília, no ano passado, com o afiado instinto de artilheiro que fez dele um dos maiores craques do futebol brasileiro em todos os tempos. Romário, porém, logo descobriu que seria difícil jogar naquele campo. "Aquilo ali é o palco que uma panelinha de políticos usa para dar show na TV", diz o deputado de primeira viagem do PSB, que, descrente da política partidária, concentrou sua ação parlamentar na defesa da causa dos deficientes brasileiros. São de sua autoria duas iniciativas que melhoram a renda e dão mais garantias a eles. Desde que Ivy, sua sexta filha, fruto do terceiro casamento, nasceu com a síndrome de Down, há sete anos, Romário se entregou a ela e à luta para tornar melhor a vida das pessoas portadoras de necessidades especiais. Disse Romário a VEJA: "Essa menina mudou minha vida".

Como é sua vida como deputado em Brasília? 

Evito frequentar os mesmos lugares que os políticos. Na verdade, fujo deles. Não é por nada, não, mas, com exceção de um ou outro, prefiro esbarrar com essa turma só mesmo nos corredores do Congresso.

Não são boas companhias? 
Fiz amizade com um pessoal, mas, vou lhe dizer uma coisa, ali só uma minoria de gente vale a pena conhecer. De mais de 500 deputados, uns 400 não querem saber de nada. Nada mesmo. Dão as caras, colocam a digital para marcar presença e se mandam. Vejo isso o tempo todo. Virou cena tão comum que ninguém demonstra um pingo de constrangimento em fazer o teatro. Muita gente ali ocupa cargo de líder, é tratada como autoridade, mas está no quarto, quinto mandato e nunca propôs nem uma emendazinha. Como pode? Passam anos no bem-bom do poder sem cumprir uma vírgula do que prometeram. Mas, quando vão à tribuna, os caras falam bonito que só vendo.

Qual é o estilo Romário na tribuna? 
Até hoje, consegui falar duas vezes porque fui sorteado. Tirando o sorteio, só dá para iniciantes como eu terem acesso à tribuna nos horários em que o plenário está às moscas. É a panelinha que manda. Os donos do microfone são os líderes e os deputados com mais tempo de casa. Eu mantenho o estilo Romário, sem muita firula nem enrolação. Às vezes, me embaralho com o nome das coisas. É muita sigla e título para decorar: "Vossa excelência" para cá, "líder" para lá. Se tenho dúvida, pergunto para alguém do meu lado ou procuro a resposta na internet. Até aí, tiro de letra. Mas a tribuna ainda é um lugar muito estranho para mim.

Estranho por quê? 

O debate não segue uma linha lógica de raciocínio porque a maior preocupação ali é dar show para a televisão. Outro dia, um deputado começou a falar de salário mínimo. Aí, um outro chegou e ficou discursando sobre a ponte que tombou na cidade dele. Ou seja, a conversa não chegou a lugar nenhum. Uma loucura. Quando pisei lá pela primeira vez, aquilo me deprimiu. Queria fugir. Pensava o tempo todo: "Cara, me meti numa roubada". Mas fui me acostumando e, mesmo com essas esquisitices, estou gostando. No Brasil, falou que é político, as portas se abrem na mesma hora.

Aconteceu com você?

 Mesmo sendo o Romário, antes eu ligava cinco, dez vezes para o Ministério do Esporte, em busca de parceria para alguns projetos, e ninguém me retornava. Agora, é completamente diferente. Às vezes, leva um pouco de tempo, mas as pessoas me recebem, me ouvem. O poder atrai. Para aprovar minhas propostas, falei com ministro, líder da oposição, todo mundo.

Recebeu tratamento de deputado ou de celebridade do futebol?

 No começo, não teve jeito. Entrei para o grupo das "celebridadezinhas" do Congresso. Fazer o quê? Mas acho que já me distanciei bastante daquele grupo. Tem cara famoso ali só esquentando cadeira. Nunca dá o ar da graça no plenário nem faz nada de útil. Até daria nome aos bois, e olha que não são poucos, mas, sabe como é, daqui a pouco preciso do apoio de um e outro e acabo pagando caro pela língua.

Você foi bem recebido pelo alto clero, os caciques da Câmara dos Deputados?

 Me dou mais com os novatos e com o pessoal da pelada (entre eles, o ex-boxeador Popó, do PRB-BA, e o ex-goleiro do Grêmio Danrlei, do PSD-RS). Agora, vamos combinar que essa coisa de alto e baixo clero não tem valor nenhum. De fora, todo mundo acha que lá no alto está a nata da nata, mas isso é balela. O que mais tem no andar de cima é gente que não se coça para nada, quando não sai por aí se metendo em pilantragem.

Pelo que você viu até agora, dá para fazer carreira na política? 

Talvez. Fizeram, no ano passado, uma pesquisa de intenção de voto para a prefeitura do Rio e eu apareci com 6% logo de saída. Fiquei animado, mas o meu partido decidiu apoiar o Eduardo Paes (PMDB) e eu desisti de concorrer desta vez. Posso também seguir carreira de comentarista de futebol. É uma das profissões mais fáceis do mundo. O que mais tem por aí é palpiteiro que não entende nada do negócio se dando bem. Gente que, quando teve a chance de botar toda essa sabedoria em prática, no campo, só deu vexame.

O que acha da atual seleção brasileira? 

Sempre gostei do trabalho do Mano Menezes, o atual técnico da seleção, mas se o time ficar nesse nível aí, jogando essa bolinha, talvez seja hora de pensar em mudar de treinador. Está duro ficar na frente da televisão vendo jogo do Brasil. Ser técnico de futebol é bem mais complicado do que ser comentarista. Eu treinei o Vasco por dois jogos e saí com a certeza de que não levo jeito para a coisa. É muito ego de jogador para administrar. Sinceramente, se aparecesse um Romário na minha frente, não conseguiria aturar o cara.

Por quê?

 Eu era muito chato. Para começar, me achava o máximo. Passava dos limites e não estava nem aí. Se era o melhor, queria os meus privilégios. Cada um que conquistasse os seus. Mulheres na concentração era o básico. Com 18 anos, virei milionário e fiquei completamente deslumbrado. Era um favelado e, de repente, podia escolher carro, casa, roupa de marca. Tinha a mulher que eu quisesse. Por isso, entendo o comportamento de um jogador como o Neymar. Ele sou eu uns vinte anos atrás. É um tipo diferente do Adriano, por exemplo.

Em que o Neymar e o Adriano são diferentes? 

O Adriano gosta de voltar para as raízes. Prefere viver na comunidade a morar no Leblon. Aliás, comunidade não. É favela mesmo. E ali, claro, tem mais risco de se envolver com problemas. Eu às vezes visito a favela onde nasci, o Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, mas prefiro viver na Barra da Tijuca, com a rede de futevôlei a dez passos do meu apartamento e do lado do shopping onde compro meus ternos Armani.

Por que deixou de pagar a pensão de uma de suas ex-mulheres? 

Por uma questão matemática. Para mim, dez dividido por dois é cinco. Para a Mônica, é oito. Vai fazer o quê? Toda semana tenho de comparecer a alguma audiência porque ela me colocou na Justiça. Já virou rotina. Esse foi meu primeiro casamento. Eu tinha 20 e poucos anos. Pode ter gente que não bota fé nisso, mas mudei muito com o nascimento da minha filha caçula, a Ivy.

Qual foi sua reação quando soube que ela nasceu com síndrome de Down?

 Fiquei em choque nas primeiras horas depois do parto. A Isabella (mãe da menina) tinha feito dois exames no pré-natal. O primeiro indicava que o bebê tinha um risco razoável de nascer com Down. O segundo praticamente descartou a hipótese. Então, não estava preparado para aquilo. Quando o médico me avisou, eu me perguntava: "Por que isso foi acontecer logo comigo? O que eu fiz de errado?". Já tinha cinco filhos, todos eram normais. Eu mesmo quis dar a notícia à Isabella. Disse: "Nossa menininha nasceu diferente". Ela sorriu, emocionada, e respondeu: "Calma, vai ficar tudo bem". A reação dela me deu muita força.

Em algum momento você pensou em esconder a situação? 

Nunca. O médico ainda não tinha nem diagnosticado qual era a síndrome de Ivy quando deixei o hospital e fui treinar. Naquele tempo eu jogava no Vasco. Convoquei a imprensa e contei: "Minha filha nasceu. Ela não é perfeita, mas estou muito feliz". Desde o começo, tive o instinto de deixar tudo bem transparente. Se o próprio pai age com preconceito, escondendo a criança, ela vai ter pouca chance de ter uma vida legal. Sei de muitos pais que rejeitam o filho com Down, a ponto de não saírem de casa com ele. Pagam uma babá e deixam a criança de lado, como se não fosse sua. Depois que comecei a me envolver nesse mundo, descobri umas celebridades que têm filhos assim e jamais trouxeram o assunto à tona. Não dou os nomes por respeito, mas acho uma pouca-vergonha.

É angustiante perceber limitações em sua filha? 

As expectativas precisam se ajustar, claro. A Ivy tem o tipo mais brando de Down, a síndrome de mosaico, e se vira muito bem. Os primeiros quatro anos de vida foram os mais difíceis. Ela fez fisioterapia intensiva, porque tinha a musculatura mais fraca. Ainda vai à fonoaudióloga e à natação. Fiz e faço tudo o que posso pela Ivy. Hoje com 7 anos, conta até 100 em português, até 20 em inglês, identifica as cores e até as marcas de carro. Na escola, está só um ano atrasada.

O que sabia sobre a síndrome de Down antes de ela nascer?

 Nada. Quando o problema não é com você, ele não o sensibiliza. Depois que ela nasceu, comecei a conversar com outras famílias e a ler tudo sobre o assunto. Ainda bem que tive minha filha numa fase menos baladeira. Crianças assim precisam de muito carinho.

Ela sofre preconceito?

 Na minha frente, ninguém nunca teve coragem de manifestar. Mas as pessoas no Brasil ainda olham diferente para os deficientes. Felizmente, o assunto está aos poucos deixando de ser tabu. É uma de minhas bandeiras no Congresso e em casa. A Ivy é a primeira a falar sobre sua síndrome. Outro dia, a gente estava andando na rua quando cruzamos com uma menina que também tinha Down. Minha filha comentou na mesma hora: "Papai, olha, essa garota é igual à Ivy?". Perguntei como sabia disso, e ela apontou para o próprio rosto, orgulhosa, dizendo: "Porque ela é assim".

O que muda na CBF com a renúncia do presidente Ricardo Teixeira? 

Nada. Basta dizer que o novo presidente, o José Maria Marin, surrupiou uma medalha dos meninos do Corinthians na caradura. Botou no bolso e levou para casa. Não tenho nenhuma ilusão. Trocamos um ruim por outro pior. Que diferença faz? Eu nunca escondi minha aversão à figura do Ricardo Teixeira e não é agora que vou dar uma de elegante.

Por que você brigou com Ricardo Teixeira?

 É uma história antiga. Um dia, antes da Copa do Mundo de 2002, ele apertou minha mão bem firme, olhou nos meus olhos e disse, com aquela pose de mandachuva: "Romário, você está dentro do time". Ainda perguntei se o Felipão (o então Técnico da seleção Luiz Felipe Scolari) não ia se opor. Era direito dele não querer me escalar. Teixeira respondeu: "Eu mando nisto aqui. Pode fazer as malas". Três dias depois, meu nome estava fora da lista de convocados. Nunca mais me dirigi ao Ricardo Teixeira. O cara não tem palavra.

O secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, exagerou nas críticas que fez à organização da Copa no Brasil? 

Ele foi arrogante e mal-educado, o que não me surpreende, mas está certo no que diz. Nosso atraso é absurdo mesmo. A Copa até vai sair do papel, mas vão erguer uns puxadinhos aqui, fazer umas maquiagens ali. Tudo mais caro do que deveria por causa da pressa. Muita gente se beneficiará disso. Pode escrever. Vai chover obra emergencial sem licitação e a corrupção vai correr solta. Como deputado, pretendo acompanhar o processo de perto e escancarar a bandalha.

PROGRAMAÇÃO ESPORTIVA NA TV


15h30 - Galatasaray x Sivasspor, Copa da Turquia, Bandsports

16h30 - Greuther Furth x Borussia Dortmund, Copa da Alemanha, Esporte Interativo

16h40 - Juventus x Milan, Copa da Itália, ESPN Brasil

17h - Barcelona x Granada, Campeonato Espanhol, ESPN e ESPN HD

20h15 - Emelec (EQU) x Lanús (ARG), Taça Libertadores, Fox Sports

21h - Minas x Sesi, Superliga feminina de vôlei, Sportv

22h - Calgary Flames x Colorado Avalanche, hóquei, ESPN HD

22h30 - Bolívar (BOL) x Junior de Barranquilla (COL), Taça Libertadores, Fox Sports

23h - Suécia x Canadá, Mundial feminino de curling, Sportv 2

Guerra comercial - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 20/03/12

A revisão do acordo de comércio automotivo entre Brasil e México preocupa algumas montadoras. Uma delas é a Nissan. A japonesa, hoje, importa via México 90 mil carros por ano. Passaria a comprar 5 mil.

Segue...

A Nissan pede uma regra de transição para as montadoras que constroem fábricas aqui. No seu caso, investe 1 bilhão de euros numa planta no Rio.

Os ignorados

A editora Record lança em junho o livro “Geração subzero”, de Felipe Pena, para celebrar escritores queridos pelo público, mas ignorados pela crítica. Na lista, está Thalita Rebouças, que já vendeu mais de 1 milhão de livros e, inclusive, teve um editado em Portugal.

Na terra de Obama

Será lançado quinta agora em telões da Times Square, em Nova York, um jogo para iPad e iPod sobre o... Brasil. Trata-se de ação da Embratur para atrair ainda mais gente dos EUA — que, depois da Argentina, é o país que mais manda turistas para cá.

No mais

Tomara que esse escândalo denunciado pelo “Fantástico”, da TV Globo, sobre tentativa de pagamento de propina para um hospital carioca, não siga o roteiro de outros por aqui, que começam com uma autoridade indignada, prometendo “um rigoroso inquérito, doa a quem doer”, para terminar, mais tarde, no esquecimento e no arquivamento, “porque nada ficou provado”.

Clínica João Trinta
A prefeitura do Rio vai homenagear Joãosinho Trinta (1933- 2011), o genial carnavalesco que morreu em dezembro. Dará o nome dele à clínica da família que inaugura amanhã, em Parada de Lucas, com a presença de Dilma.

O RIO, VEJA QUE legal, vai ganhar dia 28 agora um museu da ciência. O Museu Light Energia vai funcionar na atual sede da empresa, no vetusto prédio projetado pelo engenheiro americano Frederic Pearson e construído em 1912, na Av. Marechal Floriano, onde ficavam os currais da antiga Companhia de Carris Urbanos. Terá experimentos variados, jogos eletrônicos, painéis multimídia e artefatos históricos, pelos quais vai ser possível travar contato com diferentes formas de energia e saber um pouco mais sobre a preservação de recursos naturais e como evitar desperdícios.

O inglês de JK
Arnaldo Niskier entregou à Nova Fronteira os originais de “Memórias de um sobrevivente”, biografia de 300 páginas do amigo Adolpho Bloch (1908-1995). Revela, entre outras coisas, o receio de Bloch, em 1964, por JK não falar inglês. No exílio, o ex-presidente recebeu aulas do idioma pagas pelo dono da velha revista “Manchete”.

Grande Betti

Quilombinho, projeto social de Paulo Betti que cuida de cerca de 80 crianças e jovens pobres de sua cidade natal, Sorocaba, SP, e que hoje funciona na casa onde o ator nasceu, vai ganhar nova sede.

Abelha voa livre

O Kid Abelha deixou a Universal e vai gravar seu primeiro CD/DVD independente, para festejar 30 anos de carreira. Será ao vivo, dias 27 e 28 de abril, no Citibank Hall, no Rio.

Feira do Nordestino
Marlene Mattos, que nasceu no Maranhão, vai gerir a Feira de São Cristóvão, no Rio.

BMW na Rocinha

Com a pacificação da Rocinha, a Estrada da Gávea virou rota para motoristas que querem fugir dos engarrafamentos. Na via, que passa pelo meio da favela, são comuns agora os carrões de bacanas.

Cadê a falecida?

O desembargador Edson Scisinio condenou o Cemitério do Caju, de Campos, RJ, a indenizar em R$ 15 mil uma moradora da cidade que enterrou a irmã ali e, no Dia de Finados, ao visitar o túmulo... cadê? A sepultura, comprada na Companhia de Desenvolvimento do Município, havia sumido, e o corpo não foi mais localizado.

Pedro II sessentão

O Colégio Pedro II do Humaitá, no Rio, festeja 60 anos hoje com um debate de ex-alunos que contarão aos estudantes de agora histórias de seu tempo, dos “anos dourados” aos “anos rebeldes”. Estudaram ali, entre tantos outros, os coleguinhas Maurício Kubrusly, Silio Boccanera, Zé Paulo Kupfer e Franklin Martins, os atores Cecil Thiré e Betty Faria e o novelista Gilberto Braga.

Musa arco-íris

A chefe de Polícia Civil do Rio, Martha Rocha, foi eleita... “Musa da cidadania LGBT” pela revista “S”, por ter determinado que o nome social de travestis e transexuais seja usado nos registros de ocorrência nas delegacias. A homenagem será dia 3 de abril, no Teatro João Caetano. 

A lei, ora, a lei - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 20/03/12

A Constituição estabelece que as Medidas Provisórias (MPs), cuja proposição é prerrogativa exclusiva da Presidência da República, quando encaminhadas para aprovação do Congresso Nacional precisam, antes do início da discussão de seu mérito, passar por uma comissão especial mista de senadores e deputados, criada, a cada caso, com a finalidade específica de examinar a chamada admissibilidade do projeto, ou seja, decidir se a medida que o chefe do governo está propondo - e que entra em vigor imediatamente - preenche as indispensáveis precondições de urgência e relevância.

Afinal, as MPs foram criadas para que o presidente da República possa legislar - o que só é admissível, justamente, havendo urgência e sendo relevante o caso - ad referendum do Congresso.

Mas, desde 2001, depois que aprovaram o texto constitucional em vigor relativo ao assunto, os legisladores decidiram, tacitamente, que a lei, ora a lei, é uma coisa muito relativa e que nem sempre precisa ser acatada.

Ficou combinado, portanto, que, se o Executivo quer, é porque a matéria deve ser mesmo urgente e relevante - e então não é necessário perder tempo com comissões especiais que, além de tudo, dão um trabalho danado, visto que, só nos últimos12meses, foram encaminhadas ao Congresso 35 MPs.

Para o Executivo, tudo bem, é claro. Do Planalto nunca se ouviu uma queixa. Até porque, com a inexistência de comissões que eventualmente podem cismar que alguma MP trata de assunto rotineiro e banal, o governo tem uma instância a menos com a qual negociar projetos.

O Judiciário, por sua vez, estava quieto no seu canto até que foi obrigado, dias atrás, a se manifestar sobre a constitucionalidade de uma MP convertida em lei - a que criou o ICM-Bio. E os ministros do STF, por 7 votos a 2, anunciaram então o óbvio: a lei era inconstitucional, porque, na tramitação pelo Parlamento, a MP correspondente não passou pelo crivo da comissão mista, em claro descumprimento do preceito constitucional. A partir dessa decisão do STF, as 460 MPs editadas nos últimos 12anosetodaalegislaçãoderivada seria suscetível de ter sua constitucionalidade questionada em juízo. Entre elas, por exemplo, as MPs que criaram o Bolsa-Família, o Minha Casa, Minha Vida e o Brasil sem Miséria.

Menos de 24 horas depois, dando-se conta do caos que poderia estar criando, o STF voltou atrás, liberou a MP que provocara toda a confusão e determinou que a exigência constitucional terá de ser cumprida...daí para a frente.

Isso contrariou a elite dos laboriosos parlamentares governistas.

Afinal, a decisão do STF - por mais camarada que tenha sido - obriga a formação de comissões mistas que terão de decidir se o texto subscrito pelo presidente da República tramita ou não tramita. Imediatamente, a liderança do governo partiu para o ataque, com argumentos de embasbacar. Em suas últimas horas como líder do governo na Câmara, o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) foi lapidar: "Eu acho que o Supremo tomou uma decisão de reavivar uma coisa que era lei de letra morta". E acrescentou, tomando a liberdade de fazer uma leitura própria do texto constitucional no que diz respeito à tramitação das MPs: "A Constituição não obriga, ela estabelece um rito".

No dia seguinte, o novo líder na Câmara, Arlindo Chinaglia, não destoou. Manifestou, desde logo, a opinião de que a tramitação das MPs nos últimos 12 anos tem sido "absolutamente legal e constitucional". E admitiu suas limitações como exegetada Carta Magna: "Não posso entender onde é que estaria o problema ao não se discutir as MPs em uma comissão mista e você discuti- la em plenário, inclusive a admissibilidade". O problema, já que o deputado quer saber, é que a Constituição é clara, no parágrafo5.ºdoartigo62:"Caberá à comissão mista de deputados e senadores examinaras medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional".

As leis podem - e às vezes devem - ser alteradas. Mas precisam, antes de mais nada, ser respeitadas.

Legisladores deveriam saber disso.

Viva a automedicação - HÉLIO SCHWARTSMAN

Folha de S. Paulo - 20/03/12

De vez em quando, questões complexas e nuançadas se convertem em palavras de ordem. Foi o que ocorreu com a automedicação, que, de uns anos para cá, se viu transformada em inimiga da saúde pública, inspirando uma série de decisões da Anvisa e subsequentes reações da indústria farmacêutica.

Foi nesse contexto que, em 2009, a agência sanitária baixou resolução obrigando as drogarias a tirar os medicamentos vendidos sem receita médica do alcance do freguês. Para obtê-los, o consumidor precisaria pedir o remédio a um balconista. A resposta dos laboratórios acaba de chegar na forma de lei estadual aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo que autoriza a volta desses medicamentos para as gôndolas.

Na mesma linha de combate à automedicação se inscrevem outras decisões da Anvisa, como a de exigir prescrição para a compra de antibióticos e a de proibir a venda de produtos como refrigerantes em farmácias.

O importante aqui não é definir o que pode e o que não pode. É possível produzir boas justificativas técnicas para quase todas as posições. De resto, os efeitos dessas medidas são mais relevantes para as disputas entre os diferentes segmentos da indústria do que para o consumidor. Só o que não faz sentido é demonizar a automedicação que, em algum grau, é um fenômeno desejável. A OMS, por exemplo, a descreve como "necessária" e com função complementar a todo sistema de saúde.

De fato, a última coisa de que o SUS precisa é agregar às filas dos serviços médicos todos os portadores de quadros virais menores e dores de cabeça do país. A esmagadora maioria das moléstias que acometem a humanidade passa sozinha, não exigindo mais do que o alívio dos sintomas.

O desafio é encontrar o ponto ótimo que não onere o SUS com consultas desnecessárias nem incentive aventuras muito ousadas na automedicação. Descrevê-la como vilã não é o melhor caminho.

Ainda é cedo para falar em crise, mas presidente terá de compartilhar o poder - JOÃO AUGUSTO DE CASTRO NEVES

Folha de S. Paulo - 20/03/12

O governo Dilma sofreu duas importantes derrotas no Congresso nas últimas semanas: a rejeição da recondução do diretor da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), Bernardo Figueiredo, e a defecção dos senadores do PR da coalizão governista. Na esteira desses acontecimentos, o governo decidiu trocar seus líderes no Senado e na Câmara, uma estratégia pouco usual a poucos meses do recesso parlamentar de meio de ano.

Apesar de sublinharem uma certa dificuldade do governo Dilma em lidar com as prerrogativas de um presidencialismo de coalizão, seria prematuro traduzir esses acontecimentos como o prenúncio de uma crise política mais profunda.

Em termos numéricos, a saída do PR pouco altera o balanço de poder entre governo e oposição no Senado. Aliás, o mais provável é que os sete senadores do PR atuem de forma independente em vez de se aliarem à oposição.

Já em relação à ANTT, deve-se notar que o PMDB, considerado o principal culpado pela derrota governista, conscientemente escolheu uma votação relativamente menos importante para manifestar sua "rebelião". Nos dois casos, os canais de diálogo com o governo continuam abertos.

A curto prazo, as tensões na base governista podem retardar o ritmo de trabalho no Congresso. Ainda assim, não há razão para acreditar que as principais propostas de reforma estejam ameaçadas.

A criação de um fundo de previdência para o setor público, a padronização do ICMS sobre produtos importados e a decisão de ampliar para outros setores industriais a desoneração da folha de pagamentos, por exemplo, são questões que transcendem a divisão governo-oposição. Se o governo decidir avançar com essas reformas, o principal obstáculo sera um calendário apertado pelas eleições municipais.

Para evitar a deflagração de uma crise política mais à frente, entretanto, o governo devera ir além da troca de lideranças no Congresso.

Com a opinião pública e os indicadores econômicos ainda a seu favor, a presidente Dilma vem se protegendo de maiores turbulências. Mas para não virar refém de sua popularidade, cedo ou tarde a presidente precisará jogar o jogo do presidencialismo de coalizão, isto é, compartilhar mais poder -e verbas.

Pecado original - DORA KRAMER


O Estado de S. Paulo - 20/03/12


Se o líder do governo no Senado, Eduardo Braga, foi fiel às palavras de Lula, se não pretendeu só apresentar uma versão mais bem acabada do que lhe teria dito o ex-presidente sobre a necessidade de alterar os “paradigmas” da coalizão governamental, estamos diante de um profundo exercício de autocrítica.Ou da materialização do “faço o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Braga foi visitar o ex-presidente na sexta-feira e diz ter ouvido dele o seguinte raciocínio: “O país vive uma nova realidade política e social, por isso é fundamental a renovação e a instituição de novos métodos e práticas políticas”.

Nova realidade, conforme o explicado, em relação à época em que o PT assumiu a Presidência. Nove anos atrás, imbuído da disposição de reinventar o Brasil.

Entre as novidades, introduziu no cenário a legitimação do aprofundamento de velhos vícios sob a justificativa de que seria essa a única maneira de se governar o país.

De lá para cá muita coisa mudou. O uso do caixa dois em campanhas eleitorais, por exemplo, virou argumento de defesa e comportamentos tidos como desviantes passaram a ser vistos explícita e assumidamente como imperativos indispensáveis ao bom andamento dos trabalhos governamentais.

Nos dois casos, alterações decorrentes da interpretação do próprio Lula sobre a vida e suas circunstâncias no poder. Quanto ao caixa dois, o "todo mundo faz" foi adotado pelo então presidente como baliza de conduta na inesquecível entrevista dada em Paris com o fito de enquadrar os crimes contidos na rubrica "mensalão" na moldura das infrações de caráter eleitoral.

A respeito dos meios e modos de funcionamento de uma base de sustentação partidária no Congresso, ele falou claro à Folha de S.Paulo em outubro de 2009.

A pergunta era sobre as críticas de Ciro Gomes à tolerância de Lula e Fernando Henrique ao uso de bens públicos como instrumentos privados na prática do fisiologismo.

Resposta do presidente: "Qualquer um que ganhar as eleições, pode ser o maior xiita ou o maior direitista, não conseguirá montar o governo fora da realidade política. Entre o que se quer e o que se pode fazer tem uma diferença do tamanho do Oceano Atlântico. Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação (sic) num partido qualquer, Jesus teria que chamar Judas para fazer coalizão".

Naquela altura já haviam transcorrido quase oito anos da posse de Lula e o que se via era a aceitação não o inconformismo com a situação posta. Desde então, passaram-se menos de três anos e o que se fala agora é na chegada de um "momento de transformação" imposto por uma "nova realidade".

É de se perguntar qual realidade nova. As únicas mudanças visíveis são as decorrentes do acúmulo de deformações resultantes dos termos do contrato desde lá atrás firmado com os partidos, e renovado não faz muito tempo pelo próprio Lula.

Seja quando da campanha para eleger Dilma ou mesmo depois, na formação do ministério feita conforme as mesmas regras. Na hora da eleição ou da distribuição inicial dos cargos, nenhuma das agremiações envolvidas foi informada sobre uma possível alteração nos mandamentos.

Compreende-se o desconforto da presidente com a sistemática da chantagem permanente, com a necessidade de reservar tempo para dar atenção aos condôminos do latifúndio que comanda, das imposições de uma arte que não lhe é familiar.

Mas não é aceitável crer que depois de oito anos no topo do governo ela não soubesse onde pisava ou não tivesse ideia do preço da construção de um edifício enorme (80% do Congresso) erigido sob os alicerces frágeis da cooptação.

Louvável, e necessário, que a presidente queira mudar as regras do jogo. Só não pode é fazer de conta que as ignorava – tanto que aceitou jogar de acordo com elas – nem tentar mudá-las na base da queda de braço com os parceiros.

Ou bem enfrenta de fato o problema mediante a reformulação clara dos termos do pacto ou mais cedo ou mais tarde terá de ceder às cláusulas do velho contrato em vigor.

Enfim, juntos - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 20/03/12

O Planalto fez questão de que o ministro Aldo Rebelo (Esporte) desse uma entrevista ontem, ao lado do líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), defendendo a liberação da venda de bebida alcóolica nos estádios na Copa. Depois da descoordenação da semana passada, o Palácio precisava sinalizar unidade para o conjunto de sua base parlamentar. A despeito da ordem unida, essa votação é considerada de risco pelos aliados.

Governadores querem frear a União

Os governadores do Sudeste (Rio, Minas, São Paulo e Espírito Santo) adotaram uma linha comum para negociar com o governo federal, os demais estados e a União temas polêmicos como as leis do royalties e do Fundo de Participação dos Estados. Essa política consiste em: 1. Não aceitar que seja tomada nenhuma decisão que retire receita dos estados; 2. Cobrar do Congresso e da União que seja discutida antes com os estados a adoção de medidas que impliquem em novas despesas; 3. Rejeitar decisões isoladas sobre medidas que afetem as finanças estaduais, exigindo que sejam adotadas amarrando diversos temas em debate.

Vou organizar um grupo parlamentar em defesa da faxina e das posições republicanas da presidente Dilma” — Miro Teixeira, deputado federal (PDT-RJ).

APROXIMAÇÃO. O novo líder do governo, senador Eduardo Braga (PMDB-AM), está procurando os senadores independentes, como Cristovam Buarque (PDT-DF), Pedro Taques (PDT-MT) e Ana Amélia (PP-RS). "Temos que ter cautela. A relação do Executivo com o Congresso tem que ser mais respeitosa. Não dá para mudar ministro sem avisar às lideranças dos partidos. E estamos sendo massacrados pelo excesso de MPs”, disse Ana Amélia.

Mais mulheres
A representante do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional, Maria Emília Pacheco, vai assumir a presidência do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, órgão de assessoramento da Presidência.

Alianças
O presidente do PT, Rui Falcão, almoçou ontem com o governador Sérgio Cabral. Discutiram as eleições municipais. A relação ficou estremecida depois que o PMDB anunciou que não apoiaria o candidato do PT em Niterói.

Demóstenes e os dois PTs
O PT da Câmara estimula o deputado Delegado Protógenes (PCdoB-SP) a requerer uma CPI para investigar Carlinhos Cachoeira. Se ela for criada, eles pretendem convocar o líder do DEM no Senado, Demóstenes Torres (GO). Já os senadores petistas estão com um pé atrás e criticam o que chamam de indústria da arapongagem, na qual a Justiça autoriza grampos e quem é flagrado falando com o investigado é transformado em réu via vazamento de seus diálogos.

Bandeira branca
O líder do governo, senador Eduardo Braga (PMDBAM), procurou o líder do PSDB, Álvaro Dias (PR). Afirmou que quer manter uma boa relação com a oposição, mas avisou que vai trabalhar contra a criação da CPI da Saúde.

Pega rapaz

Parlamentares tucanos engajados na candidatura presidencial do senador Aécio Neves (PSDB-MG) querem reviver as dobradinhas café com leite. Sonham ter na vice o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), aliado de José Serra.

CHEVRON. O presidente da Comissão do Meio Ambiente do Senado, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), vai fazer audiência pública na quinta-feira para tratar do vazamento de petróleo no pré-sal. Convidados a Chevron, a ANP, o Ibama e o Ministério Público.

O PRESIDENTE 
da Câmara, Marco Maia (PT-RS), assume a presidência da República domingo. A presidente Dilma embarca para a Índia e o vice Michel Temer retorna terça-feira da Coréia do Sul.

SINAL DOS TEMPOS
. No governo FH, suas deliberações eram descritas como “decisão solitária”. No governo Dilma, são chamadas de “monocráticas”. 

Inesperado cenário para o governo Dilma - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 20/03/12


Impossível imaginar que a presidente Dilma Rousseff tenha se surpreendido com a baixa qualidade ética da equipe montada sob a batuta do fisiologismo do seu patrono Lula. Ministra desde 1 de janeiro de 2003, nenhum dos escândalos ocorridos em seus primeiros 12 meses de poder deve ter causado surpresa a ela.

Mas tem sido visível o cuidado da presidente em evitar a retomada do gabinete de ministros defenestrados por "malfeitos" pelo mesmo esquema fisiológico que fazia e desfazia na pasta. Há exemplos indiscutíveis. A troca de Orlando Silva por Aldo Rebello no Esporte. Os dois são do PCdoB, mas, até agora, não há indícios de que Rebello aceitará o ataque aos cofres públicos perpetrado por "camaradas" do partido sob o disfarce de ongueiros, como ocorria. Outro caso é o do Ministério dos Transportes. Pelas últimas notícias conhecidas, o Planalto resiste a devolver a pasta ao balcão de negociatas do PR, administrado, no tempo do senador Alfredo Nascimento (AM) no gabinete de ministro, pelo deputado Valdemar Costa Neto (SP).

A tentativa de confronto com Dilma feita pelo grupo "dono" do Senado (Sarney, Renan, Jucá), no caso da recondução do diretor da ANTT, foi bem aproveitada pela presidente para estabelecer limites. Destituiu Romero Jucá como devia, no timing necessário, e o substituiu por Eduardo Braga (AM), um peemedebista dissidente do esquema fisiológico e clientelista do seu partido que domina a Mesa do Senado.

Dilma tem obtido apoio e ampliado a popularidade no eleitorado de oposição, na classe média do Sul e Sudeste, sensível ao avanço da corrupção nos últimos nove anos, e não dependente da grande rede de assistencialismo montada pelo lulopetismo, eficiente cabo eleitoral junto à massa pobre do Norte e Nordeste.

Dilma, diante das dificuldades da conjuntura econômica, precisa de uma equipe mais profissional e de uma base parlamentar capaz de apoiá-la em reformas politicamente difíceis, mas imprescindíveis. Entre outras, a conclusão das mudanças na previdência dos servidores e medidas para conter, a curto prazo, a gastança em custeio.

Se o plano é de fato acabar ou pelo menos conter o toma lá dá cá, tem razão Eduardo Braga quando fala em estender a base em direção a parlamentares marginalizados num Congresso dominado pela mediocridade do fisiologismo. Em entrevista ao GLOBO, Braga citou Jarbas Vasconcellos (PE). Poderia incluir Pedro Simon (RS), também dissidente no atual PMDB.

O novo líder do governo no Senado não disse, mas será necessário negociar com a oposição. Foi com ela que Lula conseguiu iniciar a reforma da previdência do funcionalismo em 2003.

A entrevista de Braga aponta para um cenário improvável, o de uma relativa ruptura com um dos cânones do lulopetismo: a manutenção do poder a qualquer preço. E com o apoio do próprio Lula, segundo disse Braga ao jornal. Aguardemos. Mas, se for isso mesmo, não haverá surpresa, pois o ex-presidente, se foi capaz de entender o risco que ele e o país correriam caso colocasse em prática no Planalto tudo o que havia pregado na oposição, pode muito bem perceber que chegou a hora de mais uma metamorfose. No melhor estilo Raul Seixas, novamente na mídia, por coincidência.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 20/03/12

Sem tratamento, gasto com remédio pode subir 481% 

Os gastos com remédios para tratar doenças crônicas acumuladas podem subir 481% se o paciente não fizer tratamento adequado.

O efeito, que pode impactar os resultados de planos e operadoras de saúde, além do orçamento de departamentos de RH de empresas, foi medido por estudo da Orizon, que faz integração de operadoras de saúde e prestadores de serviços. A empresa tem como acionistas Bradesco Seguros, Cielo e Cassi.

A comparação é feita entre um doente crônico que possui apenas uma enfermidade e aquele que acumula outras pela falta de tratamento.

O paciente com hipertensão gasta em média R$ 502,12 ao ano para tratar a doença. Quem sofre de colesterol elevado tem gastos de R$ 531,75.

Para os diabéticos são desembolsados R$ 1.293,68, de acordo com o levantamento que analisou, de janeiro a dezembro de 2011, 28 mil perfis de pessoas no banco de dados da companhia.

"Esse é um assunto que o setor tem estudado muito, mas há pouca conclusão. A pressão sobre os planos de saúde de fato se reduz com o tratamento adequado. Isso gera queda em gastos com internação e entradas em pronto-socorro", diz Allan Rhinow Assumpção, da Orizon.

"A própria ANS, em suas publicações, já sugeriu que as operadoras bonificassem as empresas que têm algum programa de qualidade de vida", afirma. Entre os casos de pacientes abordados no estudo, a maior incidência foi de hipertensão.

pernoite executivo 

A rede de hotéis Bourbon vai lançar uma nova bandeira. Batizada de Rio Hotel by Bourbon, ela terá sua primeira unidade inaugurada no segundo semestre de 2013 em Botucatu (SP).

"A marca é de hotéis econômicos. Será voltada para executivos, gerentes de empresas, que procuram hospedagem rápida. Um pernoite, por exemplo", diz o diretor de controladoria e finanças, João Fernando Maschio.

O investimento no hotel do interior de São Paulo ficará entre R$ 28 milhões e R$ 30 milhões. O segundo empreendimento com a bandeira está em estudo, mas deve ser instalado em Foz do Iguaçu (PR).

Cidades de médio porte serão o foco da marca.

A empresa tem hoje 13 hotéis (dois resorts e 11 corporativos). O faturamento em 2011 foi de R$ 235 milhões.


QUEDA CONTÍNUA 

A venda de produtos tecnológicos na Europa ocidental caiu 4,1% no último trimestre do ano passado, ante mesmo período de 2010.

Índice da empresa GfK mostra que o setor movimentou € 55,9 bilhões no período e € 191,5 bilhões durante todo o ano -retração de 2,9%.

As vendas cresceram apenas em cinco países (Áustria, Alemanha, Holanda, Bélgica e Suécia).

Números

€ 58,3 bilhões foi o total das vendas de bens de consumo de tecnologia na Europa ocidental no último trimestre de 2010

€ 55,9 bilhões foi o total comercializado na região no mesmo período do ano passado (queda de 4,1%)


Beleza A distribuidora baiana Beauty Seven anuncia nesta semana que passará a importar a marca de cosméticos Davines, que já atua em mais de 70 países. Em 2011, o volume de negócios da companhia italiana superou a marca de € 55 milhões de euros.

Em novo setor O grupo Zeppini, que produz equipamentos para postos de combustível e empresas de tratamento de água, vai entrar no mercado de tubos e conexões metálicos. A empresa investiu R$ 15 milhões para poder competir no segmento.

JUROS 'NEGATIVOS' 

A queda de juros tem movimentado no Brasil o segmento de "private banking", que faz gestão de fortunas de quem tem ao menos R$ 1 milhão para aplicar. Em alguns bancos, o mínimo é de R$ 3 milhões.

"Alguns clientes chegam a falar em juros negativos. Para eles, o que conta é a inflação de serviços, que subiu muito acima do IPCA, e querem aplicações mais rentáveis", diz Hiram Maisonnave, do banco francês BNP Paribas.

A Rio Bravo, conhecida por atender grandes instituições, como fundos de pensão, abriu o leque para prosperar no segmento.

"Estamos atendendo clientes que tenham a partir de R$ 50 mil, mas que demonstrem potencial para crescer", afirma Julio Ortiz, responsável pela área.

"Nosso foco será o bom atendimento e, não, mimos [como ingressos em espetáculos]", diz Paulo Bylik, sócio da Rio Bravo.

Maria Eugênia Lopez, do Santander, também observa o interesse em diversificar as aplicações.

"Ninguém quer perder investimentos como em 2008", diz. "O cliente quer mimos que o dinheiro não pode comprar. Quanto menos tem, mais mimos quer; mais pede para que conste no cheque dele que é cliente do 'private'."

SEGURANÇA DIGITAL 

O Sudeste concentra mais da metade das empresas que já possuem certificado digital no Brasil, segundo dados do ITI (Instituto Nacional de Tecnologia da Informação).

A região é sede de cerca de 51,7% dos 5,24 milhões de empresas que já aderiram a essa tecnologia.

A certificação digital garante a segurança das transações que são feitas eletronicamente, segundo o ITI, vinculado à Casa Civil da Presidência da República.

Durante o ano passado, foram concedidos 1,74 milhão de certificados.

O maior número de adesões ocorreu em novembro, com 255,1 mil.

De acordo com o instituto, em 2011, o aumento médio mensal no número de empresas que adotaram a tecnologia foi de 14%.

Águas de março e bolhas globais - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 20/03/12

Depois do alívio, há o risco de dilúvio; num mundo mais calmo, para onde irão os trilhões dos BCs? 

POR VOLTA DE 2002 se tornou comum a conversa sobre a bolha imobiliária americana na mídia especializada em economia. 

A bolha seria inflada, se dizia então, pelas taxas de juros baixas, pelos instrumentos financeiros que facilitavam a "invenção" de dinheiro e o decorrente endividamento maciço, em particular das famílias, que viam sua renda crescer devagar e se entupiam de crédito.

Em 2006, era evidente que a bolha imobiliária estourava. No início de 2007, começaram a explodir os primeiros fundos. O colapso era negado com derrisão pela banca e pelo governo Bush.

Aliás, o rasgo no Titanic das finanças era negado por quase todo mundo, no longínquo Brasil inclusive, pois "quase todo mundo" era adepto da ideia da "nova ordem", da "grande moderação", do triunfo derradeiro do capital que fazia o mundo crescer como nunca antes (o que era, aliás, mentira).

O resto da história a gente continua vendo.

Do alerta da bolha a 2006, foram-se apenas quatro anos.

Juros a zero faz mais de três anos e trilhões de dólares despejados no mercado suscitam hoje uma ou outra conversa sobre risco de bolha, embora apenas gente mais caricata alerte sobre o novo apocalipse.

O dinheiro grosso do mundo voltou às ações e outros investimentos de risco maior. Sai de títulos do Tesouro americano -os juros, pois, sobem levemente. Mas isso parece apenas alívio do medo de colapso financeiro e bancário na Europa, que foi às alturas no trimestre final de 2011.

O índice de ações mais significativo dos EUA, o S&P 500, está a 10% de sua máxima histórica, de outubro de 2007. Ontem, chegou a um nível inédito desde maio de 2008. Não parece grande coisa, porém, levar quase cinco anos para voltar ao mesmo lugar.

Mas note-se que o Nasdaq Composite, o olho do furacão da bolha pontocom, chegou a 5.000 pontos em março de 2000, evaporou e não passou de 2.500 por 11 anos.

Se houvesse uma bolha, porém, seria bolha do quê? Como seria inflada? Mal refeitos do colapso, alguns falidos, os bancos europeus estão fora do jogo. Os americanos, muito mais saudáveis, ainda vão se recapitalizar e, parece, podem se alavancar menos (isto é, seu volume de negócios vai ser muito menor, dado o seu capital).

As economias crescem devagar. O desemprego cai mais por desalento ou "mudança demográfica estrutural" nos EUA (na Europa é crônico). Não há grandes invenções onde jogar o dinheiro. Parece que uma das piadas da crise resiste ("economia viciada em bolhas para crescer procura nova bolha onde investir").

Há de fato um "tsunami" de dinheiro pelo mundo, como diz o governo brasileiro. Há ativos hipervalorizados, como os títulos públicos dos governos americano e alemão. Há talvez moedas hipervalorizadas, como o real, mas isso é uma insignificância para o resto do mundo.

Mas dinheiro, como água, acha seu curso: no caminho, pode causar erosões, cheias e secas súbitas, desaparecer temporariamente em grandes depósitos (ainda o caso atual) e pode até evaporar -no caso do dinheiro, em grandes colapsos (inflações e deflações). Ou "desta vez é diferente" e o mundo vai sair em ordem da grande cheia monetária?

GOSTOSA


Naufrágio iminente - LUIZ GARCIA

O GLOBO - 20/03/12
Éda natureza dos partidos políticos divergirem uns dos outros. O que não indica má índole ou alguma espécie de incompatibilidade congênita. Simplesmente, isso acontece porque todos eles buscam o poder - e também acontece que o poder não dá para todos.

Nada é mais natural e até saudável, portanto, que cada um defenda seus interesses e suas ambições baixando o porrete, verbalmente, é claro, nas costas dos demais.

Às vezes, no entanto, eles se juntam na busca de algum objetivo comum. É o que está acontecendo agora. Todas as legendas que compõem o cenário político estão unidas na perseguição de um objetivo comum: a derrubada de uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral.

O TSE decidiu, por quatro votos contra três, que, nas eleições deste ano, o registro das candidaturas dependerá da aprovação das contas da campanha de 2010. Não parece ser exigência descabida. Contas não aprovadas são prova óbvia de malandragem ou incompetência - com óbvia tendência, dirão cidadãos mais espertos ou de melhor memória, de mais casos da primeira hipótese.

É preciso registrar que a exigência de ficha limpa está limitada às eleições de dois anos atrás. Provavelmente, os ministros, por bondade de seus corações ou simplesmente por bom-senso, consideraram que poucas legendas - ou, quem, sabe, nenhuma delas - sobreviveria a uma inquirição mais ampla.

Note-se, com alguma tristeza - mas talvez sem surpresa -, que estamos diante de uma atitude rara, se não for absolutamente inédita: qual foi mesmo a última vez que todos os partidos políticos brasileiros uniram-se na defesa de uma causa?

É também curioso e lamentável que a iniciativa dos partidos entre em choque com uma exigência que nasceu de um raríssimo - se não tiver sido inédito - movimento de origem popular (ou seja, sem qualquer ligação com políticos e seus partidos), a campanha da Ficha Limpa. E também não há demérito para o TSE numa associação de sua exigência de contas limpas com aquela recente, mas já histórica, campanha popular.

No fim das contas, os partidos, unidos como talvez jamais tenha acontecido antes - pelo menos na discussão de questão intrinsecamente política -, estão remando contra a correnteza duplamente: enfrentam tanto a vontade expressa da opinião pública como uma decisão explícita da Justiça Eleitoral. Um naufrágio parece tão iminente quanto indispensável.

Momento tenso - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 20/03/12

A proximidade da instalação da Comissão da Verdade está mexendo com os ânimos tanto dos militantes de esquerda quanto dos militares, enquanto a presidente Dilma não revela sua composição. Pelos nomes escolhidos, saberemos qual é a intenção do governo. Por enquanto, temos posições distintas dentro do mesmo governo, o que certamente está causando essa insegurança sobre o futuro.

A posição do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, deveria ser a do governo, e ele já dera entrevista classificando de "inadequadas" as ações do Ministério Público Federal do Pará tentando contornar a Lei de Anistia para incriminar o coronel Curió no chamado "crime continuado", que estaria fora da abrangência daquela lei.

A tese de que os desaparecimentos de guerrilheiros do Araguaia seriam sequestros ainda em andamento foi rejeitada tanto pela AGU quanto pelo juiz federal João César Otoni de Matos, de Marabá, pelas mesmas razões: viola o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei da Anistia, promulgada em momento de conciliação nacional.

"Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição", disse o juiz João César Matos.

Desse ponto de vista, quem está desviada da posição do governo federal e, sobretudo, da lei seria a ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, que deu entrevistas incentivando a ação do Ministério Público Federal.

Mas suas declarações não foram desautorizadas por ninguém de direito e geraram uma crise militar que só será resolvida se for esquecida.

Os manifestos de militares com críticas ao governo começaram como coisas de militares da reserva e se transformaram em abaixo-assinados de milhares de pessoas, civis e militares, em protesto contra a ameaça de punição para seus apoiadores.

Embora os militares da reserva tenham o direito de atuação política e de expressar seus pontos de vistas, eles podem ser punidos se desrespeitarem a hierarquia, como foi interpretado pelo Palácio do Planalto e pelo Ministério da Defesa.

Eu mesmo cometi um erro ao afirmar em um comentário na rádio CBN que os militares haviam passado do ponto quando não reconheceram a autoridade do ministro Celso Amorim.

Mas esse desconhecimento não se referia ao seu papel como ministro da Defesa, e sim à sua decisão de punir os assinantes do manifesto.

Dizer que sequestros da ditadura são crimes continuados é tentar contornar a Lei da Anistia. Embora possa ser uma tentativa compreensível de parentes e amigos de incriminar eventuais culpados por torturas e outros crimes, não deveria ser a atitude de procuradores afrontar a legislação vigente.

O assunto terá que voltar ao Supremo Tribunal Federal (STF), que vai analisar a Lei da Anistia novamente, desta vez sob a ótica dos chamados "crimes continuados", pois a OAB insiste em que o STF não se pronunciou especificamente sobre essa questão.

O leitor Paulo Augusto Silva Novaes lembra que há ainda a possibilidade de enquadrar os supostos sequestradores no crime de ocultação de cadáver.

Justamente por ser presumida a morte dos então chamados subversivos (presunção iuris tantum, por depender de prova em contrário) é que o crime de ocultação de cadáveres pode ser tecnicamente interpretado como estando ainda em curso.

Se Curió se livrasse da acusação de sequestro, caso confessasse que matou os guerrilheiros do Araguaia (e não poderia ser processado, julgado e punido por isso porque está protegido pela Anistia), ele ainda estaria sujeito à acusação do crime de ocultação de cadáveres, já que até hoje não disse quando, onde e como foram mortos os guerrilheiros, e nem onde os seus corpos foram deixados ou enterrados.

Trata-se de um típica hipótese de crime permanente, portanto. Se o STF aceitar a tese da OAB, a decisão tem que ser acatada.

A pressão de organismos internacionais ligados até mesmo à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA) para que o governo brasileiro aceite julgar crimes de torturas por serem crimes hediondos, contra a Humanidade, não deve prosperar porque a Constituição brasileira de 1988 também considera "imprescritíveis" crimes como a tortura e o terrorismo, mas essa definição não existia quando da promulgação da Lei da Anistia, em 1979.

Mas, na minha opinião, será muito difícil que os ministros do Supremo aceitem a ideia e permitam o julgamento de questões como os desaparecimentos ocorridos na luta armada contra a ditadura.

Já escrevi no blog e repito que, no momento em que o governo se prepara para anunciar os componentes da Comissão da Verdade, seria preciso que as autoridades ligadas a questões como os direitos humanos ou as que envolvem os militares tivessem uma posição menos radicalizada, para que a comissão possa fazer seu trabalho dentro da legislação em vigor e sem revanchismos.

Localizar os corpos dos desaparecidos, para que suas famílias exerçam o sagrado direito de enterrá-los, e esclarecer as circunstâncias em que os fatos ocorreram devem ser o objetivo da Comissão da Verdade.

Mas a questão judicial, no que se refere ao aspecto criminal, está superada pela Lei da Anistia.

Agenda azul - XICO GRAZIANO


O Estado de S.Paulo - 20/03/12


O 6.º Fórum Mundial da Água, realizado de 12 a 17 deste mês em Marselha (França), não deixou margem para dúvidas: ou se investe decididamente na proteção dos recursos hídricos do planeta ou a civilização humana padecerá de terrível escassez. Que já se manifesta.

Relatório da ONU apresentado no encontro aponta a irrigação agrícola como séria questão a ser enfrentada. Primeiro, porque tal técnica demanda muita água, cerca de 70% do total; segundo, dada a dramática necessidade de alimentar uma população que deverá atingir 9 bilhões de pessoas em 2050. Conforme as revisadas, e mais precisas, estimativas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a produção de comida precisa crescer 60% nesse período, e isso só parece possível aumentando as áreas irrigadas no campo.

Resultado: vai aumentar a necessidade de água para as lavouras, em especial nos áridos países do Oriente Médio, que, aliás, importam cada vez mais alimentos. Mudanças climáticas devem alterar o padrão das chuvas, causando secas mais prolongadas e derretimento de geleiras. Tudo conspira contra o abastecimento. Estudos indicam que sem decididas políticas de manejo de água 40% da população mundial viverá em áreas de alto estresse hídrico até 2050.

Estimativas de longo prazo, claro, sempre carregam muita incerteza. A terrível seca, porém, que afetou, em 2011, as grandes planícies norte-americanas, prejudicando a irrigação e restringindo a água para consumo humano, pareceu um aviso recente dos céus. No Brasil, novamente o fenômeno climático La Niña provocou forte estiagem, derrubando a safra e arrancando os cabelos dos agricultores sulinos. Dentre as dúvidas, uma certeza: preservar os mananciais d'água será estratégico nas políticas sustentáveis do futuro.

A situação anda preocupante. Cerca de 25% das áreas agrícolas mundiais se degradam, de forma mais ou menos severa, em decorrência da má, e intensiva, agricultura. Esta depaupera os recursos hídricos, reduz a fertilidade dos solos, aumenta a erosão. A contínua irrigação tem levado à salinização dos solos em certos locais, fazendo decair a produtividade agrícola. Lençóis freáticos, bombeados para a superfície, aprofundam-se, prejudicando o enraizamento das plantas; o desmatamento e os ventos causam desertificação. Na Espanha, na Austrália, nos Estados Unidos, na África, por onde se procura se percebem ameaças à segurança alimentar.

Olhos enviesados atribuem à agricultura o papel de vilã na equação mundial da água. Algo injusto. Acontece que, mesmo gastadora, a prática da irrigação rural pouco compromete a qualidade da água, exceto quando esta se contamina com resíduos de agrotóxicos persistentes, comuns no passado, mas pouco utilizados hoje em dia. Depois de regar as plantas, via aspersão ou gotejamento, o precioso líquido se percola pelas entranhas da terra, corre para os riachos ou se evapora, cumprindo o ciclo natural da água.

No uso urbano, ao contrário, o abastecimento das residências polui organicamente as águas nos vasos sanitários, na pia da cozinha e na lavanderia ela se mistura ainda com detergentes e saponáceos. Já nas unidades industriais, as águas utilizadas contaminam-se com solventes e demais produtos químicos, que lhes roubam a vida. Nas cidades, que ninguém duvide, a demanda e a poluição são tremendas.

O Fórum Mundial da Água de 2012 contou, entre as 180 delegações participantes, com a presença de uma orgulhosa comitiva paulista. Ela representava o bem-sucedido Pacto das Águas São Paulo, um programa que nasceu há três anos às margens do Rio Jacaré-Pepira, no município de Bocaina. Ali, tendo à frente o então governador José Serra, centenas de prefeitos e outras autoridades municipais se comprometeram a aderir ao Consenso das Águas de Istambul (Turquia), documento histórico que define tarefas na gestão descentralizada dos recursos hídricos.

Esse azulado movimento ambientalista, organizado pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado (www.ambiente.sp.gov.br/pactodasaguas), cresceu sem parar, ultrapassando as expectativas iniciais. Dentre os 1.070 signatários, oriundos de 49 países, do Consenso das Águas de Istambul, 595 adesões originam-se nos municípios paulistas. Notável. O Pacto das Águas São Paulo configura o maior programa já realizado no Brasil em defesa dos recursos hídricos, com foco na gestão local, dentro das bacias hidrográficas. Lição de casa bem feita.

Em fins do ano passado, o governo paulista promoveu uma avaliação do desempenho dos municípios, premiando os primeiros colocados. Entre os de maior população, 94 municípios cumpriram as metas estabelecidas no programa em defesa das águas, capitaneados por Sorocaba, Tupã, Paulínia, Itapira e Batatais. Já entre os pequenos municípios, abaixo de 20 mil habitantes, 135 deles mostraram os melhores resultados, liderados por Regente Feijó, Bilac, Bocaina, Lindoia e Santo Antônio do Jardim. Podem tirar o chapéu para eles.

Por todo o Estado de São Paulo corredores ecológicos se formam sinuosamente, acompanhando os córregos. A recuperação dessa mata, chamada ciliar, como se os olhos abrigassem, garante a plena função ambiental da biodiversidade, promovendo a junção do verde (vegetação) com o azul (água). Na beirada dos riachos, no entorno das nascentes, ao redor dos lagos, nessas paragens a vida selvagem floresce, a natureza torna-se exuberante. Água é vida.

Neste próximo dia 22 de março se comemora o Dia Mundial da Água. Mais do que discursos, gestos de simpatia e lembranças nos bancos escolares, esperam-se ações concretas - coletivas e individuais - em defesa da agenda azul.

Água potável, mundo sadio.

Divinas comédias - JOÃO PEREIRA COUTINHO


FOLHA DE SP - 20/03/12

1. Mais CEDO ou mais tarde tinha de acontecer: "A Divina Comédia" é um livro racista, homofóbico, anti-islâmico e antissemita, diz um grupo defensor dos direitos humanos que aconselha as Nações Unidas em matérias de discriminação e racismo.
O grupo dá pelo nome de Gherush 92 e não se limita a denunciar os alegados vícios da obra de Dante Alighieri (1265-1321).
Pretende igualmente que o livro seja retirado das escolas e das universidades, para evitar a disseminação dos maus exemplos.
Eis o velho código dos selvagens: o que não entendes, destrói. Porque reduzir a "Divina Comédia", obra sublime de inícios do século 14, a um mero catálogo de preconceitos do século 21 não é apenas um erro grosseiro de anacronismo.
É não entender a natureza de uma obra que, ao apresentar uma gloriosa visão mística sobre os caminhos de salvação da alma humana, retoma e aprofunda o essencial da ortodoxia cristã.
Os Cantos 12-17 podem aterrar-nos, literária e visualmente falando, com a descrição do Sétimo Círculo do Inferno.
Mas Dante não está a dizer nada de particularmente original ao condenar os blasfemos, os sodomitas ou os usurários a castigos. Basta consultar os textos sacros para reconhecer a fonte onde Dante bebeu.
Por outro lado, Dante não se limitou a relembrar aos presentes o essencial da palavra cristã.
Para quem passou parte da existência na defesa da unidade da cristandade (contra os gibelinos, partidários do Sacro Império Romano; e contra o guelfos negros, partidários de Bonifácio 8º), assim se entende o lugar que o poeta reservou no Inferno para os inimigos dessa unidade. Que tanto podiam brotar do interior da igreja -o papa Celestino 5º é um exemplo- como do exterior dela -e Maomé, logicamente, é o candidato ideal ao título de cismático número um.
Tivesse Dante vivido no século 16, e não nos séculos 13 e 14, e seria inevitável encontrar no seu Inferno um tal de Martinho Lutero.
As patrulhas multiculturalistas que condenaram a "Divina Comédia" desconhecem a matéria básica sobre a qual dissertam.
E, com a arrogância própria dos ignorantes, exportam as suas patéticas categorias contemporâneas (Dante é racista, homofóbico, anti-islâmico etc.) para um mundo que apenas interpretam anacrônica e superficialmente.
Essa atitude, que vem embrulhada na capa da "tolerância", é na verdade a marca suprema do fanatismo literalista. Porque só um fanático adere literalmente ao texto sem considerar a dimensão metafórica, cultural e contextual dele.
De resto, pretender que o livro seja retirado de escolas ou universidades não é para levar a sério. Se fosse para levar a sério, não haveria nenhuma razão para que a limpeza ficasse apenas pela "Divina Comédia".
A história da cultura ocidental é um longo cortejo de obras que ofendem sempre a sensibilidade de alguém, algures -hoje ou no futuro.
Fazer depender a sobrevivência dessa cultura dos caprichos transitórios dos homens presentes é a melhor definição de vandalismo que conheço.


2. Na passada semana escrevi neste espaço que o racismo não era uma doença -e que por isso não tinha cura. Alguns leitores não gostaram da colocação pessimista e escreveram de volta com acusações extremas: eu estaria a "desculpar" o racismo; ou, pelo menos, a aceitar a sua inevitabilidade.
Nada mais falso. Admito que racistas sempre haverá. Mas o racismo, longe de ser uma patologia, parece-me um problema essencialmente ético -a atitude de considerar inferior quem se encara como diferente.
Isso é válido para o racismo dos brancos contra os negros; dos negros contra os brancos; ou até dos negros contra os negros -os tribalismos sanguinários de África são um caso óbvio.
Uma tal atitude não se resolve com medicação, ao contrário do que afirmava o estudo citado da universidade de Oxford.
Aliás, se existe tentativa de desculpar o indesculpável, ela está precisamente em quem pretende transformar em doença o que é apenas uma questão de educação moral.
E esse tipo de educação, infelizmente, não se vende na farmácia.

Entre a acusação fictícia e o direito à verdade - FÁBIO TOFIC


O Estado de S.Paulo - 20/03/12


Todo mundo quer ou, pelo menos, deveria querer que os carrascos da ditadura militar fossem um dia condenados e punidos pela morte e pelo desaparecimento de opositores do regime. Mas não há quem, em sã consciência, considere que isso seja possível à luz do ordenamento jurídico brasileiro.

Esse não parece ser, no entanto, o entendimento de alguns procuradores da República no Estado do Pará, que propuseram dia 14, em Marabá, uma denúncia contra Sebastião Rodrigues de Moura, o coronel Curió, militar reformado do Exército Brasileiro acusado de diversos crimes cometidos contra opositores do regime durante a conhecida guerrilha do Araguaia. Apesar de empolgante, a proposta, vista mais de perto, peca pela absoluta falta de fundamento jurídico - até porque a Justiça não é feita para empolgar, mas para aplicar a lei e manter a segurança jurídica.

O primeiro obstáculo jurídico é, sem dúvida, a prescrição. O maior prazo de prescrição previsto na lei penal brasileira é de 20 anos, de modo que os crimes eventualmente cometidos por Curió há 38 anos estão todos prescritos. Pretendendo superar esse obstáculo, os procuradores sustentaram que, como as vítimas nunca apareceram, o crime atribuído ao coronel seria de sequestro, ilícito que perduraria até os dias de hoje. Por esse criativo raciocínio, os procuradores tentaram driblar a prescrição do crime de homicídio e da incidência da Lei da Anistia, aplicável apenas aos fatos anteriores a 1979.

É razoável permitir que a definição jurídica de um fato fique à mercê dos ventos prescricionais, aplicando-se sempre a lei que melhor favoreça a sede deste ou daquele acusador ou a avidez por vingança desta ou daquela geração? Será que poderíamos chamar de séria uma Justiça que se prestasse a isso? Será que somente em razão da nobreza da causa os agentes públicos possuem carta branca para interpretar a lei da forma como melhor lhes aprouver?

Promulgada há quase dez anos, a Lei n.º 10.536/2002, que alterou a Lei n.º 9.140/95, estabelece exatamente o oposto do que foi sustentado pelos acusadores paraenses, ao reconhecer como mortas as pessoas que, presas por agentes da ditadura entre os anos de 1961 e 1988, permanecem até hoje desaparecidas. É imperioso destacar que a previsão legal acima mencionada foi uma conquista dos familiares das vítimas, que durante anos lutaram pelo direito de obter um atestado de óbito e, como consequência, direitos daí decorrentes, como indenizações, etc.

Ou seja, até por força de lei, falar em sequestro é descabido. Essas pessoas foram mortas! Alguém dúvida quanto a isso? Ou vamos crer que, assim como no filme O Segredo dos Seus Olhos, do argentino Juan José Campanella, o coronel Curió ainda as mantenha a pão e água numa cela particular? Com todo o respeito, a proposta beirou o absurdo.

Além da questão da prescrição, que os procuradores tentaram contornar a todo custo com malabarismos jurídicos espetaculares, tampouco o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter deferido duas extradições em favor do Estado argentino em situações aparentemente semelhantes parece salvar do lamaçal a denúncia contra Curió. É que, apesar das aparências, as extradições deferidas pela Suprema Corte por solicitação do país vizinho não se aplicam ao caso do coronel processado em Marabá, por uma razão muito simples: quando o STF defere a extradição de alguém para outro país, a Corte não procede a um exame de mérito da causa para decidir se o extraditando é culpado ou inocente, mas tão somente examina requisitos formais para saber se o pedido formulado pelo outro país não esbarra em algum dos princípios basilares aplicados pela Justiça penal brasileira, como a proibição de pena de morte, de prisão perpétua, etc.

Assim, ao deferir o pedido de extradição, o Brasil apenas reconheceu que a questão da anistia na Argentina é assunto para os argentinos decidirem. Com esse entendimento, porém, o Supremo Tribunal está longe de condescender com a abertura de processos criminais contra agentes da ditadura no Brasil.

Afinal, cada país tem uma realidade quando o assunto é anistia.

Na Argentina, as Leis n.º 23.492/85 e n.º 23.521/87 - conhecidas como leis do esquecimento - foram consideradas inconstitucionais pela Justiça local, enquanto aqui, ao contrário, a nossa Lei da Anistia teve a sua constitucionalidade afirmada pelo próprio STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 153, cuja relatoria foi do ministro Celso de Mello.

O argumento do ministro relator foi o de que a anistia é desses institutos jurídicos irrevogáveis. Isto é, como a própria Constituição federal proíbe a retroatividade da lei penal quando esta prejudica o direito do réu, ainda que disposição legal ou constitucional posterior - como a do artigo 5.º, XLIII, da Carta Magna de 1988, que veda anistia para crime de tortura - pudesse revogar a Lei da Anistia, os seus efeitos só poderiam ser projetados para o futuro, mantendo-se anistiados os fatos pretéritos. Em outras palavras, a revogação não teria efeito algum.

Assim, quando a Corte Interamericana de Direitos Humanos retaliou o STF, pedindo que a decisão dada na ADPF n.º 153 seja revista, esqueceu-se de mostrar como o Brasil poderá fazê-lo sem fazer vacilar pilares importantes da democracia inaugurada com a Carta da República de 88.

Passados quase 40 anos das atrocidades cometidas, as pessoas têm o direito de saber a verdade. Mas não é trilhando o caminho da ficção jurídica que se saberá a verdade. Entre a vingança pura e simples e a verdade, é melhor ficar com a verdade. E a verdade é que essas vítimas foram assassinadas, não simplesmente sequestradas, e a consequência disso é que os crimes, além de terem sido penalmente anistiados, já estão irremediavelmente atingidos pela prescrição.

O imperador, o filósofo e eu - ARNALDO JABOR


O Estado de S.Paulo - 20/03/12


Há 16 anos, em Nova York, entrei numa livraria e comprei um livro de ensaios de Joseph Brodsky. Muitos perguntarão: quem é esse cara?

Joseph Brodsky era um grande poeta e ensaísta russo, que ganhou o Nobel de 87. Fora preso na União Soviética em 64. Acusaram-no de "parasita social" e mandaram-no para um "gulag". Saiu dois anos depois e foi morar nos Estados Unidos.

Teve a experiência de sair do comunismo e entrar na América individualista. Mas, ficou na faca de dois gumes: nem comuna traidor nem americanófilo deslumbrado. Carregou na alma o sonho europeu de futuro e a intensa vivência de "presente" dos americanos.

Abri o livro e li um artigo sobre as Meditações do imperador romano Marco Aurélio. Este rei filósofo escreveu há 2 mil anos um livro de melancólica sabedoria sobre as regras de viver com justiça e bondade, suportando com fortaleza a vida finita. O ensaio de Brodsky era cheio de curvas escuras, sobre a antiguidade e a filosofia e foi me levando a uma funda reflexão sobre nossa crise da pós-utopia. Acabo de ler o ensaio, emocionado.

Abro o jornal no dia seguinte e vejo que Brodsky tinha morrido naquela noite e tinha a mesma idade que eu. Gelei.

Esta semana reli o ensaio e fiquei impressionado com a atualidade de um texto de 20 anos atrás. Imaginei uma conversa com ele, do qual sai este texto misturadamente dele, de Marco Aurélio e com intrusões aqui de quem vos fala.

- E agora, Joseph, como está o mundo?

- Eu acho que vocês estão vivendo um grande pânico: o pânico do presente. Eu acho que só agora o homem está descobrindo na carne que não tem qualquer procedência nem qualquer consequência. Está descobrindo uma dolorosa finitude e um despropósito na existência que ele sempre procurou evitar. E não falo de niilismos nem de pessimismos. É tudo muito novo, tudo muito gelatinoso ainda, com a morte das certezas do totalitarismo e dos individualistas. Está se formando uma nova "enteléquia".

- O quê?

- Ah... "enteléquia", uma força vital, um agente formador de crescimento no mundo que ainda não está claro. Acho até bom que a teoria não dê conta dela, que fique tudo no mistério, para acabar com a arrogância desses franceses que acham que tudo é inteligível. Marco Aurélio não escreveu para a posteridade. Ele escreveu para o "presente" dele. E todos os presentes são iguais. Epíteto, o estoico, o escravo filósofo, êmulo de Marco Aurélio, o rei filósofo disse que "a origem dos males do mundo, da crueldade, da covardia, não é a morte; é o medo da morte".

O escravo e o rei sabiam que o homem não tem controle sobre seu futuro, como não teve sobre seu passado. E tudo o que o homem perde na morte é o dia em que ela acontece. Melhor dizendo, o resto do dia em que se morre... Por isso, Marco Aurélio e o escravo Epíteto nunca permitiram que o medo da morte os influenciasse. Marco Aurélio foi meu mote para o mundo atual. Nada mais atual que ele. O estoicismo "is back"!

A humanidade levou 15 séculos para que o pensamento de Marco Aurélio fosse reiterado por Spinoza e hoje, séculos depois, se reencontra com a morte e a natureza. Acho que só a poesia consegue tocar levemente com a ponta dos dedos o que está rolando por aí.

- Joseph, ninguém vai entender isso que você está falando.

- Entenderão. Não entender tudo é bom sinal. O mundo que temos pela frente é uma imprecisa água-viva, o mundo é uma forma desconhecida como a morte. Quanto mais medo da morte, mais utopias que são a ilusão de que a morte é controlável, de que a morte pode ser vencida. Sozinhos, na luz solar do mercado e do fim do futuro, esse apetite pelo infinito está acabando (ou aumentando). Ouça Marco Aurélio: "Lutar contra o que acontece é um ataque à natureza"; "O Universo é mudança, a vida é opinião"; "A mente do Todo é social"; "A mais nobre forma de retribuição é não ser como o seu inimigo"; "O que não é bom para a colmeia não é bom para a abelha".

Vinte séculos depois vem Marco Aurélio e nos diz que a ética é o único critério do presente, pois ela transforma todo ontem e todo amanhã em agora.

É exatamente aquela flecha que em cada momento da trajetória está parada. Como fazer uma utopia do presente, como tolerar a morte e ser feliz, como lutar pelo bem? Eu saí da URSS, de um futuro que não chegava nunca, para um presente que não acaba mais, um "enorme presente", nos EUA. Aqui, existe uma inocência quase estúpida que é, por outro lado, uma amostra de autonomia humana, que é quase trágica. Não há utopia coletivista que apague este individualismo. Esta tal gelatina, a enteléquia de que falei, sairá daí, da morte não dominada, do óbvio do mundo, do solar brilho das coisas, do mercado de parcialidades que não lidam com o futuro.

Não há solução; só dá para fazer uma permanente busca ética, como fez Marco Aurélio, no passado, isto é, no "seu" presente. E veja bem: isto não significa resignação, nem pessimismo. Seria um erro chamar o estoicismo, na sua aceitação da realidade perceptível, de resignação com a mal do mundo. "Serenidade" seria um melhor termo; até "melancolia" se poderia usar, mas a melancolia de reis sábios.

Raramente políticos se interessam por filosofia, mas filósofos se interessam por política. A "divisão" de Marco Aurélio reinando sobre si mesmo, o homem mais poderoso do mundo colocando freios em seu próprio poder é a imagem maior de uma ética para hoje. O imperador Marco Aurélio via seu poder com melancolia. E os melancólicos são modernos porque não esperam muito e raramente ficam histéricos. Os melancólicos são bem razoáveis e, como dizia Marco Aurélio, "O que é razoável é social". Nada existe para o futuro. Perder as esperanças nas utopias liberais ou socialistas, perder a esperança "tout court" foi o início de uma nova era, uma nova sabedoria. Benditos sejam os que amam o parcial, porque herdarão a Terra.

Se as Meditações são a antiguidade, nós é que estamos em ruínas.

- Joseph, foi muito legal te conhecer... Pena que você tenha de ir.

- A vida é breve. Aproveita.

GOSTOSA


Copa 2014! O Boteco do Blatter! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 20/03/12

O Copo do Mundo é Nosso! Agora em todos os estádios vai ter o Boteco do Blatter! Direção: Adriano. Rarará!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Ueba! A birita vai ser liberada na Copa! Oba! Coisa boa!
O Copo do Mundo é Nosso! Agora em todos os estádios vai ter o Boteco do Blatter! Direção: Adriano.
Vai ter jogador que não vai querer sair do estádio.
Vai ter até rabo de galo. E sabe por que liberaram bebida na Copa? Porque, pra ver jogo da seleção, só de fogo mesmo! Rarará!
E sabe o que a Dilma gritou pro Blatter antes da reunião? Vai já fazer o teste do bafômetro! Rarará!
E como disse aquele torcedor: "É mole ir pro Itaquerão sem um gole?" O Copo do Mundo é Nosso! Rarará!
E essa Fifa tá me deixando encafifado! Rarará!
E a Fórmula UM? Pilotos brasileiros na F1; o Bruno Acena e o Felipe AMASSA! E o Galvão continua mais rouco que a foca da Disney!
Também, passou dez anos gritando RRRRRonaldo, RRRRRubinho, RRRRasga a RRReta RRRubinho. Os Rs rasgaram a goela do Galvão! Os Rs agora mudaram: os pilotos brasileiros RRRRRRodaram! Rarará!
E o meu São Paulo ensacou o Santos! O Lucas é melhor do que o Neymar. Rarará!
E o técnico Muricy vai mudar de nome pra ESMORECY, Esmorecy Ramalho! Rarará!
E o site Futirinhas: "Show do Lucas, só para santistas, ingressos esgotados!" E o Roberto Sustus, que vai fazer o marketing do São Paulo?
O site Sensacionalista revela as duas primeiras medidas tomadas pelo Justus: ele vai cantar o hino antes das partidas e demitir o Bambi! Rarará!
Buemba! São Paulo Futebol Clube Urgente! Roberto Justus demite o Bambi! Rarará!
E com o Adriano, Ronaldinho e Vágner Love, o Flamengo vai mudar de nome pra Barmengo!
É mole? É mole, mas sobe! Ou como disse aquele outro: é mole, mas trisca pra ver o que acontece!
E mais três para a minha série "Os Predestinados"! Técnico de ar-condicionado em Brasília: Climério.
É verdade. Uma amiga chamou o técnico de ar-condicionado e perguntou: "Qual o seu nome?". "Climério".
E tem um fornecedor de ar condicionado da EGEar que se chama: Vanderlei FOGO! Rarará!
E liberar bebida na Copa é bom pros outros. Porque eu sou abstêmio! Vou encarar o Mano a seco! Rarará!
Nóis sofre, mas nóis goza!

Jogo dos números - REGINA ALVAREZ

O GLOBO - 20/03/12


Desde o começo do ano passado, a equipe econômica exibe o figurino do ajuste fiscal como grande contribuição ao esforço para reduzir os juros sem pressionar a inflação. Ao longo de 2011, o governo bateu bumbo sobre o corte de R$ 50 bilhões nas despesas, mas olhando os números por dentro a história é diferente e tudo indica que vai se repetir este ano. Quem está pagando a conta do ajuste é o contribuinte.
Muito já foi falado sobre as contas de 2011, mas um estudo recém concluído do Núcleo de Assuntos Econômico-Fiscais da Consultoria de Orçamento da Câmara mostra com mais clareza os caminhos que o governo trilhou para fazer um superávit primário mais robusto, cumprindo a meta cheia para o setor público, de 3,1% do PIB.
O esforço ninguém questiona, o problema é a qualidade ruim do ajuste, que afetou os investimentos, mas não foi capaz de conter as despesas correntes. O aumento do superávit foi conseguido às custas do crescimento da arrecadação federal.
Não é de hoje que o governo faz um jogo de faz de conta com o Congresso na elaboração e na execução do Orça-mento. Em 2011, o jogo foi mais pesado e originou a crise atual com a base aliada. Primeiro, a equipe econômica enviou ao Congresso uma proposta de Orçamento prevendo um desconto de R$ 32 bilhões em despesas do PAC da meta de superávit.
Depois, decidiu fazer a meta cheia, sem descontar essas despesas, e anunciou o corte de gastos de R$ 50 bilhões para acomodar os investimentos do programa e corrigir o que seria uma estimativa irreal das receitas, feita pelo Congresso.
O que aconteceu de fato? O corte efetivo foi menor do que o anunciado, ficando em R$ 39,3 bilhões, mas atingiu em cheio os investimentos incluídos no Orça-mento por meio de emendas dos parlamentares. E nem o PAC escapou da tesoura, pois dos R$ 26,7 bilhões previstos só R$ 19,9 bilhões foram executados.
Despesas obrigatórias que o governo prometera reduzir com esforço de fiscalização cresceram bem acima do esperado, com destaque para os benefícios previdenciários e assistenciais. Os gastos com pessoal caíram R$ 1,5 bilhão, mas o governo prometera redução de R$ 3,5 bilhões. No fim das contas, o que permitiu alcançar a meta cheia de superávit foi mesmo o aumento da arrecadação, que ultrapassou em R$ 21 bilhões a estimativa do governo e em R$ 2,9 bilhões a previsão do Congresso, aquela que a equipe econômica considerava irreal.
Gargalos
A propósito de comentário de leitor sobre o fato de o quadro com evolução dos investimentos públicos desde a década de 70 - publicado neste espaço - não considerar privatizações na área de infraestrutura, o economista Raul Velloso explica:
-Não se considera investimentos de estatais, a parte que foi privatizada incluindo setor elétrico. Só investimentos de administrações centrais, onde o item de maior peso é transportes e onde estão as maiores carências.
O estado lastimável de muitas rodovias, as filas nos portos e o congestionamento nos aeroportos são evidências dos gargalos que persistem nessa área, destaca:
-O modelo de crescimento de gastos correntes não deixa espaço para investimentos, mesmo com a forte alta da carga tributária. Isso aumenta o custo Brasil e explica, em parte, por que a indústria está penando tanto para sobreviver.
Em comum
O Chile cresceu bem mais que o Brasil em 2011: 6% contra os nossos 2,7%. Ainda assim, há pontos em comum entre as duas economias. A indústria chilena está sofrendo com a importação e a valorização da moeda, e o crescimento do país sustenta-se pela exportação de commodities e pelo consumo interno. O dólar perdeu 7,2% em relação ao peso este ano, bem mais que a desvalorização sobre o real, de 3,8% até sexta-feira. Mas o preço do cobre subiu 20% no quarto trimestre, aumento expressivo porque a exportação do metal representa 25% do PIB chileno. Isso fez a economia crescer mais que o esperado e despertou dúvidas sobre a continuidade do corte de juros no país.
ROBIN HOOD: A referência ao legendário herói inglês que roubava dos ricos para distribuir aos pobres saiu com erro de grafia em dois títulos da coluna de sábado, mas o propósito do estudo da economista Teresa Ter Minassian, do BID, de redistribuição mais justa e equânime dos recursos da União repassados aos estados está valendo.

A Abimaq e o PIB - ANTONIO DELFIM NETTO


Valor Econômico - 20/03/12


Em condições normais, a importação é um fator de produção tanto quanto o trabalho ou o estoque de capital. Mas, quando temos "condições normais"? Quando a taxa de câmbio é o preço relativo que (com uma estrutura de tarifa efetiva adequada) produz o equilíbrio entre o valor do fluxo das exportações e das importações de bens e serviços produtivos e a política fiscal tem espaço para acomodar, sem custos exorbitantes, as eventuais flutuações produzidas pelo aumento das oportunidades de investimento estrangeiro. Isso exige que a taxa de juro real interna seja igual à externa. Para que haja reciprocidade na alocação eficiente dos fatores as mesmas condições devem valer para todos os participantes do comércio internacional. Não é assim, quando os parceiros fazem manobras para desvalorizar as suas moedas e expandir as suas exportações, à custa da redução da produção nacional dos outros.

A taxa de câmbio é, sempre, de uma forma explícita ou velada, sujeita à vigilância das autoridades de cada país, atenta aos seus efeitos que podem ser devastadores quando o desequilíbrio pode durar alguns anos e produzir cicatrizes definitivas na estrutura produtiva do país. Não tenhamos ilusão: a taxa de câmbio sempre foi, é e será instrumentalizada.

Alguns ficaram surpresos com o resultado do pequeno crescimento do PIB em 2011. Não deviam. Era evidente que nossa política monetária usando as medidas prudenciais e a alta da taxa de juros no início do ano estava tentando controlar a demanda global. O crescimento da economia estava rodando a 7,5% ao ano no quarto trimestre de 2010 com relação ao seu homólogo de 2009 e já no 1º trimestre de 2011 havia caído para 2,7% na mesma comparação. Terminamos com um crescimento de 2,7%. Qual o principal fator dessa desaceleração?

A resposta é simples: o afundamento da indústria de transformação. Ela cresceu apenas 0,1% no ano e registrou uma queda de 2,5% no 4º trimestre com relação ao 3º. Se tivesse se expandido no ano apenas 3%, o PIB provavelmente teria crescido 3,5% pelos efeitos multiplicadores do setor. É claro que não se tratou apenas do "controle da demanda", que era necessário, mas deveria ser evidente que o tal crescimento de 7,5% em 2010 era produto de um efeito estatístico. O crescimento médio do PIB entre 2008 e 2010 foi de 4,1%.

Entre 2008 e 2011 o saldo da balança comercial da indústria de transformação passou do equilíbrio a um déficit de US$ 43 bilhões. O que mudou na "produtividade" do setor a não ser a "supervalorização cambial" e a ação dos países predadores com suas moedas desvalorizadas (especialmente a China) que se defenderam da crise invadindo os mercados dos países incautos? Um cálculo grosseiro mostra que a nossa relação câmbio/salário (a taxa de câmbio real) caiu cerca de 30% no período. Com o yuan administrativamente "desvalorizado" em pelo menos 30% (além dos subsídios de toda a natureza: juros, transporte, ausência de assistência social, preços políticos do aço, energia etc) pode-se falar, sem corar, em "competição" ou diferença de "produtividade"? De resto, há evidências empíricas que a produtividade por homem/hora no chão da fábrica no Brasil e na China são praticamente iguais. A diferença está fora do portão da fábrica! Mas há muito mais. Sustentando o yuan desvalorizado, a exportação chinesa desloca deslealmente a nossa para os EUA, para a Europa e para o Mercosul. Produz um duplo efeito sobre nosso PIB: reduz o valor adicionado no nosso setor industrial e corta-lhe as exportações. Tudo sob os olhos complacentes da OMC.

A Abimaq acaba de divulgar um trabalho preocupante que deve ser analisado e levado a sério, porque os números estão cuidadosamente verificados. Entre 2004 e 2009, os preços de máquinas e equipamentos (IPA) cresceram 21,1% e o faturamento líquido do setor 32,8%, o que sugere um crescimento físico do setor da ordem de 1,9% ao ano, enquanto o PIB cresceu a 3,6% ao ano. Os preços dos insumos cresceram à taxa de 6,3% ao ano, os salários à taxa de 9%, e os encargos e benefícios à taxa de 10%. No caso dos insumos em 2011, por exemplo, a tonelada de aço no Brasil custava 30% acima do preço internacional e o gás natural, por milhão de BTU, seis vezes mais do que nos EUA!

Com esses fatos não é difícil "explicar" porque a balança comercial de bens de capital acumulou um déficit de US$ 63 bilhões entre 2004 e 2011 e a indústria química assistiu a um crescimento exponencial do seu déficit comercial no último quinquênio, atingindo US$ 26 bilhões em 2011. Nem porque o "coeficiente de penetração" nos bens de capital cresceu de 22% em 2004 para 40% em 2011, enquanto para o setor manufatureiro global passou de 11% para 20%.

O efeito acumulado do crescimento dos preços dos insumos básicos internos, da proteção da tarifa efetiva de insumos básicos importados e da "supervalorização" da taxa de câmbio entregou o mercado das indústrias de transformação à produção estrangeira, dando-lhe as condições para ocupar sua capacidade ociosa e aproveitar os ganhos de escala. Não foi sem razão, portanto, que o crescimento de 0,1% do nosso setor manufatureiro nos roubou quase 1% do crescimento do PIB. É hora de cuidar do câmbio e de proporcionar condições isonômicas para nossos produtores, o que agora tenta fazer o governo federal.