domingo, março 18, 2012

A guerra com que nos enrolam - JOÃO UBALDO RIBEIRO


O Estado de S.Paulo - 18/03/12


Com um certo embaraço para quem é tido, generosa e erroneamente, como conhecedor do que agora ouço chamarem de "Brasil profundo", não entendo praticamente nada de jogo do bicho. É uma ignorância vergonhosa e até mesmo, em algumas ocasiões, fator de exclusão social, porque fico inteiramente por fora de várias conversas. Sei que 24 é veado, porque sou do tempo em que os estudantes cujos primeiros nomes começavam com letras do meio do alfabeto corriam o risco, a depender do tamanho das turmas, de pegar o número 24 e passar o ano inteiro ouvindo piadinhas na hora da chamada. Em Sergipe, saía porrada. E também sei que 34, aliás número de minha cadeira na Academia, é duas cobras, porque sonhei com duas colegas de faculdade, contei a elas e elas, para quem eu de vez em quando fazia um joguinho, pois que eram tempos em que as moças não podiam expor-se a certos ambientes, me aconselharam entre risos que eu jogasse em duas cobras. Dito e feito, ganhei na dezena, comemoramos na cantina, com três coca-colas e três pastéis.

Depois disso, nunca mais joguei. Aliás, minto. Quando eu morava na Bahia, passava temporadas no Rio. Durante uma dessas, no restaurante em que me enturmei, éramos visitados desde as 11 da manhã, pela tarde adentro, por um simpático e sorridente cambista - ou pelo menos acho que era o nome que se dava - que levava as apostas à casa de jogo do bicho (de novo, não sei se é este o nome usado para a porta do estabelecimento onde se fazia a fezinha diretamente; na Bahia era "tenda do bicho"). De vez em quando eu jogava e uma vez, assessorado por um companheiro de mesa, cerquei milhar, dezena e centena, do primeiro ao quinto, numa rodada que chamavam de Paratodos e em outra, baseada num sorteio diferente. Não cravei nada, minha história de acertos ficou naquela dezeninha.

Acabo de confessar que já fui contraventor, não me regenerei para o bom convívio social e, com revoltante cinismo, não manifesto arrependimento algum. Na verdade, vocês devem ter percebido, pelo meu jeito de abordar o assunto, que sou um desses elementos capazes de reincidir a qualquer momento e admito que, se sonhar com o Ronaldinho do Flamengo, sou homem de, levado pelo permanente sorriso do craque, procurar o apontador aqui da esquina e descarregar uma graninha (coisa modesta, de escritor mesmo) no jacaré. Mas atirem a primeira pedra os que me reprovam. Um estrangeiro não entenderia nada do que falei acima, mas vocês todos, inclusive muitos dos que nunca jogaram, entenderam tudo. Ainda outros, também em grande número, estão capacitados a me ensinar muita coisa, ou tudo, sobre o jogo do bicho.

Não se trata de ser a favor de jogos de azar, trata-se de tentar acabar com essa hipocrisia em torno de um jogo tão arraigado em nossa cultura e até mesmo nossa língua. Estou convencido de que, se fosse feita uma pesquisa séria, o povo brasileiro, que joga no bicho de norte a sul, revelaria muito maior confiança no bicho que nos seus governantes, os quais se acostumou a ver como ladrões, privilegiados, mentirosos ou incompetentes. Tudo bem, é para proteger o cidadão, impedindo-o, por exemplo, de gastar o dinheiro do supermercado no jogo. Então vamos também protegê-lo de senas, megassenas, raspadinhas e não sei quantos mais jogos de azar legalizados, onde ele pode perfeitamente fazer a mesma coisa. Claro que é hipócrita quem torce um nariz santimonial para o jogo do bicho, mas joga na megassena, entra no bolo do futebol, curte um pôquer no fim de semana ou dá sua raspadinha.

Agora acaba de ser realizada uma brava operação no Rio de Janeiro, em que grandes bicheiros foram presos. Mais do mesmo filme, uma enorme farsa, uma encenação em que todos fingem acreditar que aquilo vai resolver alguma coisa. Não me manifesto nem contra a decisão judicial que deflagrou a operação, nem contra a polícia que a realizou. Tanto uma quanto outra obedeceram a lei, o que, embora longe de ser a regra entre nós, é pelo menos o cumprimento da lei. Mas essa lei, em toda a nossa história, tem sido ignorada, até agora é ignorada em muitos Estados e sempre dependeu da vontade de quem está no poder. Nunca houve nenhum problema público grave, causado pela tolerância ao jogo do bicho, ao contrário da intolerância.

A intolerância e a guerra ao bicho não se devem a nenhuma proteção do cidadão, que aparece aí somente para enfeitar e dar um aspecto cívico ao besteirol farisaico em que ela se fundamenta. O bicho, variando com as circunstâncias de tempo e lugar, precisa continuar ilegal. Desta forma, nas mãos de um governante sagaz, é até um instrumento político de grande serventia. Seria mais fácil, mais coerente, mais econômico, mais gerador de empregos, mais racional e mais pragmático que ele fosse legalizado. Isso, contudo, poderia ser o golpe de morte num setor não tão desprezível de nossa economia, e não estou sendo irônico. Sem a ilegalidade, para onde iriam as propinas e peitas variadas que, como se diz hoje, "fazem a diferença" para milhares e milhares de chefes de família em todo o Brasil, de policiais civis e militares a autoridades dos mais diversos níveis, além de vereadores e deputados? Pode-se desmontar toda essa complexa rede socioeconômica e suas ramificações, sem um sério impacto? E que dizer dos equipamentos usados nesse combate, seus fabricantes, distribuidores, vendedores e compradores comissionados? Precisamos lembrar que o Rio, assim como Cabul ou Bagdá, é um dos centros urbanos onde se usa rotineiramente equipamento de combate pesado e o mercado brasileiro nessa área fica cada vez mais suculento. O que dá pra rir dá pra chorar, a morte e a violência são um bom negócio para muitos. Assim como a guerra ao jogo ilegal - e nós, os otários de costume, acreditamos e pagamos.

Convite em causa própria - JOÃO BOSCO RABELLO


O Estado de S.Paulo - 18/03/12


Pelo menos um terço (nove) dos 27 senadores titulares da Comissão de Educação e Cultura, que aprovou convite para ouvir a ministra Ana de Holanda amanhã, é dono de emissoras de rádio e televisão ou tem laços estreitos com as empresas. Boa parte tem débitos altos com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), alvo da inquirição à ministra.

Esse vínculo elimina o indispensável quesito da imparcialidade dos interrogadores no cumprimento do objetivo do convite - o de teoricamente esclarecer supostos delitos do órgão arrecadador. Trocando em miúdos, não recolhedores de direitos autorais usam os mandatos para transferir da órbita privada para a do Estado a discussão de dívidas empresariais, cujo foro adequado para o questionamento é o Judiciário.

O autor do requerimento preside a fracassada CPI do Ecad, que não consegue quórum para funcionar. Recorreu à Comissão de Educação, gentilmente cedida pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR), condenado pela Justiça Federal a ressarcir a TV Educativa do Paraná por uso político da emissora.

O relator da CPI, Lindbergh Farias (PT-RJ), defensor da estatização do Ecad, tem como primeiro suplente o sociólogo Emir Sader, desafeto declarado da ministra que o demitiu da presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa, após rejeitar publicamente sua nomeação para o cargo.

Ao interesse dos devedores de direitos autorais, somam-se os do núcleo digital do PT, empenhado em vilanizar os autores pelos ônus do acesso às suas obras através dos grandes provedores de Internet, e que sonham com a volta de Juca Ferreira à pasta.

Débitos vão

além de R$ 1 bi

Levantamento feito na legislatura passada registrou que um terço do Congresso Nacional (cerca de 200 parlamentares) é proprietário de emissoras de rádio ou TV, em nome próprio, de parentes ou de "laranjas". O débito cobrado pelo Ecad às emissoras de rádio e TV (aberta e por assinatura) no País é superior a R$ 1 bilhão. Não havendo base para que a ministra responda pelo Ecad, um órgão privado contratado por associações de autores, o pretexto de sua convocação é o de que uma nota técnica solicitada ao Minc pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que investiga denúncia de cartelização dos preços dos direitos autorais, é uma "peça de defesa" do Ecad.

Tudo a seu tempo

Interlocutores de Serra defendem que a aliança com o PP de Maluf fique para o final da pré-campanha, para evitar o aumento do índice de rejeição. Dono de cobiçado tempo eleitoral na TV, o PP já ocupa a Companhia Habitacional de Desenvolvimento Urbano de Geraldo Alckmin Bandeira branca

Preocupada com a destinação das verbas federais, Dilma Rousseff chamou o ex-líder do governo Romero Jucá (PMDB-RR) para uma conversa no Planalto amanhã. Apeado do cargo sem aviso prévio, ele ganhou a relatoria do Orçamento de 2013, alarmando o governo. Dilma não falava com Jucá há meses e, no início do governo, levou semanas até confirmá-lo no cargo.

Fidelidade à prova

O governo tem seis votações secretas no Senado nos próximos meses, em que a fidelidade da base será testada, sob nova direção. São nomeações para diretorias de agências reguladoras: três da ANTT (Transportes Terrestres), duas da Anvisa (Saúde) e uma da Antaq (Transportes Aquaviários). Neste caso, o Planalto hesita em aprovar Fernando Fialho, apadrinhado de José Sarney.

Tabelinha entre a glória e a corrupção - HANS ULRICH GUMBRECHT

O ESTADÃO - 18/03/12

Brasileiros agem como se o cartola fosse o câncer, não apenas um sintoma, e o Brasil continuasse a ser o melhor do mundo no futebol



Tornei-me um fã dos esportes na Copa do Mundo de 1954; tornei-me cidadão americano 12 anos atrás; tenho vivido e ganhado a vida na Califórnia desde 1989; faço visitas de trabalho ao Brasil pelo menos uma vez por ano, desde 1977 - e não posso deixar de amar o País e enxergá-lo tanto de dentro como de fora. Por todos esses motivos, senti uma felicidade e um alívio natural quando li, no começo da semana, que Ricardo Teixeira tinha renunciado à presidência da Confederação Brasileira de Futebol e do comitê organizador da Copa do Mundo de 2014. Mas, de onde exatamente veio minha alegria e quais são as esperanças para o futuro contidas nesse sentimento?

Houve uma época, desde meados do século passado, em que o talento futebolístico acumulado no Brasil era tão avassalador que o sucesso, num nível internacional, parecia inevitável. Depois que o País ganhou seu primeiro título, em 1958, ninguém questionava se seria capaz de repetir o feito - a pergunta era, caso isso não acontecesse, o que teria dado tão errado. Poder-se-ia culpar técnicos incompetentes, tensões entre diferentes grupos de jogadores, falta de sorte ou problemas na arbitragem. Nunca, porém, se questionava que o Brasil fosse o número um no futebol, porque sempre houve uma maioria de brasileiros entre os dez melhores jogadores do mundo. Ao longo de todas essas décadas, o Brasil pareceu ser um gigante adormecido do ponto de vista político e econômico. Tratava-se de um país com recursos naturais inesgotáveis e dono de um potencial profissional e cultural igualmente ilimitado, mas também - e acima de tudo - um país que nunca foi capaz de corresponder às expectativas por ter se acostumado tanto à corrupção nos níveis mais elevados de sua sociedade. Pelos melhores e piores motivos, a glória no futebol e a corrupção na política estiveram visivelmente, intimamente e estranhamente associadas uma à outra.

A partir dos anos 90, as coisas começaram a mudar em ambas as dimensões. Sob o governo de Lula, e provavelmente ao menos em parte graças ao seu talento político específico, o Brasil se tornou uma potência econômica mundial e seu potencial de exercer influência internacional cresceu constantemente. Os brasileiros têm desfrutado dessa história de sucesso (cuja verdadeira origem são eles mesmos, é claro) como se estivessem num conto de fadas - e seu comportamento, digno de conto de fadas, consiste em diversas camadas de cegueira. Como fazia seu ex-presidente, a maioria dos brasileiros age como se a corrupção não existisse (queixa-se apenas quando ela os prejudica pessoalmente). Como seu ex-presidente, eles seguem cultivando a inocência moral de um país de terceiro mundo (inocência que nunca existiu e, nos dias de hoje, tornou-se bastante irresponsável); e parece que uma grande maioria de brasileiros também partilha da cegueira de seu ex-presidente em relação à realidade contemporânea do futebol no País. Essa maioria não gosta de admitir que o Brasil deixou de ser o grande celeiro natural dos maiores talentos futebolísticos mundiais; nem de reconhecer que, na Copa de 2010, sua seleção simplesmente conquistou a posição merecida, num ponto entre a quinta e a oitava colocação.

Os brasileiros de Lula querem tudo: a riqueza e a influência internacional em perpétuo crescimento, a inocência e a glória futebolística. Precisam de tempo para se acostumar à ideia de que riqueza e influência trazem consigo novas responsabilidades e, talvez, sua situação atual tenha alterado o status cultural do futebol para o País. Hoje, o futebol brasileiro não é mais a única dimensão na qual o País consegue brilhar no palco internacional e, por outro lado, passou a ser a única na qual os brasileiros não estão mais dispostos a tolerar corrupção. Ricardo Teixeira se tornou a encarnação do pior do Brasil de ontem e de hoje, a soma daquilo que restou de uma antiga tradição de corrupção e do que parece ser o início de uma mediocridade futebolística internacional. É por isso que todos no Brasil, e fora dele, gostavam tanto de odiá-lo - e é também por isso que esse ódio é tão redundante.

Mas Romário, cujos lampejos de cáustico brilhantismo político às vezes se comparam a seu talento com a bola, tem razão - nada vai mudar se os brasileiros perderem seu tempo com metáforas de cânceres extirpados com sucesso em vez de enfrentarem a realidade nacional. A corrupção persiste na Confederação Brasileira de Futebol (e poucos cidadãos a enxergam e denunciam com a clareza demonstrada pela presidente Dilma - provavelmente pelo vago medo de que assumir tal posição vá dificultar sua pequena corrupção pessoal no dia a dia). O estado dos preparativos para a Copa do Mundo de futebol dá motivos de sobra para temer que o País possa viver um momento de constrangimento nacional. Todos os brasileiros sabem que escolher Ronaldo como o "rosto da Copa do Mundo de 2014" é um sintoma da tendência nacional de tornar os problemas invisíveis: ele nunca foi um jogador de talento histórico, apesar do que dizem certas estatísticas superficiais, e sua personalidade não o qualifica como alguém realmente capaz de representar o potencial de um Brasil mudado.

Pode-se dizer que o que estou escrevendo é a opinião de um estrangeiro demasiadamente pessimista (talvez até invejoso). Mas os brasileiros agem como se o rechonchudo Ronaldo fosse um verdadeiro campeão, como se Teixeira fosse um tecido cancerígeno e não apenas um sintoma e como se o Brasil continuasse a ocupar a posição inquestionável de melhor do mundo no futebol - e como se uma Copa respeitável pudesse ocorrer a partir do nada. Há muito em jogo para o Brasil em 2014, não apenas nos campos de futebol, e o único sinal de esperança visto até agora foi o ato falho do sucessor de Teixeira, que disse quanto estava ansioso para trabalhar com - Romário. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
HANS ULRICH GUMBRECHT É PROFESSOR DE LITERATURA NA UNIVERSIDADE DE STANFORD E AUTOR DE ELOGIO DA BELEZA ATLÉTICA (CIA. DAS LETRAS)

GOSTOSA


Inimigos de Classe - MARTHA MEDEIROS

 ZERO HORA - 18/03/12

Quando vai chegando a data do aniversário de Porto Alegre (26 de março próximo), começam as enquetes: o que há de bom na nossa cidade, o que temos que as outras não têm? Respondo: Luciano Alabarse.

Afora seu mérito como organizador de um dos maiores festivais de teatro do país, o Em Cena, que traz anualmente grandes nomes internacionais para os palcos gaúchos, além de uma seleção caprichada do que de melhor se faz na dramaturgia nacional e local, Luciano é, em essência, um senhor diretor.

E mais uma vez prova isso com seu recente espetáculo, Inimigos de Classe, que esteve em cartaz no Theatro São Pedro e que merece longa temporada. A peça, escrita pelo dramaturgo inglês William Nigel, e que estreou em 1978, traz uma temática que, aparentemente, é rançosa (a delinquência nas escolas), mas que segue atual, basta lermos os jornais.

No caso da peça, Inimigos de classe seis alunos da periferia de uma grande cidade acabaram de expulsar uma professora da sala e aguardam um substituto que tenha peito para enfrentá-los. Enquanto esse professor não chega, resolvem eles próprios dar aula uns para os outros.

É nesses momentos performáticos, quando se transmutam em “mestres”, que revelam sua violência e fragilidade simultâneas, além de dar as pistas para que entendamos que eles não tiveram muitas opções, a não ser se refugiar na marginalidade. O que diferencia essa peça de filmes clássicos como Ao Mestre com Carinho e menos clássicos como Mentes Perigosas é que não há figura do herói, o professor que resgatará a garotada e os conduzirá a um final feliz.

Os seis alunos não possuem essa boia salva-vidas. Eles precisam buscar em si mesmos os recursos para escapar da desesperança. Ninguém vai me conhecer, mínguem vai me conhecer!”, grita em surto, o personagem principal, Ferro, o mais destemido de todos, dando bandeira da dor e do medo que sente em sua solidão existencial. Ele e os demais colegas são frutos de lares desestruturados e problemáticos.

Só atingem um simulacro de segurança quando exacerbam uma virilidade patética e ao mesmo tempo brutal. Claro, ninguém pode conhecer seus gostos, suas carências, seu desespero íntimo: seria a revelação de uma fraqueza e de uma humanidade que eles na permitem eu venha à tona.

Mas que cedo ou tarde virá. Luciano Alabarse é o maestro dessa orquestra. Em quase duas horas de encenação, rege uma coreografia fascinante no palco, que é valorizada pelo cenário, pelo figurino, pela luz e pela espetacular trilha sonora que resgata TomWaits em seu auge. E os seis atores em cena não devem nada a medalhões – entregam o prometido:almas inquietas vivendo nas frestas.

Peças de entretenimento possuem seu espaço e são bem-vindas, mas dramaturgia é outra coisa. É sangue, suor, estupor, desconforto. Dessa matéria, Inimigos de Classe entende tudo.

O mais importante - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 18/03/12
Uma boa informação tem de vir de quem está por dentro da intimidade dos negócios, da amizade com políticos

A informação é hoje um bem precioso, e milhares de pessoas se matam para obter uma, por pequena que seja, não importa sobre o quê.

É preciso ser bem informado, e para isso é preciso uma especial competência: um homem bem informado é um homem poderoso, pois com boas informações se consegue qualquer coisa.

Se for sobre o mercado de capitais, alguns podem ficar ricos ou, para usar uma expressão mais moderna, dar uma tacada que vai garantir toda a sua descendência.

Uma boa informação tem de vir de alguém que está "por dentro" da intimidade dos negócios, da amizade com políticos; pode também vir da amiga da mulher do governador ou da manicure da mulher do juiz, pois quem souber da novidade antes de ela se tornar pública vai poder ligar para dez amigos importantes e contar, para que eles saibam que você já sabia.

Para isso talvez seja preciso ser amigo também do segurança do Congresso, e com tantas e tão ecléticas amizades, não vai ter tempo, jamais, para ir a um cinema ou namorar. E daí?

Pense um pouco: algum poderoso vai contar a você, que não é ninguém, se a taxa de juros vai subir ou descer? Pois é exatamente aí que entram eles, os que têm a capacidade de captar os sinais da mensagem, como se fosse um código.

Para obter a informação, é preciso dar algo em troca, seja lá o que for. É um negócio -como quase tudo na vida.

Para um político tímido e solitário, pode ser companhia; para quem quer ascender socialmente, conhecer as pessoas certas; para certos homens, ser apresentado às gatas. Não, nada de prostituição: bem pior. É, por exemplo, apresentar jovens aspirantes a modelo e, num clima de muito charme, levantar a bola do amigo, levar para jantar, dar muita risada. Isso hoje em dia é profissão.

Cada vez se entende menos o mundo. Houve um tempo em que trabalho era trabalho. Havia hora para começar, para terminar, e todo mundo sabia o que estava fazendo. O carpinteiro tinha seu martelo, seu serrote, seus pregos, quando o serviço estava pronto, entregava e recebia seu dinheiro. Ou era sapateiro, ou costureira, ou médico, ou tinha uma loja.

Era fácil de entender. Hoje, é nos jantares e nas grandes festas que são feitos os negócios.

Mas às vezes é preciso tirar férias de tanta modernidade e ir para um lugar onde a informação não chegue ou, se chegar, não faça quase nenhum sentido.

Um lugar onde não haja carros, nem televisão, onde não existam cinemas, os jornais não cheguem nem existam celulares, nem internet.

Se quiser radicalizar, vá para uma casa no mato, sem conforto, eletricidade, ar-condicionado; um lugar onde as informações cheguem por um vizinho que apareça de manhã, sente na varanda, tome um café - talvez uma cachacinha-, olhe para o céu e diga que acha que vai chover; não soube pelo serviço de meteorologia, mas porque as galinhas acordaram alvoroçadas e o vento está abafado. Dizem que isso ainda existe.

Mas um dia pode dar vontade de voltar, e aí o problema vai ser se inserir de novo no mundo e ver o quanto é importante saber, em primeira mão, se a atriz da novela está ou não grávida.

Em primeira mão significa 30 minutos antes dos outros -e talvez não mais do que 15 depois dela.

O mundo anda mesmo estranho.

Crise do sistema? Até tu, PT? - JOSÉ ÁLVARO MOISÉS


O ESTADÃO - 18/03/12


Nem sempre fica claro quanto as dificuldades atuais da presidente derivam da modalidade de presidencialismo vigente, diz professor


A presidente Dilma Rousseff já enfrentava uma crise em sua base aliada antes de tomar a decisão de trocar os líderes do governo no Senado e na Câmara dos Deputados. Um manifesto de reclamações sobre o tratamento dado por ela aos aliados, elaborado por parlamentares do PMDB com o conhecimento de Michel Temer, tinha tido a adesão de políticos de outros partidos e, até mesmo, a simpatia de deputados do PT. Agora, com o anúncio da bancada do PR de que abandonou a coalizão no Senado, a crise parece apontar para riscos mais sérios.

O encolhimento da maioria que apoia o governo não é apenas uma ameaça retórica, ele já está acontecendo. Há quem diga que o choro da presidente na cerimônia de posse de Marcelo Crivella no Ministério da Pesca foi uma demonstração de que ela sentiu o golpe. Mas o cenário já tinha sido previsto há mais tempo por críticos da presidente, os quais, independentemente de pertencerem ou não à oposição, chamaram a atenção para características do seu desempenho que seriam fontes potenciais de desastres futuros.

Vista como pessoa de personalidade dura e extremamente exigente com seus colaboradores, Dilma tem sido considerada inapta para a negociação política. E, como sugeriu José Sarney, ela pode ter-se tornado amarga devido às suas experiências na luta contra a ditadura, tornando suas boas qualidades técnicas algo antagônico às virtudes políticas que se esperam de quem tem de administrar uma coalizão tão grande e complexa.

Assim, dadas as singularidades de sua condução política, Dilma estaria protagonizando um governo incapaz de proporcionar a si mesmo a articulação necessária para a aprovação de seus projetos. Descoordenado e lento para reagir às expectativas dos sócios do condomínio político que dirige, o governo foi derrotado no Senado na indicação de Bernardo Figueiredo para a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) e, para evitar novos reveses, adiou as votações da Lei Geral da Copa e do Código Florestal, cuja condução na Câmara pelo ex-líder Cândido Vaccarezza teria desagradado a presidente.

Mas, afora a hipótese de agravamentos mais sérios da situação, e considerando que a economia do País está apoiada no consumo de amplas camadas da população relativamente satisfeitas, o quadro não anuncia uma tragédia imediata, embora tampouco possa ser visto como normal. O fato de o governo ter perdido, em pouco mais de um ano, 12 ministros sugere que há algo de estrutural na natureza da crise, e não apenas circunstâncias conjunturais.

Uma das interpretações da crise nos jornais sugere que Dilma protagoniza o papel de Dama de Ferro fora do contexto. No lugar de jogo de cintura para negociar, ela opõe o pulso firme da sua vontade, menosprezando e desafiando as raposas que tem ao seu redor, mas, por isso mesmo, se arriscando a criar um cenário parecido ao que levou Margaret Thatcher a renunciar depois de 11 anos no poder. A advertência de Fernando Collor de Mello para que a presidente reabra o diálogo com as forças do Congresso sugere isso: "Digo com a experiência de quem desconheceu a importância fundamental do Senado e da Câmara para o processo democrático e a governabilidade. O resultado foi meu impeachment". É uma impressionante confissão de responsabilidade pelo próprio fracasso político - mas também é uma ameaça.

Enquanto a saída de tal cenário levaria a uma mudança radical de conduta da presidente, uma interpretação alternativa sugere, pelo contrário, que Dilma não está fazendo mais do que ampliar seu espaço de manobra em um governo que necessita aprofundar sua natureza republicana. Há uma contradição evidente na caracterização de um governante que, para ampliar o seu espaço de ação, precisa se insurgir contra sua própria composição. Mas as demissões de ministros e a substituição de líderes herdados do governo anterior indicariam que, a despeito dos riscos, Dilma está finalmente montando a própria equipe de governo, "coesa e forte", como ela disse no Dia Internacional da Mulher.

Nem sempre fica claro, contudo, quanto as dificuldades atuais da presidente derivam da modalidade de presidencialismo vigente no País. Dadas as características do sistema político, a formação de coalizões majoritárias se dá pela agregação de forças partidárias que indicam quem vai compor o ministério. O poder de nomear é da presidente, mas o jogo supõe que os partidos apontam quem consideram ter força política - a despeito de sua competência técnica - para ocupar a função, às vezes ao arrepio das dívidas que tenham com a Justiça ou a sociedade. Ministérios são vistos quase como partes inarredáveis do condomínio governamental, sem compromisso com o programa de governo.

Some-se a isso o apetite voraz de um partido como o PT que, abusando do conceito de hegemonia, quer manter sob seu controle praticamente todas as áreas estratégicas do governo federal. Nessas circunstâncias, uma coalizão formada por cerca de 80% dos membros do Congresso Nacional, em lugar de facilitar a tarefa governativa de uma líder relativamente neófita como a presidente Dilma, usa e abusa da chantagem política em troca de sua lealdade. A crise atual, então, pode estar revelando simplesmente a tentativa - algo ingênua - da presidente de impor novos padrões de conduta política em um meio ambiente que não quer e não foi desenhado para isso. Uma saída desse dilema envolveria reintroduzir na agenda política do país o tema das reformas institucionais destinadas a aperfeiçoar a democracia.

A devolução - LUIZ FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 18/03/12
O padre diz que é inconcebível carregar o próprio cadáver durante toda a vida sabendo que terá que entregá-lo e esquecer

Você chega, ofegante, a um lugar cheio de gente. As pessoas são seus parentes e amigos, mas estão todas de cara feia. Você sorri para elas. Elas não sorriem para você. Estão impacientes. Algumas olham o relógio. Outras sacodem a cabeça, reprovando o seu atraso.

Você tenta se explicar. – Desculpem, eu...

Mas dizer o quê? Foi o trânsito? Você acordou tarde? – Eu, eu...

Ninguém quer ouvir sua explicação.

Alguém pega o seu braço, ao mesmo tempo em que faz um gesto pedindo para você não falar com ninguém. Não há tempo para isso. O importante é não atrasar mais a coisa.

Você é puxado para dentro de um recinto onde a aglomeração é maior. As pessoas abrem caminho para você passar. Você vê mais caras conhecidas, mas nenhuma amistosa. Todos estão cansados de esperar. Onde já se viu, chegar atrasado desse jeito?

Logo hoje?

A pessoa que puxa você pelo braço se vira, examina você e pergunta:

– Você vai assim mesmo?

Você se olha.

– Assim como?

– Sem gravata?

– Esqueci a gravata.

– Tome a minha.

– Obrigado. Depois eu...

Você se dá conta que, de onde vai, não poderá devolver a gravata.

Chegam ao caixão vazio, em volta do qual estão os seus parentes e amigos mais próximos. E o padre, que também olha o relógio acintosamente, antes de perguntar:

– O que foi, esqueceu? – Não, é que...

O padre também não quer ouvir desculpas. Diz que é inconcebível aquilo, alguém carregar seu próprio cadáver durante toda a vida, sabendo que terá que entregá-lo no fim, e simplesmente esquecer. Tão inconcebível quanto um entregador de pizza esquecer, no meio do caminho, o que está fazendo.

Ou pensar que a pizza é sua.

– O que foi? – pergunta o padre. – Pensou que pudesse ficar com o corpo?

– Não, eu... – Está bem, está bem. Coloque o seu corpo no caixão, rápido. Está em cima da hora.

Você deita no caixão, depois de botar a gravata. Pensa: os defuntos são bem vestidos pela mesma razão que a gente limpa qualquer coisa emprestada antes de devolver. Estranha ninguém ter pedido uma vistoria para saber o que você fez com o corpo, se está faltando alguma parte, se você foi um inquilino cuidadoso ou relaxou na manutenção. Pensa em perguntar se lhe darão algum tipo de recibo. Mas desiste porque já estão fechando a tampa.

Aí você acorda.

Só com pajelança - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 18/03/12
BRASÍLIA - Ao trocar Romero Jucá por Eduardo Braga na liderança do governo no Senado, Dilma pode ter se distanciado de Sarney e de Renan sem ganhar o que mais queria: os "independentes" Jarbas Vasconcelos, Pedro Simon e Roberto Requião -a turma de Braga. E, ao substituir Cândido Vaccarezza por Arlindo Chinaglia na liderança na Câmara, trouxe dos subterrâneos do Congresso para a luz do dia o racha da bancada do PT, praticamente meio a meio, uns 40 a 40.

A intenção pode ter sido boa, e o cálculo de que a opinião pública aplaude tem tudo para estar correto, mas o ônus ainda parece bem maior do que o bônus. Sem falar em um efeito colateral: deixar em evidência a ministra Ideli Salvatti, expondo suas fragilidades.

A pergunta que não quer calar no Congresso é: como mudar a coordenação política sem mudar a coordenadora? Derrubar os dois líderes e manter Ideli é como afastar os chefiados e manter o chefe.

A situação política, portanto, ainda não está sob controle. E, aliás, chegou em má hora para Dilma: em seguida ao anúncio oficial do "pibinho" de 2,7% em 2011, com a área militar sacudida por manifestações de rebeldia da reserva, em meio às (des)articulações das eleições municipais em todo o país e ao estresse particular da candidatura Fernando Haddad em São Paulo.

Todas esses dados parecem, mas não são desconexos. É evidente, por exemplo, que o racha petista na Câmara é também causa e efeito da campanha de Haddad em SP, que no início criou mágoas e agora dissemina ansiedade.

Dilma e os caciques da base aliada correm para o pajé Lula, que se recuperou da infecção pulmonar e encerrou a quimio e a radioterapia. Pode não estar ainda no ponto, mas já está sendo instado a desfazer as nuvens carregadas em São Paulo e a fazer chover em Brasília. Nesta semana Lula volta ao centro da taba.

MARTHA MEDEIROS - Felizes por nada


O GLOBO - 18/03/12


Consagrar o Brasil como campeão mundial de felicidade é passar atestado da nossa alienação e do nosso desinteresse pelo futuro 



Quando me perguntam a que atribuo o fato da minha última coletânea de crônicas estar há 32 semanas na lista dos mais vendidos, não me ocorre outra resposta: só pode ser por causa do título, já que o conteúdo é semelhante às coletâneas anteriores. No entanto, nenhuma teve uma receptividade tão calorosa quanto "Feliz por nada", um livro que traz textos sobre as triviais situações do cotidiano, e não sobre a Felicidade, aquela, com maiúscula e traje de gala. Como se explica?

Surgiu uma pista: foi divulgado, semana passada, o resultado de uma pesquisa que revela que o Brasil é o campeão mundial de felicidade. Mundial! As entrevistas devem ter sido feitas numa época do ano diferente da que estamos, pois quem consegue ser tão feliz prestes a entregar a declaração do imposto de renda? Pagamos os tubos para o governo, que gentilmente retribui nos dando uma banana. Os que buscam saúde de qualidade, educação de qualidade e segurança de qualidade têm que pagar por fora. Os pedágios seguem altos. Tudo é caro: roupa, alimento, remédio, transporte. Aeroportos não dão conta do movimento, criminosos são soltos por falta de espaço nas prisões, o trânsito nas grandes cidades está estrangulado, o tráfico de drogas acontece a céu aberto. Nem precisamos perguntar para onde vão os bilhões que o governo arrecada e que deveriam ser reinvestidos no país. Vão para o mesmo lugar aonde vai nosso voto: para o bolso dos sem-escrúpulos.

Logo, somos realmente felizes por nada. Se não temos a bravura de nos mobilizarmos, ao menos nos sobra capacidade de extrairmos alegria de todo o resto: desde os gols do Neymar até uma receita nova de panqueca. Não deixa de ser um estágio existencial avançado - em vez de um povo frustrado por não ter a casa própria, o vestido de grife ou o iPad recém-lançado, as pessoas curtem a floreira embaixo da sua janela, o café da manhã com o namorado, o último capítulo da novela, o primeiro desenho que o filho fez na escola. A notícia é boa, mas também é ruim: tudo indica que estamos valorizando as pequenas delicadezas que a rotina oferece com fartura, o que explica não nos importarmos tanto por sermos roubados e por vivermos sitiados dentro de edifícios gradeados.

Faço parte do time que acredita que ficar em casa lendo um livro ou se reunir com amigos para tomar um vinho equivale a uma festa a rigor (na verdade, considero melhor que uma festa a rigor). Individualmente, a simplicidade é uma forma saudável de levar a vida, é o que defendo. Mas quando uma nação inteira se revela satisfeita com merrecas, sem ter o básico garantido, alto lá. Consagrar o Brasil como campeão mundial de felicidade é passar atestado da nossa alienação e do nosso desinteresse pelo futuro. Seria mais decente nos emburrarmos um pouco.

Pré-diluviano - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 18/03/12
Soa fora do tempo e do espaço a proibição de manifestações de cunho eleitoral no Twitter, bem como parece pertencer a dimensão diversa da realidade a existência de prazos legais para tais abordagens nos demais meios de comunicação.

Qualquer coisa que possa ser vista como propaganda só é permitida a partir de 6 de julho do ano da eleição, conforme acabou de asseverar o Tribunal Superior Eleitoral ao aceitar ação contra uma "tuitada" do deputado Índio da Costa (vice de José Serra) em 5 de julho de 2010.

Tudo bem, sendo assim a lei (9.504, de 1997), a Justiça cumpre o seu papel. Não é essa a discussão, embora haja quem pretenda (o PPS) discutir a decisão por meio de um mandato de segurança. Tudo bem também.

O essencial não é o caso específico, mas o quadro geral indicativo do anacronismo que assola um país que se moderniza em quase tudo, mas continua atrasado nos meios e modos da representação política, tratando o eleitor como um petiz.

Apenas para não perder a chance nem o hábito: a começar pela tendência mais ou menos generalizada de se interditar o debate sobre o fim do voto obrigatório sob o argumento de que "o brasileiro não está preparado" para escolher se vai ou não às urnas. Fecha parêntese.

Há uma óbvia obsolescência nos instrumentos legais em vigor. O problema não é só o Twitter. Em relação ao microblog, assim como às demais ferramentas de internet, as restrições apenas chamam mais atenção pelo ridículo da tentativa de se controlar o impossível de ser controlado.

Anda mais que na hora de o Congresso pensar em adequar a legislação à realidade. No mínimo a fim de economizar tolices como referências a pré-campanhas e pré-candidatos que de "pré" só têm a letra morta da escrita superada.

Até o dia 5 de julho a propaganda eleitoral é feita do mesmo jeito, bastando que seja acompanhada daquele prefixo cuja única utilidade é ressaltar o caráter pré-diluviano da regra.

Cria-se um ambiente em que todos transitam mais ou menos à margem da lei num espetáculo que seria de pura hipocrisia não fosse primordialmente bobo.

Uma perda de tempo e energia mais bem empregados se dirigidos àquilo de que cuida seriamente a legalidade: o uso e o abuso dos poderes econômico, político e governamental para fins de favorecimento eleitoral. 

Espelho. Governistas acusam a ministra Ideli Salvatti de ser "truculenta" no exercício de suas funções.

Ideli é desagradável no trato, agressiva? Nunca escondeu os atributos e por eles colecionou antipatias. No Congresso não se falava de outra coisa quando a presidente surpreendeu a todos indicando a senadora para fazer a ponte com o Parlamento na pasta das Relações Institucionais.

Provavelmente o fez justamente por identificar qualidade onde os demais viam defeito. Culpar Ideli pelos desacertos na coalizão equivale a acreditar no milagre da transformação e/ou a imaginar que ela atue à revelia de Dilma.

Às cegas. A confusão envolvendo a Copa do Mundo de 2014 - dos atrasos nas obras aos percalços para aprovar a Lei Geral no Congresso -decorre do imediatismo marqueteiro crente do poder autorrealizador da fantasia. Valoriza o gesto, desdenha do planejamento e dispensa compromisso com o batente.

Note-se, como exemplo, a justificativa para a mudança de posição sobre a venda de bebidas alcoólicas nos estádios: a Casa Civil não "entendeu" que fazia parte do contrato com a Fifa.

Algo desmoralizante para um país que foi escolhido para sediar o Mundial há quase cinco anos.

Ao baile. Olha-se a alternância entre luas e mel e fel reinante na base de sustentação ao governo e vem à mente Sintonia, na voz de Moraes Moreira: "É nesse vai e vem que a gente se dá bem, que a gente se atrapalha". 

Plano de voo - REGINA ALVAREZ

O GLOBO - 18/03/12
Se com o Congresso a relação está tensa, com o empresariado e com o mercado o governo está conseguindo melhorar a comunicação. As medidas para proteger a indústria e segurar o câmbio agradaram o setor empresarial e a clareza com que o Banco Central informou seus próximos passos da trajetória que pretende para os juros foi bem recebida pelo mercado. O clima de queda de braço que vimos no ano passado não existe mais.

O envolvimento pessoal da presidente Dilma Rousseff na busca de uma saída para a crise aguda na indústria também conta pontos a favor do governo, embora a solução não esteja à vista. No discurso, o governo diz que fará de tudo para a economia crescer 4,5% em 2012, mas nos bastidores ninguém acredita que isso seja possível.

Conhecer o verdadeiro plano de voo do governo para a economia é o sonho de consumo de qualquer analista. Nos detalhes, esse plano é guardado a sete chaves, mas algumas conversas com integrantes da equipe econômica podem fornecer boas dicas do que o governo espera da economia no curto e médio prazos.

Em relação ao comportamento da inflação, a avaliação é que o dragão está controlado, pelo menos até onde a vista alcança. Na mesa de uma autoridade, planilhas com os IGPs e o IPC da Fipe apontando para baixo destacavam-se entre os papéis. A equipe econômica acompanha com lupa esses índices e mantém na ponta da língua a performance do dragão durante a vigência do regime de metas. Nota-se o empenho em mostrar que as taxas do governo Dilma — considerando o primei ro ano de mandato e as projeções do mercado para os próximos dois anos — na média, estão em linha com a taxa média do governo Lula. Seria uma evidência de que a inflação permanece sendo o alvo central da ação do BC, como a ata do Copom reforçou na semana passada.

O problema é como viabilizar o crescimento desejado pela presidente Dilma. A conjuntura internacional é adversa, embora a equipe econômica veja luz no fim do túnel com os sinais de recuperação da economia americana e o afastamento do risco financeiro na Zona do Euro. E a política fiscal mais austera não ajuda nesse objetivo, na medida em que restringe os investimentos, mas é fundamental para viabilizar a queda nos juros.

A aposta maior é em 2013, mas para viabilizar o crescimento sustentado o governo sabe que precisa resolver os gargalos da infraestrutura, ampliando fortemente os investimentos. Despertar o que uma autoridade chama de “espírito animal” do empresariado faz parte dessa estratégia, mas o setor privado só voltará a investir, se não pairarem dúvidas de que a economia está caminhando nos trilhos.

Receita indiana
O economista indiano Rakesh Vaidyanathan, do Jai Group, diz que um dos motivos para o spread bancário na Índia ser menor que no Brasil é a quantidade de empresas no país com capital aberto. A Índia tem cerca de cinco mil empresas listadas em bolsa, enquanto na BM&FBovespa são apenas 466.O mercado de capitais concorre com o crédito bancário e dificulta o aumento das margens dos bancos.

— Ter bolsas fortes ajudou para que se tenha crédito

Mau negócio
A avaliação da economista Teresa Fernandes, da MB Associados, que acompanha o setor automobilístico, é que o novo acordo automotivo com o México será um mau negócio para os consumidores brasileiros: “Para preservar o emprego industrial, são os consumidores que vão pagar a conta com carros mais caros e de menor tecnologia. É nisso que resultará a menor concorrência.”

mais barato na Índia. O sistema financeiro por lá também é mais pulverizado. No Brasil, cinco grandes bancos controlam a maior parte do mercado — explica.

O custo Brasil, segundo Rakesh, estimula a consolidação setorial no país. Como as pequenas e médias empresas enfrentam dificuldades com os impostos, a infraestrutura e os custos trabalhistas, a solução é a consolidação para que se tenha ganhos de escala. 

Da feira ao baile - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 18/03/12
As verdadeiras mulheres ricas do Rio, Bebel Niemeyer, Ana Cecília Lins Lacerda e Maria Pia Marcondes Ferraz, fazem sucesso em blog com dicas de camelôs a joalherias e ensinam truques como alargar sapatos

A ideia surgiu quando Bebel Niemeyer, mulher do neurocirurgião Paulo Niemeyer, conversava um dia ao telefone com a amiga Maria Pia Marcondes Ferraz, bisneta do sanitarista Carlos Chagas e filha da baronesa Silvia Amélia de Waldner.

"Mãe, por que você não faz um blog?" perguntou Isabel, filha de Bebel, tentando despachar a mãe para assistir em paz a um jogo do Barcelona na TV. Bebel não tinha a menor noção de a quê ela se referia. "É o que você faz por telefone todo dia com a tia Pia, só que por escrito."

Maria Pia sabia um pouco melhor do que Isabel falava, mas não fazia ideia de como colocar o tal blog no ar. Ligou para a prima, Ana Cecília de Magalhães Lins Lacerda, bisneta do abolicionista Joaquim Nabuco, casada com um neto do ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda. Poucos dias depois, o 40Forever (lê-se Quarenta Forever) entrava no ar, conta a repórter Cristina Grillo.

Ricas, bem nascidas, representantes da mais tradicional elite carioca, as três começaram a compartilhar com as amigas dicas de moda, comportamento, viagens, gastronomia.

"Mas não somos um blog elitista. Vamos da feira ao baile", diz Bebel, que, para ilustrar um post contando o quanto vale a pena vasculhar as lojas Renner em busca de roupas que não fariam feio em um casamento, teve que fazer fotos escondida. "Não deixam fotografar lá dentro."

Bobagem. Se soubessem que o blog, nascido em agosto do ano passado, já tem 20 mil acessos diários -e subindo-, mudariam de ideia.

Na sala da ampla casa de Ana Cecília, na zona sul carioca, as três se divertem contando histórias que já se acumulam ao longo de sete meses de blog.

"Lembra da confusão do post das bolsas falsas?", pergunta Ana Cecília. No site, ela contou do bafafá envolvendo uma paulistana conhecida que vendeu para uma carioca endinheirada uma bolsa de grife caríssima, mas falsa. A compradora descobriu o golpe e armou um barraco.

Ana Cecília não dá o nome das santas nem sob tortura, mas rastreou na internet até encontrar um site que vende cópias perfeitas de bolsas grifadas -Hermès, Louis Vuitton, Chloé, está tudo lá.

"Até os certificados de garantia eles mandam. E se você quiser, pode comprar uma sacola falsa, para mostrar para as amigas que comprou mesmo da grife, por US$ 15. Tudo por preço paraguaio", diz Cecil, como é chamada pelas amigas.

Ela acompanha os acessos ao blog e diz que a história foi um das mais lidas. Mas não sabe dizer se os acessos foram para ler sobre o caso das falsificações ou para descobrir onde elas podem ser compradas.

O nome 40Forever foi inspirado na seção "Gorgeous at 40" (maravilhosa aos 40) da revista "Harper's Bazaar", que mostra fotos de quarentonas chiques e deslumbrantes. As três estão nessa faixa etária. "Daqui a pouco estaremos todas mais para o 'forever' [para sempre] do que para os 40", diz Bebel.

O site mira o público que não aguenta mais blogs feitos por jovenzinhas que gostam de moda.

"Esse negócio de ter que estar grifado para estar bonito é mito. As lojas populares convidam estilistas incríveis para fazer coleções. Você fica chiquérrima gastando pouco", diz Maria Pia, que dividiu com as leitoras a descoberta de um vendedor de biquínis a R$ 25 e outro de pulseiras africanas a R$ 5 na praia de Ipanema. "Modéstia à parte, outro dia usei o biquíni de R$ 25 e fiz muito sucesso", conta.

Da "feira" para o "baile", o trio outro dia postou fotos da nova coleção de uma famosa joalheria da cidade. "Nem nós podemos comprar aquilo, mas não é por isso que não queremos olhar, não é? Quando vamos a um museu, sabemos que não podemos comprar os quadros", explica Ana Cecília. "Mas sempre tem uma pecinha de R$ 700 que dá para parcelar em dez vezes", diz Maria Pia. "Doze, querida, se você usar o cartão certo", responde Ana Cecília, espécie de gerente do trio.

As três escrevem no blog -os textos de cada uma são identificados pelas iniciais AC, BN e MP no pé das notas. São quatro posts por dia: às 8h, às 12h, às 16h e às 20h.

Ana Cecília é a mais prática. Dá dicas para o dia a dia. Maria Pia gosta de moda e de achados. Bebel posta receitas ou descobertas de novos produtos em supermercados. "Ela é o nosso Proust. Um dia ainda vou vê-la tomando posse na Academia Brasileira de Letras", diz Ana Cecília.

Outro dia, Ana Cecília revelou que não usa nenhum sapato sem que antes seu sapateiro de confiança, em Ipanema, coloque uma fina camada de borracha nas solas.

"Morro de medo de escorregar. Além disso, é mais higiênico e faz o sapato durar. Quando chego em casa, passo uma escova e está novo."

O sapateiro comprou borrachas vermelhas, fininhas, para colar em sapatos do francês Christian Louboutin, cuja marca registrada é o uso dessa cor no solado.

Quando o designer esteve no Rio, no Carnaval, autografou os sapatos das filhas de Bebel, Maria e Isabel. As meninas contam que Louboutin adorou a ideia da borrachinha na sola.

A próxima dica de Ana Cecília, aliás, será como alargar calçados que apertam o pé. "É só encher um saco de água e colocar no sapato. Depois, embrulha-se o par com o saco de água e coloca-os no congelador. A água congelada funciona como uma forma." Para aqueles calçados que machucam os pés, a dica é passar o creme Vick Vaporub, diz Bebel.

As três já começaram a ser procuradas por anunciantes. "A Ana não dá desconto para ninguém. Às vezes eu fico com pena, a pessoa quer estar no blog, mas não tem dinheiro", diz Bebel.

Vão lançar o primeiro produto da marca 40Forever. Uma camiseta com desenho de Hubert de Givenchy. Ele procurou Maria Pia, filha de sua amiga Silvia Amélia, para pedir emprestado seu vestido de casamento, feito por Yves Saint Laurent, para uma exposição que organiza em Paris. Ela aproveitou o pedido para, em troca, propor que ele criasse a estampa da blusa. O dinheiro arrecadado com as vendas vai para uma instituição de caridade.

Mas elas também querem lucro. "Claro que sim! Quem não gosta de poder pagar as próprias contas?", diz Ana Cecília. 

GOSTOSA


Anti-Bauhaus - FERREIRA GULLAR


FOLHA DE SP - 18/03/12

Ninguém permanecerá indiferente ao visitar a exposição dos irmãos Campana, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio.
Trata-se de uma retrospectiva que é, ao mesmo tempo, a seleção do que de melhor realizaram entre os anos de 1989 e 2009, quando esses trabalhos foram expostos noVitra Design Museum, de Weil am Rhein, na Alemanha.
Ela se intitula "Anticorpos" e reúne peças de mobiliário, joias, instalações e obras de artes plásticas, numa rara demonstração de criatividade e audácia. Vendo-os, entende-se por que Fernando e Humberto Campana se tornaram nomes conhecidos e prestigiados no âmbito do design industrial.
Nascidos no interior de São Paulo -Humberto em Rio Claro, em 1953 e Fernando em Brotas, em 1961- ainda que um deles se tenha formado em direito e o outro em arquitetura, os dois deveriam se juntar, um pouco mais adiante, para constituir uma dupla voltada prioritariamente para o desenho de móveis e onde se revelariam excepcionalmente audaciosos e inventivos.
Embora sejam hoje conhecidos internacionalmente, ainda poucos os conhecem no Brasil. Basta dizer que levaram uma década, após esse reconhecimento, para ter uma primeira peça de sua autoria reproduzida aqui.
Na verdade, foi na Itália -para onde se haviam transferido no final da década de 80- que desenvolveram o trabalho de designers e obtiveram reconhecimento.
Ao que se sabe, uma luminária, intitulada "Estela", que expuseram em 1997, em Milão, bastou para lhes conferir posição de destaque na indústria italiana de design. Aqui, isto seria impossível, mesmo porque, naquela época, a presença do design no circuito de arte no Brasil era praticamente nenhuma, conforme observou Ana Weiss.
Ao contrário disso, a Itália -particularmente, Milão-, a partir de meados do século 20, tornara-se um dos campos mais propícios ao desenvolvimento artístico e mercadológico desse tipo de arte.
A exposição dos irmãos Campana, no CCBB, surpreende e encanta pela originalidade e riqueza das peças expostas, tanto pela variabilidade dos materiais utilizados (ou reutilizados) -que vão de cordas, cabos de plástico, madeira, borracha, pano, papelão- como pelo inusitado da concepção formal das obras expostas, sejam poltronas, cadeiras, mesas, camas ou luminárias, sem falar em objetos aparentemente sem qualquer função prática.
Mas o que essa exposição particularmente me revelou (ou me fez descobrir) foi uma inesperada relação, hoje, entre o design e a chamada arte contemporânea. Começa pelo fato de que ambos abandonaram as normas e os limites que os caracterizavam antes, no começo do século 20.
É interessante observar que, naquele momento, enquanto no âmbito das artes plásticas procedia-se à desintegração das linguagens estéticas, a Bauhaus, no campo do desenho industrial, redesenhava o mobiliário, substituindo o decorativismo superficial e excessivo mau gosto por formas limpas, determinadas pela estrita funcionalidade. E essa tendência se manteve por décadas, com poucas alterações.
Enquanto isso, as artes plásticas -à exceção da pintura geométrica que geraria o concretismo- seguindo a tendência anti-arte de Duchamp, abandonavam os suportes tradicionais e partiam para criar instalações e promover happenings.
Em consequência disso, uma parte da arte conceitual, passou a valer-se de toda e qualquer coisa ou material, para expressar-se, optando, em geral, pelo chocante e pelo deliberado mau gosto, que a caracterizaria como anti-arte.
Nada disso se encontra no que nos mostram Fernando e Humberto Campana. O que os aproxima da arte contemporânea é o descompromisso com quaisquer normas estéticas pré-estabelecidas. No caso deles, porque se trata de criar objetos funcionais -como poltronas ou luminárias ou cadeiras ou camas- em certos momentos essa funcionalidade é desconsiderada.
É quando a expressão se sobrepõe à função ou a subverte. Mas como, ainda assim, a poltrona continua poltrona -já que sua forma se mantém reconhecível-, escapa à arbitrariedade que caracteriza a arte conceitual. Pode-se dizer que eles são anti-Bauhaus mas não anti-arte.

Troféu Motosserra - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 18/03/12


O governo decidiu adiar a votação do Código Florestal para depois da Rio+20, para evitar que a presidente Dilma recebesse o Troféu Motoserra durante o evento. Ambientalistas, por influência da ex-senadora Marina Silva, decidiram laurear a presidente, pois eles não aceitam nem o texto do Senado, como defende o governo, nem o do relator Paulo Piau (PMDB-MG), que tem o apoio da maioria dos deputados na Câmara.

Dilma alinha o PT na Câmara
O grupo político do PT que elegeu o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), saiu extremamente fortalecido com a substituição de Cândido Vaccarezza (PT-SP) na liderança do governo. Essa ala do PT controla agora os principais cargos da Casa. Maia, que derrotou Vaccarezza, fortalece-se. O novo líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), foi um de seus aliados na disputa interna do PT. O líder do PT, Jilmar Tatto (SP), também é do mesmo time. São também desse grupo o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Ricardo Berzoini (PT-SP), e o novo presidente da Comissão de Orçamento, Paulo Pimenta (PT-RS). O objetivo agora é fazer ministro o ex-líder Paulo Teixeira (SP).

"Antes de o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, liderar um movimento em defesa da indústria brasileira, ele devia comprar um carro nacional e não andar de carro importado” — Lelo Coimbra, deputado federal (PMDB-ES)

O ASTRO. Enquanto esperava pela chegada de Pelé, sexta-feira, no Planalto, para a reunião da presidente Dilma com o presidente da FIFA, Joseph Blatter, Ronaldo Fenômeno foi muito festejado no Palácio do Planalto. A sala de espera foi invadida pelos funcionários, que vinham de todos os andares e dos anexos, para tirar fotografias e pegar autógrafos em folhas de papel, fotos e até camisetas da seleção brasileira.

Projeto
Amigo da presidente Dilma, o secretário-executivo da Casa Civil, o advogado Beto Vasconcelos, tem um projeto de longo prazo. A exemplo de José Dias Toffoli, seu sonho também é ser indicado ministro do Supremo Tribunal Federal.

Rearranjo
O governador Jaques Wagner quer nomear os deputados Waldenor Pereira e Luiz Alberto para seu secretariado. O objetivo é manter na Câmara Sérgio Carneiro e Emiliano José, que saem com a volta de João Leão e Afonso Florence.

Paulinho provoca Dilma
Na reunião das centrais com a presidente Dilma, o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, reclamou da compra, pelo governo, de produtos importados. A presidente Dilma reconheceu o problema e citou o caso do próprio carro, que é mexicano. Ela argumentou que, no México, o automóvel sai da fábrica blindado, o que reduz o preço. Paulinho avisou de manifestação na próxima semana contra a desindustrialização, e Dilma encerrou: “Fique à vontade para fazer quantas manifestações quiser.”

Novo lado?
Secretário de Planejamento da Bahia, o ex-presidente da Petrobras Sergio Gabrielli está negociando, junto com o governador Jaques Wagner, o projeto de redistribuição dos royalties do petróleo, em tramitação na Câmara dos Deputados.

Violência
Depois da força-tarefa para fiscalizar os mamógrafos do país, o Ministério da Saúde quer visitar os 597 serviços credenciados no SUS de prestação de atendimento à mulher em situação de violência. A ideia é ter um selo de qualidade.

IRONIA ouvida na Esplanada dos Ministérios, no Febeapá sobre a venda de bebidas nos estádios na Copa: “É praxe ministros não lerem documentos do governo, mas hoje parece que nem os assessores técnicos estão lendo mais”.

CAUSA. Líderes aliados debitam o bate-cabeça no tema à ultracentralização das decisões no Planalto. Um deles brinca: “Não dá para espirrar na Esplanada, sem que as ministras Ideli e Gleisi digam saúde!”.

O ITAMARATY informa que procura aprofundar seu conhecimento sobre o Oriente Médio. Em fevereiro, na Turquia, reuniu os 23 embaixadores do Brasil na região para um seminário de estudos. 

O mês do céu mágico - MARCELO GLEISER


FOLHA DE SP - 18/03/12

A ideia de que o mundo vai acabar é tão antiga quanto a ideia de mundo. Na maioria das culturas, o fim do mundo virá e, quando vier, será anunciado pelo mais completo caos celeste. O que muda de cultura para cultura é o que ocorre depois do fim: ou um novo começo ou uma era em que o tempo deixa de passar.
Fora a escatologia bíblica do Apocalipse de João ou do livro de Daniel, alguns leitores devem se lembrar de Abracurcix, o chefe da aldeia de Asterix, o bravo guerreiro gaulês, cujo único medo era que o céu caísse sobre sua cabeça.
Ao contrário das culturas monoteístas, com seu tempo linear, para os celtas e seus druidas o fim de um ciclo marcava o começo de outro. A noção do tempo cíclico, presente também na mitologia hindu por meio da dança de Shiva, em geral representa uma sequência de mundos. Não existe um final, mas uma sequência de existências.
Que o fim do mundo vem anunciado nos céus parece ser uma simbologia universal: se a ordem celeste é alterada, o pior está ainda por vir. Não é à toa que cometas até hoje são tidos como mau agouro. Se os céus são a morada dos deuses, por consequência são também seu quadro de mensagens. Fenômenos fora do comum eram e ainda são temidos. "Arrependa-se antes que seja tarde!", diz o firmamento.
Neste mês, o céu está belíssimo. Os dois planetas mais brilhantes, Vênus e Júpiter, estão em conjunção (próximos) no oeste logo após o poente. A lua reaparecerá perto deles no final do mês, amplificando a beleza do evento. Enquanto isso, no leste, Marte está em oposição (ou quase) com o Sol, o que o torna bem brilhante e alaranjado.
Até o elusivo Mercúrio andou mostrando sua cara no início do mês. Saturno aparece na linha do horizonte leste no início da noite. Ou seja, durante o mês, os cinco planetas visíveis a olho nu estarão presentes no céu. Se isso tivesse ocorrido há dois séculos, viria o pânico.
Felizmente, não há nada a temer. Pelo contrário, a beleza do céu neste mês deveria inspirar todos a olhar para cima. Ao fazê-lo, percebemos o quanto somos pequenos perante a imensidão do espaço. Porém, percebemos também o quanto somos grandes -pois foi por meio de nossa criatividade que conseguimos aprender tanto sobre os céus, sobre as leis que regem os movimentos planetários e sobre as órbitas e a composição dos cometas.
É ela, também, a responsável pela nossa capacidade de datar com precisão de segundos a ocorrência de eclipses solares e pela compreensão dos processos responsáveis pela produção de luz e energia no Sol, que nos permitem existir na sua vizinhança. Aliás, não deixe de celebrar o dia do Sol e da Terra, dia 19, que também é meu aniversário.
Pela primeira vez na história, estamos olhando para outros mundos, misteriosos e distantes, que giram em torno de outras estrelas. Cada qual é um livro aberto, com suas propriedades únicas e, quem sabe, a promessa de vida em alguns deles.
Os que pensam que, ao compreendermos o mundo cientificamente, tiramos sua beleza, deveriam repensar sua posição. Pelo contrário, ao nos ajudar a ver mais longe, a ciência alimenta ainda mais os sonhos de tudo o quanto ainda não conhecemos e o senso de mistério ao contemplarmos o Universo.

Ueba! Me liberta da Libertadores! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 18/03/12

Junta Adriano, Ronaldinho e Vagner Love, e o clube muda de nome pra Clube de Ressacas Flamengo

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! "Ventos exigem mudanças na cobertura do Itaquerão." Mas o Itaquerão não tem cobertura, tem laje! Rarará.
Tão construindo o estádio onde o vento faz a curva. E como diz um amigo meu: enquanto houver Corinthians, haverá Libertadores.
E olha a placa no show dos sertanejos Mariano e Munhoz: "Proibida a entrada vestindo bermuda, chinelo e boné pra trás". Proibida a entrada do Brasil. Neymar é barrado!
E no programa do Datena apareceu um PM: "Estamos na captura de um elemento pardo trajando calção e sandália havaiana". Tão na captura do Brasil! Rarará!
E esta: "Jogador chinês Zizao cai, machuca o ombro e fica fora por um mês do Corinthians". Feito na China mesmo! No primeiro dia de uso, quebrou! Chingling! E esta: "Adriano não joga mais no Corinthians". Não entendi o "mais". Algum dia jogou? Agora diz que ele vai lutar sumô no Flamengo.
E aí junta Ronaldinho Gaúcho e o Vagner Love, e o clube muda de nome pra Clube de Ressacas Flamengo. O Adriano gosta de cachaça. O Ronaldinho gosta de piriguete. E o Vagner Love? Gosta de tudo, tudo junto e misturado. Rarará!
E atenção! POLÍTICA! Três manchetes que podem ser de qualquer ano desde Pedro Álvares Cabral: "Serra sai candidato", "Neto de Sarney recebe verba" e "PMDB se rebela". Já sei, vão botar fogo no colchão.
E bater caneca na grade! E o PMDB exige 300 toalhas brancas, frigobar lotado, dez caixas de Moët & Chandon, uma cesta de frutas exóticas. Camarim da Madonna.
Se eu fosse a Dilma Rouchefona, daria mais três pastas pro PMDB: Closeup, Colgate e Sensitive.
E sabe por que a prévia tucana foi adiada pra 25 de março? O Serra entrou de contrabando! Rarará!
E a aliança do filho do Cesar Maia com a filha do Garotinho. Isso se chama NEPAITISMO! E PMDB quer dizer Pomos a Mão no Dinheiro do Brasil. Ou Papai Me Descola uma Boquinha!
E olha a faixa numa igreja evangélica: "Dia da Libertação Total. Com as presenças do ex-defunto e do ex-aidético relatando seus vibrantes testemunhos". Em igreja evangélica, é tudo ex: ex-drogado, ex-detento, ex-defunto. Vou abrir uma igreja evangélica para ex-evangélicos. Rarará.
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

''Curió'', o herói da ditadura - ELIO GASPARI

O GLOBO - 18/03/12
Sete procuradores tentaram processar o tenente-coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, o "Major Curió", pelo sequestro, há 40 anos, de cinco prisioneiros na região do Araguaia. Ex-oficial do Centro de Informações do Exército, ex-agente do SNI, ex-prefeito de Curionópolis (eleito pelo PMDB), e ex-deputado federal, ele é um dos personagens emblemáticos da anarquia da ditadura. Começou sua carreira em 1973, no extermínio da Guerrilha do Araguaia, iniciativa do PC do B que começou com a fuga do chefe político, e terminou com a fuga do chefe militar. Transformado em condestável da maior mina de ouro a céu aberto do mundo, em Serra Pelada, em 1984 liderou a maior revolta popular ocorrida na região. Mobilizando dezenas de milhares de garimpeiros, dobrou o governo federal.

Curió já foi comparado ao mítico Kurtz, personagem de "No Coração das Trevas", de Joseph Conrad, recriado por Francis Ford Coppola no Marlon Brando de "Apocalypse Now". Algum dia aparecerá alguém capaz de mostrar o Macunaíma que há nesse Kurtz tropical que virou nome de cidade. Ele começa participando de uma matança, torna-se monarca numa mina e, aos 78 anos, é um patriarca municipal e megalomaníaco.

Não se sabe se Curió participou das execuções de que é acusado, mas ele conhece como poucos a história do Araguaia. Atribuem-lhe dois valiosos vazamentos de informações sobre a ação do Exército. Curió tornou-se o mais conhecido entre os oficiais, mas nunca comandou a operação. Era detestado pelos militares, que viam nele um oportunista.

Curió poderia ser um precioso depoente. Os comandantes militares dizem que os documentos do Araguaia foram destruídos. Meia verdade. É possível saber quais foram os cabos, sargentos e oficiais mandados para lá. Basta requisitar a documentação das concessões de Medalhas do Pacificador entre 1973 e 1975.

Nem todos aqueles que as receberam estiveram no Araguaia, e muitos foram condecorados por relevantes serviços, mas todos os que lá estiveram as receberam. Nesses papéis estão registradas as épocas em que lá serviram. Quem chegou àquele fim de mundo depois de outubro de 1973 sabe que a ordem, vinda de Brasília, era de matar todo mundo. Executaram os prisioneiros, inclusive aqueles que acreditaram em folhetos que os convidavam à rendição. Foram cerca de 50 pessoas, na maioria jovens.

Curió pode ter executado prisioneiros, mas não foi o único a fazê-lo, e quem o fez estava cumprindo ordens. De quem? Dos ex-presidentes Emílio Médici e Ernesto Geisel, e dos ministros do Exército: Orlando Geisel, Dale Coutinho e Sílvio Frota. Por terem cumprido essa e outras ordens, Curió e os demais combatentes do Araguaia receberam a medalha.

''Bolsa-Malfeitor''

Em 2010, durante o Congresso de Auditores da Receita, apareceu uma proposta de criação de um fundo, custeado pelos servidores, para pagar os salários de colegas demitidos de seus cargos a bem da administração pública. (Cerca de R$ 12 mil mensais.) Rebarbada, a ideia ressurgiu sob o patrocínio da delegacia de Santos do Sindifisco.

Chamada aqui de "Bolsa-Malfeitor", a crítica aborreceu a diretoria daquela delegacia sindical, considerando-a um "deboche", com "informações incorretas e até mesmo maldosas". Os doutores divulgaram uma carta, buscando uma retratação, "sob o risco de o ''malfeitor'' ser justamente quem publica inverdades".

Jogo jogado. Na semana passada, o então presidente da delegacia sindical de Santos do Sindifisco, o auditor Clemente Feijó, outros quatro servidores do fisco e mais 15 pessoas foram presos pela Polícia Federal, a partir de uma investigação da Receita Federal, na operação Navio Fantasma. São acusados de levar mercadorias de luxo ao porto de Santos como se fossem peças de navio. Se a "Bolsa-Malfeitor" estivesse em vigor, os servidores não teriam com que se preocupar.

O trem-bala não existe, mas já tem conta

Quando o governo lista os investimentos do PAC, deveria fazer a caridade de excluir o trem-bala. Desde 2008 ele está na coluna de promessas, enganando a patuleia. Sua previsão de investimento subiu de 11 bilhões de dólares para 20 bilhões de dólares, e o trem circula apenas entre papeladas e leilões fracassados.

Por enquanto, o principal passageiro do trem-bala foi o embaixador Ruy Nogueira, secretário-geral do Itamaraty. Ele viajou de avião a Roma para apagar o incêndio do bloqueio dos depósitos do governo brasileiro, pedido pelo consórcio italiano Italplan, que vendeu um projeto delirante para a Valec do "Doutor Juquinha" e quer receber R$ 585 milhões.

Em fevereiro de 2009, como chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff foi à Itália para conhecer o projeto da Italplan. O trem não iria a Campinas, e faria o percurso Rio-São Paulo sem paradas intermediárias. Além disso, sua planilha de demanda era uma fantasia, glosada pelo Tribunal de Contas.

Craques

De um escorpião que vive na base de apoio do governo:

"Ideli Salvatti derrotou Romero Jucá e Cândido Vaccarezza. A seleção de Borat, do Casaquistão, goleou a do Uzbequistão".

Kadhafiduto

Se alguém puser a mão no caixa dois de doações políticas do ditador líbio Muammar Kadhafi, não será só o francês Nicolas Sarkozy quem terá perdido algumas horas de paz. Ele é acusado por Saif al-Islam, o filho querido do ditador, de ter sido beneficiado com um repasse de 65 milhões de dólares.

Em 2010, a diplomacia das empreiteiras amparou uma visita de Saif ao Brasil. Ele veio na qualidade de artista plástico e expôs quadros medonhos.

Missão Columbia

Chegam nesta semana ao Brasil o presidente da universidade de Columbia, Lee Bollinger, e o vice-reitor John Coatsworth.

Se os deuses ajudarem, algum dia a Columbia abrirá um escritório do Brasil. Coatsworth é um dos maiores historiadores da economia latino-americana. Além disso, enquanto esteve em Harvard, fundou o David Rockefeller Center para estudos da região.

Há poucos anos, como diretor da escola de assuntos internacionais, ele e Bollinger receberam para uma palestra o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Quando lhe perguntaram se acharia razoável convidar Hitler para uma conferência em 1936, deu uma reposta que deveria ser lembrada por todos aqueles que batalham pela liberdade acadêmica: "Se ele estivesse disposto a debater com os estudantes e professores de Columbia, é claro que eu o convidaria".

Bolsa-Consultoria

Um conhecedor do sindicalismo patronal e das mumunhas praticadas no Sistema S acredita que a Federação das Indústrias de Minas Gerais, quando presidida pelo doutor Robson Andrade, não tirou dinheiro dos seus cofres para pagar R$ 1 milhão em consultorias ao ex-prefeito e atual ministro Fernando Pimentel.

O dinheiro teria vindo de empresários e a federação fora uma simples repassadora. Nesse caso, a Fiemg teria funcionado como lavanderia, apagando o rastro político dos mimos.

Encontros de vida e arte - JOSUÉ GOMES DA SILVA

FOLHA DE SP - 18/03/12

Nivaldo Maciel (1920-2009) não é um nome nacionalmente conhecido, mas é um ícone da história do município de Montes Claros e do norte de Minas Gerais.

Intérprete de modas de viola, poeta, seresteiro, sapateador, dançador de lundus e guaianos, tropeiro, aboiador, político, chefe de família e pai de 11 filhos, foi protagonista de positivas transformações em sua terra e nas redondezas.

A trajetória desse brasileiro é retratada no livro "Nivaldo Maciel - Encontros de Vida e Arte", das pesquisadoras Marta Verônica Vasconcelos Leite e Raiana Alves Maciel Leal do Carmo -esta última descendente do biografado.

A publicação, pela editora Unimontes (Universidade Estadual de Montes Claros), resgata valores do cotidiano, da cultura, da música e da poesia do interior mineiro. São caracteres peculiares a muitas regiões que vão se perdendo na poeira da comunicação de massa, das mídias digitais e da expansão demográfica.

A identidade regional de nossa riquíssima cultura, conforme o exemplo das serestas de Montes Claros -iluminadas, junto com o casario colonial, por uma lua singular-, perde-se muitas vezes na efervescência desse século da informação sem limites e da competitividade exacerbada.

Resistentes, escritores como Haroldo Lívio, da mesma região, insistem na defesa das peculiaridades: "Montes Claros tem umas coisas que as outras terras não têm", afirma no site da 93 FM, como, por exemplo, o Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernandez, referência em qualidade de ensino no gênero.

Nesse imenso Brasil, cada cidade e cada local têm seus segredos, suas histórias, seus heróis, suas músicas, tudo diferente, inusitado!

Precisamos redescobrir esse país mais sereno de tão pouco tempo atrás, com menos violência e individualismo e mais foco no dia a dia de trabalho, amor e solidariedade. Uma terra sem medo das noites e suas promessas musicais, com homens sem constrangimento de cantar à janela de mulheres tímidas e receber um sorriso nas doces madrugadas.

Não se trata de saudosismo, mas de ansiedade na reconquista de um Brasil da alegria espontânea, do abraço amigo, do prazer de receber e de compartilhar. Virtudes que sempre encantaram todo mundo e forjaram personagens como Nivaldo Maciel e, também, Luiz de Paula Ferreira, inspirado autor da canção "Montes Claros, Vovó Centenária".

Como observam as autoras da biografia, "nesses caminhos nem sempre fáceis, prenhes das distâncias e carências da região, homens encantados pelas folias e por outros cantares aprenderam e ensinaram de maneira livre a arte da vida". Não podemos abrir mão desse Brasil, que é de todos nós.

Não matarás - ROBERTO ROMANO


O Estado de S.Paulo - 18/03/12


Os últimos dias trouxeram notícias terríveis sobre a ética pública. Notamos uma radicalização das teses sobre o aborto e o infanticídio praticado contra seres vistos como anormais ou monstruosos. No fundo de tais propostas temos a sempiterna eugenia, ideia arcaica já presente em Platão e defendida por todas as formas tirânicas de poder, antigas e modernas.

O símile usado por Platão é brutal, mas serve até hoje aos depuradores do mundo: existem raças de cachorros e pássaros, nas quais surgem indivíduos ótimos ou péssimos. Naturalmente, os reprodutores devem ser apenas os melhores e os mais jovens. Usando cachorros, gatos, pássaros, cavalos, Platão explica o caso humano, sendo o mundo das bestas amestradas um símile a seguir na cria dos melhores.

Como chegar à excelência na gênese dos seres? Os governantes devem imitar os médicos que usam remédios ousados. O fármaco exato encontra-se na eugenia. "É preciso que a elite dos homens se una com mais frequência à elite das mulheres e, com menor intensidade, que os piores dentre os homens se unam às piores mulheres. Os filhos dos primeiros devem ser criados, não os dos segundos, se desejamos que o rebanho mantenha sua qualidade eminente." Até aqui, o rebaixamento dos governados à condição bestial, algo que foi transmitido a todos os governantes assassinos do Ocidente.

A seguir vem o pior no "remédio" platônico: "Todas as disposições relativas a tal procedimento devem ser ignoradas pela maioria das pessoas, salvo pelos magistrados". Preste atenção à frase, leitor idôneo. O hábito, ao discutir esse trecho de A República, é nos fixarmos no "remédio", o infanticídio. Mas a maneira de aplicar tal medida é o segredo, técnica que gerou a razão de Estado e a censura, cujo ápice se encontra no totalitarismo, nazista ou stalinista.

Eric Voegelin indica o quanto é assustadora a prática recomendada por Platão, segundo a qual os magistrados garantem o sigilo do governo. "Em abril de 1941, todos os procuradores de Justiça chefes e os presidentes das Cortes de Apelação tinham declarado seu apoio ao programa da eutanásia (...) o secretário de Estado do Ministério da Justiça, dr. Franz Schlegelberger, fez uma preleção (...) em que declarou que a ação 'T 4' era legal. Nenhum dos mais de cem membros mais antigos, entre os quais estava o presidente da Suprema Corte, Erwin Bumke, apresentou objeções. Os pormenores da campanha 'T 4' (...) foram submetidos aos juristas. Explicou-se mais tarde que Hitler não queria uma lei para as medidas de eutanásia, mas que elas continuariam com fundamento em seu decreto legal pessoal. A campanha, notificados os juristas, foi executada como 'segredo do Reich'" (E. Voegelin: Hitler e os Alemães).

Sobre a 'T4', falemos do lugar secreto: Tiergartenstrasse 4 (Rua do Jardim Zoológico), prédio onde as atrocidades eugênicas foram cometidas, no apuro do rebanho. Bem platônico o ambiente, basta reler A República (livro 5, 459). Naquele e noutros edifícios seriam destruídos os "piores" em prol dos "melhores". Os primeiros seriam judeus, ciganos, alemães incuráveis. Assim, milhares de pessoas foram assassinadas, pela fome e por remédios. A 'T 4' foi o prelúdio do Holocausto. Ela começou em 1939, quando Hitler mandou seu médico pessoal, Karl Brandt, avaliar o pedido de certa família para dar "morte piedosa" ao filho, defeituoso físico e mental. O ato bondoso ocorreu em julho de 1939. Platão recomendava seu "remédio" para o bem dos governados. A nobre mentira repete-se em todos os lábios assassinos, filosóficos ou não.

Parte do mundo vive em regime democrático. Nele o segredo dos Poderes é atenuado pela imprensa. Mas subsistem mitos eugênicos. As pesquisas médicas, de engenharia e genética podem seguir (não é algo definido na essência do saber científico) a renitente história do "aperfeiçoamento". É possível tomar vias diversas, na ética e na ciência, pois esta última não se destina apenas à tarefa que frutificou na eugenia. Mas o nazismo está vivo e o veneno antissemita foi propagado de mil modos. É preciso cautela diante de doutrinadores que preparam massacres.

Ao ler um panfleto, exposto como "artigo científico" no Journal of Medical Ethics, ficamos pasmos. Após os escritos de Alfred Rosenberg e similares, jamais foi impresso algo tão frio e tão pleno de charlatanismo como o texto de Alberto Giubilini e Francesca Minerva, professores de Filosofia em Milão e Melbourne, After-birth abortion: why should the baby live? (Aborto pós-nascimento: por que o bebê deveria viver?). Dizem eles que o feto e o recém-nascido são "moralmente equivalentes" porque são "apenas" potencialmente pessoas. Aristóteles é pilhado e sua filosofia serve, com a ideia de potência e ato (o homem é o ato para o qual tende o infante) como instrumento para racionalizar o infanticídio. A potência supõe uma perfeição final que ninguém, nem mesmo os sofistas da ética, pode prever quando ocorrerá. Entes de 1, 2, 20 anos podem ser eliminados, seguindo as premissas dos autores.

No Brasil as propostas de crimes são feitas sob a capa de "progressismo" e "liberdade de escolha". Surgem doutas desculpas jurídicas em comissões oficiais, que aventam a incapacidade de manter um filho para permitir o aborto. Logo, o Estado não poderá, seguindo a mesma lógica, sustentar seres indesejados, sobretudo se "monstruosos" (discuti o ponto em meu livro Moral e Ciência, a Monstruosidade no Século 18). Graças à democracia, tais receitas letais são parcialmente conhecidas pela opinião pública. O perigo é eminente, no entanto. Uma diminuta censura contra a liberdade de imprensa e todas as permissões serão concedidas aos assassinos disfarçados de políticos, filósofos, juristas, psicólogos ou médicos. Eles agirão, seguindo o ensino platônico, em segredo. Quem tiver consciência grite, para depois não se espojar na lama dos rebanhos.

O fascínio dos designers - ETHEVALDO SIQUEIRA


O ESTADÃO - 18/03/12
Outro dia, conheci um dos gênios do design da Apple, Tony Fadell, o criador do iPod. Depois de ouvi-lo, compreendi as verdadeiras razões por que a Apple conquistou o status de empresa mais criativa do mundo, reconhecido até por seus concorrentes. Seu depoimento me reforçou a convicção de que essa empresa talvez seja, no futuro, mais brilhante e alcance ainda maior sucesso - com base no maior legado de Steve Jobs, que foi, em minha opinião, a formação de uma extraordinária equipe de criadores dotados de sólida cultura de design.
Tony Fadell tem hoje sua própria empresa, a Nest. Mas continua dando lições de criatividade, sem esquecer o papel de Steve Jobs em seu trabalho e a inspiração que dele recebeu. A maior parte dos designers da Apple, entre os quais, Fadell, aprendeu a materializar aquilo que a imaginação do líder lhes pedia.

Em sua palestra em fevereiro, no evento Solid Works 2012, em San Diego, Tony Fadell resumiu suas diretrizes de vida como designer, lembrando, entre tantas coisas, que, "para se criar um produto revolucionário, o projetista tem que atender a dois pontos essenciais: funcionalidade e design. E tudo tem que ser feito com a alma e o coração".

Um super botão. A empresa de Tony Fadell cria soluções para a casa digital. Vale lembrar que o próprio nome da empresa, Nest, tem muito a ver com casa ou moradia, porque, em inglês, significa ninho. Tony fala com um entusiasmo juvenil sobre o primeiro produto que sua empresa está lançando: o Nest Learning Thermostat, um controle de ar condicionado. Ou melhor: um termostato inteligente que faz mil coisas e as memoriza para sempre.

Com esse botão mágico, o usuário não gasta eletricidade quando está fora de casa ou de um cômodo. O termostato inteligente indica a melhor temperatura para economizar energia quando não há ninguém em casa. Poupa esforço dos moradores em levantar dez vezes só para programar a temperatura ideal. O sistema pode desligar ou religar rigorosamente na hora programada. É o controle de funções mais inteligente e mais amigável que eu já vi.

A revista americana Wired apelidou o controle de funções criado pela Nest de "iPhone dos termostatos".

O produto só foi lançado nos Estados Unidos. Suponho até que dele surgirão novos aparelhos, como um controle geral da casa digital, baseado em um único botão, que poderá ser programado para fazer mil coisas. Ele obedecerá com precisão matemática.

Jornalista isento. É claro que o design mais avançado desperta a paixão dos consumidores. A propósito, durante décadas, aprendi que jornalista não pode comportar-se como fã de nenhum produto. Mas, algumas vezes, confesso que, mesmo me esforçando, não consigo refrear meu entusiasmo, como já ocorreu juntamente com uma plateia de usuários e fãs ruidosos, nos auditórios de São Francisco ou Cupertino, durante a cobertura de novos lançamentos da Apple. De repente, eu me surpreendia aplaudindo e gritando ao ouvir a descrição de cada recurso exclusivo ou característica dos novos produtos anunciados por Steve Jobs.

Nunca me recriminei muito por isso, até porque sempre via dezenas de jornalistas reagindo do mesmo modo, diante especialmente da capacidade incomum de comunicação que Steve demonstrava a cada lançamento de inovações geniais, como o iMac, o iPod, o iPhone, o iPad ou o Macbook Air retirado de dentro de um envelope amarelo. Como qualquer mortal, eu aplaudi tudo aquilo, sim,leitor. Mas só agora tenho a coragem de confessá-lo.

Minha consciência ficou mais aliviada depois de conversar há duas semanas com o jornalista Walter Isaacson, biógrafo de Steve Jobs, quando ele participou do programa Roda Viva, da TV Cultura. Numa conversa rápida, antes de entrar no estúdio, Isaacson fez uma confissão que me tranquilizou: "Eu também nunca resisti ao entusiasmo daqueles lançamentos. Aplaudi e gritei, pois sou usuário e fã ardoroso dos produtos da Apple".

O mundo do design. Nos últimos anos, bem antes de ouvir Tony Fadell e Walter Isaacson, eu já havia redescoberto a beleza do design ao entrevistar dois outros gurus desse setor. Um deles foi o professor Donald A. Norman, da Northwestern University e da Universidade da Califórnia em San Diego, que também foi vice-presidente da Apple. O outro foi Stefano Marzano, ex-executivo-chefe designer da Philips holandesa, que acaba de assumir posição semelhante na Electrolux sueca.

Pensadores e visionários do designer como o professor Norman mostram o poder e as grandes tendências da criatividade industrial em todo o mundo, entre as quais, a usabilidade - de que resultam os produtos mais fascinantes para o usuário, chamados de user friendly. Essa facilidade de uso, aliás, é a marca dominante dos produtos da Apple e da dinamarquesa Bang & Olufsen, entre outras.

Sugiro a quem quiser aprofundar o tema a leitura de O Design do Futuro (The Design of Future Things) e O Design do Dia a Dia, de Donald Norman, lançados em português pela Editora Rocco.

Stefano Marzano e Emile Aarts são coautores de um livro extraordinário, publicado pela 010 Publishers, de Roterdã, Holanda, mas difícil de ser encontrado no Brasil. Seu título em inglês: The New Everyday.

Facilidade de uso é a marca dominante dos produtos da Apple e da Bang & Olufsen