sábado, fevereiro 25, 2012

Mulheres apaixonadas - IVAN MARTINS


REVISTA ÉPOCA

Elas correm riscos que os homens não correm



IVAN MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA (Foto: ÉPOCA)
O final do filme se aproxima. A mocinha, meio cega de emoção e lágrimas, acelera o carro para salvar o homem que ama. Enquanto ela voa em zig-zag pelas ruas, fura faróis e ameaça pedestres, me ocorre no escuro do cinema uma frase pronta: ela guia como uma mulher apaixonada. Além de ser uma descrição justa da cena, talvez haja nessa ideia uma verdade mais geral - mulheres apaixonadas, não só nos filmes, fazem coisas perigosamente impensadas.
Conheci uma mulher que rompeu um casamento na França e foi viver em Nova York com um cara que ela só conhecia pela internet. Conheci uma moça grávida que se apaixonou por um moço mais jovem e trocou de marido no meio da gravidez. Conheci uma mulher recém-casada que inventava viagens de trabalho para passar uns dias com uma paixão inacabada. São muitas histórias e elas todas se parecem num ponto: mulheres apaixonadas correm riscos e fazem coisas que os homens, boa parte das vezes, não têm coragem ou disposição de fazer.
Claro, há homens românticos que saltam para a vida sem para-quedas, mas a mim parece que as mulheres são a maioria nesse pelotão, e vão mais fundo. Enquanto o homem, cautelosamente, tenta manter o pé em duas vidas e pondera sentimentos e reações alheios, as mulheres se atiram. Para fora de casa, para a rodoviária, para o desconhecido. Avançam em direção à miragem que paira na outra ponta da corda, muitos metros acima do abismo. Querem a felicidade.
De onde vem esse romantismo terminal das mulheres? Eu não sei, mas ele está lá, desde que elas são meninas. Talvez seja apenas um traço cultural – quando todas as formas de realização públicas eram proibidas, o amor, a busca da felicidade íntima, era o que restava. Mas o mundo (ao menos a nossa parte do mundo), não é mais assim. As mulheres podem se dedicar ao trabalho, ao poder, ao dinheiro. Não precisam mais casar ou ser mães. Podem viver sozinhas se assim quiserem, voltadas 100% ao aprimoramento do espírito ou dos glúteos. Mesmo assim, o romantismo não desaparece. A necessidade de amar e ser amada (intensamente) continua. Aos 20, aos 30, aos 40, aos 50, aos 60 anos...As heroínas de filmes e romances sempre dão lições de coragem aos homens. Alguém se lembra de “Pecados íntimos”, com Kate Winslet? Na última cena do filme ela espera pelo amante com quem vai fugir e deixar tudo para trás. Ele não aparece. É mais ou menos o desfecho enfrentado no século XIX por Emma Bovary, a adúltera do romance de Gustave Flaubert. Outro dia revi o filme “1984”, baseado em um dos meus romances favoritos, escrito por George Orwell. La está Julia, a jovem que se rebela contra o totalitarismo por meio do sexo e do amor, e arrasta seu amante com ela. Todas essas personagens são almas mais livres que seus parceiros – e se inspiram em comportamentos femininos reais.
Um evolucionista poderia dizer que nos genes femininos está escrita a urgência de encontrar o parceiro perfeito para a procriação, por isso as mulheres conferem prioridade absoluta ao amor e seu termômetro mais evidente, à paixão. Mas isso não explica as mulheres que trocam procriadores competentes e responsáveis por outros homens (frequentemente sem essas qualidades), que pareçam mais interessados nelas. A sobrevivência da espécie não requer isso, mas a sanidade das mulheres talvez exija.
Minha impressão é que todos precisamos de ilusões.
As ilusões dos homens parecem estar ligadas ao sexo. Se formos capazes de seduzir, de conquistar, de transar, então estaremos satisfeitos. Claro, há um universo de sentimentos que não estarão atendidos, mas o impulso masculino parece ser na direção de resolver a vida pelo desejo, realizar-se pela satisfação constante no sexo. Não acontece, mas a quimera nos move adiante. Com as mulheres a ilusão é afetiva. O grande amor, o grande romance, a paixão redentora. A vida parece se resumir a isso. Assim como a sedução permanente dos homens, a fantasia romanesca das mulheres raramente se materializa – mas isso não a torna menos universal ou importante.
Qualquer que seja a origem do arrebatamento feminino, os homens não sabem lidar com ele. As emoções exacerbadas das mulheres nos assustam e, secretamente, nos envergonham. Temos inveja dessa intensidade de sentimentos. As piadas constantes que fazemos sobre “a loucura” das mulheres revelam algo do nosso constrangimento. Nós, que vira e mexe nem sabemos o que estamos sentindo, somos forçados a lidar com gente apaixonada que nos olha nos olhos e exige respostas.
Claro, há mulheres realmente perdidas, malucas, criaturas incapazes de diferenciar os seus desejos da realidade. Todo homem adulto já topou com uma dessas. Ama e não percebe que não é amada. Quer e não percebe que não é querida. Às vezes, não aceita que acabou aquilo que mal havia começado, e faz cena – em vez de fazer as unhas e partir para outra.
Mas o comportamento das mulheres transtornadas não justifica a cautela masculina. O sujeito que se atira ao sexo e não encontra sentimentos encena um clichê triste. Ele tem algo a aprender com a capacidade das mulheres de se entregar e correr riscos. Não precisa pegar um carro de madrugada e sair voando para provar que ama – mas não deveria deixar sua heroína esperando sozinha, na chuva, por um amante que não tem certeza do que sente e não consegue decidir o que quer. 

Grazielly e o jet ski assassino - RUTH DE AQUINO


REVISTA ÉPOCA

Ninguém ficará preso pela morte de Grazielly. É a impunidade que estimula barbaridades como essa?




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RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
Era a primeira vez que Grazielly Almeida Lames ia à praia, aos 3 anos. Pais sabem como tudo é festa nesse dia, eternizado em álbuns de família ou vídeos. Crianças brincam com areia, baldinho e água de um jeito maravilhado, que se perde com o avançar dos anos. O primeiro banho de mar de Grazielly também foi o último. Um jet ski desgovernado e em alta velocidade, ligado por um adolescente de 13 anos que caiu ao tentar pilotar a máquina, atingiu a cabeça loura de Grazielly. Deitada de bruços, ela se preparava para fazer um castelinho de areia. E morreu.
“Só vi aquele vulto vindo atrás de mim, batendo na cabeça da menina”, disse a mãe, Cirleide, de 24 anos. “Ela estava tão feliz.” A família é do interior de São Paulo. Mãe e filha tinham viajado para passar o Carnaval na praia de Guaratuba, em Bertioga, num condomínio. O pai, o motorista Gilson, de 33 anos, não estava no momento da tragédia. Ficou transtornado quando soube pelo cunhado. “Um jet ski é um brinquedo assassino” na mão de adolescentes, disse Gilson. “É a mesma coisa que deixar uma arma na mão de uma criança.”
Todos os possíveis culpados fugiram rapidamente sem prestar socorro. O adolescente, o pai, Marciano Assis Cabral, que tem posto de combustível em Mogi das Cruzes. E o dono do jet ski, filho e sócio do empresário José Augusto Cardoso, que hospedava o menino e sua família num condomínio. O depoimento do garoto, previsto para quinta-feira em Bertioga, não aconteceu por “medo do assédio da população e da imprensa”. Não se sabia, até o fechamento desta edição, se o adolescente de 13 anos chegou a pilotar o jet ski ou apenas deu a partida no motor.
Ninguém ficará preso pela morte de Grazielly. Nem os maiores responsáveis, os adultos que permitiram que um menino brincasse com o jet ski como quem brinca de bola na praia. O vídeo familiar mostra a menininha, que poderia ser filha, neta ou irmã de qualquer um de nós, encantada com o mar. Minutos depois, sua vida tinha acabado – e a de seus pais também. É a impunidade que estimula barbaridades como essa?
Conversei com Lars Grael, o velejador e atleta olímpico que amputou a perna num desastre no mar em 1998. “A impunidade no Brasil favorece a negligência criminosa. Pessoas continuam conduzindo embarcações a motor no meio de banhistas, surfistas e remadores porque sabem que nada vai acontecer com elas”, diz Grael.
O jet ski é uma motocicleta sobre a água, afirma Grael. “Se um menino pilota uma moto onde há pedestres, a chance é grande de atropelar e matar alguém. Por que há mais conscientização no asfalto que na água?” Um jet ski sofisticado alcança até 100 quilômetros por hora. As regras para seu uso existem, mas a fiscalização é risível.
Não são colocadas as boias de delimitação para o jet ski sair da areia e voltar. A coisa está ficando num nível tal que a Marinha passou a dotar algumas Capitanias de bafômetro, para evitar bebuns na direção dessas motos aquáticas. Mas a amostragem é ínfima.No caso de Bertioga, pode existir o crime de responsabilidade passiva. Quem aluga ou empresta jet skis para alguém sem os requisitos legais deveria ser condenado por assumir conscientemente um risco. A bagunça é generalizada. Nas praias lotadas do verão, há máquinas em mau estado de conservação. O mais comum é “confiar” na palavra de quem quer alugar o jet ski.O piloto de jet ski precisa ser maior de idade e ter habilitação da Capitania dos Portos. Respeitar as regras do tráfego marítimo – entre elas, a distância mínima de 200 metros para a arrebentação e os banhistas. Usar colete salva-vidas. E conectar a chave de segurança, com uma cordinha presa ao pulso. Se o piloto cai na água, a chavinha se solta automaticamente do jet ski e ele é desativado. “Muita gente conecta a chave, mas não a coloca no pulso”, diz Grael. “É um absurdo. Nesse momento, o piloto assume que está gerando um risco para os outros.”
O drama transcende os jet skis. “Todo país desenvolvido com cultura náutica tem uma Guarda Costeira, com poder de policiar, abordar e prevenir”, diz Grael. “Esse debate deveria estar no Congresso. É uma omissão nossa, constitucional. A Marinha exerce voluntariamente esse papel, mas sua função é outra, de proteger a soberania nacional.”
Para patrulhar com eficiência mais de 8.000 quilômetros de costa atlântica e mais de 40.000 quilômetros de rios, lagos e represas, o Brasil precisaria, segundo estimativas, de 3 mil embarcações e 100 mil profissionais. Estamos tão atrasados que, para pilotar uma lancha no Brasil, basta acertar metade das perguntas de um exame teórico. Não há prova prática.

Se nada for feito, continuaremos matando criancinhas. Ou chorando por elas. 

GOSTOSA


Caso médico 1 - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 25/02/12
Paulo Coelho, 64 anos, levou um susto dia 28 de novembro: num exame, soube pelo médico que “morreria em 30 dias” por causa do entupimento de 90% de duas artérias do coração, mesmo mal que matou Wando.

O escritor não acreditou, procurou outros médicos, mas o diagnóstico foi confirmado. Submetido a uma angioplastia dois dias depois, salvou-se, ufa...

CASO MÉDICO 2

Lula, 66 anos, por determinação médica, vai permanecer dez dias sem sair de casa.

Mas espera, ainda em março, viajar e até fazer discursos.

CASO MÉDICO 3

Mestre Nelson Sargento, 87 anos, após cinco dias no hospital, vai desfilar hoje na Estrada Intendente Magalhães, em Campinho, pela Unidos do Jacarezinho, que o homenageou com o enredo “Nelson da Mangueira e também do Jacaré”. 

Será acompanhado por seu médico, Franz Campos.

PELÉ NA UCRÂNIA

Foi criado um museu em homenagem a Pelé... Em Lugansk, na Ucrânia, acredite.

Tem acervo de 2.600 itens. Seu site, que dá algumas notícias sobre o futebol brasileiro, tem versões em russo e em inglês. Confira em museum-pele.com.

ALIÁS...

O site do Museu Pelé diz que a TV Globo convidou o Barcelona para disputar um torneio com quatro equipes no Brasil durante os Jogos de Londres, de 27 de julho a 12 de agosto, para aproveitar o recesso do futebol.

EL POETA

A editora Casa da Palavra lança este mês o livro Vinicius portenho. 

A obra, da escritora e jornalista argentina Liana Wenner, conta as aventuras de Vinicius de Moraes no Uruguai e na Argentina nos anos 1950.

MEIO SÉCULO DE CACÁ

Cacá Diégues, 71 anos, faz 50 de carreira em 2012.

Haverá vários eventos. A Caixa Cultural do Rio fará retrospectiva (terá até curtas de Cacá, raramente exibidos). Nosso diretor será ainda o homenageado do CinePE, e, entre outras, em agosto, o Lincoln Center, em Nova York, o celebrará com uma mostra de 12 filmes. Merece.

ALÉM DISSO...

Cacá deve lançar este ano, pela Objetiva, o livro Almanaque íntimo, com suas memórias do cinema brasileiro. E, ainda em 2012, começa a produzir um novo filme, O grande circo místico, adaptado de Jorge de Lima.

ALIÁS...

Por coincidência, em 2012, também se festeja o centenário do pai de Cacá, Manoel Diégues Jr., antropólogo alagoano, autor de vários livros sobre a sociedade e a cultura brasileiras.

VIVA O IMPÉRIO!

Quinta, no musical Sassaricando, no Teatro Leblon, no Rio, Eduardo Dusek anunciou que o elenco dedicava aquela noite “ao Império Serrano, uma grande escola de samba”, e completou: “Abaixo a injustiça!”.

Referia-se à derrota do Império no Grupo de Acesso. Foi ovacionado por vários minutos.

MENINO JUAN

O juiz Márcio Alexandre Pacheco vai ouvir, dia 5, mais oito testemunhas do processo sobre o menino Juan Moraes Neves, que teria sido morto em 2011 numa operação da PM na Favela Danon, em Nova Iguaçu, RJ.

Os policiais acusados da morte e da ocultação do cadáver (os cabos Isaías do Carmo, Edilberto Nascimento e Rubens da Silva, além do sargento Ubirani Soares) estão presos.

SEM MERENDA

Merendeiras e professoras da Escola Municipal Pera Flor, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, tiveram de se cotizar.

Compraram gás para esquentar o leite das crianças.

FORA DE LINHA

Seis meses após o acidente com o bonde de Santa Teresa, o inquérito policial que apura o caso ainda não foi concluído.

Um dos motivos seriam as trocas de comando na 7ª DP. O atual delegado, Murilo Montanha, é o terceiro no caso.

PIPA À NOITE

A moda agora em São Conrado, no Rio, é soltar pipa à noite, à beira da praia.

O céu fica colorido com a ajuda da iluminação em frente ao antigo Hotel Nacional.

Ciclo fechado - SONIA RACY

O ESTADÃO - 25/02/12

A morte de Eliana Tranchesi marca o fim de uma era. Durante anos, sua Daslu foi considerada a quintessência do luxo no Brasil. O que ela lançava, logo virava moda.

Foi Eliana quem abriu as portas do mercado brasileiro para as marcas estrangeiras. Que encontravam, em sua loja, consumidoras ávidas por comprar tudo que estivesse nas prateleiras. A Daslu chegou a ser a terceira maior vendedora de Chanel no mundo. Por metro quadrado.

Visionária, corajosa, ambiciosa, Eliana exerceu liderança incontestável entre clientes e uma gigantesca legião de colaboradores, na maior parte mulheres. E, apesar dos múltiplos reveses (financeiros, legais e de saúde), nunca perdeu o entusiasmo.

Nesses últimos dias de vida, era ela a consolar quem a visitava, deixando expresso o desejo de que suas “dasluzetes” usassem vestido preto e pérolas quando fossem lhe prestar a última homenagem.

Para ela, o estilo era tudo.

Mickey Muslim
Férias frustradas para Adib Abdouni, um dos representantes da comunidade islâmica no Brasil. Pronto para embarcar no aeroporto de Guarulhos rumo a Orlando, ele, a mulher e o filho foram barrados pela imigração.

Ordens expressas dos EUA proibiram sua entrada e cancelaram seu visto no ato.

Mickey 2
Encaminhado ao consulado, respondeu a dezenas de perguntas - – entre elas, sobre sua religião muçulmana. Mesmo assim, não conseguiu embarcar. Abdouni, que iria conhecer a Disney, acabou abraçado ao Mickey do parque na Europa. Indagado, o consulado americano em SP informa que não comenta casos individuais.

180 graus
Não está descartada a possibilidade de Serra participar das prévias do PSDB – marcadas para dia 4 de março, conforme antecipou ontem o blog na hora do almoço. Pelo que se apurou, existe brecha legal para tanto.

Se for o caso, certamente sairá vencedor do pleito. E aclamado, o ainda quase candidato a prefeito teria liberdade para escolher seu vice na chapa pura.

Entre Andrea Matarazzo e Bruno Covas, apadrinhado de Alckmin.

Cadê Wally?
Aécio Neves se recolheu no carnaval. Sabe-se que passou o feriado fora do circuito da folia. 
Local guardado a sete chaves pela equipe do senador.

Tour da bola
Membros do COL e do Comitê Paulista terminam vistoria em 20 dos 90 centros de treinamento candidatos a receber seleções durante a Copa.

Segundo Fabio Lepique, do Comitê, alista de cidades pré-habilitadas sai em março.

No front
Cacique Raoni está de volta. Para ajudar na demarcação da terra Kapot Nhinore, no Mato Grosso, ordenou que as índias da região produzam grande quantidade de farinha de mandioca.

Motivo: armazenar para não passar fome durante resistência pacífica programada para as próximas semanas.

Missão: impossível
A crise do euro virou game online. Chama-se A Pequena Grande Crise. Objetivos? Além de aprender mais sobre a questão, tentar salvar o mundo da bancarrota.

Pena e tinta
Nicolas Sarkozy está com a mão na massa. Escreve livro sobre seu mandato, segundo o jornal Le Parisien. Entre os volumes já editados pelo presidente francês está Ensemble, lançado durante a campanha de 2007.

Deram azar
Além de curtir o carnaval, muitos turistas vieram a SP para visitar os museus da cidade. Mas... Pinacoteca e Masp só reabriram as portas na Quarta-Feira de Cinzas.

Consultadas, as assessorias explicaram: a Terça-Feira Gorda é o único feriado do ano em que ambos os museus não abrem.

Rendendo
Luiza, a que chegou do Canadá, desembarca em SP, dia 10. Para participar do Salão do Estudante maior feira de educação internacional da América Latina. No Colégio São Luis. Traz a tiracolo seu irmão Gerardo, que também passou pelo Canadá.

Ambos fazem palestras.

POLAROID
Na GQ de março, Fernando de Assis, da dupla Fernando & Sorocaba, confessa: mora com os pais. Apesar de ter faturado R$ 50 milhões em direitos autorais no ano passado. 

Na frente
• Abre hoje, em Islamabad, o 1º festival de cinema brasileiro... No Paquistão. Organizado pela embaixada do Brasil, exibirá filmes como Ensaio sobre a Cegueira e Central do Brasil.
• Para celebrar o Oscar, os restaurantes Così, Freddy, Quattrino, Sallvattore, Trinità e Rothko oferecem pratos temáticos inspirados nos indicados a melhor filme.
• Débora Bloch e sua filha, Julia Anquier, passaram por Madri. Para gravar campanha do Chic Outlet Shopping – grupo de luxo da Europa.
• Betty Milan dirige a peça A Vida é um Teatro, na Cultura do Conjunto Nacional. Dia 27.
• A comunidade libanesa está confusa. Tem gente trocando as bolas ao declarar o voto: se em Fernando Hassab ou Gilberto Kaddad.

Leilões regionais de energia elétrica - ADRIANO PIRES e ABEL HOLTZ


O Estado de S.Paulo - 25/02/12


Para muitos, e pelo que é veiculado na imprensa, os leilões de energia feitos até agora podem ser considerados verdadeiros sucessos. Se considerarmos unicamente o aspecto preço da energia comercializada para o mercado cativo, realmente se tem conseguido contratar energia gerada em hidrelétricas a preços antes não imaginados; energia eólica, mais ainda; das demais fontes, nem tanto.

Mas seria o preço da energia o único parâmetro a ser levado em consideração nos leilões? E, se a resposta for sim, será que esse parâmetro nos conduzirá à construção da matriz de energia elétrica de que o País vai precisar no futuro? É inteligente e estratégico abandonar fontes de geração que, por diferentes motivos, não são beneficiadas por subsídios específicos, financiamentos privilegiados e mesmo por garantia de oferta e, com isso, não têm preços competitivos?

Há quem questione os resultados dos leilões, e esses protestos não têm sido considerados por serem atribuídos a razões subjetivas, tais como o queixoso ter sido um perdedor no certame, por não ter sido competitivo, por ter avaliado mal a concorrência, porque seu projeto seria inviável, etc.

Quando se analisam os resultados dos leilões, verifica-se que as hidrelétricas têm sido construídas com baixa capacidade de reservação; têm licenças ambientais atrasadas; as linhas de transmissão que as interligariam ao Sistema Nacional de Transmissão não foram construídas a tempo de escoar sua produção; e as populações locais são insufladas a reivindicar melhoria de condições que não foram propiciadas pelo Estado e, ao serem atendidas, geram custos que são abrigados na rubrica socioambiental e elevam o investimento às vezes em até 15% de alguns bilhões de reais.

No caso das eólicas, muitas estão atrasadas por falta de licenças ambientais ou por questionamentos do Ministério Público e, ainda, porque uma considerável parcela da energia adquirida pelas empresas nos leilões contempla empresa inadimplente e, portanto, os empreendedores não conseguem registrar seus contratos e obter financiamentos. Assim, não iniciam a construção.

As geradoras térmicas à base de biomassa, apesar do seu grande potencial, não conseguem ganhar de forma substancial os leilões. Isso porque os preços não alcançam patamares que asseguraram a viabilidade dos projetos, bem como não remuneram os investimentos para retro-fit das usinas e sua interligação com a rede de transmissão.

As termoelétricas a gás natural, por sua vez, não encontram garantia de suprimento do combustível pelo fato de ainda só termos uma única empresa fornecedora, que alega não ter gás, ou porque aquelas que usam o carvão mineral são proibidas de participar dos leilões, pois o governo alega que prejudicam o meio ambiente.

Entre os países chamados de emergentes, o Brasil ocupa posição privilegiada. Tanto no sentido de diversidade de oferta de energia primária quanto à sua dispersão regional. O potencial hidrelétrico a desenvolver está na Região Norte; as eólicas, no Nordeste; o potencial de gás natural, na Região Sudeste e na Amazônia; o carvão mineral nacional se encontra na Região Sul; a produção de biomassa se concentra nas Regiões Sudeste, Centro-Oeste e em parte do Nordeste; e a energia solar fotovoltaica pode ser utilizada em todo o território nacional, na forma de energia distribuída.

Agora cabe considerar, neste quadro, que as fontes distintas das hidrelétricas e das termoelétricas representam apenas 1% da matriz de oferta de energia em todo o mundo. Mesmo que crescessem dez vezes nos próximos anos, passariam a representar meros 10% da geração de energia necessária ao desenvolvimento e bem-estar das populações em todo o mundo. Precisamos, pois, olhar para a realidade energética brasileira e repensar o planejamento do setor, entendendo que não podemos abrir mão da nossa vantagem comparativa de termos uma grande diversidade de fontes de energia. Um primeiro passo, com certeza, seria promover leilões regionais e sua segregação por fontes de energia.

Dilma e militares têm primeiro teste de forças - ELIANE CANTANHÊDE


FOLHA DE SP - 25/02/12


Presidente impôs autoridade ao exigir retirada de manifesto com críticas de clubes da reserva a ministras do governo



Em algum momento isso iria acontecer: um teste de forças de setores militares com uma presidente mulher, ex-guerrilheira, ex-presa política, que foi torturada durante a ditadura (1964-1985).

O pretexto foram as declarações das ministras Maria do Rosário (Direitos Humanos) e Eleonora Menicucci (Política para as Mulheres) a favor de investigações sobre torturas cometidas no regime.

Como sempre, as cúpulas militares não se manifestaram, e quem entrou na linha de frente foram os clubes militares,que reúnem oficiais da reserva. Manifestos desses clubes são comuns, mas houve algo incomum desta vez: o texto não apenas cita as duas ministras como vai além e critica a própria presidente Dilma Rousseff por não ter reprimido as subordinadas.

Como presidente da República, Dilma é comandante em chefe das Forças Armadas e não tinha alternativa: ou impunha imediatamente sua autoridade ou ficaria sujeita a seguidos manifestos, multiplicados e amplificados pela internet, estimulando a valentia de militares isolados e de setores das três Forças e de diferentes patentes.

Numa área onde hierarquia é questão de vida ou morte, a reação palaciana foi naturalmente hierárquica.

Dilma acionou o ministro da Defesa, Celso Amorim, que reuniu os comandantes militares, que tomaram as providências cabíveis - leia-se: enquadraram os líderes da reserva. O manifesto foi recolhido e desautorizado.

Um dado básico é que oficiais, mesmo na reserva, são sujeitos ao Estatuto Militar e, assim, proibidos de criticar ou confrontar a autoridade.

Nos estertores da ditadura, o general Gustavo Moraes Rego foi preso por alguns dias por defender as "Diretas Já" e criticar o então presidente, general João Figueiredo. Era um outro momento, e a causa, outra. Hoje, o que pode colocar Dilma e os militares em lados opostos é o passado: a Comissão da Verdade, que pode colocar oficialmente ex-presidentes e ex-comandantes militares no banco dos réus da história.

Como pano de fundo, questões que aparentemente passam bem distante das casernas, mas nem tanto. O principal exemplo é o aborto, que mexe com o conservadorismo e a forte presença religiosa na "família militar".

Para as cúpulas, o que interessa é soldo, farda nova, rancho bom, equipamento e treinamento. A dúvida é saber se a oficialidade na caserna pensa mais como as cúpulas ou mais como os inquietos clubes militares.

A boa notícia é que, pensem como pensarem, os militares têm pouco a fazer além de resmungar. Em democracias, militares batem continência para o poder civil.

TV or not TV - MARCELO RUBENS PAIVA


O Estado de S.Paulo - 25/02/12


Os camarins de uma emissora são a fórmula para entendê-la. Bem, por um tempo, foram. Maquiavam apresentadores. Fonoaudiólogos treinavam vozes. Penteados e figurinos os colocavam em sintonia com a imagem do equilíbrio. Evitavam cores fortes e camisas listradas, que atrapalham a transmissão.

Preparavam o cenário para transformar estúdio em cozinha, sala, mesa de debates. A luz estourada evitava sombras. Ainda há uma obsessão de diretores e iluminadores pela destruição da sombra e iluminação do nada, como se no mundo ela não existisse ou atrapalhasse a harmonia visual dos ambientes.

Segunda obsessão era pelo tripé, como um quadro de museu, para não atrapalhar o que era dito. Era grande a dificuldade de convencer técnicos a deixarem o tripé na viatura. Nos anos 80, com a portabilidade dos equipamentos, a era do tripé ficou para trás.

Na produtora Olhar Eletrônico, atual O2, o câmera Fernando Meirelles era até o personagem Valdeci, do repórter Ernesto Varela (Marcelo Tas). Interagiam. O objeto eletrônico, que no fundo era o espectador, emitia opiniões, chacoalhando "sim", "não", "talvez".

Havia a missão: descobrir uma nova linguagem para TV, torná-la mais humana, informal, próxima do telespectador, que não tinha o topete de Sérgio Chapelin, nem a voz poderosa de Cid Moreira, e que aprendia a emitir opiniões. Não tinha reflexão no apresentador. Reflexão = humanidade.

Quando se veem hoje apresentadores irreverentes, sabe-se que o processo de transformação começou lá atrás. E não era gratuito. Seguia princípios ideológicos, como tudo que é relevante nesta vida. Muitas vezes, é tão simples fazer história.

***

Mas quem diria que um programa anti-TV, ou não TV, o gênero reality show, estaria no horário nobre da maioria das emissoras?

Primeira leitura: gente comum disputando grana e fama das grandes estrelas; uma Revolução Francesa na tela; o fim dos privilégios de uma aristocracia que dominava o meio havia décadas.

Porém, a mensagem não é compartilhar, unir, fratertiné, mas destruir o outro cidadão para, sozinho, conquistar o grande prêmio. Como? Muita traição e complô. É um paradoxo dentro do outro.

O participante do reality show aprendeu. Sabe que faz parte de um jogo, em que pessoas ditas normais fingem que vivem a "vida real", mas estão interessadas na busca da capa da revista e do paredão alheio. Para isso, precisam eliminar (prejudicar), guilhotinar, como numa era de terror midiático.

O primeiro reality foi a série An American Family, de 1973, que mostrou uma família que se deu mal, pois resultou em divórcio.

Em 2000, com o surgimento da marca Big Brother, o gênero se multiplicou como gremlins: Casa dos Artistas, A Fazenda, O Aprendiz, Esquadrão da Moda, Troca de Família, Ídolos, Solitários, Qual É o Seu Talento?, Hipertensão, No Limite, Operação de Risco, Transplante, Entre a Vida e a Morte, Casa dos Segredos.

Cidadãos disputam o melhor corte de cabelo, brigam com chefs de cozinha, choram quando são derrotados, enfrentam provas que demonstram "superação", costumam ser humilhados, aceitam as regras.

Mas não é apenas a falta de inteligência - ou excesso de músculos, narcisismo e tatuagens dos personagens - que agride o telespectador. É a mensagem de individualismo, que nada tem a ver com o mundo de hiperconectividade, redes sociais, militância online e preocupações com sustentabilidade que os novos tempos despertam.

As pessoas querem agregar, repartir, não se aproveitar das fraquezas de outros. O mundo mudou.

***

Dias de hoje, fronteira dos EUA com Canadá. Um misterioso objeto radioativo cai na Terra. Testemunhas pensam ser um meteorito. Outra hipótese é de que a Al-Qaeda espalha por um pequeno avião radioatividade no ar.

Mas a agência governamental recupera o que parece ser uma cápsula espacial desconhecida da era soviética. E, surpresa, dentro dela, encontra um moleque russo, debilitado, com câncer e imunidade baixa. Talvez um sobrevivente de uma secreta missão a Marte dos anos 80.

Enquanto a Casa Branca precisa de respostas, a cada hora a história parece mais enrolada. O cosmonauta aparentemente nasceu em Marte, planeta para onde a antiga União Soviética mandara uma espaçonave, cujos tripulantes sobreviveram com os recursos de lá e procriaram, algo cientificamente possível.

É a sinopse de Pioneer One, série americana criada por Josh Bernhard, escritor, e Bracey Smith, diretor, que, diferentemente da maioria das séries produzidas, não teme a pirataria e nos quer corsários.

Ela é distribuída diretamente por meio da rede BitTorrent - responsável pelo compartilhamento de milhares de filmes e séries piratas -, proposta inédita que discute a guerra de trincheiras entre grandes produtores e torrents, extensões que possibilitam o compartilhamento de arquivos entre pessoas.

Com o engenhoso plot na cabeça, e sem a pretensão de fazer uma megaprodução, a dupla largou empregos e levantou grana numa campanha no site Kickstarter - a maior plataforma para se levantar fundos a projetos criativos, apoiada por Sundance Festival, YouTube, New York Times, CNN, Wired e outros. Dois meses depois, estrearam o piloto no site VODO.net.

Ganharam o prêmio de melhor drama no NYFTV (New York Festival Television). Inauguraram a era da "série de TV sem TV".

Os dois avisam no primeiro episódio: os próximos só serão realizados se os telespectadores doarem uma grana ou comprarem a camiseta ou o pôster da série no site de vendas com o sugestivo nome hackerthreads.

Rolou. Cada vez que a grana pingava, um novo episódio saía do forno. Os primeiros quatro foram baixados mais de 7 milhões de vezes. Completaram os seis episódios da primeira temporada. Uma segunda está prometida.

Tudo isso é novo, pioneiro e encorajador. Não vai solucionar o problema da indústria, nem será o airbag da atual crise de direitos autorais do setor. Porém, um grande e instigante roteiro, na boca de um ótimo elenco, é que faz da imperdível série realmente um sucesso.

Lição de moral: não basta rediscutir o meio, é preciso, como sempre, contar uma boa história (mensagem).

GOSTOSA


Barreira da qualidade - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 25/02/12
SÃO PAULO - Em artigo publicado na quinta-feira, o diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, revela que o ensino superior no Brasil está parando de crescer.

Utilizando-se de dados do Inep, Brito mostra que, de 1995 a 2005, o setor vivia uma expansão acelerada: o número de alunos aumentava 13% ao ano nas instituições privadas e 11% nas públicas. De 2005 a 2010, porém, houve uma significativa redução nesse ritmo: as particulares cresceram 4,5% ao ano, e as oficiais, 0,2%.

A situação fica pior se tomarmos como medida os que se graduam. Aí houve uma inflexão: o número de estudantes que concluíram o curso em 2010 foi menor do que o de 2007.

Para Brito, um dos fatores a explicar esse quadro é o fraco desempenho do ensino médio. A virtual universalização da escola fundamental ao longo dos anos 90 fez muitos especialistas prognosticarem uma explosão de matrículas no ensino médio, mas ela não ocorreu. Na verdade, o total de alunos que pegaram seu diploma de ensino médio em 2010 foi menor do que o de 2003.

A minha hipótese para o fenômeno é que o sistema de ensino se chocou contra a barreira da qualidade. Para o aluno avançar numa faculdade, ele precisa estar minimamente preparado. Se não está e sabe disso, nem se matricula. Se não sabe, começa o curso, mas acaba desistindo.

Caso o Brasil queira progredir mais, precisará resolver o problema da qualidade, que, apesar de uma lenta evolução, ainda é muito baixa. No último Pisa (2009), o exame internacional de desempenho de estudantes, ficamos em 53º lugar entre as 65 nações avaliadas.

E não há dúvida de que o país precisa, com urgência, aumentar sua população com diploma universitário. Por aqui, a taxa bruta de escolarização no nível superior é de 36%, contra 59% do Chile e 63% do Uruguai. Isso, é claro, para não mencionar países mais desenvolvidos, como EUA (89%) e Finlândia (92%).

O armário econômico de Romney - PAUL KRUGMAN

FOLHA DE SP - 25/02/12

Falando no Michigan, ele ouviu uma pergunta sobre redução do deficit e disse algo inteiramente razoável



DE ACORDO com Michael Kinsley, uma gafe é o que acontece quando um político acidentalmente fala a verdade. Foi sem dúvida o que aconteceu com Mitt Romney na terça, quando, em um momento de franqueza ele acabou por se entregar.

Falando no Michigan, Romney ouviu uma pergunta sobre redução do deficit e disse em resposta algo inteiramente razoável: "Se você apenas cortar, se você pensar unicamente em reduzir gastos, à medida que reduzir os gastos você vai desacelerar a economia".

Como se poderia prever, a polícia ideológica da direita ficou horrorizada; o Clube para o Crescimento imediatamente denunciou a declaração, dizendo que ela mostra que Romney não é "um conservador que defende o governo limitado".

E um porta-voz de Romney tentou retirar o que o pré-candidato havia dito, afirmando: "O que o governador quis dizer foi que apenas cortar o Orçamento, sem políticas afirmativas em prol do crescimento, é insuficiente para imprimir uma virada na economia".

Sabemos com quem Romney vai buscar conselhos econômicos; lideram a lista Glenn Hubbard, da Universidade Columbia, e N. Gregory Mankiw, de Harvard. Embora eles sejam partidários republicanos leais, ambos também possuem longos históricos como economistas profissionais. E o que esses históricos profissionais deles sugerem é que nenhum dos dois acredita em nenhuma das proposições que viraram provas decisivas para os pré-candidatos republicanos.

Considere-se o caso de Mankiw, em especial. Os republicanos modernos detestam Keynes; Mankiw é editor de uma coletânea de artigos intitulada "New Keynesian Economics". Numa das primeiras edições de seu livro didático, que é um best-seller, ele descreveu a economia baseada no estímulo à oferta -a doutrina à qual aderiu o endeusado Ronald Reagan- como sendo a criação de "excêntricos e charlatães". E, em 2009, ele pediu por inflação mais alta como solução para a crise, posição que é terminantemente rejeitada por republicanos como Paul Ryan, presidente do Comitê de Orçamento da Câmara.

Em vista de seus assessores, portanto, parece seguro supor que aquilo que Romney falou sem querer reflita suas ideias econômicas reais.

Então será que aqueles que não compartilham as crenças da direita deveriam sentir-se reconfortados com as evidências de que Romney não acredita em nada que anda dizendo? Em especial, deveríamos presumir que, uma vez eleito, ele adotaria políticas econômicas sensatas? Lamentavelmente, não.

Pois o cinismo e a falta de coragem moral que têm estado tão evidentes na campanha não desapareceriam assim que Romney pusesse os pés na Casa Branca. Se ele não ousa discordar das bobagens econômicas agora, por que imaginar que se disporia a contestá-las no futuro? E vale lembrar que, se for eleito, ele será observado estreitamente, em busca de sinais de qualquer apostasia, pelas próprias pessoas que agora se esforça para agradar.

Mais divergências - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 25/02/12


COM FERNANDA KRAKOVICS 


Relator da reforma política, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) não concorda com a articulação para fazer um plebiscito sobre o tema neste ano. Propõe um referendo em 2013, após a aprovação de uma proposta. "O Congresso não pode se abster de ter opinião em um assunto tão importante", disse ele. Autor da proposta do plebiscito, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) reagiu com irritação. "Quero ver ele arrancar um projeto de reforma política do Congresso", disse Miro.

Jogando a toalha
Em minoria, a bancada ambientalista pretende se retirar do plenário da Câmara durante a votação do Código Florestal e divulgar um manifesto para marcar posição. O assunto será discutido em reunião terça-feira. Sem expectativa de negociação com os ruralistas, eles farão campanha para que a presidente Dilma vete o texto. Deputados e ONGs ambientalistas reclamam que não foram procurados pelo relator, deputado Paulo Piau (PMDB-MG). Ele já se reuniu com a bancada ruralista. Enquanto a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) defende o texto aprovado pelo Senado, os verdes na Câmara não aceitam nem isso.

"Os assuntos da Previdência são mais fáceis do que os do PMDB” — Garibaldi Alves, ministro da Previdência, que já disse que a pasta era um “abacaxi”

ACERTANDO OS PONTEIROS. O ministro Alexandre Padilha (Saúde) convidou a ministra Eleonora Menicucci (Mulheres) a participar do monitoramento dos programas de saúde da mulher. O objetivo é evitar problemas como o da medida provisória que criou um cadastro compulsório de gestantes. A MP acabou sendo alterada depois da reação de movimentos de mulheres que acusavam o governo de querer monitorar gestantes que interrompam a gravidez.

Reforma
Ganha força no Planalto os nomes de Antonio Carlos Rodrigues, presidente do PR paulistano, e do ex-senador César Borges para o Ministério dos Tranportes. Pesa contra Borges o DNA de oposição. Ele deixou o DEM em 2007.

Imposto sindical
O ministro Carlos Ayres Britto, do STF, promete liberar em março seu voto sobre o fim do imposto sindical. A ação foi impetrada pelo DEM. Três ministros já se posicionaram a favor do repasse para as centrais sindicais e dois, contra.

Rota de colisão
A presidente Dilma chega a Fortaleza na segunda-feira em meio a um bate-boca entre PT e PSB. A confusão começou quando o senador José Pimentel (PT-CE) declarou que o estado estaria devolvendo recursos do PAC e do "Minha Casa, Minha Vida" por falta de projeto. O governador Cid Gomes (PSB) rebateu. Na última visita de Dilma ao Ceará, no início do mês, ela e o governador se desentenderam por causa de investimentos federais.

PMDB x PMDB
O senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) trabalha para efetivar Ramon Rodrigues, interino, na diretoria-geral do Dnocs. O líder do PMDB, deputado Henrique Alves (RN), indicou Emerson Daniel Jr. para o cargo, mas ele ainda não foi nomeado.

Crise
A CNB, corrente majoritária do PT, quer maior participação na coordenação da campanha de Fernando Haddad para a Prefeitura de São Paulo. Hoje, há reunião do Conselho Político da campanha e o assunto deve entrar na pauta.

DESINDUSTRIALIZAÇÃO. A CNI, a CUT
 e a Força Sindical vão pedir ao presidente do Senado, José Sarney, terça-feira, para agilizar a votação da proposta que uniformiza a alíquota de ICMS nas operações interestaduais com produtos importados.

OUTRO LADO. Apesar de estar participando das conversas sobre a votação do Código Florestal, o vice-presidente Michel Temer afirma que não está fazendo o papel de mediador. Diz que essa função é da ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais).

Tela quente - VERA MAGALHÃES

FOLHA DE SP - 25/02/12


Para além de sua esperada participação nas prévias, José Serra vê como prioritária para a sua candidatura a montagem de coalizão que lhe garanta ampla dianteira no tempo de TV. Para isso, instruiu aliados, como o senador Aloysio Nunes, a negociar já com os partidos que integraram sua base de apoio no governo paulista.

No radar dos serristas, além de PSD e DEM, estão oito partidos com assento na Câmara dos Deputados. Se prosperar o "blocão", o ex-governador terá quase dez minutos no palanque eletrônico. Isso forçaria Lula a tentar tirar Gabriel Chalita (PMDB) e Celso Russomanno (PRB) do páreo, cristalizando polarização PT-PSDB.

Falta combinar Duas siglas sondadas pelos operadores tucanos têm candidaturas: PDT e PPS. Recém-incorporado à base de Geraldo Alckmin, o pedetista Paulinho da Força está inclinado a desistir por Serra. Soninha Francine diz que o ingresso do ex-governador no cenário não altera seus planos.

No script Do presidente do PSDB paulistano, Julio Semeghini: "A entrada de Serra, que sempre defendi, enriquece e valoriza o nosso processo interno. É um nome capaz de unir o partido".

Para depois Tucanos já conceberam novo calendário para as prévias, que poderão ser adiadas por duas semanas. Neste intervalo, o partido organizaria evento para Serra se apresentar à militância como pré-candidato. "O nosso limite é 31 de março", diz um dirigente.

Rubrica Embora trabalhe para remover obstáculos a Serra, o PSDB espera comunicação de próprio punho do ex-governador anunciando sua entrada no páreo. A direção municipal não aceitará carta de aliado requerendo sua inscrição, como chegou a ser cogitado.

Recaída Em meio à indefinição de Serra, Alckmin voltou a sofrer com as crises de soluço que o afligiram na escolha de seu secretariado, em dezembro de 2010.

Non grata O convite para que o cientista político Aldo Fornazieri ajude no plano de governo de Fernando Haddad revoltou petistas. Fornazieri bateu duro no PT em artigos recentes. No ano passado, disse que o mensalão tirou o "calço moral" da sigla.

Camaradas Haddad se encontrou com Fornazieri na semana passada. Segundo petistas, ele atuará, juntamente com mais dois técnicos, na sistematização de informações sobre a cidade.

Fatura 1 O PSC acertou com a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) a manutenção de Norman Oliveira para cuidar na Secretaria de Acessibilidade e Programas Urbanos do Ministério das Cidades. Com a troca de ministro na pasta, o partido temia perder a vaga.

Fatura 2 Esse cargo foi reservado para o PSC ainda na campanha. O orçamento da secretaria é de R$ 2,3 bilhões para 2012. Só para acessibilidade urbana estão disponíveis R$ 48,2 milhões.

Extra-pauta Na última reunião do conselho curador da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), foi aprovada uma moção de apoio à população da Bahia por conta do grande número de homicídios ocorridos no Estado no mês de fevereiro, em virtude da greve da Polícia Militar.

Maquiagem O conselho da EBC também propôs a "criação de uma nova forma para medir a audiência dos canais EBC, que não vinculada ao Ibope". Conhecida como "TV traço", a TV Brasil alcança menos de um ponto de audiência, segundo as medições feitas pelo instituto.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

"Acho estranhíssimo esse recuo. Meu pai é ex-combatente, e militar é gente de posição. Imagino como deve ter sido grande a pressão do governo para eles terem voltado atrás."

DO PASTOR SILAS MALAFAIA, da Assembleia de Deus, sobre a retirada, por parte dos clubes militares, de nota em que criticavam ministras do governo Dilma, entre outras coisas pela defesa da descriminalização do aborto.

contraponto

As voltas que o mundo dá

A deputada estadual Juliana Brizola (PDT-RS) foi procurada em seu gabinete por uma aposentada de 90 anos que havia sido professora de seu avô, Leonel Brizola.

Ela lhe contou que reprovou Brizola por meio ponto. Ele tentou argumentar, mas ela manteve a reprovação.

Décadas depois se reencontraram, quando ela era líder sindical e ele, governador do RS, numa negociação.

-Guria, como eu podia imaginar que o aluno que reprovei por meio ponto viria a se tornar governador?-, justificou a professora, diante da neta do caudilho.

Na mesma roda - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 25/02/12
O Banco Central consultou o mercado sobre até que ponto os juros podem cair. Por "mercado" entenda-se 100 instituições financeiras e consultorias que normalmente respondem pesquisas do Banco Central. A resposta é que o nível de juros de equilíbrio é mais baixo do que já foi no passado recente. Essa é a boa notícia. A que talvez o BC não quisesse ouvir é que os juros atuais já estão até abaixo desse nível.

Antes que achem que eu fiz uma coluna criptográfica, vou tentar explicar o mundo desse jogo de sinais com que BC e bancos se comunicam. Na última ata do Copom, o Banco Central informou duas coisas: que ele achava que a taxa neutra de juros - essa na qual não há risco de inflação e o país continua crescendo - é mais baixa agora do que antes; segundo, que os juros vão continuar caindo até ficar em um dígito. A taxa Selic está agora em 10,5%.

A inflação em 12 meses está em queda, e o BC achou então que era boa hora de fazer essa pesquisa. Qual era afinal a taxa de equilíbrio, ou neutra, da economia brasileira? A resposta foi divulgada na quinta-feira à noite. A média das opiniões é que hoje essa taxa real é 5,5%. Para achar a taxa real é preciso descontar da Selic a previsão de inflação para os próximos 12 meses. Essa previsão de inflação futura tem caído, o que ajuda mais um pouco, mas mesmo assim a conta mostra que os juros reais praticados hoje são 5%. Ou seja, não dá para cair mais e chegar a um dígito a não ser que os preços caiam mais. A boa notícia é que na última vez que foi feita essa pesquisa, em 2010, a resposta foi 6,75%, em vez de 5,5%, agora.

Pode-se concluir que o Brasil é mais capaz hoje de manter juros mais baixos sem alimentar a pressão inflacionária, mas que esse ponto de queda já foi atingido. Se o BC procurava um aval para novos cortes ficou agora numa situação curiosa. Ontem mesmo os juros no mercado futuro subiram.

A política monetária ideal é a que tem juros baixos, permite o país crescer e mantém a inflação baixa. O problema é que o Banco Central tem que manter as três bolas no ar ao mesmo tempo sem perder o controle de nenhuma. Nem sempre os objetivos são coincidentes.

O real atingiu a maior cotação em relação ao dólar dos últimos três meses e o Banco Central atuou para impedir uma alta maior da moeda. Comprou para evitar que o dólar caia mais. A valorização do real ajuda a derrubar a inflação, que está acima do centro da meta, mas, por outro lado, aflige a indústria, que perde capacidade de competir com as importações e tem dificuldades para exportar.

O dólar baixo tem produzido vários outros problemas. Esta semana saiu divulgado um superdéficit na conta corrente de US$ 7,08 bi apenas no mês de janeiro. A conta corrente junta tudo: o gasto com turistas que vão, descontado dos turistas que vêm, exportações menos importações, frete, bens e serviços do exterior. E ela virou esse mar vermelho porque o dólar barato estimula todo mundo a viajar para o exterior, e assusta quem quer vir para o Brasil. Os brasileiros gastaram quase US$ 2 bi lá fora, no mês, e os estrangeiros gastaram aqui US$ 660 milhões. Por isso, o câmbio que ajuda a derrubar a inflação é o mesmo que cria outras distorções.

Há também uma enxurrada de moeda despejada pelo Banco Central americano para estimular a economia. Os bancos centrais da Zona do Euro, Inglaterra e Japão fizeram o mesmo, aumentaram a quantidade de dinheiro em circulação. O resultado são moedas fracas nos países ricos e moedas fortes nos emergentes. Menos a China, que controla o preço da sua moeda com a mesma mão de ferro com que controla a manifestação de opinião. Fica difícil competir com a China, não apenas pelos méritos dela, mas pela distorção que ela cria na economia.

No Brasil, o BC também está reduzindo juros para estimular a economia, que ficou estagnada no terceiro trimestre do ano passado, último dado divulgado pelo IBGE. Mês que vem sai o último trimestre e deve confirmar um crescimento do PIB em torno de 3% ou menos um pouco.

Apesar de crescer pouco, o Brasil está criando emprego. Em janeiro, foram 119 mil vagas de carteira assinada, menos 22% do que janeiro do ano passado, mas bom para esses tempos bicudos no mundo. Quisera a Europa ter número assim. Já tem economista escrevendo que os 6% de desemprego na média de 2011 já é pleno emprego. Tem que combinar com os jovens de 18 a 24 anos que enfrentaram uma taxa de 13,5%.

O Brasil vai bem, dado o contexto geral, mas continua com velhos dilemas. O dinheiro do BNDES, diz o economista Rafael Bistafa, da Rosenberg & Associados, num argumento que já ouvi até no BC, é uma das causas de se manter juros tão altos. O dinheiro barato na mão de uns precisa ser compensado com crédito mais caro na mão de outros.

Comparado a outros emergentes, o Brasil é o país que oferece o menor risco medido pelo CDS (Credit Default Swap) com maior retorno por alta de juros. O CDS é o custo de comprar um seguro contra o risco de um país não pagar. O título brasileiro com vencimento em 5 anos, por exemplo, está em 136 pontos, abaixo do coreano, em 142. Mas os contratos de juros brasileiros com vencimento em 1 ano pagam 9,6% enquanto os coreanos pagam bem menos, 3,52%. É tentador para o investidor internacional trazer dólares para o Brasil, o risco é baixo e a rentabilidade via juros é alta. Se o dólar vem, derruba demais o dólar. Estamos de novo no mesmo círculo.

GOSTOSA


O juiz e seu dever profissional - WALTER CENEVIVA

FOLHA DE SP - 25/02/12


O juiz (ou juíza) deve ser fiel à sua profissão e à sua cidadania, com coragem, mas sem abusos



A LENTE do observador lançada sobre o andamento da Justiça, depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) manteve a missão fiscalizadora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), favorece a possibilidade de serem corrigidos defeitos geradores de críticas ao Poder Judiciário nos últimos tempos. Exemplo desse otimismo está em acreditar que o prazo prescricional, em processos contra acusados de gravíssimos prejuízos causados à nação, será superado pelo julgamento em tempo.

Se persistir nesse caminho, o Judiciário mostrará que a função precípua de guarda da Constituição será cumprida. Afastará, da primeira à última instância, a impressão ou o temor da injustiça, provocada até pela demora no decidir. Bom exemplo: o novo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo vai fazer cumprir a norma que impõe ao juiz a obrigação de residir na comarca para a qual foi designado. Não era respeitada. É um bom passo.

O tempo alongado, perdido na imposição do pagamento dos débitos do Executivo, nos três níveis de governo e de suas empresas, tem dado fundamento às críticas. Há de ser enfrentado.

A demora exagerada no julgamento de alguns processos criminais para réus "importantes" estimula dúvidas do povo. Assim como a pena excessiva (falsa, por ser irreal) para outros.

O advogado não pode perder o prazo de sua manifestação. Não protelará o andamento se o magistrado for eficiente e tiver um bom cartório na retaguarda.

O Judiciário tem permitido que juízes, em todos os níveis de jurisdição, retardem sua manifestação, sem que nada lhes aconteça. As associações de magistrados tiveram reação irritada contra o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) quando este criticou a demora. Elas cumpriram a missão associativa, mas teriam boa contribuição se estimulassem o respeito do prazo legal, no dever de julgar.

O juiz tem o direito de trabalhar segundo seu tipo pessoal, mas não é moralmente defensável que alguns mantenham o serviço em dia e outros retardem semanas, meses e até anos para decidir questões, independente da sua complexidade.

Idealmente, a questão da probidade da magistratura nem deveria existir. Infelizmente, existe, ainda que minoritária. A corrupção do juiz não tem recibos, contratos, mas nos meios jurídicos a fama da corrupção é rastilho de pólvora. Cabem aos tribunais medidas de verificação quando recebam informações que sejam, além de reiteradas, plausíveis, de mais de uma fonte. Querer denúncia escrita, com firma reconhecida, é ridículo. Ou hipocrisia.

Quebrar o dever da honradez prejudica o conjunto da magistratura. Cada juiz tem o maior interesse na punição do magistrado corrupto. Por isso o CNJ manteve a posição de que, nos Estados e nas Regiões, a proximidade entre os colegas, famílias, clubes e grupos sociais terminam impedindo a apuração das derrapagens no caminho da retidão.

Ninguém pretende que o magistrado seja um santo, porque, se for santo, dificilmente será juiz. Salomão, cuja argúcia no julgamento das duas mães que defendiam que um bebê era seu filho, não era nem um pouco santo.

O juiz (ou juíza) deve ser fiel à sua profissão e à sua cidadania, com coragem, mas sem abusos. O "bandido da toga" fere a respeitabilidade de todos. Deve ser combatido por todos.

Palácio de Ideias - SÉRGIO AUGUSTO


O Estado de S.Paulo - 25/02/12


Um missionário jesuíta na China medieval, chamado Matteo Ricci, desenvolveu uma poderosa mnemônica mediante a associação daquilo que deve ser memorizado com espaços conhecidos, que se consagrou com o nome de "palácio da memória". Sua história foi contada pelo sinólogo britânico Jonathan D. Spence num fascinante livro, O Palácio da Memória, de Matteo Ricci, traduzido há 26 anos pela Companhia das Letras e lido com avidez por Joshua Foer, aquele "atleta mental" mostrado no último Fantástico. Joshua, irmão caçula de Jonathan Safran Foer, autor do romance que deu origem ao filme Tão Forte e Tão Perto, já publicou um livro a respeito de sua adaptada mnemônica, A Arte e a Ciência de Memorizar Tudo (Nova Fronteira), mas não é sobre ele, nem sobre Ricci, que versa a nossa prosa de hoje.

Tem memória sim, porém em outra escala, assumidamente modesta e inspirada em Ricci: em vez de um palácio, um bangalô. O Chalé da Memória (Objetiva, 222 págs., R$ 32,90, tradução de Celso Nogueira) guarda todas as lembranças de infância, juventude e maturidade que o historiador inglês Tony Judt conseguiu coligir antes de sucumbir ao último estágio da esclerose lateral amiotrófica, a demoníaca paralisia que afinal o matou, em agosto de 2010. Foi seu primeiro livro póstumo e quase nem isso foi.

Os pequenos ensaios autobiográficos que o habitam, ditados e depois redigidos por um amigo, não se destinavam, em princípio, à publicação; foram escritos por "puro deleite", como um exercício mnemônico de alguém "confinado à paisagem retórica de suas próprias reflexões interiores". Existiu um chalé de verdade na infância de Judt. Ficava numa estação de esqui da Suíça francesa, refúgio invernal da família, no início dos anos 1950. Judt nasceu em 1948, "a tempo de conhecer os Beatles" - e curtir a Swinging London.

As reminiscências da Londres do pós-guerra, pré-Beatles, com racionamentos e outras privações, talvez interessem pouco à maioria dos leitores. Mesmo este leitor, que sabe quem foram e o que fizeram Cyril Connolly, Cliff Richard e Jimmy Porter, só se ligou nas recordações e reflexões do autor a partir da página 112, depois que o dono do chalé se rebelou e foi estudar em Paris, na segunda metade dos anos 1960, "a melhor época para se ser jovem" - e rebelde com causa.

Preparado para "observar e inalar a genuína revolta" encarnada no chienlit de Maio de 68, descobriu-a, contudo, um pouco além, em Praga e Varsóvia, onde, no verão daquele ano, "o marxismo caiu por terra". Para Judt, os estudantes rebeldes da Europa Central minaram, desacreditaram e derrubaram não apenas alguns regimes comunistas arruinados mas também a própria ideia de comunismo. "Se tivéssemos nos preocupado um pouco mais com o destino das ideias que brandíamos com tanta ostentação, teríamos talvez prestado mais atenção às ações e opiniões daqueles que foram criados à sua sombra", conclui sua crítica à cegueira ideológica de seus colegas de agitação e quimeras gauchistas.

Com a intenção de entender melhor aquela guinada e, de lambuja, superar a crise da meia-idade e os efeitos colaterais de um segundo divórcio, Judt iniciou os anos 1980 aprendendo checo. À grandiosidade óbvia de Rússia e Polônia, preferiu as qualidades típicas da Checoslováquia, como a dúvida, a insegurança cultural e a autozombaria cética, sintetizadas na ficção e na figura de Kafka. Sem essa imersão no checo não se encontraria em Praga em novembro de 1989, observando Vaclav Havel tomar posse na Presidência. E graças a ela, também, curou-se para sempre "do solipsismo metodológico da academia pós-moderna".

A quem, por lamentável lapso, não leu O Mal Ronda a Terra, lançado pela Objetiva no ano passado, recomendo: leia este primeiro. Algumas das ideias tratadas n'O Chalé da Memória (o irônico legado da rebeldia seiscentista, o ocaso da esquerda, o individualismo niilista da direita, a fé cega na bússola do mercado desregulamentado) foram abordadas com menos ligeireza no livro anterior, também derivados de ensaios originalmente publicados na New York Review of Books, que Judt considerava "um dos três pontos fortes" dos Estados Unidos, onde viveu, escreveu e lecionou a partir de 1978, sem desgrudar o olhar da Europa.

Os outros dois pontos fortes? Thomas Jefferson e Chuck Berry. O quarto, deduzo, seria a imbatível fartura das bibliotecas universitárias de lá.

Há cativantes passagens nostálgicas sobre ônibus e trens, nos capítulos iniciais, e pelo menos uma observação pungente, quando Judt admite que a consequência mais desalentadora de sua doença foi tomar consciência de que nunca mais andaria de trem, que outras coisas nunca mais aconteceriam, certeza que sobre ele pesou "como um cobertor de chumbo".

Fazem bem à alma as suas diatribes contra os acadêmicos que se submetem ao exibicionismo e ao baixo nível televisivos, o politicamente correto, o neopuritanismo alimentado pela paranoica preocupação com assédio sexual, o gueto involuntariamente imposto por disciplinas orientadas pela cor da pele ("black literature"), sexo ("women studies") e preferências sexuais ("gay cinema"), o empobrecimento da linguagem pela internet, a ladainha em torno do Holocausto (é preciso superar o trauma de vez e seguir em frente, martelava o historiador, que era judeu e por uns tempos morou num kibutz em Israel).

Judt talvez tenha sido o intelectual mais próximo de Orwell dos últimos 30 anos. Em seu chalé cabia um palácio de ideias, cujas portas, com guia em português, só estarão abertas a partir do próximo fim de semana.