segunda-feira, março 12, 2012

Chore por nós, presidente - CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA


REVISTA VEJA


Uma reportagem desta edição de VEJA mostra que os dois governos do PT, o de Lula e o de Dilma Rousseff, serão lembrados como aqueles em que nunca antes neste país tantas lágrimas foram derramadas, tantos sapos engolidos e tantos rapapés feitos aos piores personagens da política nacional em nome da manutenção da maioria parlamentar e seu corolário, a governabilidade.
As lágrimas públicas de Dilma ao tirar um petista, Luiz Sérgio, do Ministério da Pesca, para, em troca de apoio, entregar a pasta ao evangélico Marcelo Crivella, no início do mês, ilustram esse calvário.
Os governos petistas serão lembrados também por terem sido pragmáticos e eficientes conquistadores de folgadas maiorias de sustentação na Câmara dos Deputados e no Senado. Mas será também difícil esquecer o fato de que, uma vez no controle quase absoluto do Congresso, ficaram sovinamente em palácio contando votos a favor em vez de usar o poder amargamente amealhado para fazer as reformas pelas quais o Brasil clama para atingir todo o seu magnífico potencial de progresso. É de chorar.
Com picos de mais de 70% de parlamentares alinhados, o governo poderia facilmente aprovar modificações na Constituição capazes de tomar o Brasil um país menos hostil a quem trabalha, empreende e investe. Quem poderia se opor a um Executivo com maioria tão sólida que arregaçasse as mangas e fosse à luta enfrentar interesses corporativos para reformar as leis trabalhistas brasileiras dos tempos do fascismo e, assim, baratear o custo da mão de obra, incluindo na economia real dezenas de milhões de pessoas que hoje ganham seu sustento na ilegalidade tolerada sob o eufemismo de informalidade? Que resultados extraordinários e rápidos obteria um governo com tanto poder se decidisse acabar com a injustiça tributária, cuja voracidade e complexidade castigam com igual ímpeto o prato do pobre e o consumo de alta tecnologia. Quanta diferença faria ter ao lado da sociedade um governo disposto a reduzir o gigantismo do estado ou a fazer a reforma política, apoiando a implantação do voto distrital nas capitais e, assim, diminuindo as oportunidades que hoje se escancaram aos corruptos. Mas não temos. Isso é de chorar.

Caça às bruxas - WALCYR CARRASCO

REVISTA ÉPOCA


Eu me solidarizo com os ciganos – mas o papel de um dicionário é mostrar todos os sentidos das palavras

É possível mudar o modo de pensar de um povo suprimindo palavras? Proibindo livros e comemorações? Essa tentativa, que se assemelha às proibições das ditaduras, está em curso aqui, no Brasil. É um assunto que me toca muito, pois vivo de escrever. Quando alguém determina o que pode ou não ser escrito, mexe com o mais íntimo de mim. O Ministério Público Federal de Uberlândia, Minas Gerais, entrou com uma ação para retirar de circulação o Dicionário Houaiss, um dos mais conceituados do país. O órgão alega que a obra contém referências preconceituosas e racistas aos ciganos. Entre os significados para a palavra “cigano” o Houaiss se refere ao uso “pejorativo” do termo: “que, ou aquele que trapaceia, velhaco, burlador”. Estranha interpretação do Ministério Público. Ao explicar que se trata do uso pejorativo, o dicionário deixa claro que não é a favor. Mas que também se usa o termo nesse sentido. O caso teve início em 2009, quando uma pessoa de origem cigana fez uma representação contra os dicionários brasileiros. Segundo o Ministério Público, outras editoras fizeram a mudança. A Objetiva, que publica o Houaiss, não o fez, por ter apenas o direito de publicação. O dicionário pertence, de fato, ao Instituto Houaiss.

Eu me solidarizo com os ciganos, que não querem ser chamados de velhacos. Nenhum povo deve ser definido por um adjetivo sórdido. Mas o papel de um dicionário é mostrar como as pessoas falam, qual o significado das palavras. E, no caso do Houaiss, que é bem completo, tanto no sentido coloquial como no erudito. Não diz o que é certo ou errado. Espelha o modo de falar do país. Retirar um dicionário de publicação para mim é inacreditável.

Há algum tempo, o Conselho Nacional de Educação publicou um parecer sugerindo a exclusão do livro Caçadas de Pedrinho das escolas públicas, sob a alegação de que levava à discriminação racial, pela maneira como o autor se referia à personagem Tia Nastácia. Criou uma celeuma entre educadores e ases da literatura. Foi uma gritaria. O Conselho voltou atrás. Mas ficaram as sequelas. Há algum tempo dei uma palestra numa feira de livros do ABC paulista. Uma contadora de histórias me perguntou o que eu achava da proibição de muitas escolas, onde não podia narrar os livros de Lobato. Admirei-me. Mesmo não oficialmente, nosso maior autor infantil já é boicotado. Junto a ele, uma leva acima de qualquer suspeita, como Santo Antonio, São João e São Pedro. Ééééé... Muitas escolas evitam comemorar as festas juninas porque seria discriminação contra as crianças não católicas! Fui criado na Igreja Presbiteriana. Na minha infância, participei das festas e me diverti muito. Nunca me senti discriminado. Que moda é essa agora?
Eu me solidarizo com os ciganos – mas o papel de um dicionário é mostrar todos os sentidos das palavras 

É a mesma moda que me faz ouvir, sempre, que estou na “melhor idade”. Isso sim me faz sentir discriminado. É uma tentativa de maquiar a entrada nos 1960 anos e o que vem depois. Melhor idade pode ser qualquer uma, aos 7, aos 20, aos 40, aos 80. Depende da vida que se leva. Mudar as palavras muda a velhice?

Muita gente já pensou dessa maneira, e as primeiras vítimas dos autoritários costumam ser os livros. A Igreja já teve seu índex de títulos proibidos. Entre eles, A origem das espécies, de Charles Darwin. O mundo deixou de respeitar a teoria da evolução das espécies? Os editores de Ulisses, do irlandês James Joyce, sofreram um processo nos Estados Unidos, onde cópias do livro chegaram a ser confiscadas e destruídas, devido a seu conteúdo erótico. Ninguém nega que ele tenha revolucionado a literatura mundial. Durante o governo militar no Brasil, a posse de livros considerados “de esquerda” dava até cadeia. E foram proibidos. Nem por isso os militares se mantiveram no poder. Não se muda o modo de pensar de um povo proibindo palavras e livros. O termo que evitei usar até agora é “censura”, porque muito desgastado. Nunca se soube de um povo que tenha evoluído cultural, social e politicamente com a censura. Mas por meio da educação, da discussão de valores, dos direitos do cidadão. Essa é a questão. Onde vamos parar se até Santo Antônio já está sendo exonerado?

E os ciganos? Machado de Assis, em Dom Casmurro, possivelmente o melhor romance da literatura brasileira, descreve Capitu como de “olhos de cigana, oblíqua e dissimulada”. E aí? Alguém vai proibir Machado de Assis? Vão retirar nosso maior romance de circulação? Vamos agir como palhaços diante de todo o mundo?

Estou esperando para assistir ao escândalo.

Tomara que o problema seja só de pouca prática - MARCO ANTONIO ROCHA


O Estado de S. Paulo - 12/03/12


A irritabilidade não é boa conselheira de ninguém. Os artistas, os cantores, os jogadores de futebol e atletas profissionais em geral, os escritores e os jornalistas famosos - todos têm acessos de irritabilidade. Mas por motivo de marketing - é bom para a divulgação.

Políticos, em geral, e governantes, em particular, é bom que se poupem dessa síndrome. Além de não lhes servir para nada, ainda cria problemas desnecessários ou, no mínimo, uma imagem negativa do governante diante do público, pois quem se irrita com um problema que enfrenta é porque não consegue resolvê-lo. E, se um alto dirigente não consegue resolver os problemas que enfrenta, a ponto de se irritar, não deveria ser um alto dirigente. É um fato bem sabido nas empresas mais bem dirigidas.

Diz o noticiário que a presidente Dilma se irrita com frequência. Pode não ser verdade, ou não ser exatamente verdade, pois um simples muxoxo de aborrecimento às vezes é confundido com irritação. De qualquer forma, não é invenção da imprensa. A informação de que a presidente "está irritada...", ou "furiosa", ou "se irritou" é fornecida aos jornalistas por pessoas que trabalham com ela, têm acesso a ela ou convivência próxima.

O fato é que, ultimamente, temos lido que a presidente está irritada com o manifesto do PMDB; que está irritada com o manifesto dos militares; que ficou irritada com as manobras descoordenadas do próprio PT; que se irritou - mais recentemente - com a rebelião das "bases" do governo, no caso da renovação do mandato do presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres. Sem falar da sua visível irritação, na visita que fez à Alemanha, perante a anfitriã, a chanceler Angela Merkel, com o que chama de "tsunami" de liquidez mundial provocado pelos países ricos, que produz, ou ameaça produzir, uma supervalorização das moedas dos países emergentes, com consequências funestas para suas contas de comércio externo e para o controle dos índices de inflação internos.

É muita irritação para uma só presidente.

Digamos, caros leitores, em benefício da presidente, que um país do tamanho do Brasil, com os problemas do tamanho dos que o Brasil apresenta, pode ser fonte de alimentação permanente da irritabilidade e da neurastenia de qualquer cristão, mesmo de quem tenha passado anos sendo treinado contra isso no alto de um mosteiro do Tibet.

Mas a questão que se apresenta é que as situações que irritam a presidente parecem estar se acumulando de maneira um tanto quanto preocupante já no início, apenas, do seu segundo ano de mandato. E como, à medida que o mandato for levado adiante e se aproxime do seu fim, as pedras no caminho e os quebra-cabeças tenderão a crescer, gerando mais situações de irritação, cabe perguntar se ela realmente terá tutano suficiente e um mínimo de serenidade para essa escalada.

Além disso, cabe perguntar se a personalidade da presidente, seu temperamento, seu modo de agir e as circunstâncias que a levaram ao pódio político brasileiro não estariam contribuindo também para criar situações de irritação, tanto quanto a problemática objetiva do país que ela governa.

Por exemplo: ela foi guindada ao mais alto cargo político da Nação sem ter tido vida política normal, ou seja, sem ter passado sequer pelo jardim da infância da política, que é ganhar liderança num partido qualquer para, depois, ganhar um primeiro mandato eleitoral, ao qual se sucedam outros mais elevados e durante os quais se vai formando a têmpera necessária para negociações torturantes com companheiros e adversários. É verdade que teve uma iniciação política de esquerda, numa organização clandestina. Mas ali o preparo, se havia, era para destruir o regime democrático de partidos políticos, e não para aprender a militar nele.

Outra circunstância recebida foi essa "base" governista, que não foi criada por ela. Os membros dessa base estão mais atentos aos sinais emanados de quem a criou do que à obediência à chefe do governo. E cada qual trata de expandir o seu espaço dentro da base, à custa do espaço do vizinho - como nessa trombada do PMDB com o PT. Que não deveria estar acontecendo, se a chefe da Casa Civil cuidasse de fato da articulação política, que é a sua função, e não só enfeitar as fotos das solenidades oficiais.

Isso nos leva ao time da presidente, decididamente fraco. Um ministro da Defesa que não apazigua os militares nem é ouvido por eles. Um ministro da Pesca que não entende de minhocas. Um, novo, da Educação, que diz que o problema é que o Brasil é grande demais - como se o Brasil tivesse aumentado depois que ele chegou ao Ministério. Um ministro da Fazenda que mais parece o Mestre Pangloss proclamando que tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis.

Todos em volta da barra da saia presidencial, como aios, em vez de estarem conduzindo de fato os programas de suas respectivas áreas. Dá saudade do modelo dos Grupos Executivos, do tempo de JK, que faziam o Brasil funcionar.

Brizola Neto - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 12/03/12


O novo ministro do Trabalho será o deputado Brizola Neto (PDT-RJ). A presidente Dilma só aguarda uma conversa com o presidente do PDT, Carlos Lupi, para fazer o anúncio, mas a bancada do partido na Câmara já foi consultada. Brizola Neto tem o apoio dos sindicalistas do PDT. O nome preferido de Dilma era o deputado Vieira da Cunha (PDT-RS), mas ele não tem apoio do partido e enfrenta resistências entre os petistas.

PSB arrepia e PSD sugere vice
O governador Eduardo Campos (PE) está sendo duro nas conversas com a direção do PSB paulista sobre as eleições para a prefeitura de São Paulo. Quando fala em público, ele diz que o partido tem autonomia, mas nos bastidores é taxativo: “O tempo de TV do PSB não será colocado à disposição dos tucanos, pa-

"Estou confiante na Justiça. A decisão é jurídica, não é política” — Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, sobre o julgamento no TSE do tempo de TV para o PSD ra que eles ataquem o ex-presidente Lula e a presidente Dilma”. Já o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, encaminhou ontem, de Madri, o nome do PSD para ser o vice na chapa de José Serra para a prefeitura: Alfredo Cotait, secretário de Relações Internacionais da prefeitura. O PSDB realiza prévias no dia 25.

NÃO BASTA SER MINISTRO. O recém-empossado ministro Marcelo Crivella (Pesca) ficou inconformado ao chegar ao Rio para agenda oficial, semana passada, e descobrir que sua pasta não tem carro com chapa branca nem batedores no estado. Seu secretário-executivo, o brigadeiro da reserva Átila Maia, providenciou os dois imediatamente. Crivella teve agenda no Rio, sua base eleitoral, com direito a escolta, quinta e sexta-feira.

Risco
Há um movimento das bancadas religiosas para derrubar, no plenário da Câmara, a permissão para venda de bebida alcoólica nos estádios durante a Copa. Argumentam que, para os patrocinadores, basta a publicidade nos jogos.

Lamber feridas
Depois do tiroteio, na semana passada, por causa da derrota do governo no Senado, na votação da ANTT, as direções do PMDB e do PT voltam a se reunir na noite de amanhã. Vão buscar uma forma de amarrar os seus radicais.

Tráfico de pessoas
Relatório parcial da CPI do Tráfico de Pessoas propôs a inclusão, no Código Penal, do reconhecimento desse crime para exploração de trabalho forçado e remoção de órgãos. A legislação brasileira só trata do tráfico de pessoas com fim de exploração sexual. O documento, assinado pela então senadora Marinor Brito (PSOL-PA), cita casos de tráfico envolvendo brasileiros em garimpos do Suriname, em uma rota que passaria por Macapá.

Águas de março
O PT atravessou o mês sendo alvo de reclamação dos aliados, principalmente PMDB e PCdoB. A insatisfação vai desde a resistência dos petistas em apoiar aliados nas eleições municipais até tratamento privilegiado no governo federal.

Vai ou racha
Com sua administração mal avaliada e enfrentando altos índices de rejeição, a prefeita de Natal, Micarla de Sousa (PV), fez um choque de gestão, trocando vários secretários, para tentar viabilizar sua candidatura à reeleição.

RESUMO. Grosso modo, a reclamação de deputados e senadores da base aliada é que está faltando política no Palácio do Planalto.

PRIORIDADE. Apesar da troca do ministro do Desenvolvimento Agrário, o ritmo de assentamentos não deve ser substancialmente alterado. A reforma agrária não é uma prioridade da presidente Dilma.

COM OS PROGRAMAS de TV do partido suspensos pela Justiça Eleitoral, o PT de São Paulo já se conformou que Fernando Haddad só subirá nas pesquisas quando começar o horário eleitoral.

O PIB de 2011 e depois - DAVID KUPFER


Valor Econômico - 12/03/12


Já se disse que toda unanimidade é burra mas no caso do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011, dez entre dez analistas econômicos concordaram que a taxa de 2,7%, recém-divulgada pelo IBGE, embora muito abaixo das previsões vigentes ao final de 2010, foi satisfatória para um ano que, ao fim e ao cabo, revelou-se bastante conturbado, cheio de nuvens negras no cenário internacional e de reviravoltas na política econômica interna. Em comparação com os trimestres anteriores na série com ajuste sazonal, após apresentar uma evolução negativa de 0,1% no terceiro trimestre do ano passado, a informação de que o crescimento do PIB no quarto trimestre foi ligeiramente positivo, nada mais do que 0,3%, serviu para afastar o temor de que a economia brasileira pudesse estar entrando em rota de recessão.

Ao contrário, a sensação dominante é de que o país superou um miniciclo contracionista e que nos próximos trimestres os números deverão exibir comportamento melhor, levando a economia a sua marcha habitual, como expresso na manutenção pela maioria de expectativas de crescimento para este ano em torno dos 3,5%.

A observação do PIB pela ótica da demanda ajuda a dar substância a esse quadro. O crescimento de 4,1% apresentado pelo consumo das famílias em 2011, em parte devido ao crescimento da massa salarial (4,8% em termos reais, segundo o IBGE), em parte devido a evolução favorável do crédito, sugere que o polo dinâmico da economia brasileira na última década está preservado. Em paralelo, embora a taxa de investimento como proporção do PIB não tenha conseguido avançar em relação a 2010 (19,3% ante 19,5%), a formação bruta de capital expandiu-se em 4,7%, um resultado positivo, em particular, quando se observa a expansão do uso de máquinas e equipamentos, que foi de 6% no ano.

No entanto, se visível, e mesmo justificável, para o conjunto da economia, essa sensação de relativo conforto não se aplica igualmente a todos os setores componentes do PIB. Passando-se para a ótica da oferta, especialmente a evolução da indústria tem provocado preocupações generalizadas. O recuo da indústria geral, que foi de 0,5% em relação ao terceiro trimestre de 2011 e, especialmente, a forte retração da indústria de transformação, cujo desempenho foi de -2,5% em relação ao trimestre anterior e de -3,1% em relação ao quarto trimestre de 2010, indicam tendências negativas de evolução do produto industrial que não podem ser compreendidas nem muito menos atribuídas somente às questões de conjuntura.

Esse desbalanceamento entre demanda e oferta é revelado pela evolução das importações de bens e serviços, que cresceram 9,7% em 2011. Levando-se em conta a variação total do PIB, está-se diante de uma elasticidade-renda na qual para cada ponto percentual de crescimento do PIB, as importações crescem 3,6%. A partir dessa relação estrutural, pode-se imaginar qual seria a taxa de expansão das importações se a economia estivesse em franco crescimento: mantida essa elasticidade, um hipotético crescimento de 5% do PIB implicaria expansão de 18% das importações. Trata-se de um montante que evidentemente exerceria pesado impacto sobre a conta corrente que já vem se mostrando deficitária há alguns anos.

Esse aumento na propensão a importar da economia, que vem se verificando de forma contínua nos anos recentes, sinaliza que é inegável que a indústria brasileira vem percorrendo uma trajetória de perda de competitividade. Parte desse fato está realmente na questão cambial. Como está claro desde que a poeira da grande crise financeira de 2008 assentou e tornou possível enxergar a nova arquitetura da economia mundial, a taxa de câmbio competitiva de hoje é mais desvalorizada do que a de antes. Quer dizer, mantidas as demais condições de formação de custos, diante de moedas de referência mais desvalorizadas, preservar a competitividade efetiva da moeda exigiria desvalorizá-la em alguma proporção, exatamente o contrário do que ocorreu com o real.

No entanto, outra parte igualmente importante do problema não está no mundo dos preços e custos e sim no mundo das quantidades. Com a redução do ritmo de crescimento das economias líderes, e o consequente aumento da capacidade ociosa da indústria mundial, ocorreu inegável acirramento na disputa pelos mercados nacionais em expansão e o Brasil, positivamente, está nesse grupo. Metaforicamente, nesse novo quadro a produção made in Brazil teria que correr mais rápido para conseguir permanecer no mesmo lugar.

A economia brasileira enfrentou 2011 dando sinais de que o mix macroeconômico que, ao longo de quase 20 anos, vem propiciando alguma estabilidade às custas de algum crescimento, pode ser reformulado e que o país pode enfim começar a se beneficiar de juros consistentemente menores e de taxas de câmbio senão competitivas, pelo menos não tão nocivas à atividade industrial.

Mas o novo quadro competitivo internacional sugere que o sucesso na mudança do mix macroeconômico não será suficiente. Políticas competentes de desenvolvimento industrial que defendam a produção nacional - o que não necessariamente significa defender os produtores nacionais - e assegurem o crescente conteúdo tecnológico dessa produção - o que não necessariamente se resume a garantir qualquer conteúdo local - são imprescindíveis.

A história se repete, pior - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Estado de S. Paulo - 12/03/12


Em setembro de 2009, o Banco Central (BC) colocou a taxa básica de juros em 8,75% ao ano. Até aqui, é o recorde de baixa desde a introdução do regime de metas de inflação no Brasil, a partir de janeiro de 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso. Pois parece que o atual Banco Central caminha para pelo menos igualar esse recorde. Na semana passada, reduziu a taxa para 9,75% e indicou que está preparando novas quedas.

No atacado, os argumentos - e a aposta - são parecidos. Crise mundial, crescimento baixo no Brasil, inflação desacelerando.

Neste quadro, a redução dos juros locais fez parte de uma ampla política de estímulo a investimentos e consumo, mais este último, com base em mais gasto do governo, crédito público subsidiado ou não e facilidades para a tomada de crédito - a receita clássica.

Para 2009, não deu para salvar. O Brasil enfrentou uma recessão. E a inflação se comportou um pouco abaixo da meta de 4,5%. Mas 2010, por sinal um ano eleitoral, saiu muito bem: o País cresceu 7,5%, nisso replicando o movimento de forte recuperação na economia mundial. Só que a inflação brasileira foi lá para cima. Terminou 2010 com 5,9%, mas entrou acelerada no ano passado.

Ou seja, o País não comportou, mais uma vez, uma forte aceleração do crescimento. Tanto que, em abril de 2010, o Banco Central já começava a subir os juros, e foi numa escalada até os 12,5%.

É muito provável que a história se repita nesta nova tentativa de colocar os juros lá embaixo. E deve ser um problema maior ainda. Reparem: a crise mundial hoje é muito mais leve que a de 2009, quando se estava no auge dos efeitos recessivos do colapso do crédito. O crescimento brasileiro, hoje, embora tenha desacelerado, é muito mais forte do que o de três anos atrás. E a inflação corrente e as expectativas são mais altas hoje do que naquela época.

O governo pode dizer que os estímulos totais ao crescimento são menos intensos. Verdade. Mas o ambiente econômico geral responde mais rápido hoje.

Como em 2009, o governo está muito assustado com a possibilidade de enfrentar um período de baixa num ano eleitoral. Assim, acaba entrando num vale tudo.

O que se pode concluir disso tudo, para além do dia a dia? Eis uma sugestão: os últimos anos mostraram que a capacidade de crescimento do Brasil melhorou, basicamente a partir da estabilidade macroeconômica e da onda global provocada pela fortíssima expansão chinesa. Mas também tivemos vários momentos para mostrar que o Brasil não cresce mais que 4,5% sem gerar mais inflação. Reparem de novo: em 2009, com uma recessão, queda do produto de 0,6%, ainda tivemos inflação de 4,3%, muito alta para tão pouca atividade.

Já na sequência do forte crescimento de 2010, a inflação em 12 meses simplesmente ultrapassou os 7%. E no ano passado, com a expansão pífia de 2,7%, a inflação bateu nos 6,5%, o teto da margem de tolerância.

Como o governo e o Banco Central dizem hoje, direta ou indiretamente, que privilegiam o crescimento, então vai dar inflação mais alta. Até um certo nível, leva-se, mas logo fica pesado e o Banco Central tem de voltar a subir os juros e cortar estímulos.

Ou seja, nos anos recentes, não se fez mais nada de importante para elevar a capacidade de crescimento do País. Nada que elevasse o nível geral de investimentos e reduzisse o pesado custo Brasil.

O governo Dilma - até aqui, ao menos - indica não ter plano de voo de longo prazo. Vai lidando com o dia a dia. A questão, hoje, é saber quanto de inflação vai topar.

Quanto vale? O vilarejo Nicolas - Courbefy fica a 280 km de Paris, tem apenas 19 casas, todas datadas do século 16, assim como o entorno urbano. Está à venda. Sim, todo o vilarejo.

Ocorre que as famílias foram se mudando para a cidade e não ficou ninguém por lá. Conseguiram, porém, se colocar de acordo para vender a coisa toda. A ideia parece clara. O conjunto pode dar um ótimo resort, um parque ou mesmo a sede de uma grande empresa que funcione por ali. A propósito, tem um aeroporto próximo, o de Limoges, a apenas 32 km.

Quanto vale? Exatos US$ 400 mil. Quer dizer, esse foi o preço pedido no primeiro leilão, por meio de um endereço eletrônico encontrado pela colaboradora desta coluna, Karen Iscafh (*).

E querem saber? Não teve lance, pelo menos até a sexta-feira passada.

Até dá para entender. A França está em recessão, como toda a zona do euro. Houve perda de renda e desemprego alto - não é um bom momento para iniciar um investimento que certamente seria pesado.

Mas, gente, vamos reparar no preço. Dá uns R$ 700 mil, valor que estão pedindo, por exemplo, por um apartamento razoável, usado, de três quartos, em Pinheiros. E sai negócio.

Não tem algo errado aí? Pelo preço de um apartamento médio em São Paulo, compra-se uma vila com 19 casas na França.

Na verdade, são duas coisas erradas. Lá, barato e sem mercado. Aqui, um absurdo com venda.

A França pode estar barata, mas o Brasil está certamente muito caro.

Tem outro exemplo recente: um amigo vendeu um quarto - e sala em Copacabana, mas daqueles apartamentos que só têm vista para as paredes do prédio ao lado, e comprou um dois quartos - sala - cozinha ampla - vaga na garagem, com magnífica vista para o mar.

E ainda colocou um troco no bolso.

Pode?

A China e nós - PAULO GUEDES


O GLOBO - 12/03/12

A percepção é a mesma nos dois lados do Atlântico. Os países avançados se excederam, e agora o conserto vai levar alguns anos.
Os países emergentes são as novas fronteiras de crescimento da economia mundial. Assim, permanece enorme o interesse pelo Brasil, como pude constatar em rápido giro pelo exterior neste início de 2012.
Uma pergunta que me fora feita com insistência em Londres, Zurique e Genebra foi também a mais frequente em Nova York, Boston, Chicago, São Francisco e Los Angeles: "A desaceleração econômica da China pode derrubar a dinâmica do crescimento brasileiro?" Ou seja, em que medida a economia brasileira tem uma dinâmica própria de crescimento, com base em seu mercado interno de consumo de massas? Ou teria sido apenas "rebocada" pelas exportações de produtos primários e pelas altas de preços agrícolas na esteira do avanço chinês? É simples descartar os piores receios quanto aos efeitos desfavoráveis da desaceleração econômica chinesa. Foi a entrada dos eurasianos nos mercados globais que empurrou para cima os preços relativos da energia e da comida. A taxa de crescimento dos chineses afeta apenas o ritmo dessa entrada, calibrando sua migração interna de uma economia de subsistência rumo aos grandes centros urbanos. Mesmo que se abrande o ritmo de aumento das compras, a demanda por comida continuará em alta.
Por uma aplicação da Lei de Walras, as condições de equilíbrio geral nesta economia globalizada indicam preços de energia e de alimentação subindo em relação aos salários por muitos anos.
Ademais, as políticas de reflação dos bancos centrais avançados indicam também que devem continuar em alta os níveis absolutos dos preços da comida e dos produtos primários, e não apenas seus preços em relação aos salários. A atuação particularmente pirotécnica do Federal Reserve, o banco central americano, ao desvalorizar continuamente sua moeda, contribui para a aceleração da alta de preços expressos em dólar.
Ainda que caíssem esses preços com a desaceleração chinesa, subiria nosso câmbio flexível, aumentando as exportações e reduzindo as importações de móveis, calçados, têxteis, automóveis, agroindústria — e freando a desindustrialização em curso.
Foi mais fácil desmontar a sinodependência do que falar das reformas de modernização, que, assegurando aumentos de produtividade, sustentariam a dinâmica de crescimento baseada no mercado interno.

Quem fica parado é poste - MELCHIADES FILHO

Folha de S. Paulo - 12/03/12


BRASÍLIA - Uma série de contratempos ameaça o plano de reeditar com Fernando Haddad o sucesso de Dilma Rousseff, que surgiu do nada e ganhou uma eleição dura.

O ex-ministro da Educação tem atributos semelhantes aos da novata de 2010: experiência no serviço público, reputação de gestor e o fato de não ter passado pelo teste das urnas -algo que, se o faz desconhecido do eleitor e até do militante, dá à candidatura um lustro de novidade. A fina estampa fecha o pacote dos sonhos da marquetagem.

A campanha em São Paulo, porém, não largou bem. Por ora, o tratamento do câncer impede que Lula comande as operações.

A construção de Dilma, vale lembrar, começou com quatro anos de dianteira. Foi em 2007 que Lula apresentou a "mãe do PAC".

Sem o ex-presidente do lado, Haddad tem dificuldade em aparecer. Daí seus números esquálidos nas pesquisas. No Datafolha, são 3% de intenção de voto. Em fevereiro de 2010, Dilma já cravava 28%.

A ausência de Lula ajuda a explicar também o bate-cabeças dentro do PT, que se engalfinha por nacos de poder na campanha, e a dificuldade em reproduzir a coalizão federal em São Paulo. O PMDB, que em 2009 já engatava com Dilma, agora insiste no voo solo. Até aqui, Haddad não amarrou nem o PC do B.

Ao candidato conviria uma aliança ampla, pois o antipetismo na cidade é maior que no Brasil. O PT paulista foi o QG dos grandes escândalos da era Lula. Sua passagem pela prefeitura deixou pouca saudade -a boa avaliação de Marta Suplicy na reta final do mandato acabou corroída pela propaganda adversária.

Dilma, que goza de alta popularidade em São Paulo, poderia ajudar. Mas correrá ela o risco de derrota em um tira-teima contra José Serra?

A sorte petista numa eleição tão "nacionalizada" parece depender de outro fator: os eventuais erros do tucano, numerosos em 2010.

Bailes e bailes - FÁBIO SEIXAS

FOLHA DE SP - 12/03/12

RIO DE JANEIRO - A polícia do Rio viveu um momento de ternura na sexta-feira à noite. Policiais da UPP dos morros da Coroa, do Fallet e do Fogue teiro foram "príncipes" do baile de 15 debutantes locais. Como cinco são órfãs, dançaram a segunda valsa com oficiais, entre eles o coronel Erir Ribeiro, comandante da PM.

As três favelas estão no coração do Rio, foram pacificadas há pouco mais de um ano e são peças-chave para a inteligente estratégia de fechar o maciço da Tijuca -o anel de favelas que tem o Maracanã, e a Copa de 2014, no centro.

Sim, ainda há problemas por lá, como as confusões no morro de São Carlos na noite do domingo de Carnaval.

Mas não há como negar que o domínio hoje é do Estado, e não mais do tráfico. O baile de debutantes, experiência já vivida em outras áreas com UPPs, é emblemático.

Essa é a parte bonita da história, o lado que funciona.

O lado B está na periferia.

Os arrastões deixaram as praias e ganharam novos ares. Ontem de manhã, foi na Dutra, na altura de Belford Roxo, Baixada Fluminense. Já Niterói vive noites de terror, com invasões de apartamentos, explosões de caixas eletrônicos e sequestros. Ali perto, no Jardim Catarina, em São Gonçalo, um homem foi morto no sábado.

Em Duque de Caxias, um grupo de milicianos mantinha um clube com palco para shows, caixas-d'água cheias de latas de cerveja e uma central clandestina de TV a cabo com mais de 3.000 assinantes.

Caíram na semana passada. Mas quantos não continuam em pé, lá mesmo e em outros cantos sem UPPs?

A fórmula para resolver, com direito até a momentos de ternura, já se conhece. A questão agora é aritmética. Haverá orçamento para expandir o modelo que está dando certo no centro do Rio? Se não houver, o cenário que se pinta é feio, muito feio.

Longe das UPPs, quem está dando um baile é o crime.

Crescimento? - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 12/03/12

O anúncio dos indicadores de desempenho da economia brasileira em 2011 inclui recados e lições importantes.

O recado, no campo das relações entre o governo e a sociedade, é o de que não é mais possível vender fantasias. Depois de passar boa parte de 2011 prevendo um crescimento acima de 5%, mesmo sabendo que essa era uma meta inatingível em função de distorções na condução da política econômica e da crise mundial, as autoridades se vêm forçadas a encarar a realidade: um crescimento pífio, perto de um terço do registrado em 2010, 50% menor que as previsões oficiais para o ano passado e aquém dos países emergentes.

Constata-se que, além da crise mundial que tem impacto no Brasil, os equívocos da política econômica funcionaram como freios ao setor produtivo, pondo em risco um dos mais relevantes patrimônios da sociedade brasileira: a indústria nacional, que perde competitividade global de forma contínua e crescente. Ao evoluir apenas 1,6% em 2011, o setor puxou para baixo o crescimento da economia como um todo.

O mais grave é que a indústria de transformação, que tem maior intensidade tecnológica, portanto maior valor agregado e estratégico, cresceu menos ainda -ínfimos 0,1%. Ou seja, nada. Abrir mão de avanços na indústria de transformação equivale a abdicar de inovar e desenvolver tecnologia, configurando um ciclo perverso que nos torna reféns de países que fazem exatamente o contrário.

Por fim, as lições. É preciso esquecer o retrovisor e olhar para o futuro, que, no curto prazo, nos cobra ações que neutralizem os efeitos nocivos da sobrevalorização do real e, no médio e longo prazos, nos exige as reformas estruturais (tributária, previdenciária e de relações trabalhista), cuja postergação mina a competitividade da economia brasileira e, sobretudo, turbina o processo de desindustrialização.

A indústria de transformação, que por longas décadas manteve participação superior a 30% na formação do PIB, hoje oscila ao redor de 15% e com tendência de continuar caindo diante da inação oficial.

É ainda mais grave constatar que 2012 começa como terminou 2011: um dia após o anúncio do "pibinho", confirmou-se a queda de 2,1% na produção industrial em janeiro, comparada a dezembro. A CNI aponta queda de 1,4% no faturamento no período.

Esse cenário afeta a todos e, em especial, setores mais expostos à concorrência externa, bem como economias

regionais voltadas ao comércio internacional. Igualmente preocupante é ver, na contramão do sentido de urgência que a crise exige, que o governo toma medidas anacrônicas e ufanistas, que conduzem à perpetuação das ineficiências, ao encarecimento do custo de vida e ao afastamento dos investimentos.

Será Putin tão "mau" assim? - LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA


FOLHA DE SP - 12/03/12


Ele liderou a retomada econômica do país e fez os cidadãos voltarem a ter orgulho de serem russos



O Ocidente tem uma opinião sobre quais são os bons e os maus governantes nos países em desenvolvimento. São "bons" os dirigentes que abrem as portas de seus países para suas empresas multinacionais, para suas exportações e para as operações de suas instituições financeiras. São "maus" os que são nacionalistas e pensam em termos do interesse nacional de seus países; que buscam construir ou consolidar sua nação e garantir seu desenvolvimento industrial.

Vladimir Putin, que acaba de ser eleito presidente da Rússia com enorme maioria, está entre os maus. Não se chega a dizer que é um "ditador" -adjetivo de eleição para os governantes nacionalistas, mas geralmente esquecido quando se trata de um ditador "aliado"-, mas é qualificado de autoritário, de corrupto e de perseguidor de empresários por definição. Será o líder russo tão "mau" assim?

De tanto o Ocidente repetir suas críticas, elas parecem verdadeiras. E certamente há algo de verdade nelas. Mas é preciso considerar os resultados alcançados, o que podemos fazer, primeiro, comparando os oito anos do governo que o antecedeu -de Boris Ieltsin- com os primeiros oito anos do seu governo. E, em seguida, comparar os dois períodos com o Brasil. O crescimento do PIB nesses quatro períodos está no quadro ao lado.

Nos anos 90, Boris Ieltsin era um dos "heróis reformistas" do Ocidente. O único outro governante que com ele podia ser comparado era Carlos Menem, na Argentina, embora fosse sabidamente corrupto e estivesse frequentemente alcoolizado. Durante seu governo, o PIB da Rússia, naquela época inteiramente subserviente ao Ocidente, caiu 24,8%. Foi um desastre nacional.

Nesses anos, o número de suicídios no país aumentou exponencialmente. Já nos oito anos seguintes, sob Putin, o PIB cresceu 83%, e os padrões de vida melhoraram.

Não é difícil, portanto, compreender por que o povo russo tem lhe dado um apoio tão forte. Ele não só liderou a retomada do desenvolvimento econômico; também fez os russos voltarem a se orgulhar de serem russos. E isso não é pouco.

Mas não era de se esperar para a Rússia esse crescimento extraordinário? Se fosse, seria também de se esperar para o Brasil. Afinal, os dois países são Brics. Entretanto, enquanto entre 2000 e 2008 o PIB brasileiro cresceu 38,8%, o russo cresceu mais que o dobro. Parte do crescimento russo foi para recuperar a perda. Deixemos dois anos de lado e comparemos o período de 2002 a 2010. O resultado é ainda favorável aos russos: 36,6% para o Brasil contra 44,8% para a Rússia, não obstante esta tenha sido atingida mais duramente pela crise de 2008.

Logo, considerando-se os dados apresentados, fica difícil considerar Vladimir Putin "mau", e o povo russo, incompetente por elegê-lo. Não poderíamos, então, recorrer ao critério ético? Esse não é o critério do Ocidente, mas pode ser o nosso.

Mas é preciso considerar que os grandes políticos raramente são santos. São sempre ambiciosos, implacáveis com seus adversários e nem sempre muito honestos, mas muitos combinam esses defeitos com competência e espírito público. Logo, se julgarmos os políticos apenas de acordo com critérios éticos, teremos que rejeitar muitos que sempre consideramos estadistas.

Ao avaliarmos os governantes, é mais razoável ver aquilo que eles realmente fazem por seus países.

Dados grávidos - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO



O Estado de S. Paulo - 12/03/12


Nos EUA, um pai ficou indignado ao encontrar, na sua caixa de correio, cupons de desconto para roupas de bebê enviados por uma cadeia de varejo em nome de sua filha menor de idade. Acusou a loja de tentar induzir a garota a ser mãe precocemente. Mas, após confrontar a adolescente, descobriu que a filha já estava grávida. Só ele não sabia.

Os estatísticos da loja de departamentos Target não tiveram acesso a nenhum teste de gravidez. Apenas inferiram que aquela consumidora iria dar à luz cruzando informações de compras: a mudança no seu padrão de consumo era consistente com o de outras grávidas. Foram tão precisos quanto um exame de ultrassom.

A história - quase boa demais para ser verdade - ilustra reportagem do The New York Times intitulada Como companhias aprendem os seus segredos. A rigor, não é dos segredos de uma pessoa, mas dos hábitos da multidão, que as empresas estão atrás. Juntando os seus aos meus, descobrem os nossos. Tudo para determinar padrões e prever comportamentos. No conjunto, somos muito mais parecidos uns com os outros do que gostamos de admitir.

Na reportagem, analistas da Target revelaram, orgulhosos, como são capazes de prever, com pequena margem de erro, a data do parto ou o sexo da criança. Tudo com base no consumo de loção de pele, na quantidade de tufos de algodão comprados e na cor do tapete encomendado para o quarto do bebê. Esses itens fazem parte de uma cesta de 25 produtos que compõem o "índice de predição de gravidez" criado pela loja. Não é piada, é dinheiro.

Você pode achar que ninguém está prestando muita atenção em como usa seu cartão de crédito, no que faz com seu mouse e com seu celular ou por onde você anda com seu carro, mas isso não muda o fato de que há gente cuja missão profissional é colecionar, organizar e analisar dados sobre você. É íntimo, mas não é pessoal: é universal.

Código numérico. No mundo do chamado "Big Data", o nome importa menos que o CPF, que o endereço eletrônico ou que o número do cartão de crédito. Importante é juntar dados sobre a maior massa possível de consumidores, contribuintes, motoristas e internautas. Não para espioná-los - em princípio -, mas para transformar cada um deles num código numérico unificado. Afinal, há menos algarismos do que letras, o que agiliza a computação.

Há cada vez melhores aplicativos para reconciliar bilhões de dados de diferentes origens com o objetivo de determinar que o dono do CPF "tal" é também a pessoa por trás daquele e-mail, deste cartão de crédito, de certo endereço I.P. e - por que não? - de um determinado título de eleitor.

Na caça ao seu voto, políticos fazem "microtargeting". O site Pro Publica relatou como um casal norte-americano recebeu ao mesmo tempo, enquanto ambos assistiam à TV no sofá, duas mensagens diferentes do comitê de campanha de Barack Obama em seus celulares. Com palavras e argumentos diversos, elas pediam a mesma coisa: dinheiro. O site descobriu pelo menos seis versões diferentes da mesma mensagem disparadas para os celulares de possíveis apoiadores do presidente dos EUA.

A diferenciação da forma se deve a diferentes estratégias elaboradas pelos marqueteiros de Obama para diferentes perfis de eleitor. A meta é evocar o tema que mais interessa a cada um, no momento certo e do jeito que, imaginam, tornará o apelo mais sedutor - do mesmo jeito que a Target manda cupons de desconto de roupas de bebê para adolescentes grávidas.

Enquanto isso, a Casa Branca tenta regular a fome de dados das empresas. Propôs a lei de direitos de privacidade do consumidor. O texto prevê transparência por parte das empresas, controle individual dos consumidores sobre suas informações e limites ao uso dos dados. Mas, como os e-mails de campanha demonstram, o próprio Obama pratica microtargeting.

No Brasil, a técnica foi usada em campanhas de presidente e governador, em 2010. Apesar da carência de dados - quando comparadas às bases de dados dos EUA, onde o marqueteiro conhece centenas de características de cada eleitor -, estrategistas de Marina Silva e Sergio Cabral, por exemplo, conseguiram "fatiar" o eleitorado e desenvolver um tipo de campanha para cada segmento, de acordo com seus interesses e prioridades.

É algo que está fazendo falta ao governo federal. Não só para avaliar políticas públicas com eficiência, mas para mirar com precisão os interesses de cada parlamentar da chamada base aliada. Sem esse controle fino, o Planalto corre o risco de, como o pai daquela adolescente grávida, ser o último a saber das estripulias de seus afilhados no Congresso.

Liberdade às avessas - DENIS LERRER ROSENFIELD


O Estado de S.Paulo - 12/03/12


O índice de liberdade de uma sociedade se mede pela autonomia concedida aos seus cidadãos para decidirem por si mesmos o seu próprio destino. Isso diz respeito aos mais variados domínios, desde a escolha aparentemente anódina de um jornal ou canal de TV até o livre exercício de seu gosto, passando pelas mais diferentes áreas, como saúde, religião e, em geral, a forma de vida de cada um.

Espaços de liberdade não são dados, mas diariamente conquistados. Conquistados contra usurpações, sufocamentos, sobretudo quando o Estado intervém em nome de um bem supostamente maior, como uma "informação mais democrática" ou a saúde dos indivíduos. É como se os indivíduos não fossem capazes de exercer a liberdade de escolha, necessitando de um poder tutelar.

O País tem convivido com várias tentativas de sufocamento da liberdade da imprensa e dos demais meios de comunicação, apesar de o Supremo Tribunal Federal e a própria presidente da República se terem pronunciado claramente a respeito. Ocorre frequentemente que decisões do Supremo e diretrizes presidenciais simplesmente são seguidas, numa aposta dos contestatários de que conseguirão reverter esse processo via mudança da opinião pública. Manifestações dos mais diferentes tipos se multiplicam, tendo como pressuposto que algo "melhor" estaria sendo oferecido, uma espécie de "bem maior", com o objetivo de forçar o convencimento.

Trata-se do caso que ressurge sistematicamente de "democratização dos meios de comunicação", nova roupagem do "controle social da mídia", pois esta última expressão, na verdade, não colou. Controle soava por demais forte no que concerne ao controle de conteúdo, do que é noticiado e transmitido. Democracia, enfim, é um termo, num primeiro momento, que todos congrega, como se tivéssemos um acordo de princípio. Não podemos esquecer que decisões do Supremo, por exemplo, podem ser revertidas mediante substituição de seus membros, onde se torna um fator importante o que a opinião pública pensa de determinado assunto.

Em todo caso, a linha de corte deveria ser a liberdade dos indivíduos que dispõem de vários instrumentos à sua disposição para exercer seu direito: comprar ou não um jornal ou revista ou mudar de canal de televisão com o uso do controle remoto. Aliás, esse controle, "remoto", é um belo exemplo do exercício de liberdade de escolha, pois a democracia se ancora nos direitos individuais. Devemos estar atentos para que, em nome da democracia, não se elimine um alicerce dela que é, precisamente, a liberdade de escolha. Ficaríamos com um arremedo de democracia.

Outro caso que reiteradamente tem vindo à baila diz respeito às ações da Anvisa no que concerne à liberdade de escolha, intervindo mais diretamente na questão da saúde como suposto bem maior. O problema é que a saúde, enquanto valor, não pode ser uma imposição estatal, mesmo que apareça travestida da forma "democrática" da consulta pública. Aliás, tem acontecido que, quando a audiência pública contraria as diretrizes desse órgão, ela não é levada em consideração.

Exemplos são inúmeros. Um dos mais recentes concerne à proibição da sibutramina como remédio para emagrecimento, mesmo sob rigoroso controle médico. É como se médicos fossem incapazes de decidir por si mesmos, carecendo de tutela. E agora são as orientações dessa agência contra a liberdade de fumar, que adota uma forma mais palatável por comparecer sob a roupagem politicamente correta da saúde pública, do bem dos indivíduos. Tomemos o caso, que me parece exemplar, do uso de aditivos na produção de tabaco, agora submetido a consultas públicas. O argumento usado é o do sabor, que poderia ser um estímulo à iniciação ao fumo por crianças. Ora, já existe lei, que deve ser rigorosamente seguida, proibindo que jovens fumem ou bebam até atingirem a idade adulta. Nesse momento estarão suficientemente informados de efeitos nocivos do uso abusivo desses produtos. Se quiserem prejudicar sua saúde, é problema exclusivo dos que assim optarem.

Não é a mesma coisa a escolha de uma pessoa de 10 ou de 20 anos. Não cabe ao Estado tutelar quem atingiu a maioridade, cabendo à família o cuidado dos menores. Se certas famílias são incapazes de exercer sua função, cabe, então, ao governo estabelecer e fazer cumprir a lei - como o são as restrições ao fumo, à bebida ou à compra de medicamentos por menores. A liberdade de escolha exige o exercício completo da razão, que não é o caso de um menor de idade. A Anvisa está a tal ponto invadindo os espaços individuais que uma questão de gosto por um produto se torna objeto de proibição, atingindo o exercício de uma atividade econômica constitucionalmente reconhecida. Na verdade, o que essa agência está produzindo é um impulso para o ilícito, com o aumento, por exemplo, da produção e venda ilegal de cigarros.

A liberdade de escolha, queira ou não a Anvisa, continuará a ser exercida, mesmo que se faça pelo mercado negro. No caso em questão, ele já remonta a aproximadamente 30% do que é consumido no País. Resultado: menos impostos e mais desemprego, seja de agricultores familiares ou de trabalhadores nas indústrias e na cadeia produtiva. O que essa intervenção estatal está logrando é forçar os consumidores a uma liberdade às avessas, feita fora do mercado (legal) propriamente dito. Em nome da saúde, a liberdade é pervertida no mercado negro.

Tolerância e bom senso deveriam ser políticas governamentais, com base no pleno reconhecimento da liberdade de escolha. O grande desafio consiste em reconhecer que a liberdade de escolha não pode ser fragmentada. O que se atinge num setor se reflete em outro. Tanto pode ser o uso do controle remoto quanto a opção pelo gosto de um determinado produto, qualquer que seja. Uma obra de arte e uma garrafa de vinho podem ser bons exemplos disso.

Sem imposições - ROMÁRIO


O GLOBO - 12/3/12
Minha relação com o futebol é conhecida no Brasil e no exterior. Desde meus tempos de jogador do Estrelinha, time fundado pelo meu pai na Vila da Penha, alimentei, como muitos meninos brasileiros, dois grandes sonhos: jogar uma Copa do Mundo pela nossa Seleção e ver o Brasil sediar um Mundial. O primeiro eu realizei em 94, ajudando o Brasil na conquista do tetra. O segundo será agora, se Deus quiser, em 2014.
Esse amor pelo futebol e o desejo de ver nosso país realizar uma Copa extraordinária contribuíram para que a fiscalização dos preparativos para o Mundial se tornasse uma das bandeiras do meu mandato de deputado federal. Não posso assistir calado aos mesmos abusos que já vimos tantas vezes no Brasil, inclusive na organização de eventos esportivos. Como tenho dito em diversas oportunidades, sei que o dinheiro despejado em obras superfaturadas, em elefantes brancos (o TCU já denunciou que quatro das 12 arenas se tornarão elefantes brancos), vai fazer falta na Saúde, na Educação, na Segurança, na acessibilidade etc. Não podemos aceitar.
Aliás, não posso aceitar calado que se gaste mais de R$ 1 bilhão para descaracterizar um estádio como o Maracanã. Essa dinheirama poderia, com certeza, ter sido gasta de outra forma, sem transformar em poeira o grande templo do nosso futebol.
Como vice-presidente da Comissão de Turismo e Desporto, visitei cada uma das cidades-sedes. Vi de perto o que estava sendo feito e, em muitas cidades, o que NÃO estava sendo feito, ou havia começado com muito atraso. Pude observar que, se muita coisa não mudar, e rápido, não teremos a mobilidade urbana, que era um dos principais legados previstos. Pelo que sei, menos de 30% das obras foram iniciados. O programa Mobilidade Urbana, do governo federal, por exemplo, ficou quase parado em 2011. Dos R$ 650 milhões previstos, só 0,02% foi executado! E os aeroportos? Só Rio, Campinas, Curitiba e Natal deram início às obras. É uma situação preocupante. Uma vergonha.
Também acho inaceitável que esses preparativos sejam feitos atropelando os direitos das pessoas, com desapropriações a toque de caixa. Será que os cariocas, os paulistas, os cearenses, querem como legado da Copa a favelização? Aposto que não.
Não podemos permitir que a Lei Geral da Copa passe por cima da soberania brasileira para atender aos interesses da Fifa, que só vai ficar aqui um mês. Temos, também, que estar vigilantes para garantir que a Copa das Confederações e a Copa do Mundo deixem um legado positivo para o nosso povo. Por isso, com o apoio da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, de que sou vice-presidente, lutei para garantir a acessibilidade nos estádios da Copa. E fiquei contente por termos conseguido o compromisso da CBF de destinar 32 mil ingressos para pessoas com deficiência. Mas ainda falta muito para o ideal.
Não abro mão das bandeiras que orientam a minha atividade política. Podem me esculachar, se quiserem: nada me tira do meu foco. Nunca me preocupei em ser unanimidade, e sei que quando abro a boca para criticar a Fifa, a CBF ou a desonestidade de políticos e empresários, não sou apenas o Romário, e sim a voz de milhões de brasileiros.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 12/03/12
60 obras em estradas serão licitadas até o mês de maio

Empresários da indústria de construção pesada de São Paulo esperam a liberação de cerca de 60 obras para licitação até o mês de maio.

O número de projetos que receberão recursos no curto prazo foi informado pelo DER (Departamento de Estradas de Rodagem) em reunião na semana passada com diretores das companhias ligadas ao Sinicesp (que reúne empresas de construção), de acordo com Silvio Ciampaglia, presidente do sindicato.

Mais de R$ 10 bilhões serão investidos pelo governo estadual no programa de recuperação de rodovias até 2014, segundo a entidade.

"Agora nos foi mostrado um panorama mais correto das obras que vão ser postas em concorrência. Serão cerca de 60 entre março e maio", afirma Ciampaglia.

"Estávamos aguardando isso e nos foi dito que as licitações serão, em breve, publicadas no Diário Oficial", acrescenta ele.

Demoram em média dois meses entre a licitação e a assinatura de um contrato, segundo Ciampaglia.

"Isso significa que entre junho e agosto os contratos estarão em andamento."

O volume de vagas de trabalho geradas deve ficar em torno de 6.000, de acordo com cálculos de Ciampaglia.

A parte mais importante das obras corresponde à recuperação de rodovias estaduais.

"O governo anterior investiu muito em estradas vicinais, que atendem mais os municípios. Agora vem a recuperação da malha de rodovias estaduais", afirma.

Sem medo de arriscar

Redpoint e eVentures, duas firmas de "venture capital" (capital de risco) de Silicon Valley, nos EUA, estão se unindo para formar um fundo no Brasil.

Com mais de US$ 3 bilhões sob sua administração no exterior, eles entraram em negócios que engatinhavam no mercado de internet, como Groupon e Netflix.

No Brasil, as duas firmas tinham investido separadamente em quatro empresas em estágio inicial: Grupo Xangô, Shoes4you, Viajanet, 55Social.

O escritório em SP será dirigido pelo francês Yann de Vries e pelo brasileiro Anderson Thees.

"Nos interessamos por e-commerce, celular, media e computação em nuvem", diz o alemão Mathias Schilling, fundador do eVentures/BV Capital. "Não temos medo de fracassar." Cerca de 30% das "startups" não decolam, acrescenta o americano Jeff Brody, fundador do Redpoint.

Para ele, é essencial estar em solo brasileiro.

"Aprendemos na China que, para encontrar oportunidades e apoiar empreendedores, não adianta ficar só voando para cá. Foco e acesso são indispensáveis para o sucesso."

"Não adquirimos o controle das empresas, diz Schilling. "Compramos cerca de 25% e ficamos entre cinco e sete anos, podendo passar de dez."

Estudos renováveis

A Associação Brasileira de Energia Eólica prepara um centro de pesquisas para desenvolver tecnologia para o setor de energia renovável.

O centro, porém, depende do sucesso de uma rede de pesquisas que está em formação. Até o final deste semestre, o plano da rede será apresentado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

"Esperamos que o governo entre [no projeto], pois os estudos podem ampliar a energia renovável no país e diminuir a emissão de gases", diz o presidente da associação, Ricardo Simões.

As pesquisas devem englobar diferentes partes da cadeia de produção.

Dinheiro no bolso

A expectativa de renda na Alemanha aumentou em fevereiro, na comparação com janeiro deste ano, e se aproximou do registrado no mesmo período de 2011.

Em escala que varia de -100 a 100, a expectativa ficou em 41,3. Em fevereiro do ano passado, estava em 42,9, de acordo com estudo da empresa de pesquisas GfK.

A propensão a consumir e a expectativa econômica, no entanto, recuaram em relação a janeiro deste ano (de 41,8 para 39,2 e de 7,5 para 5,9, respectivamente).

Os três indicadores estão em patamares inferiores aos registrados há 12 meses.

A pesquisa é realizada mensalmente por meio de cerca de 2.000 entrevistas.

Caminhos da gastronomia

O chef de cozinha e empreendedor social David Hertz foi convidado a tomar parte do grupo de Young Global Leaders, do Fórum Econômico Mundial.

Com a Gastromotiva, organização que capacita jovens de baixa renda com curso profissionalizante em gastronomia, Hertz venceu em 2009, o prêmio Empreendedor Social do Futuro, concedido pela Folha.

"Formávamos, então, entre 35 e 50 jovens. Depois do prêmio da Folha, mudamos o modelo para ter causar mais impacto. Neste ano, serão 80 e abrimos outras frentes", afirma.

"Muitos formados preferiram voltar para suas comunidades e passaram a replicar o conhecimento, formando outros jovens em seus pequenos restaurantes e associações comunitárias."

Hertz está envolvendo também chefs e agências da União Europeia.

"São vários os caminhos para promover inclusão social através da gastronomia."

Como comprar felicidade - GUSTAVO CERBASI

FOLHA DE SP - 12/03/12

O consumo contribui para sua felicidade, pois é uma forma de obter satisfação pessoal. Pense na felicidade de tomar um café para aliviar a sensação de sono, de ler um livro para se informar ou se distrair, ou de ir à manicure para receber cuidados. E que tal a felicidade de tirar férias? De trocar de carro? De comprar uma TV nova?
Obviamente, a felicidade obtida por meio do consumo não é tão intensa e duradoura quanto a que sentimos ao conquistar grandes objetivos, como passar na faculdade, casar, ter filhos ou quitar a casa própria. Mas, sendo esses grandes objetivos pouco numerosos ao longo de nosso viver, não é exagero apontar o consumo como nossa fonte mais frequente de felicidade.
Porém, antes de sair gastando alucinadamente em busca de prazer, é importante perceber que não é exatamente o ato do consumo que nos faz felizes. Felicidade é um estado de espírito e não uma reação momentânea a um acontecimento. O que realmente contribui para nosso bem-estar é a maneira com que aproveitamos os acontecimentos em nossa vida.
Em outras palavras, não é o nascimento do filho que nos faz felizes, mas sim a realização de poder criar um descendente. Não é a compra do carro, mas sim a possibilidade de dirigir com mais eficiência, conforto, design e admiração dos amigos. Não é a aquisição do cosmético, mas a sensação de rejuvenescimento. Tão importante quanto adquirir bens ou serviços é poder aproveitá-los da melhor maneira possível. Isso faz com que sejamos recompensados por nossas escolhas.
Entretanto, a falta de planejamento leva muitas pessoas ao consumo sem que tenham real condição de aproveitar aquilo que compram. Quanto mais impulsivo for o consumidor, mais ele terá roupas não usadas no armário, eletrodomésticos pouco aproveitados, férias insatisfatórias, livros mofando sem serem lidos e outros bens mal-escolhidos.
Sem aproveitar suas compras, sua única lembrança de felicidade estará associada ao ato da compra em si e por isso ele tenderá a comprar mais. A impulsividade tende a se transformar em compulsão.
É bastante comum também a situação em que a pessoa, por mais que tenha um padrão de consumo admirável, não se sinta feliz com suas escolhas. Normalmente, isso acontece quando o consumo gera mais frustrações que recompensas.
Um exemplo típico de consumo frustrante é quando alguém não planeja férias com antecedência, mas, ao se ver diante da oportunidade ou do convite para aproveitar férias por vencer, decide comprar o primeiro pacote de viagens que vê pela frente. Independentemente de ser um destino interessante ou não, a pessoa terá de parcelar sua compra, já que não se planejou para isso.
As férias não tiveram espaço no orçamento dos meses anteriores à viagem. Mas, para honrar as prestações assumidas para os meses seguintes, a pessoa terá de eliminar hábitos de sua rotina. Por mais que a viagem tenha sido interessante, cada prestação a pagar será um motivo de arrependimento.
Além disso, não haverá verba para sair com amigos, contar as histórias e as novidades, mostrar fotos. Sem esse convívio, não existirá o desfrute duradouro daquele consumo, que faria a pessoa mais feliz. Mais provável é que o arrependimento de cada prestação a pagar condicione a pessoa, inconscientemente, a não ter pressa para tirar férias novamente.
Seria bem diferente se, meses antes das férias, a pessoa estivesse planejando e poupando. O objetivo definido seria argumento para deixar de lado excessos de consumo.
Poupar não seria um sacrifício, mas sim uma gincana motivada pela expectativa. A realização do sonho seria o fim do processo, não o começo. Ao voltar das férias, com as contas quitadas, além de descansada a pessoa passaria a contar com recursos para socializar e curtir o momento -afinal, não estaria mais poupando. Resultado: felicidade continuada.
Se você quer ser mais feliz, planeje e poupe antes de consumir. Ambicione, conquiste e aprenda a degustar por um bom tempo suas conquistas, no lugar de cultivar o pobre vício em consumo.

Governo? Que governo? - MARCO ANTONIO VILLA


O Estado de S.Paulo - 12/03/12


O rei está nu. Na verdade, é a rainha que está nua. Ninguém, em sã consciência, pode dizer que o governo Dilma Rousseff vai bem. A divulgação da taxa de crescimento do País no ano passado - 2,7% - foi uma espécie de pá de cal. O resultado foi péssimo, basta comparar com os países da América Latina. Nem se fala se confrontarmos com a China ou a Índia. Mas a política de comunicação do governo é tão eficaz (além da abulia oposicionista) que a taxa foi recebida com absoluta naturalidade, como se fosse um excelente resultado, algo digno de fazer parte dos manuais de desenvolvimento econômico. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, sempre esforçado, desta vez passou ao largo de tentar dar alguma explicação. Preferiu ignorar o fracasso, mesmo tendo, durante todo o ano de 2011, dito e redito que o Brasil cresceria 4%.

A presidente esgotou a troca de figurinos. Como uma atriz que tem de representar vários papéis, não tem mais o que vestir de novo. Agora optou pelo monólogo. Fala, fala e nada acontece. Padece do vício petista de que a palavra substitui a ação. Imputa sua incompetência aos outros, desde ministros até as empresas contratadas para as obras do governo. Como uma atriz iniciante após um breve curso no Actors Studio, busca vivenciar o sofrimento de um governo inepto, marcado pelo fisiologismo.

Seu Ministério lembra, em alguns bons momentos, uma trupe de comediantes. O sempre presente Celso Amorim - que ignorou as péssimas condições de trabalho dos cientistas na Antártida, numa estação científica sucateada - declarou enfaticamente que a perda de anos de trabalho científico deve ser relativizada. De acordo com o atual titular da Defesa, os cientistas mantêm na memória as pesquisas que foram destruídas no incêndio (o que diria o Barão se ouvisse isso?).

Como numa olimpíada do nonsense, Aloizio Mercadante, do Ministério da Educação (MEC), dias atrás reclamou que o Brasil é muito grande. Será que não sabe - quem foi seu professor de Geografia? - que o nosso país tem alguns milhões de quilômetros quadrados? Como o governo petista tem a mania de criar ministérios, na hora pensei que estava propondo criar um MEC para cada região do País. Será? Ao menos poderia ampliar ainda mais a base no Congresso Nacional.

Mas o triste espetáculo, infelizmente, não parou.

A ministra Maria do Rosário, dos Direitos Humanos, resolveu dissertar sobre política externa. Disse como o Brasil deveria agir no Oriente Médio, comentou a ação da ONU, esquecendo-se de que não é a responsável pela pasta das Relações Exteriores.

O repertório ministerial é muito variado. Até parece que cada ministro deseja ardentemente superar seus colegas. A última (daquela mesma semana, é claro) foi a substituição do ministro da Pesca. A existência do ministério já é uma piada. Todos se devem lembrar do momento da transmissão do cargo, em junho do ano passado, quando a então ministra Ideli Salvatti pediu ao seu sucessor na Pesca, Luiz Sérgio, que "cuidasse muito bem" dos seus "peixinhos", como se fosse uma questão de aquário. Pobre Luiz Sérgio. Mas, como tudo tem seu lado positivo, ele já faz parte da história política do Brasil, o que não é pouco. Conseguiu um feito raro, na verdade, único em mais de 120 anos de República: foi demitido de dois cargos ministeriais, do mesmo governo, e em apenas oito meses. Já Marcelo Crivella, o novo titular, declarou que não entende nada de pesca. Foi sincero. Mas Edison Lobão entende alguma coisa de minas e energia? E Míriam Belchior tem alguma leve ideia do que seja planejamento?

Como numa chanchada da Atlântida, seguem as obras da Copa do Mundo de 2014. Todas estão atrasadas. As referentes à infraestrutura nem sequer foram licitadas. Dá até a impressão de que o evento só vai ser realizado em 2018. A tranquilidade governamental inquieta. É só incompetência? Ou é também uma estratégia para, na última hora, facilitar os sobrepreços, numa espécie de corrupção patriótica? Recordando que em 2014 teremos eleições e as "doações" são sempre bem-vindas...

Não há setor do governo que seja possível dizer, com honestidade, que vai bem. A gestão é marcada pelo improviso, pela falta de planejamento. Inexiste um fio condutor, um projeto econômico. Tudo é feito meio a esmo, como o orçamento nacional, que foi revisto um mês após ter sido posto em vigência. Inacreditável! É muito difícil encontrar um país com um produto interno bruto (PIB) como o do Brasil e que tenha um orçamento de fantasia, que só vale em janeiro.

Como sempre, o privilégio é dado à política - e política no pior sentido do termo. Basta citar a substituição do ministro da Pesca. Foi feita alguma avaliação da administração do ministro que foi defenestrado? Evidente que não. A troca teve motivo comezinho: a necessidade que o candidato do PT tem de ampliar apoio para a eleição paulistana, tendo em vista a alteração do panorama político com a entrada de José Serra (PSDB) na disputa municipal. E, registre-se, não deve ser a única mudança com esse mesmo objetivo. Ou seja, o governo nada mais é do que a correia de transmissão do partido, seguindo a velha cartilha leninista. Pouco importam bons resultados administrativos, uma equipe ministerial entrosada. Bobagem. Tudo está sempre dependente das necessidades políticas do PT.

A anarquia administrativa chegou aos bancos e às empresas estatais. É como se o patrimônio público fosse apenas instrumento para o PT saquear o Estado e se perpetuar no poder. O que vem acontecendo no Banco do Brasil seria, num país sério, caso de comissão parlamentar de inquérito (CPI). Aqui é visto como uma disputa de espaço no governo, considerado natural.

Mas até os partidos da base estão insatisfeitos. No horizonte a crise se avizinha. A economia não está mais sustentando o presidencialismo de transação. Dá sinais de esgotamento. E a rainha foi, desesperada, em busca dos conselhos do rei. Será que o encanto terminou?

Inútil fanfarronice - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 12/03/12
O Brasil já sediou uma Copa do Mundo (em 1950), a seleção participou de todas as edições do Mundial e, de 1974 a 1998, sentou-se na cadeira de presidente da Fifa o brasileiro João Havelange. Por si só, estas credenciais são evidência de que o país não entrou como neófito no bilionário jogo pelo direito de promover a competição em 2014, o que lhe foi assegurado após uma mobilização que uniu o governo federal, dirigentes esportivos e a sociedade.
Junte-se a isso o fato de que, ao estimular o lançamento da candidatura brasileira, o poder público comprometeu-se com um caderno de encargos. Nele, a entidade sediada em Zurique apresenta explicitamente uma plataforma de exigências para os países interessados em promover o evento. Entre elas, além da reforma e/ou construção de estádios, inversões urbanísticas e mudanças na legislação.
São inaceitáveis, portanto, as demonstrações de bravata do governo brasileiro que têm marcado as relações com a Fifa. Primeiro, porque não contribuem para desfazer os gargalos que, de fato, existem na preparação do país para a Copa. Na verdade, esse tipo de postura parece querer disfarçar a leniência e a falta de empenho do poder público em relação aos compromissos assumidos. Segundo, porque não cabe contrabandear para a organização do evento fanfarronices que, além de dificultar os necessários entendimentos entre as partes envolvidas na preparação da competição, dão margem a um tipo de discussão mais apropriado às arquibancadas, em detrimento da civilidade no trato das dissonâncias. O destempero do secretário-geral da Fifa, Jêróme Valcke, e a consequente reação, também fora do protocolo, de Brasília às palavras do dirigente são inquestionáveis sinais desse descompasso que não atende ao que é relevante: o Brasil realizar uma Copa impecável.
Não se pode esconder que o país está atrasado em boa parte dos preparativos para a Copa.
É preocupante a insistência em negar essa realidade.
A renitência não ajuda a superar as demandas ainda por serem equacionadas. Há problemas sérios no projeto de mobilidade urbana, com fundamentais obras de intervenções urbanísticas sendo tocadas a passos lentos.
Resistências ditadas por interesses ideológicos impedem que o governo se empenhe na adoção de um projeto de efetiva modernização dos aeroportos, área vital para o sucesso de um evento internacional que atrai turistas/ torcedores de todo o mundo.
Há também suboferta de hotéis em diversas cidades (no Rio, por exemplo, um dos centros de turismo receptivo mais fortes do esquema da Copa), e são tímidas as iniciativas para melhorar a infraestrutura urbana (transportes, principalmente) — um dos prometidos legados da competição. Igualmente, inoportunas demonstrações de contestação no Congresso, com risíveis acusações de que a Lei Geral da Copa atentaria contra a "soberania nacional", contribuíram para o atraso na aprovação desse essencial projeto de mudança na legislação, para adequar legalmente o país ao perfil do evento.
Responder com inúteis bravatas a tais desafios apenas disfarça incompetências e procura esconder o que está na raiz de tudo: a Copa não é uma imposição da Fifa. Ao contrário, o Brasil pentacampeão do mundo correu atrás de uma legítima reivindicação, comprometendo- se a cumprir uma série de encargos de uma competição na qual estão envolvidos investimentos bilionários — e, por isso, deve ser tocada levando-se em conta interesses transnacionais, que não podem ficar a reboque de anacrônicas palavras de ordem.

Domingão no parque em 1310 - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 12/03/12

Uma das coisas que mais me espantam é o encanto que muita gente alimenta pelos hereges medievais, associado à quase total ignorância sobre suas heresias. Confundem-se manias "teenagers" com heresias sérias.
Faça uma "regressão para vidas passadas" em alguém e verá que ela foi uma bruxa queimada na Idade Média ou algo semelhante. E ela acha isso chique porque pensa nessa "bruxa" queimando sutiã em Paris no século 14.
Não conheço ninguém que tenha sido uma aborígene insignificante (sem querer ofender os aborígenes, é claro, trata-se de uma cultura sem a qual o mundo não sobreviveria).
Coitadas dessas "bruxas". Para começar, pelo menos no universo entre o que chamamos hoje de França, Bélgica, Holanda e Alemanha (região do rio Reno), entre os séculos 13 e 15, essas mulheres não se diziam bruxas, mas sim cristãs puríssimas.

O famoso livro "Martelo das Bruxas" (Malleus Maleficarum, para os íntimos), escrito no século 15, era um manual para "lidar" com essas cristãs "béguines" (termo sem tradução decente em português porque chamá-las de "beatas" é maldade).
Quando você ouvir alguém se referir a essas mulheres como "bruxas", tenha certeza que ele não sabe do que está falando. Caras como os que escreveram o "Malleus" é que chamavam essas mulheres de bruxas. Elas falavam de Deus, de caridade, de amor, de conhecimento "direto de Deus" e seus desdobramentos (aqui residia o principal problema). A partir do século 17, mais ou menos, passamos a chamar essas mulheres de místicas.
Anos atrás, comecei a pesquisar alguns textos dessas místicas medievais. Interessava-me o fato de que muitas delas tinham sido consideradas hereges.
Entre 1994 e 2003, entre Paris e Marburg (Alemanha), me dediquei a duas delas mais cuidadosamente, Marguerite Porete e Mechthild-von-Magdeburg.
A primeira foi queimada como herege em 11 de junho de 1310, em Paris, place de la Grève (reza a lenda que não deu um pio enquanto ardia na fogueira). A segunda morreu uma morte razoavelmente tranquila em alguma data desconhecida entre 1282 e 1294, num mosteiro, apesar de ter passado por apuros com a Inquisição e de ter sido ajudada, pelo que parece, por um amigo ou primo abade poderoso da região.

O título do livro queimado com a Porete é "Le Miroir des Simples Âmes Anéantis" (o espelho das almas simples e nadificadas). Já o da alemã que escapou do pior é "Das fliessende Licht der Gottheit" (a luz fluente da deidade).
Ambos trazem a marca dos excessos dessa escola mística chamada de renana: elas e Deus são da mesma substância, de onde se deduz, entre outras coisas, que elas não precisavam seguir códigos morais exteriores como os que não sabiam o que elas sabiam.

Elas ("almas liberadas", "nadas divinos") eram sem "matéria de criatura", logo, Deus. A Igreja e (quase) todo mundo via nisso simples soberba desmedida.
A esse "erro de doutrina", o Concílio de Viena de 1313, sobre essas "béguines", chamou de "confusão de substâncias".
Se recuperarmos o que nos diz o grande historiador Huizinga em seu "Outono da Idade Media" (ed. Cosac Naify), a execução desses hereges era um "domingão no parque".
As famílias iam com seu ovo duro, suas músicas prediletas (estou fazendo uma adaptação irônica do texto de Huizinga aos dias atuais), seus cachorros, e faziam tai chi enquanto esperavam a criminosa chegar. Os homens comparavam seus cavalos ou carroças e as mulheres se vangloriavam, em silêncio, por seus belos seios e belas pernas. As feias, como sempre, ficavam bravas com o sorriso seguro das mais graciosas.
Mas o melhor mesmo era o interesse das crianças e os tomates podres que seus pais davam para elas para que brincassem de jogá-los nos hereges. Alguns pais se emocionavam com a precisão de alguns de seus pequenos príncipes.
Herege, hoje, é chique, mas lá, você estaria jogando pedra nela como numa "Geni". Você a veria como se vê hoje um pedófilo, um reacionário, um capitalista porco, enfim, um desgraçado, uma prostituta, que todo mundo diz que é "bonitinha", mas todo mundo detesta (menos os consumidores).

Guia Levi - JOSÉ DE SOUZA MARTINS


O Estado de S.Paulo - 12/03/12


O Guia Levi, nos seus 100 anos, nunca perdeu o trem da informação ferroviária. Todos os trens do País circulavam em suas páginas. Delas constavam, até, as conexões com a rede ferroviária argentina. Três vezes por semana havia trem de São Paulo para Buenos Aires, saindo da Júlio Prestes. Italianos e espanhóis de cá e de lá visitando os parentes.

Letras miúdas, nos espaços bem aproveitados, não havia detalhe que ficasse de fora em relação às estações percorridas. O Guia indicava se havia no trem carro Pullman, dormitório ou bufê, ou, em determinadas estações, bar ou restaurante, tempo de parada em cada uma, conexões, baldeações.

Nas viagens longas, um vendedor, sacola pendente do pescoço cheia de garrafas de guaraná e de tubaína, segurando um tabuleiro, percorria os carros, anunciando comes e bebes. Havia quem levasse o frango recheado com farofa de farinha de milho, cebola, ovo e miúdos, comida de sustança, como diziam. Era o cúmulo da caipirice, mas bem melhor do que o pãozinho com uma única e miserável fatia de mortadela, oferecido aos passageiros da segunda classe por mais do que valia. Viagem de trem abria o apetite, especialmente da criançada.

Fui leitor do Guia Levi, viajando imaginariamente pelo Brasil. O trem chegava até o sertão do Nordeste e ao Sul. Troquei, nos anos 70, uma viagem de avião por uma de trem para participar de um seminário em Joaçaba, pelo privilégio de percorrer o belíssimo trecho que ainda restava, em Santa Catarina, da antiga ferrovia que levara de São Paulo ao Rio Grande e do Rio Grande à Argentina. Na Europa, a teriam transformado em lucrativa ferrovia turística. Aqui, foi transformada em sucata.

Um dia fui parar na Bolívia, baseado no Guia Levi. Embarquei na Estação da Luz, pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro, às 12h05 do dia 4 de janeiro de 1958. Viajei no conforto de um carro Pullman, poltronas individuais, serviço de bordo, rumo a Bauru. Depois de Jundiaí, vinha a onda verde das fazendas de café, os cafezais sumindo aos poucos no horizonte e na janela do trem. Desembarquei em Bauru no começo da noite e esperei quatro horas pelo trem da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Nele, na noite seguinte, atravessei o Pantanal do Mato Grosso, o reflexo da lua rebrilhando no espelho d'água, rumo à bucólica Corumbá, à beira do Rio Paraguai.

Dias depois, eu passava a fronteira para Puerto Suárez, numa viagem de 600 km até Santa Cruz de la Sierra, sete dias e noites no trem que trafegava em velocidade de burro de roça. De Santa Cruz a Cochabamba, não havia trem, só ônibus, para subir o frio dos Andes. Ali retornei a um trem para a viagem a La Paz e às ruínas pré-incaicas de Tiahuanacu, quase no Lago Titicaca e no Peru. De trem, eu chegara à Puerta del Sol, à própria alma da América pré-colombiana e mítica.

Da ética e da política - RENATO JANINE RIBEIRO



Valor Econômico - 12/03/12


No ano que vem, "O Príncipe", de Maquiavel, completará meio milênio de sua primeira difusão em manuscrito. Nesses cinco séculos, a questão mais importante sobre a ética tem sido: como acontece que ela não seja suficiente? Quais são seus limites? O que fazer quando a ética não nos orienta sobre a ação que podemos julgar correta? Maquiavel e os utilitaristas provavelmente são quem mais elaborou essa questão, mas no século XX ela recebeu tratamento sofisticado, entre outros por pensadores do quilate do sociólogo Max Weber ou dos filósofos Merleau-Ponty e Isaiah Berlin. Nosso ex-presidente Fernando Henrique Cardoso citava Weber em profusão, quando discutia as fronteiras entre sua atuação como cientista social e como político. Num caso se procura conhecer; no outro, agir. Weber também servia a FHC para explicar por que este não fez tudo o que prometeu ou quis. O presidente sociólogo assim popularizou, entre nós, termos como ética de princípios e ética da responsabilidade.

Tendemos todos a concordar quanto a alguns preceitos éticos fundamentais: não matar, não furtar, em suma, não prejudicar o outro. Mas podemos divergir sobre o que eles significam. Por exemplo, "não matar" é apenas não tirar a vida de outra pessoa? Ou podemos matar outras pessoas por omissão, se não acudirmos alguém ameaçado por um agressor ou não socorrermos um faminto? Num caso, para eu ser ético, basta não fazer mal algum. Não preciso fazer o bem. É suficiente não fazer o mal. Não fiz nada de errado. Mas desta maneira terei feito o que é certo? Talvez não. Porque a ética é exigente. Nunca serei ético comodamente. A ética me incomodará. A ética exigirá que eu lute contra a fome. E quando começo a pensar desse modo, não paro mais. Para ser ético, precisarei dar comida a quem está esfomeado? E bastará isso, se eu não batalhar pela adoção de políticas contra a fome? E essas, serão eficazes ou contraproducentes? Esse é um ponto essencial da discussão ética. Ela é interminável. Não visa a nos confortar. Está aí para nos questionar. Se não o fizer, será falsa. Uma ética confortável é apenas um álibi.

Mas a discussão importante sobre a ética não é apenas sobre o que ela diz ou orienta, e sim sobre o que ela não pode dizer nem orientar. Há pelo menos cinco séculos que os observadores mais atilados da condição humana sabem que muito se faz à margem, ou mesmo contra, a ética. Maquiavel, tão mal entendido, percebeu que a ação política obedece a uma lógica diferente da moral, digamos, privada ou cristã. O pensador liberal Isaiah Berlin diz: Maquiavel não é anti-ético. Ao contrário, ele é um filósofo da ética: uma ética da cidade, da política, uma ética da vida neste mundo. Berlin a considera uma ética pagã, greco-romana. E por isso, em seu prefácio à edição brasileira d"O Príncipe, FHC apresenta Maquiavel como um cientista político de excelente qualidade, não como quem acharia que os fins justificariam os meios (o que, por sinal, ele nunca disse). Dizer as coisas como são, não como fantasiamos ou desejamos que seriam: isso é lucidez.

O que a ética não pode dizer é, exatamente, o que é mais difícil na vida social e política. Os dez mandamentos cristãos, ou outros princípios éticos, podem orientar em boa medida a vida privada de muita gente. Mas, quando passamos à vida coletiva e em especial quando o demônio do poder entra em cena, eles não dão conta. Os utilitaristas, como Jeremy Bentham, trataram disso com franqueza brutal. Exemplo célebre: seria justo matar uma pessoa para salvar cinco? Na falta de critérios absolutos, revelados por uma suposta divindade, cada vida vale o mesmo que outra. Cinco vidas valem mais que uma. Então, se para o Brasil prosperar é preciso avançar o sinal ético na privatização ou na obtenção de maioria no Congresso (por hipótese), o preço é nojento, mas pequeno. O bem comum assim causado supera de longe os danos.

Quais os problemas, nessa questão? São dois. Nunca se tem certeza de que o que chamamos de bem comum é, realmente, bom. Não há consenso a respeito. Uns aplaudem a privatização, outros não; o mesmo quanto aos sucessos do governo Lula. Os males causados podem ser tangíveis, reais. Mas há divergência sobre o bem comum que terão produzido. Este é o primeiro problema. Na política, não há certezas. Causamos males, indubitáveis, em troca de um bem maior, mas inseguro. Pagamos o preço, mas ganhamos algo em troca? Não sabemos.

O segundo problema é mais grave. É que na política se age como descrevi, mas isso não se discute. Um silêncio terrível paira sobre a generalização da corrupção - no mundo todo. Qualquer observador atento sabe que, na era do marketing, mais e mais dinheiro é preciso para as campanhas eleitorais. Papel vem de árvores; dinheiro, não. Vem de cofres públicos. É difícil um partido fazer sua campanha sem tais meios heterodoxos. Essa corrupção deve ser generalizada, porque todos os partidos necessitam de fartos recursos para suas campanhas. Mas é fácil usar esse fato seletivamente. Acuso o partido de que não gosto. É muito provável que o meu tenha agido da mesma forma, mas sobre isso me calo. Daí que a ética vire arma vil num debate que esconde sua real natureza política. Mas essa realidade sempre existiu; e a questão foi formulada há cinco séculos, por Maquiavel. O que fazer quando a ética usual, a do não-matarás, não basta para nos orientar? Seria melhor discutir isso, expor isso, quem sabe respondê-lo, do que manipular a ética e enganar os ingênuos. Em 2013, "O Príncipe" completa 500 anos. Quem sabe ser honesto e abrir o jogo seria um bom modo de celebrar a data?

Comendo sementes - GEORGE VIDOR


O GLOBO - 12/03/12

Ao menos no Ocidente, são poucos os exemplos de economias que crescem aceleradamente com inflação baixa e sem forte dependência de capitais vindos de fora. Culturalmente somos mais voltados para o curto prazo (pois o futuro a Deus pertence), talvez porque a vida fosse breve por essas terras. Porém, quem não planta não colhe. Se não investimos no presente, não conseguimos produzir mais amanhã.

Em síntese esse é o dilema atual da economia brasileira. O país precisa crescer rápido, para oferecer mais e melhores empregos, pagar salários estimulantes, gerar e distribuir bons lucros, valorizar patrimônio, possibilitar remuneradores aluguéis e ganhos financeiros. Mas esse crescimento geralmente é limitado pela dificuldade de se oferecer bens e serviços nas quantidades e nas condições adequadas para suprir a expansão de demanda no mercado interno. E para a economia não ser completamente dependente de financiamentos externos, parte da oferta precisa ser direcionada necessariamente às exportações (em tese, um excedente de produção, não absorvido pelo mercado interno), pois é uma das principais formas de se assegurar uma receita própria em outras moedas conversíveis, sem a qual não existirá garantia para o conjunto das operações comerciais e financeiras com o resto do mundo.

Oferta e demanda dificilmente caminham juntas. O equilíbrio só existe em modelos teóricos. Nem as economias superplanificadas alcançaram esse objetivo. As economias não são de todo previsíveis e não conseguem subsistir por muito tempo no isolamento, fechadas. Estão sujeitas a mudanças causadas pela instabilidade no comportamento dos agentes econômicos (produtores, consumidores, investidores, poupadores), e por fatores que escapam a qualquer controle, como os decorrentes das forças da natureza: enxurradas, terremotos, maremotos, secas, vendavais, cheias, avalanches, pragas, queimadas.

Um país como o Brasil, que tem muito por fazer, precisa correr contra o tempo. Uma das características de uma economia não desenvolvida é que parte ainda significativa da população não tem renda suficiente para viver de maneira digna. Então, na prática, acabamos "comendo" parte das sementes que deveriam ser "plantadas" para proporcionar aumentos de produção, de modo a proporcionar excedentes e mais sementes para ampliar o "plantio", criando um ciclo de crescimento autossustentável.

O Brasil precisou derrubar a inflação para avançar nesse ciclo. Com o real, o investimento voltou a crescer progressivamente, chegando à proporção aproximada de um quinto do que se produz (20%), bem menos que os necessários 25%. Parte dessa diferença deveria vir do setor público, especialmente quando se trata da infraestrutura que vem à frente da demanda, abrindo caminho ao desenvolvimento. Não é uma questão insolúvel, pois existe a perspectiva de eliminação do déficit público num prazo relativamente curto, de três a quatro anos. Até lá, a economia brasileira terá de caminhar em velocidade moderada, acelerando só em alguns momentos, para logo em seguida reduzir a marcha.

Joias são bens supérfluos, embora de uso milenar. No museu de Ancara, capital da Turquia, onde estão expostos adornos da antiga Anatólia, alguns de cinco mil anos antes de Cristo, chama a atenção como o desenho das peças se parece com brincos, colares, pulseiras, anéis vistos nas mulheres em pleno século XXI. Mas como ninguém morre - a não ser de tristeza - se não possuir joias, elas são fortemente taxadas. É assim no planeta inteiro. No entanto, o que inviabiliza a produção não é o imposto elevado, mas a estrutura tributária inadequada, como vem acontecendo no Brasil. O país agora exporta pedras preciosas brutas, e as importa já lapidadas, da Índia ou da China, geralmente. Não temos mais uma indústria de lapidação em grande escala. A Cindam, de Petrópolis, que chegou a ter dois mil funcionários, deixou de produzir. Por sua vez, o ouro das mineradoras é 100% exportado, porque a forma de tributação desestimula a venda ao mercado interno. Desse modo, o metal presente nas joias brasileiras é quase todo proveniente de garimpos. Custa mais caro, o que atrai a informalidade para o setor.

Mesmo sendo o segundo mercado de joias e bijuterias do Brasil, a indústria no Rio caiu para a terceira posição nesse segmento. O governo estadual tentou ajudar, mudando a tributação do ICMS, mas os impostos federais oneram as matérias-primas e travam a produção local. Os fabricantes de joias pagam cerca de R$ 100 mil e não contam com crédito para financiá-lo a custos razoáveis. O setor ainda emprega cerca de 310 mil pessoas no Brasil, dos quais estima-se que 80 mil no Estado do Rio.

Investimentos em infraestrutura de transportes, mineração, petróleo e gás, energia elétrica, construção naval voltaram a dar impulso às empresas de projetos de engenharia, ainda que restem poucas de capital nacional, como é o caso da Progen, com sede em São Paulo, que é a maior delas. Mesmo assim, é a terceira no ranking nacional, detendo 6% do mercado, o que equivale a um faturamento de R$ 400 milhões anuais. Contratos de exclusividade com a Vale respondem por cerca de 60% da receita da empresa, vindo a seguir o de petróleo e gás, com 20%. A empresa surgiu há 25 anos, reúne hoje 2.600 empregados (com salário médio de R$ 10 mil) e é comandada por um executivo de 31 anos, Eduardo Barella, filho do fundador. A Progen comprou duas empresas no Rio (uma especializada em projetos portuários e outra em mobilidade urbana). Com isso, espera dobrar o faturamento até 2013.